CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
JÁN MAZÁK
apresentadas em 17 de Junho de 2008 1(1)
Processo C‑291/07
Kollektivavtalsstiftelsen TRR Trygghetsrådet
contra
Skatteverket
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Regeringsrätten (Suécia)]
«Tributação – IVA – Directivas 77/388/CEE e 2006/112/CE do Conselho – Lugar das prestações de serviços – Serviços de consultadoria – Fundação nacional que exerce tanto actividades económicas como outras actividades não abrangidas pelo âmbito de aplicação das Directivas 77/388 e 2006/112»
1. Com o presente pedido de decisão prejudicial, o Regeringsrätten (Supremo Tribunal Administrativo) (Suécia), pede ao Tribunal de Justiça que interprete os artigos 9.°, n.° 2, alínea e), e 21.°, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva IVA (2), bem como os artigos 56.°, n.° 1, alínea c), e 196.° da Directiva 2006/112 (3) (a seguir, conjuntamente, «disposições relevantes»). O processo principal refere‑se, em parte, a períodos contabilísticos aos quais são aplicáveis as disposições da Sexta Directiva e, em parte, a períodos contabilísticos aos quais se aplicam as disposições da Directiva 2006/112.
2. O processo tem por objecto uma fundação sueca que exerce tanto actividades económicas como outras actividades e que pretende adquirir serviços de consultadoria na Dinamarca. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, para efeitos da aplicação das disposições relevantes, a fundação é um sujeito passivo, mesmo no caso de a aquisição se destinar exclusivamente à parte da sua actividade que não é abrangida pelo âmbito de aplicação das directivas.
I – Quadro jurídico
A – Direito comunitário
3. Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva, estão sujeitas ao IVA: «[a]s entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».
4. O artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva dispõe que se entende por sujeito passivo «qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade». O artigo 4.°, n.° 2, tem a seguinte redacção: «actividades económicas [...] são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços [...]».
5. Nos termos do artigo 9.° da Sexta Directiva, que tem por objecto o lugar das prestações de serviços:
«1. Por ‘lugar da prestação de serviços’ entende‑se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual.
2. Todavia:
[…]
e) Por lugar das prestações de serviços a seguir referidas, efectuadas a destinatários estabelecidos fora da Comunidade ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade, mas fora do país do prestador, entende‑se o lugar onde o destinatário tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável para o qual o serviço tenha sido prestado ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual:
[…]
– prestações de serviços de consultores, engenheiros, gabinetes de estudo, advogados, peritos contabilistas e demais prestações similares e, bem assim, o tratamento de dados e o fornecimento de informações;
[…]»
6. O artigo 21.°, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva prevê que o IVA é devido:
«Pelos destinatários dos serviços referidos no n.° 2, alínea e), do artigo 9.°, efectuados por um sujeito passivo estabelecido no estrangeiro; todavia, os Estados‑Membros podem prever que o prestador dos serviços seja solidariamente responsável pelo pagamento do imposto.»
7. Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2006/112, estão sujeitos ao IVA os seguintes tipos de operações: «[a]s prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».
8. O artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 2006/112 dispõe:
«Entende‑se por ‘sujeito passivo’ qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade.
Entende‑se por ‘actividade económica’ qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades […] das profissões liberais ou equiparadas. […]»
9. Nos termos do artigo 56.°, n.° 1, da Directiva 2006/112:
«O lugar das prestações de serviços adiante enumeradas, efectuadas a destinatários estabelecidos fora da Comunidade ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade, mas fora do país do prestador, é o lugar onde o destinatário tem a sede da sua actividade económica ou dispõe de um estabelecimento estável para o qual foi prestado o serviço ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar onde tem domicílio ou residência habitual:
[…]
c) Prestações de serviços de consultores, engenheiros, gabinetes de estudo, advogados, peritos contabilistas e outras prestações similares e, bem assim, tratamento de dados e fornecimento de informações;
[…]»
10. Por último, o artigo 196.° da Directiva 2006/112 prevê:
«O IVA é devido pelos sujeitos passivos destinatários de serviços referidos no artigo 56.° […]»
B – Direito nacional
11. Nos termos do capítulo 1, § 1, da lei relativa ao imposto sobre o valor acrescentado [mervärdesskattelagen (1994:200), a seguir «ML»], o IVA deve ser pago sobre as transacções, efectuadas dentro do país, relativas a mercadorias ou serviços sujeitos a imposto e fornecidos no âmbito de uma actividade profissional (4).
12. Nos termos do capítulo 5, § 7, da ML, determinados serviços especificados, incluindo os de consultadoria, que sejam prestados a partir de outro Estado‑Membro serão considerados prestados dentro do país se o seu adquirente for um comerciante que tenha na Suécia a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável para o qual foi prestado o serviço ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável na Suécia, se aqui tiver domicílio ou residência habitual. Se quem prestar os serviços de consultadoria tributáveis no país for um empresário estrangeiro é, nos termos do capítulo 1, § 2, da ML, o adquirente que deve pagar o IVA (5).
13. A ML não contém qualquer definição de «comerciante». Entende‑se por «actividade profissional», nos termos do capítulo 4, § 1, da ML, uma actividade que constitua uma actividade económica, desde que a remuneração das operações exercidas no âmbito dessa actividade tenha sido superior, no ano de tributação, a 30 000 SEK. Resulta do capítulo 13, § 1, da lei relativa ao imposto sobre o rendimento [inkomstskattelagen (1999:1229)] que se entende por actividade económica uma actividade lucrativa exercida a título profissional e de modo independente.
II – Matéria de facto, tramitação processual e questão prejudicial submetida
14. O processo principal respeita a uma fundação constituída com base em contratos colectivos, a Kollektivavtalsstiftelsen TRR Trygghetsrådet [a seguir «TRR»], criada em 1994 pela então Svenska Arbetsgivareföreningen (actualmente Svenskt Näringsliv) [Confederação Patronal] e pela Privattjänstemannakartellen [Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores do sector privado].
15. O objecto da TRR é, nos termos dos seus estatutos, por um lado, o pagamento de indemnizações por despedimento e a promoção de medidas destinadas a facilitar o acesso a um novo emprego de trabalhadores que, por razões específicas, sejam despedidos ou corram o risco de o ser, e, por outro lado, o aconselhamento e a assistência a empresas durante ou perante situações de excesso de pessoal, bem como a promoção do desenvolvimento das empresas no que respeita aos recursos humanos. As condições detalhadas da actividade da TRR são regidas por um acordo que vigora entre a Svenskt Näringsliv e o Privattjänstemannakartellen, o Omställningsavtalet [Acordo de reconversão].
16. As actividades são financiadas através de contribuições pagas pelas entidades patronais vinculadas pelo acordo, que correspondem a uma determinada percentagem dos salários dos trabalhadores abrangidos pelo acordo. As entidades patronais vinculadas pelo acordo através dos chamados «acordos de adesão» pagam uma contribuição anual fixa. Paralelamente à actividade que a TRR exerce nos termos do Acordo de reconversão, a fundação está registada como sujeito passivo de IVA relativamente à prestação de serviços relacionados com a deslocalização de empresas. As actividades tributáveis correspondem a cerca de 5% do total das actividades da TRR.
17. A TRR pretende adquirir, nomeadamente na Dinamarca, serviços de consultadoria que serão utilizados exclusivamente no âmbito da actividade que a fundação exerce no âmbito do Acordo de reconversão. Para se informar sobre as consequências fiscais dessa aquisição, a TRR requereu uma decisão prévia à Skatterättsnämnden [comissão de direito fiscal], perguntando se a actividade que a TRR exerce no âmbito do Acordo de reconversão é uma actividade profissional e se a TRR é um comerciante, na acepção do capítulo 5, § 7, da ML.
18. A Skatterättsnämnden respondeu às questões através de uma decisão prévia, em 3 de Março de 2006, no sentido de que, por um lado, as actividades exercidas nos termos do Acordo de reconversão não implicam que se deva considerar que a TRR presta serviços no âmbito de uma actividade profissional e que, por outro, a TRR deve ser considerada um comerciante, na acepção do capítulo 5, § 7, da ML.
19. A TRR recorreu da decisão prévia, pedindo ao Regeringsrätten que a alterasse e que declarasse que a TRR não é um comerciante, na acepção do capítulo 7, § 5, da ML. A Skatteverket (administração fiscal sueca) pediu ao Regeringsrätten que confirmasse a decisão prévia.
20. Em apoio do seu recurso, a TRR alegou, nomeadamente, que o registo como sujeito passivo de IVA não implica, por si só, que se considere sempre que a entidade registada é um comerciante, na acepção do capítulo 5, § 7, da ML. Nas aquisições destinadas a actividades que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva, a TRR não é um comerciante na acepção da referida disposição. A disposição correspondente da Sexta Directiva, o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), não remete para o conceito de comerciante, mas sim para o de sujeito passivo.
21. O Regeringsrätten considera que o processo que lhe foi submetido requer a interpretação do conceito de direito comunitário de «sujeito passivo» para efeitos da aplicação de determinadas disposições da Sexta Directiva IVA e da Directiva 2006/112. O órgão jurisdicional de reenvio observa que o conceito de «sujeito passivo» da Sexta Directiva IVA foi interpretado pelo Tribunal de Justiça em vários acórdãos. Não existe, porém, qualquer jurisprudência relativa à interpretação a dar a este conceito na aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da referida directiva numa situação como a do caso em apreço.
22. Uma vez que as disposições relevantes da Sexta Directiva e da Directiva 2006/112 não são claras e que a questão parece não ter sido ainda abordada pelo Tribunal de Justiça, o Regeringsrätten decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Os artigos 9.°, n.° 2, alínea e), e 21.°, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva IVA e os artigos 56.°, n.°1, alínea c), e 196.° da [Directiva 2006/112/CE] devem ser interpretados no sentido de que quem adquira serviços de consultadoria a um sujeito passivo noutro [Estado‑Membro] e exerça tanto actividades económicas como actividades que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação das directivas deve ser considerado sujeito passivo, para efeitos da aplicação desses artigos, mesmo que a aquisição se destine exclusivamente a estas últimas actividades?»
23. Foram apresentadas observações escritas pela Skatteverket, pelos Governos alemão, grego, italiano e polaco, e pela Comissão. Não foi solicitada pelas partes nem teve lugar qualquer audiência.
III – Apreciação
A – Principais argumentos das partes
24. A TRR não apresentou observações escritas no Tribunal de Justiça.
25. A Skatteverket entende que o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva e o artigo 56.°, n.° 1, da Directiva 2006/112 não exigem que o cliente aja na qualidade de sujeito passivo quando adquire os serviços, nem que os adquira para a sua actividade económica. Além disso, é conforme com o objectivo das duas directivas que, para os efeitos das disposições relevantes, seja despiciendo se o cliente age ou não na qualidade de sujeito passivo.
26. A Skatteverket alega que, para a aplicação das disposições relevantes, um sujeito passivo deve ser tratado enquanto tal, independentemente do objectivo da aquisição de serviços. Deste modo, no caso dos serviços adquiridos pela TRR nas circunstâncias do processo principal, o fornecimento deve ser considerado efectuado na Suécia. Por conseguinte, a TRR está obrigada a declarar e a pagar o IVA ao Tesouro sueco. Contudo, o fornecimento de serviços não relacionados com a actividade económica da TRR não dá origem a um direito de dedução do IVA.
27. Os Governos alemão, polaco e grego e a Comissão apresentaram argumentos no mesmo sentido que os da Skatteverket. Em princípio, alegam que as disposições relevantes devem ser interpretadas no sentido de que um cliente que adquira serviços de consultadoria a um sujeito passivo estabelecido noutro Estado‑Membro e exerça tanto uma actividade económica como uma actividade não abrangida pelo âmbito de aplicação das directivas deve ser considerado sujeito passivo, mesmo que a aquisição se destine exclusivamente a esta última actividade.
28. Contudo, o Governo italiano sustenta, no essencial, que as disposições relevantes devem ser interpretadas no sentido de que um cliente que adquira serviços de consultadoria a um sujeito passivo estabelecido noutro Estado‑Membro e exerça tanto uma actividade económica como uma actividade não abrangida pelo âmbito de aplicação das directivas deve ser considerado o consumidor final desse fornecimento de serviços sempre que a aquisição se destinar exclusivamente à actividade não abrangida pelo âmbito de aplicação das directivas.
B – Apreciação
29. Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se as disposições relevantes devem ser interpretadas no sentido de que quem adquira serviços de consultadoria a um sujeito passivo estabelecido noutro Estado‑Membro e exerça tanto uma actividade económica como uma actividade não abrangida pelo âmbito de aplicação das directivas deve ser considerado sujeito passivo, mesmo que a aquisição se destine exclusivamente a esta última actividade.
30. Tendo em conta a redacção quase idêntica das disposições relevantes das duas Directivas, e no interesse da clareza, só será feita aqui referência à Sexta Directiva (6).
31. Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva, entende‑se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente, uma das actividades económicas referidas no n.° 2 do artigo 4.° «Actividade económica» é definida no artigo 4.°, n.° 2, como todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços.
32. Segundo jurisprudência assente, o artigo 4.° da Sexta Directiva confere um âmbito de aplicação muito lato ao IVA, englobando todos os estádios da produção, da distribuição e da prestação de serviços (7). Além disso, também constitui matéria assente que, face ao objectivo da Sexta Directiva – que procura, em especial, criar um sistema comum de IVA com base numa definição uniforme de «sujeitos passivos» –, este estatuto deve ser apreciado exclusivamente atendendo aos critérios enunciados no artigo 4.° da referida directiva (8).
33. Assim, o Tribunal de Justiça decidiu que uma pessoa que exerce uma actividade económica para efeitos do artigo 4.° da Sexta Directiva é um sujeito passivo, mesmo que esta actividade económica seja acessória (9). Uma pessoa pode ser considerada sujeito passivo nos termos do artigo 4.° da Sexta Directiva mesmo que, como no caso da TRR, uma parte predominante da sua actividade não seja abrangida pelo âmbito de aplicação desta directiva.
34. No acórdão Gillan Beach, o Tribunal de Justiça afirmou que o «artigo 9.° da Sexta Directiva contém regras que determinam o lugar de conexão das prestações de serviços para efeitos fiscais. Enquanto o n.° 1 deste artigo estabelece sobre esta matéria uma regra de carácter geral, o n.° 2 do mesmo artigo enumera uma série de conexões específicas. O objectivo destas disposições é […] evitar, por um lado, os conflitos de competência susceptíveis de conduzir a duplas tributações e, por outro, a não tributação de receitas» (10).
35. O Tribunal de Justiça continuou, no mesmo acórdão, afirmando que «[h]á igualmente que recordar que, a respeito da relação entre os n.os 1 e 2 do artigo 9.° da Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça decidiu que não existe qualquer primado do n.° 1 sobre o n.° 2 desta disposição. A questão que se coloca em cada situação concreta é a de saber se esta última é regida por um dos casos mencionados no artigo 9.°, n.° 2, da referida directiva. Se o não for, cai no âmbito do n.° 1 do mesmo artigo» (11).
36. Daí resulta que, não sendo o artigo 9.°, n.° 2, da Sexta Directiva uma excepção à regra prevista no artigo 9.°, n.° 1, não deve ser interpretado de forma estrita.
37. O Tribunal de Justiça declarou ainda no acórdão Gillan Beach que, «[n]a interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta não apenas os seus termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte» (12). Assim, de acordo com o Tribunal, importa ter em mente que o artigo 9.°, n.° 2, da Sexta Directiva é uma regra de conflitos que determina o lugar de tributação das prestações de serviços e, por conseguinte, delimita as competências dos Estados‑Membros. Observo que daí resulta que o conceito de «prestações de serviços de consultores» é um conceito de direito comunitário, que deve ser interpretado uniformemente, a fim de evitar situações de dupla tributação ou de não tributação (13).
38. Importa referir que o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva não especifica se um sujeito passivo que adquire serviços deve ou não fazer esta aquisição para a respectiva actividade económica (14): não há nada nessa disposição que sugira que esse facto deva ter qualquer relevância para efeitos da sua aplicação.
39. Contudo, tal como salienta correctamente o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva refere expressamente que estão sujeitas ao IVA as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo «agindo nessa qualidade». Além disso, o artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva prevê claramente que o direito do sujeito passivo à dedução do imposto pago a montante é reconhecido desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis (15).
40. Não obstante, enquanto que os artigos 2.°, n.° 1, e 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva se referem especificamente ao sujeito passivo «agindo nessa qualidade» ou a serviços utilizados para os fins de operações tributáveis, o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da referida directiva não faz nenhuma referência específica deste tipo. Em meu entender, não se trata de nenhum lapso (legislativo) por parte do legislador comunitário. Pelo contrário, a ausência no artigo 9.°, n.° 2, de qualquer referência a uma actividade económica, a um sujeito passivo agindo nessa qualidade ou a operações tributáveis significa que, para efeitos de determinação do lugar das prestações de serviços, o facto de o cliente exercer, adicionalmente, actividades que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva não é um obstáculo para a aplicação desta disposição (16).
41. Além disso, a interpretação supramencionada das disposições relevantes coaduna‑se com os interesses da simplicidade da administração (das regras sobre o lugar das prestações de serviços) e da facilidade da cobrança, assim como da prevenção da evasão fiscal (17). De facto, conforme salientou correctamente a Skatteverket, se o cliente dos serviços fornecidos tivesse de ser um sujeito passivo agindo nessa qualidade ou se os serviços tivessem de ser utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, a determinação do lugar das prestações de serviços seria, em muitos casos, muito mais difícil, tanto para as empresas como para as autoridades fiscais dos Estados‑Membros (18).
42. Além disso, quanto à praticabilidade (19) de uma tal interpretação das disposições relevantes, no caso de uma pessoa adquirir serviços de consultadoria, o imposto é cobrado na fase da apresentação por essa pessoa da declaração do IVA à administração fiscal do Estado‑Membro onde se encontra estabelecida. Sendo um sujeito passivo, já está obrigatoriamente registado nesse Estado‑Membro para efeitos das declarações do IVA. Além disso, se estes serviços forem utilizados na sua actividade económica, o adquirente poderá exercer o seu direito à dedução do imposto pago a montante. O fornecedor dos serviços, por outro lado, só tem de demonstrar que a pessoa que os adquire é um sujeito passivo (20).
43. Finalmente, entendo que esta interpretação das disposições relevantes também é ditada pelo princípio da segurança jurídica, uma vez que as regras sobre o lugar das prestações de serviços devem ser previsíveis pelos operadores económicos. Este princípio aplica‑se com particular rigor às regras que implicam consequências fiscais, para permitir aos particulares identificar as obrigações que lhes são impostas por essas regras (21).
44. Além disso, esta interpretação leva à redução dos encargos dos operadores económicos que exercem a sua actividade no mercado interno. O que, por sua vez, contribuirá para facilitar a livre circulação de mercadorias e serviços, que é, recordo, um dos objectivos gerais do sistema comum do IVA (22).
45. Antes de concluir, mencionaria brevemente que, à luz das considerações acima expostas, na sua interpretação das disposições relevantes (23), o Governo italiano não terá tido em devida conta o objectivo destas disposições.
46. Por último, voltando ao artigo 21.°, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva, que também é mencionado na questão prejudicial submetida, basta observar que esta disposição se limita a referir que o IVA é devido pelos destinatários dos serviços referidos no n.° 2, alínea e), do artigo 9.°, efectuados por um sujeito passivo estabelecido no estrangeiro. Portanto, sempre que estejam preenchidas as condições previstas no artigo 4.° da Sexta Directiva, bem como as resultantes do artigo 21.°, n.° 1, alínea b), tal pessoa está sujeita a IVA em relação aos serviços que adquiriu, independentemente de estes se destinarem exclusivamente à actividade não abrangida pelo âmbito de aplicação das directivas.
IV – Conclusão
47. Portanto, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão submetida pelo Regeringsrätten:
Para efeitos da determinação do lugar das prestações de serviços, os artigos 9.°, n.° 2, alínea e), e 21.°, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, e os artigos 56.°, n.° 1, alínea c), e 196.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que quem adquira serviços de consultadoria a um sujeito passivo estabelecido noutro Estado‑Membro e exerça tanto uma actividade económica como uma actividade não abrangida pelo âmbito de aplicação dessas duas directivas deve ser considerado sujeito passivo para efeitos da aplicação desses artigos, mesmo que a aquisição se destine exclusivamente a esta última actividade.
1 – Língua original: inglês.
2 – Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54) (a seguir «Sexta Directiva»).
3 – Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1) (a seguir «Directiva 2006/112»). Conjuntamente, a Sexta Directiva e a Directiva 2006/112 serão referidas como «directivas». Com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007, a Sexta Directiva foi revogada e substituída pela Directiva 2006/112.
4 – Esta disposição visa implementar o artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva.
5 – Através destas disposições transpuseram‑se as partes correspondentes do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), e do artigo 21.°, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva.
6 – No essencial, os artigos 2.°, n.° 1, 4.°, 9.°, n.° 2, alínea e), e 21.°, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva correspondem, respectivamente, aos artigos 2.°, n.° 1, 9.°, 56.°, n.° 1, alínea c), e 196.°, da Directiva 2006/112.
7 – V., designadamente, acórdãos de 4 de Dezembro de 1990, Van Tiem (C‑186/89, Colect., p. I‑4363, n.° 17), de 26 de Junho de 2003, MKG‑Kraftfahrzeuge‑Factoring (C‑305/01, Colect., p. I‑6729, n.° 42), e de 21 de Abril de 2005, HE (C‑25/03, Colect., p. I‑3123, n.° 40).
8 – V. acórdão HE, referido supra, n.° 41 e a jurisprudência aí referida.
9 – Ibid., n.° 42.
10 – V. acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2006, Gillan Beach (C‑114/05, Colect., p. I‑2427, n.° 14), referindo‑se aos acórdãos de 4 de Julho de 1985, Berkholz (168/84, Recueil, p. 2251, n.° 14), de 26 de Setembro de 1996, Dudda (C‑327/94, Colect., p. I‑4595, n.° 20), de 6 de Março de 1997, Linthorst, Pouwels en Scheres (C‑167/95, Colect., p. I‑1195, n.° 10), e de 12 de Maio de 2005, RAL (Channel Islands) e o. (C‑452/03, Colect., p. I‑3947, n.° 23).
11 – V. acórdão Gillan Beach, já referido supra, n.° 15 e a jurisprudência aí mencionada.
12 – Ibid., n.° 21, referindo‑se ao acórdão de 7 de Junho de 2005, VEMW e o. (C‑17/03, Colect., p. I‑4983, n.° 41).
13 – No que diz respeito ao conceito de «actividades similares», v. acórdão Gillan Beach, já referido supra, n.° 20 e a jurisprudência aí mencionada. Quanto às «prestações de serviços de publicidade», v. acórdãos de 17 de Novembro de 1993, Comissão/França (C‑68/92, Colect., p. I‑5881, n.° 14) e Comissão/Espanha (C‑73/92, Colect., p. I‑5997, n.° 12), e as conclusões apresentadas em 14 de Dezembro de 2000 pelo advogado‑geral F. G. Jacobs no processo SPI (C‑108/00, Colect., p. I‑2361, n.° 14).
14 – Ou seja, a actividade sujeita a imposto.
15 – V. acórdão de 2 de Junho de 2005, WZV (C‑378/02, Colect., p. I‑4685, n.° 31 e a jurisprudência aí referida).
16 – Refira‑se ainda que, conforme resulta claramente das considerações acima expostas, a finalidade do artigo 9.°, n.° 2, é diferente da dos artigos 2.°, n.° 1, e 17.°, n.° 2, todos da Sexta Directiva.
17 – À luz da minha interpretação das disposições relevantes, em caso de dúvida quanto ao risco de evasão fiscal, os artigos 21.° e 22.°, n.° 7, da Sexta Directiva permitem às administrações fiscais dos Estados‑Membros adoptar as medidas necessárias para fazer face a esse risco. V., neste sentido, o acórdão Dudda, já referido na nota 10, n.° 32.
18 – Também concordo que, caso se considerasse, ao contrário da interpretação que propus supra, que as disposições relevantes exigem tais obrigações, os interesses da facilidade da administração das regras e da facilidade da cobrança seriam prejudicados nas situações em que a aquisição de serviços é feita para as duas categorias de actividades desenvolvidas pela TRR. As disposições relevantes não dão qualquer orientação sobre a forma como proceder à necessária repartição.
19 – Esta questão está estreitamente relacionada com a do número anterior. Se a repartição da competência fiscal for demasiado complicada, as transacções sujeitas a imposto poderão escapar à tributação.
20 – Tal como refere com razão a Skatteverket, este regime permite a um prestador de serviços, como os de consultadoria, não ter de se inscrever, para efeitos de IVA, em todos os Estados‑Membros onde os seus clientes se encontram estabelecidos.
21 – V., a este respeito, as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral N. Fennelly em 25 de Abril de 1996 no processo Dudda (já referido na nota 10, n.° 32), referindo‑se ao acórdão de 13 de Março de 1990, Comissão/França (C‑30/89, Colect., p. I‑691, n.° 23), e as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral G. Cosmas em 1 de Fevereiro de 1996 no processo Faaborg‑Gelting Linien (C‑231/94, Colect., p. I‑2395, n.° 12).
22 – No processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, os factos em causa são anteriores à entrada em vigor da Directiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, que altera a Directiva 2006/112/CE no que diz respeito ao lugar das prestações de serviços (JO L 44, de 20 de Fevereiro de 2008, pp. 11 a 22). O artigo 2.° da Directiva 2008/8 prevê que, a partir de 1 de Janeiro de 2010, o artigo 43.° da Directiva 2006/112 terá a seguinte redacção: «Para efeitos da aplicação das regras relativas ao lugar das prestações de serviços: 1. O sujeito passivo que também exerça actividades ou realize operações que não sejam consideradas entregas de bens nem prestações de serviços tributáveis, nos termos do n.° 1 do artigo 2.°, é considerado sujeito passivo relativamente a todos os serviços que lhe sejam prestados» (sublinhado meu).
23 – V. n.° 28 das presentes conclusões.