ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
26 de abril de 2012 (*)
«IVA ― Diretiva 2006/112/CE ― Artigos 73.° e 80.°, n.° 1 ― Venda de bens imóveis entre sociedades relacionadas entre si ― Valor da transação ― Legislação nacional que prevê, para as transações entre pessoas relacionadas entre si, que o valor tributável para efeitos de IVA é o valor normal da operação»
Nos processos apensos C‑621/10 e C‑129/11,
que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentados pelo Administrativen sad Varna (Bulgária), por decisões de 17 de dezembro de 2010 e de 1 de março de 2011, entrados no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 29 de dezembro de 2010 e 14 de março de 2011, nos processos
Balkan and Sea Properties ADSITS (C‑621/10),
Provadinvest OOD (C‑129/11)
contra
Direktor na Direktsia „Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto” ― Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: J. N. Cunha Rodrigues (relator), presidente de secção, U. Lõhmus, A. Rosas, A. Arabadjiev e C. G. Fernlund, juízes,
advogado‑geral: E. Sharpston,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
¾ em representação do Governo búlgaro, por T. Ivanov e E. Petranova (C‑621/10), na qualidade de agentes,
¾ em representação da Comissão Europeia, por S. Petrova e L. Lozano Palacios (C‑621/10) e por esta última e V. Savov (C‑129/11), na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 26 de janeiro de 2012,
profere o presente
Acórdão
1 Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, a seguir «diretiva IVA»).
2 Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, respetivamente, a Balkan and Sea Properties ADSITS (a seguir «Balkan and Sea Properties») e a Provadinvest OOD (a seguir «Provadinvest») ao Direktor na Direktsia „Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto” ― Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite (diretor da Direção «Recursos e Gestão da Execução», da cidade de Varna, da Administração Central da Agência das Receitas Públicas, a seguir «Direktor»), a respeito de um aviso de liquidação fiscal que lhes recusou o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») pago a montante.
Quadro jurídico
Direito da União
3 Resulta do terceiro considerando da diretiva IVA que, «[a] fim de assegurar que as disposições sejam apresentadas de forma clara e racional, em consonância com o princípio de legislar melhor, é conveniente reformular a estrutura e a redação da [Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ― Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54)], sem que daí resultem em princípio alterações substanciais da legislação existente. […]».
4 O vigésimo sexto considerando da mesma diretiva precisa que, «[d]e modo a garantir que não exista perda de receitas fiscais através do recurso a partes associadas tendo em vista a obtenção de vantagens fiscais, os Estados‑Membros deverão, em circunstâncias específicas limitadas, poder intervir no que respeita ao valor tributável das entregas de bens ou prestações de serviços e das aquisições intracomunitárias de bens».
5 O artigo 12.° da referida diretiva enuncia:
«1. Os Estados‑Membros podem considerar sujeito passivo qualquer pessoa que realize, a título ocasional, uma operação relacionada com as atividades referidas no segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 9.° e, designadamente, uma das seguintes operações:
a) Entrega de um edifício ou de parte de um edifício e do terreno da sua implantação, efetuada antes da primeira ocupação;
b) Entrega de um terreno para construção.
2. Para efeitos da alínea a) do n.° 1, entende‑se por ‘edifício’ qualquer construção incorporada no solo.
Os Estados‑Membros podem estabelecer as regras de aplicação do critério referido na alínea a) do n.° 1 às transformações de imóveis e, bem assim, à noção de terreno da sua implantação.
Os Estados‑Membros podem aplicar outros critérios para além do critério da primeira ocupação, tais como o do prazo decorrido entre a data de conclusão do imóvel e a da primeira entrega, ou o do prazo decorrido entre a data da primeira ocupação e a da entrega posterior, desde que tais prazos não ultrapassem, respetivamente, cinco e dois anos.
3. Para efeitos da alínea b) do n.° 1, entende‑se por ‘terrenos para construção’ os terrenos, urbanizados ou não, definidos como tal pelos Estados‑Membros.»
6 O artigo 73.° da diretiva IVA prevê que, «[n]as entregas de bens e […] prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber, em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações».
7 O artigo 80.° da referida diretiva dispõe:
«1. A fim de evitar a fraude ou evasão fiscais, os Estados‑Membros podem tomar medidas para que, relativamente às entregas de bens e prestações de serviços que envolvam laços familiares ou outros laços pessoais próximos, laços organizacionais, patrimoniais, associativos, financeiros ou jurídicos, definidos pelo Estado‑Membro, o valor tributável seja o valor normal, nos seguintes casos:
a) Quando a contraprestação seja inferior ao valor normal e o destinatário da operação não tenha direito a deduzir totalmente o IVA ao abrigo dos artigos 167.° a 171.° e 173.° a 177.°;
b) Quando a contraprestação seja inferior ao valor normal e o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços não tenha direito a deduzir totalmente o IVA ao abrigo dos artigos 167.° a 171.° e 173.° a 177.° e a operação esteja isenta ao abrigo dos artigos 132.°, 135.°, 136.°, 371.°, 375.°, 376.°, 377.°, do n.° 2 do artigo 378.°, do n.° 2 do artigo 379.° ou dos artigos 380.° a 390.°;
c) Quando a contraprestação seja superior ao valor normal e o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços não tenha direito a deduzir totalmente o IVA ao abrigo dos artigos 167.° a 171.° e 173.° a 177.°
Para efeitos do primeiro parágrafo, os laços jurídicos podem abranger as relações estabelecidas entre um empregador e um empregado ou a família deste ou quaisquer outras pessoas com ele estreitamente relacionadas.
2. Quando exerçam a faculdade prevista no n.° 1, os Estados‑Membros podem especificar as categorias de fornecedores, prestadores, adquirentes ou destinatários às quais são aplicáveis as medidas.
3. Os Estados‑Membros devem informar o Comité do IVA das medidas nacionais adotadas em aplicação do n.° 1, na medida em que não se trate de medidas que tenham sido autorizadas pelo Conselho antes de 13 de agosto de 2006 nos termos dos n.os 1 a 4 do artigo 27.° da Diretiva 77/388/CEE e que continuem em vigor ao abrigo do n.° 1 do presente artigo.»
8 Nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alíneas j) e k), da diretiva IVA, os Estados‑Membros isentam as seguintes operações:
«j) As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as referidas na alínea a) do n.° 1 do artigo 12.°;
k) As entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção referidas na alínea b) do n.° 1 do artigo 12.°»
9 O artigo 273.° da referida diretiva prevê:
«Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.
A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no capítulo 3.»
Direito nacional
10 O artigo 12.°, n.° 1, da Lei do imposto sobre o valor acrescentado (Zakon za danak varhu dobavenata stoynost, DV n.° 63, de 4 de agosto de 2006, a seguir «ZDDS») enuncia:
«Constitui operação tributável qualquer entrega de bens ou prestação de serviços na aceção dos artigos 6.° e 9.°, quando seja efetuada por um sujeito passivo nos termos da presente lei e o seu local de execução se encontre em território nacional, bem como qualquer operação sujeita a taxa zero efetuada por um sujeito passivo, com exceção dos casos em que a presente lei disponha em sentido diferente.»
11 O artigo 27.°, n.° 3, ponto 1, da ZDDS prevê que, em qualquer operação entre pessoas relacionadas, o valor tributável é o valor normal.
12 Nos termos do artigo 45.°, n.° 1, da ZDDS, «constitui uma operação isenta a transferência do direito de propriedade de um terreno, a constituição ou a transferência de direitos reais limitados sobre um terreno, bem como o seu arrendamento».
13 O referido artigo 45.° precisa, no n.° 5, ponto 2, que «o n.° 1 não se aplica à transferência de um direito de propriedade ou de outros direitos, nem à locação de equipamentos, máquinas, instalações e construções que estejam firmemente implantadas no solo ou construídas no subsolo».
14 O artigo 67.°, n.° 1, da ZDDS dispõe que «o montante do imposto é determinado multiplicando o valor tributável pela taxa de tributação».
15 Nos termos do artigo 70.°, n.° 5, da ZDDS, «um imposto ilegalmente faturado não confere direito a crédito de imposto».
16 O n.° 1, ponto 3, das disposições adicionais do Código de Processo Tributário e da Segurança Social (Danachno‑osiguritelnia protsesualen kodeks, DV n.° 105, de 29 de dezembro de 2005) precisa que se deve entender por «pessoas relacionadas»:
«a) os cônjuges, os parentes em linha reta, em linha colateral ― até ao terceiro grau, inclusive ― e os parentes por afinidade ― até ao segundo grau, inclusive ― e, para efeitos do artigo 123.°, n.° 1, ponto 2, quando façam parte do agregado familiar;
b) o empregador e o empregado;
c) os associados;
d) as pessoas relacionadas pelo facto de uma fazer parte da direção da outra ou da sua filial;
e) as pessoas em cujo órgão de direção ou de controlo participe uma só e mesma pessoa, incluindo quando a pessoa singular represente outra pessoa;
f) a sociedade e a pessoa que detêm mais de 5% das participações ou ações que conferem o direito de voto na sociedade;
g) as pessoas entre as quais exista uma relação de controlo sobre a outra;
h) as pessoas cuja atividade seja controlada por uma terceira pessoa ou pela sua filial;
i) as pessoas que controlem conjuntamente uma terceira pessoa ou a sua filial;
j) as pessoas das quais uma seja agente comercial da outra;
k) as pessoas das quais uma fez uma doação à outra;
l) as pessoas que participem direta ou indiretamente na direção, no controlo ou no capital de uma ou várias outras pessoas, o que lhes permite acordar condições diferentes das condições habituais».
17 Segundo o n.° 1, ponto 4, das referidas disposições adicionais, existe uma situação de «controlo», quando a pessoa que controla:
«a) detém, direta, indiretamente ou em virtude de um acordo com outra pessoa, mais de metade dos votos na assembleia geral da outra pessoa; ou
b) tem a possibilidade de nomear direta ou indiretamente mais de metade dos membros do órgão de direção ou de controlo de outra pessoa; ou
c) tem a possibilidade de dirigir a atividade de outra pessoa, incluindo por intermédio de uma filial ou com esta, em virtude do estatuto ou de um contrato; ou
d) controla sozinha, na qualidade de acionista ou associada numa sociedade, em virtude de uma transação com outros associados ou acionistas dessa mesma sociedade, mais de metade dos votos na assembleia geral da sociedade; ou
e) pode, por qualquer outro meio, exercer uma influência determinante nas decisões relativas à atividade da sociedade».
Litígios nos processos principais e questões prejudiciais
Processo C‑621/10
18 A Balkan and Sea Properties é uma sociedade anónima que se dedica à atividade de investimento de fundos obtidos através da emissão de títulos de investimento imobiliário.
19 Por atos notariais, a Balkan and Sea Properties adquiriu, em março de 2009, bens imóveis à sociedade Ravda tur EOOD, pelo valor total de 21 318 852 BGN. Esta sociedade é detida pela Holding Varna AD, que detém, por sua vez, 27,98% do capital da Balkan and Sea Properties.
20 O IVA foi deduzido quando da celebração do contrato definitivo e da emissão das faturas finais.
21 Uma vez que a legislação nacional prevê que, em caso de venda entre pessoas relacionadas, o valor tributável é o valor normal dos bens, foram pedidas duas peritagens, uma pela Balkan and Sea Properties e outra pelos serviços da Administração Fiscal. Esta última peritagem concluiu que o valor normal dos bens era inferior ao preço de venda efetivo destes, sendo calculado em 21 216 300 BGN.
22 Em consequência, a Administração Fiscal considerou que o IVA calculado sobre um preço superior ao valor normal dos bens constituía um imposto ilegalmente faturado, que não podia ser deduzido, e, portanto, que, no que diz respeito ao período de tributação relativo a julho de 2009, a Balkan and Sea Properties não tinha o direito de deduzir o IVA pago a montante sobre a diferença entre este valor normal e o preço de venda efetivo dos bens em causa.
23 O aviso de liquidação retificativo foi objeto de recurso administrativo para o Direktor. Este confirmou o indeferimento da dedução do IVA.
24 A Balkan and Sea Properties interpôs recurso para o Administrativen sad Varna (Tribunal Administrativo de Varna).
25 A referida sociedade defende, designadamente, que as disposições da ZDDS não são conformes com o artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA e pede a aplicação direta desta disposição do direito da União.
26 Foi neste contexto que o Administrativen sad Varna decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve o artigo 80.°, n.° 1, alínea c), da [diretiva IVA] ser interpretado no sentido de que, no caso de entregas entre pessoas relacionadas, quando a contraprestação é superior ao valor normal, o valor tributável só é o valor normal da transação se o fornecedor não tiver o direito de deduzir totalmente o IVA pago sobre a compra/venda das mercadorias fornecidas?
2) Deve o artigo 80.°, n.° 1, alínea c), da [diretiva IVA] ser interpretado no sentido de que, quando o fornecedor exerceu o direito a dedução plena do IVA pago sobre bens e prestações de serviços que são objeto de uma entrega posterior entre pessoas relacionadas [por] um valor superior ao valor normal, e este direito à dedução não foi corrigido nos termos dos artigos 173.° a 177.° da diretiva, o Estado‑Membro não pode tomar medidas que estabeleçam como valor tributável exclusivamente o valor normal?
3) O artigo 80.°, n.° 1, da [diretiva IVA] enumera taxativamente os casos em que estão preenchidos os requisitos que permitem ao Estado‑Membro tomar medidas por força das quais o valor tributável é o valor normal da transação?
4) Uma norma de direito nacional como o artigo 27.°, n.° 3, ponto 1, da ZDDS é admissível em circunstâncias diferentes das enumeradas no artigo 80.°, n.° 1), alíneas a), b) e c), da [diretiva [IVA]?
5) Num caso como o que está em causa no presente processo, a disposição do artigo 80.°, n.° 1, alínea c), da [diretiva IVA] tem efeito direto e pode ser aplicada diretamente pelo órgão jurisdicional nacional?»
Processo C‑129/11
27 A Provadinvest é uma sociedade de responsabilidade limitada que tem por atividade principal o arrendamento de terrenos agrícolas e de construções em aço utilizadas para estufas em polietileno.
28 Por atos notariais, esta sociedade vendeu, em junho de 2009, dois terrenos destinados à exploração de estufas a um dos seus associados e um terreno ao seu representante. Estes terrenos foram vendidos com as construções em polietileno que aí se encontram implantadas e com todas as benfeitorias e culturas permanentes que aí se encontravam, pelo valor de 25 000 BGN cada.
29 A Provadinvest emitiu faturas sem IVA relativas a estas vendas.
30 A Administração Fiscal considerou que as vendas dos imóveis abrangiam uma entrega de terrenos isenta de IVA, mas também uma entrega tributável de instalações, benfeitorias e culturas permanentes.
31 Por força da legislação nacional, na medida em que as vendas em causa correspondiam a vendas entre pessoas relacionadas entre si, o valor tributável para efeitos de IVA era o valor normal fixado por um perito. Este avaliou em 392 700 BGN o valor normal global apenas das construções em polietileno que se encontravam nos três terrenos, ou seja, um montante superior ao que foi efetivamente pago a título de contraprestação.
32 A Administração Fiscal emitiu um aviso de liquidação retificativo em relação ao período fiscal correspondente ao mês de junho de 2009. Este foi objeto de recurso administrativo para o Direktor, que confirmou o montante do IVA a pagar pela Provadinvest.
33 A Provadinvest interpôs recurso para o Administrativen sad Varna.
34 O órgão jurisdicional de reenvio considera que a venda dos terrenos agrícolas em causa constitui uma entrega isenta em virtude do artigo 45.°, n.° 1, da ZDDS e que a venda das instalações construídas nos terrenos constitui uma entrega tributável, visto que estas são abrangidas pelas exceções previstas no n.° 5, ponto 2, do mesmo artigo.
35 Nestas condições, o Administrativen sad Varna decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve o artigo 80.°, n.° 1, alíneas a) e b), [da diretiva IVA] ser interpretado no sentido de que, no caso de entregas entre pessoas relacionadas entre si, quando a contraprestação é inferior ao valor normal, o valor tributável só é o valor normal da operação se o fornecedor ou o comprador não tiverem o direito de deduzir totalmente o IVA pago a montante sobre a compra/venda dos bens que são objeto da entrega?
2) Deve o artigo 80.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [diretiva IVA] ser interpretado no sentido de que, quando o fornecedor tiver exercido o direito à dedução total do IVA pago a montante sobre os bens e os serviços que são objeto de uma entrega posterior entre pessoas relacionadas entre si, por um valor inferior ao valor normal, e este direito a dedução não tiver sido corrigido nos termos dos artigos 173.° a 177.° [desta] diretiva e a entrega não beneficiar de isenção nos termos dos artigos 132.°, 135.°, 136.°, 371.°, 375.°, 376.°, 377.°, 378.°, n.° 2, 379.°, n.° 2, ou 380.° a 390.° [da referida] diretiva, o Estado‑Membro não pode tomar medidas que prevejam que o valor tributável é exclusivamente o valor normal?
3) Deve o artigo 80.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [diretiva IVA] ser interpretado no sentido de que, quando o comprador tiver exercido o direito à dedução total do IVA pago a montante sobre os bens e os serviços que são objeto de uma entrega posterior entre pessoas relacionadas entre si, por um valor inferior ao valor normal, e esse direito a deduzir o [IVA] pago a montante não tiver sido corrigido nos termos dos artigos 173.° a 177.° da diretiva, o Estado‑Membro não pode tomar medidas que prevejam que o valor tributável é exclusivamente o valor normal?
4) O artigo 80.°, n.° 1, da [diretiva IVA] enumera taxativamente os casos em que estão preenchidos os requisitos que permitem ao Estado‑Membro tomar medidas para que o valor tributável seja o valor normal?
5) Uma norma de direito nacional como o artigo 27.°, n.° 3, ponto 1, [da ZDDS] é admissível em circunstâncias diferentes das enumeradas no artigo 80.°, n.° 1, alíneas a), b) e c), da [diretiva IVA]?
6) Num caso como o dos autos, a disposição do artigo 80.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [diretiva IVA] tem efeito direto e pode o órgão jurisdicional nacional aplicá‑la diretamente?»
36 Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 13 de julho de 2011, os processos C‑621/10 e C‑129/11 foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão.
Quanto às questões prejudiciais
Observações preliminares
37 No processo C‑129/11, o órgão jurisdicional de reenvio considera necessário, para decidir sobre a legalidade do aviso de liquidação retificativo que constitui o objeto do litígio no processo principal, determinar, para além do montante do imposto devido, se se encontravam preenchidos os requisitos exigíveis para aplicar o IVA às vendas dos terrenos agrícolas e das instalações neles construídas.
38 Para este efeito, há que apreciar se, nos termos do artigo 135.° da diretiva IVA, estão isentas as entregas das construções, a saber, as estufas em polietileno, e do solo correspondente, em causa neste processo. A resposta a esta questão depende de saber se estas construções podem ser qualificadas de «edifícios» na aceção do artigo 12.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da mesma diretiva.
39 Em caso afirmativo, se as entregas dos referidos bens puderem ser consideradas anteriores à primeira ocupação, trata‑se de uma operação tributável, ao passo que, na hipótese inversa, a operação deve ser isenta em conformidade com o artigo 135.°, n.° 1, alínea j), desta diretiva, sem prejuízo de um eventual direito de optar pela tributação.
40 Caso as referidas construções e o solo correspondente não possam ser qualificados de «edifícios» na aceção do artigo 12.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da diretiva IVA, importa distinguir consoante se trate de entregas distintas de terrenos e de outros elementos ou de uma operação única composta principalmente pela entrega de terrenos (v., neste sentido, acórdão de 19 de novembro de 2009, Don Bosco Onroerend Goed, C‑461/08, Colet., p. I‑11079, n.os 35 a 38). Além disso, há que verificar se os terrenos em causa são abrangidos pelo conceito de «terrenos para construção» na aceção do artigo 12.°, n.° 3, da diretiva IVA. Se tal for o caso, as entregas serão tributáveis. No caso contrário, as entregas estarão isentas em conformidade com o artigo 135.°, n.° 1, alínea k), da referida diretiva, sem prejuízo de um eventual direito de optar pela tributação.
41 Estas apreciações factuais são da competência do órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito do processo previsto no artigo 267.° TFUE (v., neste sentido, acórdãos de 16 de março de 1978, Oehlschläger, 104/77, Recueil, p. 791, n.° 4, Colet., p. 293; de 2 de junho de 1994, AC‑ATEL Electronics Vertriebs, C‑30/93, Colet., p. I‑2305, n.os 16 e 17; e de 22 de junho de 2000, Fornasar e o., C‑318/98, Colet., p. I‑4785, n.os 31 e 32).
Quanto às primeiras quatro questões no processo C‑621/10 e às primeiras cinco questões no processo C‑129/11
42 Com estas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que os requisitos nele enunciados são taxativos, ou se é possível admitir que o valor tributável seja o valor normal da operação entre pessoas relacionadas em casos diferentes dos expressamente previstos nesta disposição, nomeadamente quando o sujeito passivo dispõe de um direito a dedução total.
43 Em conformidade com a norma geral enunciada no artigo 73.° da diretiva IVA, o valor tributável numa entrega de um bem ou numa prestação de serviços efetuadas a título oneroso é constituído pela contrapartida realmente recebida para esse efeito pelo sujeito passivo. Essa contraprestação constitui o valor subjetivo, a saber, o valor realmente recebido, e não um valor estimado segundo critérios objetivos (v., neste sentido, acórdãos de 5 de fevereiro de 1981, Coöperatieve Aardappelenbewaarplaats, 154/80, Recueil, p. 445, n.° 13; de 20 de janeiro de 2005, Hotel Scandic Gåsabäck, C‑412/03, Colet., p. I‑743, n.° 21; e de 9 de junho de 2011, Campsa Estaciones de Servicio, C‑285/10, Colet., p. I‑5059, n.° 28).
44 O artigo 73.° da referida diretiva constitui a expressão de um princípio fundamental que tem por corolário que a Administração Fiscal não pode cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 3 de julho de 1997, Goldsmiths, C‑330/95, Colet., p. I‑3801, n.° 15).
45 Ao permitir considerar, em determinados casos, que o valor tributável seja o valor normal da operação, o artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA institui uma exceção à norma geral prevista no artigo 73.° desta diretiva, que, enquanto tal, deve ser interpretada em termos estritos (v. acórdãos de 21 de junho de 2007, Ludwig, C‑453/05, Colet., p. I‑5083, n.° 21, e de 3 de março de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑41/09, Colet., p. I‑831, n.° 58 e jurisprudência referida).
46 Importa recordar que, nos termos do vigésimo sexto considerando da diretiva IVA, o artigo 80.°, n.° 1, desta diretiva tem por objetivo evitar a fraude ou a evasão fiscais.
47 Ora, como salientou a advogada‑geral no n.° 30 das suas conclusões, quando os bens ou os serviços são fornecidos a um preço artificialmente baixo ou elevado entre partes que gozam, tanto uma como a outra, do direito a dedução total do IVA, não há fraude ou evasão fiscais nesta fase. Só ao nível do consumidor final, ou no caso de um sujeito passivo misto que só goza de um direito de dedução pro rata, é que um preço artificialmente baixo ou elevado pode conduzir a uma perda de receitas fiscais.
48 Consequentemente, só quando a pessoa a quem a operação respeita não beneficia do direito a dedução total é que existe um risco de fraude ou de evasão fiscais, que o artigo 80, n.° 1, desta diretiva permite aos Estados‑Membros evitar.
49 Esta constatação não prejudica de modo algum a possibilidade de os Estados‑Membros preverem outras obrigações a fim de evitar a fraude, com fundamento e no respeito dos requisitos previstos no artigo 273.° da diretiva IVA.
50 Esta interpretação é corroborada pela redação do artigo 11.°, A, n.° 6, da Sexta Diretiva 77/388, conforme alterada pela Diretiva 2006/69/CE do Conselho, de 24 de julho de 2006 (JO L 221, p. 9), cujas disposições são retomadas, no essencial, no artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA (v. terceiro considerando desta), segundo o qual a derrogação prevista «é limitad[a] aos seguintes casos».
51 Resulta do exposto que os requisitos de aplicação previstos no artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA são taxativos e, portanto, uma legislação nacional não pode prever, com fundamento nesta disposição, que o valor tributável seja o valor normal da operação em casos diferentes dos enumerados na referida disposição, nomeadamente quando o prestador, o fornecedor ou o comprador tenha o direito de deduzir integralmente o IVA.
52 Por conseguinte, há que responder às primeiras quatro questões no processo C‑621/10 e às primeiras cinco questões no processo C‑129/11 que o artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que os requisitos de aplicação que enuncia são taxativos e que, portanto, uma legislação nacional não pode prever, com fundamento nesta disposição, que o valor tributável seja o valor normal da operação em casos diferentes dos enumerados na referida disposição, nomeadamente quando o sujeito passivo beneficie do direito de deduzir integralmente o IVA, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.
Quanto à quinta questão no processo C‑621/10 e à sexta questão no processo C‑129/11
53 Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA tem efeito direto e se o órgão jurisdicional nacional pode, por conseguinte, aplicar este artigo diretamente aos litígios nos processos principais.
54 Cabe ao órgão jurisdicional nacional, dentro da margem de apreciação que lhe é concedida pelo direito nacional, interpretar e aplicar as disposições de direito interno em conformidade com as exigências do direito da União e, se essa interpretação não for possível, deixar de aplicar qualquer disposição de direito interno contrária a essas exigências (v., neste sentido, acórdãos de 18 de dezembro de 2007, Frigerio Luigi & C., C‑357/06, Colet., p. I‑12311, n.° 28, e de 10 de junho de 2010, Bruno e o., C‑395/08 e C‑396/08, Colet., p. I‑5119, n.° 74).
55 Como foi referido nos n.os 42 a 51 do presente acórdão, nos termos do artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA, a derrogação da norma geral prevista no artigo 73.° da mesma só é possível nos casos aí enumerados.
56 Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, em todos os casos em que, do ponto de vista do seu conteúdo, as disposições de uma diretiva se revelem incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar nos tribunais nacionais contra o Estado, quer quando este não tenha feito a sua transposição para o direito nacional nos prazos previstos na diretiva quer quando tenha feito uma transposição incorreta (v. acórdãos de 17 de julho de 2008, Flughafen Köln/Bonn, C‑226/07, Colet., p. I‑5999, n.° 23, e de 3 de março de 2011, Auto Nikolovi, C‑203/10, Colet., p. I‑1083, n.° 61).
57 Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a circunstância de uma disposição de uma diretiva conferir uma faculdade de escolha aos Estados‑Membros não exclui necessariamente que se possa determinar com precisão suficiente, unicamente com base nas disposições dessa diretiva, o conteúdo dos direitos assim conferidos aos particulares (v. acórdãos Flughafen Köln/Bonn, já referido, n.° 30, e de 12 de fevereiro de 2009, Cobelfret, C‑138/07, Colet., p. I‑731, n.° 61).
58 O artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA prevê, sem equívoco e de forma taxativa, os requisitos a preencher para que um Estado‑Membro possa prever, na sua legislação, a possibilidade de correção do valor tributável de uma operação entre pessoas relacionadas.
59 Assim sendo, caso as operações em causa nos processos principais, abrangidas pelo artigo 27.°, n.° 3, da ZDDS, correspondam a uma ou a outra das situações previstas no referido artigo 80.°, n.° 1, deve considerar‑se que o Estado‑Membro em causa fez uso da faculdade prevista neste mesmo n.° 1.
60 Pelo contrário, se as referidas operações não corresponderem às previstas no artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA, este artigo deve ser interpretado no sentido de que confere a sociedades como as recorrentes nos processos principais o direito de o invocarem diretamente com o objetivo de se oporem à aplicação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, de disposições da legislação interna que lhe sejam contrárias (v., por analogia, acórdão Flughafen Köln/Bonn, já referido, n.° 33). Nesta hipótese, se for impossível uma interpretação das disposições pertinentes da ZDDS em conformidade com o artigo 80.°, n.° 1, da diretiva, o órgão jurisdicional nacional deve deixar de aplicar estas disposições na parte em que sejam incompatíveis com o referido artigo 80.°, n.° 1.
61 Daqui decorre que o artigo 73.° da diretiva IVA será aplicável para determinar que, sem prejuízo das derrogações previstas na mesma diretiva, o valor tributável das operações em causa nos processos principais é constituído pela contrapartida efetivamente recebida. Como decidiu o Tribunal de Justiça a respeito do artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva 77/388, conforme alterada pela Diretiva 2006/69, que passou a artigo 73.° da diretiva IVA, esta disposição tem efeito direto (v., neste sentido, acórdãos de 6 de julho de 1995, BP Soupergaz, C‑62/93, Colet., p. I‑1883, n.os 34 a 36, e de 11 de julho de 2002, Marks & Spencer, C‑62/00, Colet., p. I‑6325, n.° 47).
62 Por conseguinte, há que responder à quinta questão no processo C‑621/10 e à sexta questão no processo C‑129/11 que, em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, o artigo 80.°, n.° 1, da diretiva IVA confere às sociedades em causa o direito de o invocarem diretamente com o objetivo de se oporem à aplicação de disposições nacionais incompatíveis com esta disposição. Caso não possa proceder a uma interpretação da legislação interna em conformidade com este artigo 80.°, n.° 1, o órgão jurisdicional de reenvio deve deixar de aplicar qualquer disposição desta legislação que lhe seja contrária.
Quanto às despesas
63 Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:
1) O artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que os requisitos de aplicação que enuncia são taxativos e que, portanto, uma legislação nacional não pode prever, com fundamento nesta disposição, que o valor tributável seja o valor normal da operação em casos diferentes dos enumerados na referida disposição, nomeadamente quando o sujeito passivo beneficie do direito de deduzir integralmente o imposto sobre o valor acrescentado, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.
2) Em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, o artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 confere às sociedades em causa o direito de o invocarem diretamente com o objetivo de se oporem à aplicação de disposições nacionais incompatíveis com esta disposição. Caso não possa proceder a uma interpretação da legislação interna em conformidade com este artigo 80.°, n.° 1, o órgão jurisdicional de reenvio deve deixar de aplicar qualquer disposição desta legislação que lhe seja contrária.
Assinaturas
* Língua do processo: búlgaro.