CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL
JULIANE KOKOTT
apresentadas em 6 de junho de 2013 (1)
Processo C‑276/12
Jiří Sabou
contra
Finanční ředitelství pro hlavní město Prahu
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Nejvyšší správní soud (República Checa)]
«Direito fiscal — Processo — Assistência mútua entre os Estados‑Membros no domínio dos impostos diretos — Diretiva 77/799/CEE — Troca de informações mediante pedido — Direitos processuais do contribuinte»
I — Introdução
1. É difícil escapar hoje em dia às notícias relacionadas com o futebol. O futebol interessa a quase todos, mesmo à administração fiscal.
2. O presente pedido de decisão prejudicial diz respeito ao interesse da administração fiscal checa nos rendimentos de um jogador de futebol profissional. Ao analisá‑los, esta encontrou aliados interessados nas autoridades fiscais de outros Estados‑Membros que procederam a investigações junto de clubes de futebol profissional e de uma empresa de agenciamento de jogadores. As informações fornecidas pelas administrações fiscais associadas foram, no entanto, de tal forma desvantajosas para o jogador de futebol profissional que este impugnou os resultados das investigações, em particular por considerar que os seus direitos processuais tinham sido violados no âmbito da investigação.
3. Compete agora ao Tribunal de Justiça analisar o âmbito dos referidos direitos processuais de um contribuinte no contexto da cooperação transfronteiriça das autoridades fiscais dos Estados‑Membros, o que irá exigir não apenas a consideração do direito derivado aplicável, mas também dos direitos fundamentais de um jogador de futebol profissional. As conclusões do Tribunal de Justiça quanto aos direitos processuais não irão apenas assumir relevância para os interessados em futebol, mas ter também efeitos, em particular, na globalidade das disposições fiscais e nas normas sobre acordos, decisões e práticas concertadas.
II — Enquadramento jurídico
A — Direito da União
1. A Carta dos Direitos Fundamentais da União
4. O artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União de 7 de dezembro de 2000, com as adaptações que lhe foram introduzidas em 12 de dezembro de 2007 (a seguir «a Carta») regula, sob a epígrafe «Direito a uma boa administração», o direito de ser ouvido:
«1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente:
a) O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente;
[…]»
2. A Diretiva 77/799/CEE
5. A Diretiva 77/799/CEE (2) regulou em particular, até 31 de dezembro de 2012 (3), a assistência mútua entre os Estados‑Membros no domínio dos impostos diretos (a seguir «Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua»). Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, as autoridades competentes dos Estados‑Membros trocarão «todas as informações que lhes permitam o estabelecimento correto dos impostos sobre o rendimento […]».
6. No artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua está regulada a «troca de informações mediante pedido»:
«1. A autoridade competente de um Estado‑Membro pode solicitar à autoridade competente de um outro Estado‑Membro que lhe comunique as informações referidas no n.° 1 do artigo 1.°, no que se refere a um caso especial. […]
2. Tendo em vista a comunicação das informações referidas no n.° 1, a autoridade competente do Estado‑Membro a quem foi feito o pedido promoverá, se for caso disso, as diligências necessárias à obtenção das referidas informações.
Para obter as informações solicitadas, a autoridade requerida ou a autoridade administrativa a que aquela se tenha dirigido deverá proceder como se agisse por conta própria ou a pedido de outra autoridade do seu próprio Estado‑Membro.»
B — Direito checo
7. A Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua foi transposta para o direito checo pela Lei n.° 253/2000 (4).
8. Nos termos do direito processual checo, um contribuinte tem, no âmbito de um procedimento de obtenção de prova por parte das autoridades fiscais checas, o direito de participar na inquirição de uma testemunha e de lhe colocar questões.
III — Processo principal e tramitação processual perante o Tribunal de Justiça
9. No processo principal, J. Sabou impugnou judicialmente um aviso de liquidação de imposto sobre os seus rendimentos respeitantes ao ano de 2004 na República Checa. No referido ano, Jiří Sabou exercia a atividade de futebolista profissional.
10. A decisão controvertida foi emitida em 28 de maio de 2009 após uma inspeção tributária, tendo aumentado o imposto, em relação à decisão original, em 221 904 CZK (cerca de 8 600 euros). O aumento resultou de não terem sido reconhecidas as despesas que J. Sabou tinha apresentado por serviços prestados pela empresa Solomon Group Kft, com sede em Budapeste, e que supostamente estariam, entre outros pontos, relacionadas com negociações sobre uma possível transferência para clubes de futebol estrangeiros.
11. No âmbito da análise das informações fornecidas por J. Sabou, antes de emitir o aviso de liquidação a administração fiscal checa tinha formulado um pedido de informação às autoridades fiscais de outros Estados‑Membros, baseando‑se, para tal, entre outras na Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua. Neste âmbito, foi pedido às autoridades fiscais espanhola, francesa e britânica que esclarecessem se os clubes de futebol referidos por J. Sabou podiam confirmar a existência de negociações com o mesmo ou com a Solomon Group Kft. No entanto, de acordo com as informações prestadas pelas referidas autoridades, estas negociações nunca se realizaram: os clubes de futebol em causa nem conheciam J. Sabou.
12. Para além disso, a administração fiscal checa pediu às autoridades fiscais húngaras para analisarem a prestação efetiva dos serviços pela Solomon Group Kft. Para este efeito, a administradora da Solomon Group Kft foi inquirida como testemunha na Hungria. Esta tinha afirmado, entre outros pontos, que a sua empresa apenas funcionou como intermediária dos serviços, que, na realidade, tinham sido efetuados pela empresa Solomon International Ltd, com sede nas Baamas. As autoridades fiscais húngaras comunicaram à administração fiscal checa que apenas uma inspeção à Solomon International Ltd poderia confirmar a prestação efetiva dos serviços.
13. Jiří Sabou impugnou o aviso de liquidação alterado junto da Finanční ředitelství pro hlavní město Prahu (Direção de Finanças da Cidade de Praga), com o fundamento de que a administração fiscal checa tinha obtido ilegalmente as informações das autoridades fiscais dos outros Estados‑Membros. Em primeiro lugar, J. Sabou devia ter sido informado previamente sobre o pedido de informação, de forma a poder formular as suas próprias questões. Em segundo lugar, tinha direito a participar na inquirição de testemunhas realizada pelas autoridades fiscais estrangeiras, visto que tinha o mesmo direito no âmbito de uma inquirição por parte das autoridades fiscais checas. Em terceiro lugar, não é possível depreender das informações fornecidas pelas autoridades fiscais espanhola, francesa e britânica de que forma as referidas autoridades terão obtido as suas informações.
14. Nestas condições, o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo), atualmente chamado a conhecer do litígio, submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.° TFUE, as seguintes questões prejudiciais, através das quais pede, de acordo com os fundamentos da sua decisão, a interpretação do artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta, entre outros pontos:
«1. Decorre do direito da União Europeia o direito de um contribuinte de ser informado de uma decisão das autoridades fiscais de formularem um pedido de informação em conformidade com a Diretiva 77/799/CEE? Um contribuinte tem o direito de participar na formulação do pedido dirigido ao Estado‑Membro requerido? No caso de esse direito não decorrer do direito da União Europeia, pode o direito nacional conceder a um contribuinte direitos semelhantes?
2. Um contribuinte tem o direito de participar na inquirição de testemunhas no Estado requerido, no âmbito da tramitação de um pedido de informação nos termos da Diretiva 77/799/CEE? O Estado‑Membro requerido é obrigado a informar previamente o contribuinte da data em que a testemunha vai ser inquirida, se o Estado‑Membro requerente o tiver solicitado?
3. As autoridades fiscais do Estado‑Membro requerido, quando prestam uma informação em conformidade com a Diretiva 77/799/CEE, estão obrigadas a respeitar, na sua resposta, um determinado conteúdo mínimo, de modo a que fique claro quais as fontes e por que método as autoridades fiscais requeridas obtiveram a informação prestada? O contribuinte pode impugnar a exatidão da informação assim prestada, por exemplo com base em vícios processuais no Estado requerido, anteriores à prestação da informação? Ou é aplicável o princípio da confiança e cooperação mútuas, segundo o qual a informação prestada pelas autoridades fiscais requeridas não pode ser posta em causa?»
15. A República Checa, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República da Polónia, a República da Finlândia e a Comissão apresentaram observações escritas no processo no Tribunal de Justiça.
IV — Apreciação jurídica
A — Competência do Tribunal de Justiça
16. Em primeiro lugar, importa analisar a competência do Tribunal de Justiça, que é parcialmente posta em causa pela Comissão.
17. A Comissão entende que a liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares de um Estado‑Membro, que é objeto do processo principal, não está regulada nem pela Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua nem por outras normas do direito da União. Neste sentido, caso se conclua que as questões prejudiciais dizem respeito à determinação do imposto, não se verifica qualquer nexo com o direito da União. Para além disso, nos termos do seu artigo 51.°, n.° 1, a Carta apenas é aplicável quando os Estados‑Membros apliquem o direito da União. No entanto, este pressuposto não se verifica quando um Estado‑Membro formula um pedido de informação a um outro Estado‑Membro. No entender da Comissão, o Tribunal de Justiça não é, por conseguinte, competente para responder a partes da primeira e da terceira questões prejudiciais.
18. Nos termos do artigo 267.°, primeiro parágrafo, alínea a), TFUE, o Tribunal de Justiça é competente para a interpretação do direito da União. Através das questões prejudiciais visa‑se esclarecer qual a influência do direito da União na obtenção e utilização transfronteiriças de informações num processo nacional em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. A questão de saber se a referida influência se verificou, e de que forma, apenas pode ser analisada por via da interpretação do direito da União. Particularmente no que respeita à interpretação da Carta, pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa ainda salientar que também a clarificação da aplicabilidade de uma disposição de direito da União constitui uma interpretação do direito da União. Por conseguinte, as questões prejudiciais dizem respeito à interpretação do direito da União, pelo que por princípio o Tribunal de Justiça é competente para lhes dar resposta nos termos do disposto no artigo 267.°, primeiro parágrafo, alínea a), TFUE.
19. Apesar de, segundo jurisprudência assente, o Tribunal de Justiça negar a sua competência também nos casos em que é manifesto que no processo principal não se aplica uma disposição de direito da União, cuja interpretação lhe é pedida (5), no presente processo não é possível constatar esta situação. Enquanto é indubitável que a Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua deve ser respeitada no processo principal, também não se pode excluir cabalmente a influência dos direitos fundamentais consagrados no direito da União Europeia, porquanto, em particular, a administração fiscal nacional recorreu, através da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, a um processo de obtenção de informações regido pelo direito da União.
20. O Tribunal de Justiça é, por conseguinte, plenamente competente para responder às questões prejudiciais.
B — Quanto à segunda parte da terceira questão prejudicial: efeitos da informação
21. Irei iniciar esta análise pela terceira questão prejudicial, na medida em que a sua resposta tem influência na apreciação das restantes questões prejudiciais. Isto porque a segunda parte da terceira questão prejudicial diz respeito aos efeitos que uma informação prestada por um outro Estado‑Membro de acordo com o disposto no artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua produz no processo fiscal nacional. O órgão jurisdicional de reenvio levanta, a este respeito, a questão de saber se um contribuinte ainda pode pôr em causa o resultado de uma informação deste tipo ou se o Estado‑Membro requerido determina os elementos de facto em termos definitivos. O processo principal diz sobretudo respeito à questão de saber se, com base nas informações prestadas pelo Estado‑Membro requerido, é ponto assente, no âmbito do procedimento administrativo e do processo judicial checos, que J. Sabou não negociou com os clubes de futebol em causa.
22. O Governo grego defendeu, a este respeito, que uma informação obtida ao abrigo da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua já não pode ser posta em causa pelo contribuinte, na medida em que tal contraria o princípio da confiança mútua. Para além disso, também o sentido do processo, nos termos da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, seria posto em causa se as informações prestadas não tivessem qualquer valor probatório.
23. Não partilho este entendimento.
24. O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer no acórdão Twoh International que a informação a respeito de uma dada situação prestada por um Estado‑Membro de acordo com o disposto na Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua não constitui uma prova decisiva de um facto que necessita de ser apurado (6).
25. A Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua também não contém quaisquer disposições que prevejam um reconhecimento de informações por parte do Estado‑Membro requerente ou que digam sequer respeito ao valor probatório das mesmas. Por este motivo, tanto a República Checa como a República Francesa salientaram, com razão, que a apreciação dos elementos de prova no processo fiscal nacional, ou seja, o modo como as informações são tratadas, deve ser avaliada nos termos do direito processual nacional.
26. Por conseguinte, compete ao órgão jurisdicional nacional esclarecer qual o valor probatório que assume, caso a caso, a informação de um Estado‑Membro nos termos da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua (7). Neste âmbito, o órgão jurisdicional de reenvio pode avaliar autonomamente se a informação exige prova em contrário por parte do contribuinte, ou se não pode ser utilizada por não terem sido indicadas as fontes de informação ou por outros motivos. Porém, se estiver em causa uma atividade do contribuinte protegida pelos direitos fundamentais, o órgão jurisdicional nacional deve respeitar, para além disso, os princípios da equivalência e da efetividade (8).
27. Conclui‑se, assim, que um contribuinte não está impedido pelo direito da União de impugnar, no procedimento tributário nacional, a exatidão da informação prestada por outros Estados‑Membros nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua.
C — Quanto à primeira questão prejudicial: direitos processuais do contribuinte no Estado‑Membro requerente
28. Para responder à primeira questão, importa agora analisar em que medida o direito da União contém referências aos direitos processuais de um contribuinte face à administração fiscal competente quando esta, de acordo com o disposto no artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, formula um pedido de informação a um outro Estado‑Membro. Neste âmbito, está tanto em causa a questão de saber se o próprio direito da União confere determinados direitos processuais (v., infra, ponto 1), como também de saber se o direito da União proíbe eventuais direitos processuais nacionais (v., infra, ponto 2).
1. O direito da União confere direitos processuais?
29. O órgão jurisdicional de reenvio pretende antes de mais saber se, nos termos do direito da União, um contribuinte tem de ser informado previamente pela administração fiscal competente sobre um pedido de informação e se tem o direito de participar na formulação desse pedido.
a) A Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua
30. Antes de mais, importa constatar que este tipo de direitos do contribuinte não está previsto na Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua. Pelo contrário, a diretiva não contém quaisquer direitos dos contribuintes (9), regulando apenas os direitos e os deveres das autoridades fiscais dos Estados‑Membros (10).
b) A Carta
31. O órgão jurisdicional de reenvio levanta, no entanto, a questão de saber se, para um contribuinte, direitos processuais deste tipo decorrem do artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta. Nos termos desta disposição, qualquer pessoa tem o direito a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente.
32. Contra a aplicação do artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta no presente caso poder‑se‑ia começar por opor que, segundo a sua letra, esta disposição — tal como também é invocado pela Comissão — não se dirige às autoridades do Estados‑Membros (11), vinculando apenas as instituições, os órgãos e os organismos da União.
33. A questão de saber se o recente acórdão M. deve ser entendido no sentido de que o artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta vincula, no entanto, também as autoridades dos Estados‑Membros (12) não necessita de ser analisada no presente caso.
34. Isto porque, independentemente da questão da aplicabilidade do artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta às autoridades dos Estados‑Membros, esta disposição é também limitada no que respeita à sua aplicação no tempo: a Carta apenas se tornou juridicamente vinculativa através do artigo 6.°, n.° 1, TUE, na redação dada pelo Tratado de Lisboa, o qual, por seu lado, apenas entrou em vigor em 1 de dezembro de 2009. No entanto, os pedidos de informação em causa no presente processo foram formulados e analisados antes desta data, visto que o aviso de liquidação impugnado no processo principal foi emitido logo em 28 de maio de 2009.
35. Do artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta não resultam, por conseguinte, quaisquer direitos processuais para o contribuinte no âmbito do processo principal.
c) O princípio geral do respeito dos direitos da defesa
36. No entanto, o direito da União a aplicar no processo principal contém também o princípio geral do respeito dos direitos da defesa (13). Parte integrante do referido princípio é o direito de ser ouvido (14), do qual poderão resultar, para um contribuinte, os direitos processuais controvertidos no processo principal.
i) Aplicabilidade do princípio geral de direito
37. Isto pressupõe, em primeiro lugar, que a administração fiscal de um Estado‑Membro está desde logo vinculada ao princípio geral do respeito dos direitos da defesa numa situação em que formula um pedido de informação a um outro Estado‑Membro nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua.
38. As administrações dos Estados‑Membros apenas devem, no entanto, respeitar este princípio geral de direito, à semelhança de todos os direitos fundamentais do direito da União, sempre que tomem decisões que entram no campo de aplicação do direito comunitário (15). O Tribunal de Justiça concluiu recentemente, no acórdão Åkerberg Fransson, que a jurisprudência constante relativa à aplicabilidade dos princípios gerais de direito atualmente é confirmada pelo artigo 51.°, n.° 1, da Carta, que define o âmbito de aplicação da Carta (16). Por outras palavras, o artigo 51.°, n.° 1, da Carta apenas constitui uma codificação dos pressupostos que desde sempre são válidos para a aplicação dos princípios gerais do direito da União. O Tribunal de Justiça unificou, por conseguinte, as condições para a aplicação da Carta e dos princípios gerais de direito.
39. Neste sentido, também no presente caso considero conveniente que — tal como a Comissão também propôs — a clarificação da questão da aplicabilidade do princípio geral do respeito dos direitos da defesa seja pautada pelo artigo 51.°, n.° 1, da Carta. Nos termos da referida disposição, a Carta tem por destinatários os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União.
40. No entender da Comissão, os Estados‑Membros não estão, no entanto, a aplicar o direito da União quando formulam um pedido de informação a um outro Estado‑Membro nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, na medida em que da referida diretiva não resulta qualquer dever, dos Estados‑Membros, de formular um pedido deste tipo. Pelo contrário, trata‑se apenas de uma fase processual facultativa no âmbito da liquidação do imposto, a qual, por seu lado, apenas se baseia no direito nacional.
41. É verdade que a Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua não contém qualquer dever dos Estados‑Membros de formular um pedido de informação a um outro Estado‑Membro (17). Para além disso, o Tribunal de Justiça partiu, precisamente no acórdão Åkerberg Fransson, do pressuposto da aplicação do direito da União baseada em deveres dos Estados‑Membros, decorrentes do direito da União (18).
42. No entanto, não é convincente só se admitir que se verifica a aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta, quando os Estados‑Membros cumprem um dever imposto pelo direito da União. Pelo contrário, os Estados‑Membros também aplicam o direito da União quando exercem um direito conferido pelo direito da União, tal como sucede no âmbito da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua. Através do pedido de informação nos termos do seu artigo 2.°, a referida diretiva disponibiliza aos Estados‑Membros um procedimento regido pelo direito da União, graças ao qual podem obter informações relevantes em matéria fiscal de um outro Estado‑Membro. Caso um Estado‑Membro recorra a este procedimento regido pelo direito da União, está também a aplicar o direito da União.
43. Um entendimento diferente implicaria uma diferenciação da aplicabilidade dos princípios gerais de direito e da Carta, consoante o direito da União imponha deveres ou confira direitos a um Estado‑Membro. Neste âmbito, é, no entanto, decisivo saber se um ato por parte de um Estado‑Membro se baseia no direito da União ou não. Caso o Estado‑Membro aja com base no direito da União, está a aplicar o direito da União, mesmo que deste não decorra qualquer dever.
44. Como a administração fiscal checa recorreu, no presente caso, à Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, pode deixar‑se em aberto a questão de saber se uma aplicação do direito da União na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta pode ser desde logo considerada por outros motivos. A este respeito, não está isento de dúvidas o ponto de vista da Comissão, segundo o qual a liquidação do imposto sobre o rendimento não representa, sem qualquer exceção, uma aplicação do direito da União. Isto porque, considerando que, no âmbito do reconhecimento fiscal das suas despesas no contexto das suas diligências para prosseguir a sua atividade em clubes de futebol de outros Estados‑Membros, J. Sabou estava protegido pela livre circulação de trabalhadores, nos termos do artigo 39.° CE, ou pela liberdade de prestação de serviços constante do artigo 49.° CE, a administração fiscal checa poderia também ter aplicado neste âmbito o direito da União.
45. Caso o Tribunal de Justiça não considere, por conseguinte, que a invocação da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua pelo Estado‑Membro requerente é uma aplicação do direito da União, terá de analisar ainda se as modalidades da cobrança do imposto em situações transfronteiriças, tal como a situação de J. Sabou, representam uma restrição a uma liberdade fundamental e também se, num caso deste tipo, um Estado‑Membro aplica o direito da União, na medida em que deve, neste âmbito, respeitar compromissos em matéria de direito da União (19).
46. Tudo ponderado, resta concluir que as administrações fiscais dos Estados‑Membros devem respeitar o princípio geral do respeito dos direitos da defesa quando formulam um pedido de informação nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua dirigido a outro Estado‑Membro.
ii) Pressupostos do direito de ser ouvido
47. Caso a administração fiscal checa deva, em princípio, garantir no presente caso os direitos da defesa de J. Sabou conferidos pelo direito da União, levanta‑se ainda, porém, a questão de saber se um contribuinte tem o direito de ser ouvido, em particular, no que diz respeito à decisão da autoridade de um Estado‑Membro de formular um pedido de informação a um outro Estado‑Membro.
48. Isto porque o referido direito de ser ouvido apenas garante ao destinatário de determinadas decisões administrativas a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos com base nos quais a Administração tenciona tomar a sua decisão (20).
49. Antes de mais, o destinatário da decisão de formular um pedido de informação a um outro Estado‑Membro não é o contribuinte. O pedido de informação visa a preparação de uma decisão que será destinada ao contribuinte, mais precisamente a liquidação do imposto sobre o rendimento. No entanto, o pedido em si apenas se dirige ao Estado‑Membro requerido.
50. No entanto, em determinados casos, pessoas que não são destinatárias de uma decisão também podem ter o direito de ser ouvidas. A este respeito, no artigo 108.°, n.° 2, TFUE, o direito da União apresenta um exemplo em que devem ser ouvidos todos os potenciais afetados por uma decisão da Comissão em matéria de auxílios, apesar de o destinatário desta decisão apenas ser o Estado‑Membro em causa (21). Esta situação deve‑se ao facto de a referida decisão em matéria de auxílios também poder afetar os interesses de outras pessoas para além do destinatário, como por exemplo o beneficiário do auxílio. Por conseguinte, também segundo a jurisprudência a questão de saber quais os efeitos que uma decisão produz para a pessoa em causa acaba por ser decisiva para a existência do direito de ser ouvido (22).
51. A opção de se basear nos efeitos de uma decisão está em conformidade com as restantes exigências da jurisprudência, nos termos da qual o direito de ser ouvido não se verifica em relação a todas as decisões administrativas, mas apenas relativamente às decisões desfavoráveis ao interessado (23). O Tribunal de Justiça refere‑se, neste âmbito, a atos «que afetem os interesses» (24) ou a decisões que «afetam de modo sensível» os «interesses» de uma pessoa (25).
52. O órgão jurisdicional de reenvio refere ainda, com razão, que no presente caso se levanta a questão de saber se um pedido de informação nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua representa uma decisão deste tipo, na medida em que esta decisão apenas produz efeitos jurídicos diretos em relação ao Estado‑Membro requerido, que deste modo é obrigado a dar resposta (26). O direito da União também não prevê, tal como já foi exposto (27), qualquer vinculação do procedimento fiscal nacional às informações prestadas, pelo que também neste âmbito não resultam quaisquer efeitos jurídicos diretos para o contribuinte.
53. As averiguações realizadas pelo Estado‑Membro requerido podem, no entanto, produzir provas que influenciam, na prática, a liquidação do imposto nacional sobre o rendimento, confirmando ou contrariando indicações fornecidas pelo contribuinte. Neste sentido, a decisão sobre um pedido de informação nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua pode produzir efeitos jurídicos indiretos para o contribuinte e, por conseguinte, ser‑lhe desfavorável. Para além disso, a decisão também o pode afetar de facto quando, na sequência das averiguações, a sua reputação junto das pessoas inquiridas é posta em causa.
54. As habituais fontes de interpretação jurídica dos princípios gerais do direito da União não fornecem qualquer ajuda para determinar se efeitos deste tipo são suficientes para fundamentar o direito do contribuinte de ser ouvido. Assim, a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais apenas garante, no seu artigo 6.°, o direito de ser ouvido no âmbito de processos judiciais ou quase judiciais, mas não em procedimentos administrativos (28). Também as tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros apenas incluem um direito de ser ouvido no âmbito do procedimento administrativo em casos isolados e apenas muito recentemente (29).
55. Por conseguinte, uma clarificação desta questão deve basear‑se nos objetivos reconhecidos do direito de ser ouvido. Tal como o advogado‑geral Y. Bot expôs recentemente, o direito de ser ouvido prossegue dois objetivos: a preparação de uma decisão fundamentada e a proteção do interessado (30).
56. Importa antes de mais salientar que a decisão sobre um pedido de informação nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua não pode ser analisada de forma isolada, dado representar uma medida de instrução no âmbito de um procedimento administrativo que culmina num aviso de liquidação de imposto. Visa, por conseguinte, a preparação de uma decisão que produz efeitos jurídicos decisivos em relação ao contribuinte. Na jurisprudência é, em princípio, reconhecida a necessidade, no que respeita ao direito de ser ouvido, de distinguir entre este tipo de medidas de instrução e as decisões tomadas no termo de um procedimento (31).
57. O sentido de uma distinção deste tipo é evidente. Caso um interessado tivesse o direito de ser ouvido antes de toda e cada medida de instrução, o encargo daí resultante prejudicaria a preparação de uma decisão fundamentada, sem que deste modo fosse aumentada de modo percetível a proteção do interessado. Esta proteção é garantida de modo regular e suficiente pelo facto de o interessado ser ouvido no final do procedimento administrativo, antes de ser tomada a decisão.
58. Apesar de não pretender excluir a existência de medidas de instrução, as quais, por si só, são de tal forma desfavoráveis ao interessado que a proteção deste exige também, a este respeito, o direito de ser ouvido, isso não se aplica no presente caso.
59. Tal como já assinalei noutra ocasião, os pedidos de informação da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua servem, no essencial, para verificar as informações e as provas apresentadas pelo contribuinte (32). Também no presente caso a administração fiscal checa pretendeu verificar as informações de contribuinte, previamente fornecidas pelo mesmo no âmbito do procedimento administrativo. Neste tipo de casos, a proteção do interessado não exige qualquer audição a respeito de uma medida de instrução. Por um lado, este já apresentou o seu ponto de vista, quando prestou as suas próprias informações, por outro as efetivas consequências negativas das investigações estariam, antes de mais, ligadas às suas próprias informações erradas. Para além disso, o direito da União não impede o contribuinte — como já se viu (33) — de pôr em causa as informações prestadas no procedimento fiscal nacional; neste sentido, irá ter regularmente a possibilidade de apresentar o seu ponto de vista.
60. Caso, por conseguinte, não haja o direito de ser ouvido sobre este tipo de pedidos de informação, importa, no entanto, salientar que os Estados‑Membros estão igualmente vinculados aos restantes princípios gerais de direito da União, na medida em que estão a aplicar o direito da União. Neste sentido, ao decidir formular um pedido de informação a um outro Estado‑Membro nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, as autoridades fiscais nacionais devem também respeitar o princípio da proporcionalidade, bem como os restantes direitos fundamentais do contribuinte.
61. Caso o Tribunal de Justiça, contrariando as minhas considerações, parta do pressuposto da existência do direito de ser ouvido no presente caso, importa remeter para a ainda necessária ponderação de cada caso concreto. Assim, o advogado‑geral Warner partiu, desde logo, do pressuposto da existência de uma exceção ao direito de ser ouvido se «a finalidade da decisão for frustrada ou possa ser frustrada, caso o direito seja reconhecido» (34). Esta restrição ao direito de ser ouvido foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça (35). A este respeito, a República Francesa referiu, com razão, que informar previamente o contribuinte sobre um pedido de informação que se pretende formular também pode pôr em causa o valor de uma informação, nomeadamente nos casos em que as testemunhas possam ser influenciadas (36). Como o pedido de informação visa verificar as informações do contribuinte, seria, por conseguinte, necessário analisar em cada caso concreto se informar previamente o contribuinte poderá frustrar esta finalidade.
d) Conclusão provisória
62. Em conclusão, considero, em termos gerais, que, no que respeita à decisão da administração fiscal competente de formular um pedido de informação a um outro Estado‑Membro nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, um contribuinte não tem o direito de ser ouvido, por força do direito da União, quando o pedido apenas diz respeito à verificação dos elementos fornecidos pelo próprio contribuinte. Por conseguinte, o direito da União não exige, neste caso, que um contribuinte deva ser previamente informado, pela administração fiscal competente, de um pedido de informação deste tipo e que o mesmo possa participar na sua formulação.
2. O direito da União proíbe direitos processuais?
63. Por conseguinte, no âmbito da segunda parte da primeira questão prejudicial, importa agora apenas esclarecer se é compatível com o direito da União que o direito nacional confira ao contribuinte direitos processuais deste tipo no âmbito de um pedido de informação nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua.
64. A este nível, não é reconhecível uma proibição decorrente do direito da União. Pelo contrário — e tal como a República da Polónia e a República da Finlândia também alegaram —, em princípio, na falta de normas correspondentes na Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua os direitos processuais do contribuinte podem ser definidos pelo direito nacional.
65. Por conseguinte, há que responder à segunda parte da primeira questão prejudicial que é compatível com o direito da União a atribuição, no Estado‑Membro requerente, pelo direito nacional ao contribuinte dos direitos processuais controvertidos no processo principal.
D — Quanto à segunda questão prejudicial: direitos processuais do contribuinte no Estado‑Membro requerido
66. A segunda questão prejudicial diz agora respeito aos direitos processuais de que um contribuinte goza no Estado‑Membro requerido. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em particular, se o Estado‑Membro requerido deve — a pedido do Estado‑Membro requerente — informar o contribuinte de uma inquirição de testemunhas planeada e se também lhe deve possibilitar a participação na inquirição, tal como isso está previsto no direito processual checo.
67. Da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua não resulta diretamente um dever deste tipo para o Estado‑Membro requerido.
68. A Comissão opõe a este entendimento que o Estado‑Membro requerido deve, todavia, garantir que a Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua possa cumprir o seu objetivo. Por conseguinte, uma informação também deve ser passível de ser utilizada no Estado‑Membro requerente. A pedido do Estado‑Membro requerente, o Estado‑Membro requerido deve, por conseguinte, informar um contribuinte de uma inquirição de testemunhas, desde que o direito processual do Estado‑Membro requerido a isso não se oponha. Também a República Checa se pronunciou a este respeito em termos semelhantes, extraindo um dever de cooperação por parte do Estado‑Membro requerido do princípio da cooperação leal previsto do artigo 4.°, n.° 3, TUE, quando está em causa o respeito dos requisitos processuais no Estado‑Membro requerente.
69. Este ponto de vista deve ser acolhido, na medida em que, nos termos da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, o Estado‑Membro requerido tem o dever de prestar informações úteis, tanto quanto possível. De acordo com o disposto no artigo 1.°, n.° 1, da diretiva, os Estados‑Membros trocarão todas as informações que lhes permitam o estabelecimento correto do imposto sobre o rendimento. Até ao momento, o Tribunal de Justiça apenas interpretou esta disposição do ponto de vista do Estado‑Membro requerente, a respeito da questão de saber quais as informações que podem ser exigidas (37). No que respeita ao Estado‑Membro requerido, é também possível depreender da referida disposição que as informações devem permitir a liquidação do imposto sobre o rendimento, porque, nos termos do artigo 1.°, n.° 1 e do artigo 2.°, n.° 1, da diretiva relativa à assistência mútua, é esta a finalidade que se pretende cumprir com a informação. No entanto, para que permitam a liquidação do imposto sobre o rendimento, as informações devem poder ser utilizadas no Estado‑Membro requerente.
70. No entanto, esta obrigação, por parte do Estado‑Membro requerido, de prestar informações adequadas, derivada da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, apenas deve ser cumprida nos limites impostos pelas restantes disposições da diretiva. Nesse sentido, devem sobretudo ser respeitados o artigo 2.°, n.° 2, segundo parágrafo, e o artigo 8.°, n.° 1, no tocante ao processo a observar pelo Estado‑Membro requerido.
71. Nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, o Estado‑Membro requerido não é obrigado a promover averiguações quando isso violar a sua legislação ou as suas práticas administrativas. Daqui não resulta apenas que o Estado‑Membro requerido não necessita de agir em violação do seu próprio direito processual, não lhe sendo também exigido que se afaste da sua prática administrativa. Como esta prática se pode orientar pelo direito processual em vigor no Estado‑Membro requerido, a obrigação de respeitar um direito processual do Estado‑Membro requerente que se afaste dessa prática é contrária o artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua.
72. Para além disso, a República Francesa referiu, com razão, que o dever de respeitar o direito processual do Estado‑Membro requerente está em contradição com o artigo 2.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua. Nos termos desta disposição, a autoridade requerida ou a autoridade administrativa a que aquela se tenha dirigido deverá proceder como se agisse por conta própria ou a pedido de outra autoridade do seu próprio Estado‑Membro. Tal como também o demonstra o segundo considerando da Diretiva 2004/56/CE, através do qual esta disposição foi introduzida na Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua (38), visa‑se assim garantir que ao processo de recolha das informações apenas seja aplicado um único conjunto de normas. Às averiguações do Estado‑Membro requerido apenas se deve, assim, aplicar o seu direito processual nacional, do qual resultam os direitos e deveres dos intervenientes.
73. De resto, admitir a existência do dever do Estado‑Membro requerido de ter também em consideração, tanto quanto possível, o direito processual do Estado‑Membro requerente, também pode pôr em risco a finalidade da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua. Tal como o Tribunal de Contas concluiu em relação ao Regulamento (CE) n.° 1798/2003 (39), a cooperação das administrações fiscais no domínio do imposto sobre o valor acrescentado sofre de atrasos significativos na prestação de informações (40). Estes atrasos poderão sobretudo estar relacionados com o facto de as autoridades requeridas não procederem a averiguações em assuntos próprios, uma situação de partida que também se aplica à Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua. Caso o Tribunal de Justiça considere, no entanto, a existência do dever do Estado‑Membro requerido de ter também em consideração o direito processual do Estado‑Membro requerente, levantar‑se‑ão dificuldades adicionais à prestação de informações.
74. Por fim, um dever do Estado‑Membro requerido de possibilitar ao contribuinte a participação na inquirição de testemunhas também não resulta do princípio geral do respeito dos direitos da defesa. Efetivamente, o Estado‑Membro deve respeitar este princípio jurídico nas suas investigações no âmbito de um pedido de informação nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, na medida em que está a aplicar o direito da União. No entanto, o referido princípio jurídico não exige, no presente caso, que um contribuinte seja informado acerca de uma inquirição de testemunhas planeada e que lhe tenha de ser possibilitada a sua participação na referida inquirição.
75. Isto vale, em particular, para o direito de ser ouvido referido pelo órgão jurisprudencial de reenvio. Por um lado, de um direito de ser ouvido existente não resulta qualquer direito de participação numa inquirição de testemunhas. Este direito não visa a fiscalização da atividade de investigação da administração, mas sim possibilitar ao interessado a apresentação do seu próprio ponto de vista. Por outro, no que respeita à informação prestada pelo Estado‑Membro requerido, o contribuinte também não tem qualquer direito de ser ouvido. A este respeito, remeto para as minhas considerações anteriores a respeito da formulação de um pedido de informação (41), que também se aplicam a fortiori à própria informação.
76. Também do princípio geral do respeito dos direitos da defesa não resulta qualquer direito do contribuinte de participar numa inquirição de testemunhas no procedimento administrativo. A este respeito, é elucidativo o facto de a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, no seu artigo 6.°, n.° 3, alínea d), apenas prever o direito de os acusados interrogarem testemunhas no âmbito de um processo penal.
77. Por conseguinte, o direito da União não prevê o dever do Estado‑Membro requerido de informar previamente um contribuinte de uma inquirição de testemunhas no âmbito das averiguações na sequência de um pedido de informação nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, nem esse Estado‑Membro é obrigado a conceder a um contribuinte o direito de participar numa inquirição dessas.
E — Quanto à primeira parte da terceira questão prejudicial: conteúdo de uma informação
78. No âmbito da terceira questão, importa ainda esclarecer se o Estado‑Membro requerido, quando presta uma informação, é obrigado a respeitar, na sua resposta, um determinado conteúdo mínimo, de modo a que fique claro quais as fontes e por que método as autoridades fiscais requeridas obtiveram a informação prestada.
79. A diretiva não contém quaisquer disposições relativas ao conteúdo formal de uma informação a prestar nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua. No entanto, nos termos da mesma diretiva, o Estado‑Membro requerido tem o dever de prestar informações úteis, tanto quanto possível (42).
80. Para que uma informação possa ser adequada para a liquidação do imposto sobre o rendimento no Estado‑Membro requerente, devem também ser fornecidos dados suficientes sobre as averiguações, realizadas nos termos do artigo 2.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, nas quais assenta o resultado das informações. Por princípio, a mera comunicação do resultado não é suficiente, na medida em que o valor probatório de uma informação deste tipo é, em regra, fortemente restringido.
81. Ao dever do Estado‑Membro requerido de comunicar as fontes de informação também não se opõem quaisquer disposições da diretiva. Neste âmbito, os já referidos (43)artigos 2.°, n.° 2, segundo parágrafo e 8.°, n.° 1, da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, em particular, apenas dizem respeito à promoção de averiguações, bem como à possibilidade de obter, por princípio, uma informação, mas não ao seu conteúdo.
82. Por conseguinte, há que responder à primeira parte da terceira questão prejudicial que, nos termos do artigo 1.°, n.° 1 e do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, o Estado‑Membro requerido também está, em princípio, obrigado a prestar informações sobre as averiguações subjacentes ao resultado comunicado.
V — Conclusão
83. Proponho, por conseguinte, que sejam dadas as seguintes respostas às questões prejudiciais submetidas pelo Nejvyšší správní soud:
1. O direito da União não confere, em caso algum, a um contribuinte o direito de ser previamente informado sobre a decisão da administração fiscal competente de formular um pedido de informação a um outro Estado‑Membro nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua ou de participar na formulação do pedido de informação, quando este apenas diz respeito à verificação dos dados fornecidos pelo próprio contribuinte. O direito da União não impede, no entanto, a concessão de direitos correspondentes pelo direito nacional.
2. O direito da União não prevê o dever do Estado‑Membro requerido de informar previamente um contribuinte sobre uma inquirição de testemunhas no âmbito das averiguações realizadas na sequência de um pedido de informação nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, nem o Estado‑Membro está obrigado a conceder a um contribuinte o direito de participar numa inquirição dessas.
3. Nos termos do artigo 1.°, n.° 1 e do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua, o Estado‑Membro requerido também está, em princípio, obrigado a prestar informações sobre as investigações subjacentes ao resultado comunicado.
4. O direito da União não impede um contribuinte de impugnar, no procedimento tributário nacional, a exatidão da informação prestada por outros Estados‑Membros nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua.
1 — Língua original: alemão.
2 — Diretiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos diretos e dos impostos sobre os prémios de seguro (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), alterada pelas Diretivas 79/1070/CEE de 6 de dezembro de 1979 (JO L 331, p. 8; EE 09 F1 p. 114), 92/12/CEE, de 25 de fevereiro de 1992 (JO L 76, p. 1), 2003/93/CE de 7 de outubro de 2003 (JO L 264, p. 23), 2004/56/CE, de 21 de abril de 2004 (JO L 127, p. 70), 2004/106/CE, de 16 de novembro de 2004 (JO L 359, p. 30) e 2006/98/CE de 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 129).
3 — V. o artigo 28.° da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e que revoga a Diretiva 77/799/CE (JO L 64, p. 1).
4 — Lei n.° 253/2000 sobre cooperação internacional na gestão tributária e que altera a Lei n.° 531/1990 relativa aos órgãos fiscais territoriais.
5 — Acórdão de 21 de junho de 2012, Susisalo e o. (C‑84/11, n.° 17 e a jurisprudência aí referida).
6 — V. acórdão de 27 de setembro de 2007, Twoh International (C‑184/05, Colet., p. I‑7897, n.° 37).
7 — V., neste sentido, também o acórdão de 6 de dezembro de 2012, BONIK (C‑285/11, n.° 32), sobre o imposto sobre o valor acrescentado.
8 — V. apenas o acórdão de 30 de junho de 2011, Meilicke e o. (C‑262/09, Colet., p. I‑5669, n.° 55).
9 — V. acórdão Twoh International (já referido na nota 6, n.° 31).
10 — V., neste sentido, o acórdão de 18 de dezembro de 2007, A (C‑101/05, Colet., p. I‑11531, n.° 61).
11 — V. igualmente o acórdão de 21 de dezembro de 2011, Cicala (C‑482/10, Colet., p. I‑14139, n.° 28), no que respeita à alínea c) da disposição.
12 — V. acórdão de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11, n.os 83 a 89).
13 — V., entre outros, os acórdãos de 12 de fevereiro de 1992, Países Baixos e o./Comissão (C‑48/90 e C‑66/90, Colet., p. I‑565, n.° 44); de 24 de outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o. (C‑32/95 P, Colet., p. I‑5373, n.° 21); de 18 de dezembro de 2008, Sopropé (C‑349/07, Colet., p. I‑10369, n.° 36); de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão (C‑110/10 P, Colet., p. I‑10439, n.° 47), e M. (já referido na nota 12, n.° 81).
14 — Acórdão M. (já referido na nota 12, n.° 82); v., quanto à concessão do direito de ser ouvido, desde logo os acórdãos de 4 de julho de 1963, Alvis/Conselho (32/62, Recueil, pp. 101, 114, Colet. 1962‑1964, p. 247); de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, Colet., p. 217, n.° 9); de 10 de julho de 1986, Bélgica/Comissão (234/84, Colet., p. 2263, n.° 27) e Comissão/Lisrestal e o. (já referido na nota 13, n.os 21, e 31 e segs.).
15 — V. acórdãos Sopropé (já referido na nota 13, n.° 38), e de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, n.° 19 e a jurisprudência aí referida).
16 — Acórdão Åkerberg Fransson (já referido na nota 15, n.os 17 e seg.).
17 — V., entre outros, os acórdãos Twoh International (já referido na nota 6, n.° 32); de 27 de janeiro de 2009, Persche (C‑318/07, Colet., p. I‑359, n.° 65), e de 15 de setembro de 2011, Accor (C‑310/09, Colet., p. I‑8115, n.° 98).
18 — Acórdão Åkerberg Fransson (já referido na nota 15, n.os 24 a 27).
19 — Neste sentido apontará a referência, no acórdão Åkerberg Fransson (já referido na nota 15, n.° 19), ao acórdão de 18 de junho de 1991, ERT (C‑260/89, Colet., p. I‑2925, n.° 43); porém, em sentido contrário apontará o acórdão de 27 de novembro de 2012, Pringle (C‑370/12, n.° 180), que, apesar dos comandos do artigo 125.°, n.° 1, segundo período, TFUE (v. n.° 136), não admitiu que se tivesse verificado a aplicação do direito da União.
20 — Acórdão Sopropé (já referido na nota 13, n.° 37); v. acórdãos Comissão/Lisrestal e o. (já referido na nota 13, n.° 21); de 9 de junho de 2005, Espanha/Comissão (C‑287/02, Colet., p. I‑5093, n.° 37), e M. (já referido na nota 12, n.° 87).
21 — V. o artigo 6.°, n.° 1, segundo período, em conjugação com o artigo 1.°, alínea h), do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho de 22 de março de 1999 que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (JO L 83, p. 1); v. igualmente, antes da vigência do referido regulamento, o acórdão de 14 de novembro de 1984, Intermills/Comissão (323/82, Recueil, p. 3809, n.os 16 e seg.).
22 — V., neste sentido, o acórdão Comissão/Lisrestal e o. (já referido na nota 13, n.os 22 e segs.).
23 — V., a este respeito, p. 1090 das conclusões do advogado‑geral Warner que deu origem ao acórdão de 23 de outubro de 1974, Transocean Marine Paint Association/Comissão (17/74, Recueil, pp. 1063, 1083; Colet., pp. 463, 465).
24 — V., entre outros, os acórdãos Bélgica/Comissão (já referido na nota 14, n.° 27); Países Baixos e o./Comissão (já referido na nota 13, n.° 44); de 29 de junho de 1994, Fiskano/Comissão (C‑135/92, Colet., p. I‑2885, n.° 39); Comissão/Lisrestal e o. (já referido na nota 13, n.° 21); de 12 de dezembro de 2002, Cipriani (C‑395/00, Colet., p. I‑11877, n.° 51), e Espanha/Comissão (já referido na nota 20, n.° 37).
25 — Acórdão Sopropé (já referido na nota 13, n.° 37); v. igualmente os acórdãos Comissão/Lisrestal e o. (já referido na nota 13, n.° 21) e Espanha/Comissão (já referido na nota 20, n.° 37); v., no mesmo sentido, também acórdão de 23 de outubro de 1974, Transocean Marine Paint Association/Comissão (17/74, Recueil, p. 1063, n.° 15, Colet., p. 463).
26 — V., quanto à obrigação do Estado‑Membro requerido, as minhas conclusões de 2 de junho de 2005, Comissão/Conselho (C‑533/03, Colet., p. I‑1025, n.° 83).
27 — V. supra, n.os 21 e segs.
28 — V. também acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 70).
29 — V. Kai‑Dieter Classen, Gute Verwaltung im Recht der Europäischen Union, 2008, pp. 177 e segs.
30 — V. conclusões do advogado‑geral Y. Bot de 26 de abril de 2012, M. (C‑277/11, n.os 35 e seg.).
31 — V. acórdãos de 14 de julho de 1972, ACNA/Comissão (57/69, Recueil, p. 933, n.os 12/14, Colet., p. 323) e de 26 de junho de 1980, National Panasonic/Comissão (136/79, Recueil, p. 2033, n.° 21).
32 — Conclusões de 11 de janeiro de 2007, Twoh International (C‑184/05, Colet., p. I‑7897, n.° 23).
33 — V. supra, n.os 21 e segs.
34 — Conclusões do advogado‑geral Warner de 30 de abril de 1980, National Panasonic/Comissão (136/79, Recueil, pp. 2033, 2069).
35 — V. acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colet., p. I‑6351, n.os 338 e segs.).
36 — V., a este respeito, também a referência do artigo 2.°, n.° 1, segundo período, da Diretiva 77/799 sobre a assistência mútua ao facto de a «obtenção do resultado procurado» poder ser prejudicada.
37 — V. o acórdão Persche (já referido na nota 17, n.° 62).
38 — V. o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2004/56/CE do Conselho, de 21 de abril de 2004, que altera a Diretiva 77/799/CEE relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos diretos, de certos impostos especiais de consumo e dos impostos sobre os prémios de seguro (JO L 127, p. 70).
39 — Regulamento (CE) n.° 1798/2003 do Conselho, de 7 de outubro de 2003, relativo à cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 218/92 (JO L 264, p. 1).
40 — Relatório especial n.° 8/2007 sobre a cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado, acompanhado das respostas da Comissão (JO C 20, p. 1), p. 5, nos pontos V b) e c).
41 — V. supra, n.os 56 e segs.
42 — V. supra, n.° 69.
43 — V. supra, n.os 70 e segs.