C-581/17 - Wächtler

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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de fevereiro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial – Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça sobre a livre circulação de pessoas – Transferência do domicílio de uma pessoa singular de um Estado‑Membro para a Suíça – Tributação das mais‑valias latentes relativas às participações numa sociedade – Fiscalidade direta – Livre circulação dos trabalhadores independentes – Igualdade de tratamento»

No processo C‑581/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Finanzgericht Baden‑Württemberg (Tribunal Tributário de Bade‑Wurtemberg, Alemanha), por decisão de 14 de junho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de outubro de 2017, no processo

Martin Wächtler

contra

Finanzamt Konstanz,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Prechal, M. Vilaras, K. Jürimäe e C. Lycourgos, presidentes de secção, A. Rosas, M. Ilešič, J. Malenovský, M. Safjan, D. Šváby e C. G. Fernlund (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 2 de julho de 2018,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de M. Wächtler, por R. Bock, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo espanhol, por S. Jiménez García e V. Ester Casas, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Wasmeier, B.‑R. Killmann, M. Šimerdová e N. Gossement, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de setembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas, assinado no Luxemburgo em 21 de junho de 1999 (JO 2002, L 114, p. 6, a seguir «ALCP»).

2        O presente pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Martin Wächtler ao Finanzamt Konstanz (administração fiscal de Konstanz, Alemanha) a propósito da decisão desta administração de tributar, no momento da transferência do seu domicílio da Alemanha para a Suíça, a mais‑valia latente relativa aos direitos societários que detém numa sociedade estabelecida na Suíça de que é também gerente.

 Quadro jurídico

 ALCP

3        A Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, assinaram, em 21 de junho de 1999, sete acordos, entre os quais o ALCP. Com a Decisão 2002/309/CE, Euratom do Conselho e da Comissão no que se refere ao Acordo relativo à Cooperação Científica e Tecnológica, de 4 de abril de 2002, relativa à celebração de sete acordos com a Confederação Suíça (JO 2002, L 114, p. 1, e retificação no JO 2015, L 210, p. 38), estes sete acordos foram aprovados em nome da Comunidade Europeia e entraram em vigor em 1 de junho de 2002.

4        Nos termos do preâmbulo do ALCP, as Partes Contratantes estão «decidid[a]s a realizar entre si a livre circulação de pessoas, com base nas disposições em aplicação na Comunidade Europeia».

5        O artigo 1.° deste acordo enuncia:

«O presente Acordo tem por objetivo, a favor dos nacionais dos Estados‑Membros da Comunidade Europeia e da Suíça:

a)      Conceder um direito de entrada, de residência, de acesso a uma atividade económica assalariada e de estabelecimento enquanto independente, bem como o direito de residir no território das Partes Contratantes;

[...]

c)      Conceder um direito de entrada e de residência, no território das Partes Contratantes, às pessoas sem atividade económica no seu país de acolhimento;

d)      Conceder as mesmas condições de vida, de emprego e de trabalho que as concedidas aos nacionais.»

6        O artigo 2.° do referido acordo, sob a epígrafe «Não discriminação», dispõe:

«Os nacionais de uma Parte Contratante que permaneçam legalmente no território de uma outra Parte Contratante não serão discriminados devido à sua nacionalidade, em conformidade com a aplicação das disposições dos Anexos I, II e III do presente Acordo.»

7        O artigo 4.° do mesmo acordo, sob a epígrafe «Direito de residência e de acesso a uma atividade económica», tem a seguinte redação:

«O direito de residência e de acesso a uma atividade económica é garantido de acordo com as disposições do Anexo I.»

8        O artigo 6.° do ALCP enuncia:

«O direito de residência no território de uma Parte Contratante é garantido às pessoas que não exerçam qualquer atividade económica, nos termos das disposições do Anexo I relativas às pessoas que não exerçam uma atividade.»

9        O artigo 7.° do referido acordo, sob a epígrafe «Outros direitos», prevê:

«As Partes Contratantes, nos termos do Anexo I, regulamentarão em especial os direitos a seguir indicados ligados à livre circulação de pessoas:

a)      À igualdade de tratamento com os nacionais, no que se refere ao acesso a uma atividade económica e ao seu exercício, bem como às condições de vida, de emprego e de trabalho;

b)      À mobilidade profissional e geográfica, que permita aos nacionais das Partes Contratantes deslocarem‑se livremente no território do Estado de acolhimento e exercerem a profissão da sua escolha;

c)      De residir no território de uma Parte Contratante após o termo de uma atividade económica;

[...]»

10      Nos termos do artigo 15.° do referido acordo, os seus Anexos e Protocolos fazem dele parte integrante.

11      O artigo 16.° do mesmo acordo, sob a epígrafe «Referência ao direito comunitário», tem a seguinte redação:

«1.      Para alcançar os objetivos do presente Acordo, as Partes Contratantes adotarão todas as medidas necessárias para que os direitos e obrigações equivalentes aos contidos nos atos jurídicos da Comunidade Europeia aos quais se faz referência sejam aplicados nas suas relações.

2.      Na medida em que a aplicação do presente Acordo implique conceitos de direito comunitário, ter‑se‑á em conta a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias anterior à data da sua assinatura. A partir desta data, a Suíça será informada da evolução dessa jurisprudência. Com vista a assegurar o bom funcionamento do Acordo, o Comité Misto determinará, a pedido de uma das Partes Contratantes, as implicações dessa jurisprudência.»

12      O artigo 21.° do ALCP, sob a epígrafe «Relação com os Acordos bilaterais em matéria de dupla tributação», dispõe:

«1.      As disposições dos Acordos bilaterais entre a Suíça e os Estados‑Membros da Comunidade Europeia em matéria de dupla tributação não são afetadas pelas disposições do presente Acordo. Em especial, as disposições do presente Acordo não devem afetar a definição de trabalhador fronteiriço nos termos dos Acordos de dupla tributação.

2.      Nenhuma disposição do presente Acordo pode ser interpretada de forma a impedir as Partes Contratantes de estabelecerem uma distinção, na aplicação das disposições pertinentes da sua legislação fiscal, entre contribuintes que não se encontrem em situações comparáveis, em especial no que se refere ao seu local de residência.

3.      Nenhuma disposição do presente Acordo constitui obstáculo à adoção ou a aplicação, pelas Partes Contratantes, de uma medida destinada a garantir a tributação, o pagamento e a cobrança efetiva dos impostos ou a evitar a evasão fiscal, nos termos das disposições da legislação fiscal nacional de uma das Partes Contratantes ou dos Acordos tendentes a evitar a dupla tributação que vinculam a Suíça, por um lado, e um ou mais Estados‑Membros da Comunidade Europeia, por outro, ou de outros Acordos fiscais.»

13      O Anexo I deste acordo é consagrado à livre circulação de pessoas. O artigo 6.° deste anexo dispõe, no seu n.° 1:

«O trabalhador assalariado nacional de uma Parte Contratante (adiante designado trabalhador assalariado) que ocupar um emprego durante um período igual ou superior a um ano ao serviço de um empregador do Estado de acolhimento recebe uma autorização de residência com uma duração de pelo menos cinco anos, a contar da data da sua emissão [...]»

14      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, do referido anexo:

«O trabalhador fronteiriço assalariado é um nacional de uma Parte Contratante que tem a sua residência no território de Parte Contratante e que exerce uma atividade assalariada no território da outra Parte Contratante, regressando, em princípio, diariamente ao seu domicílio, ou pelo menos uma vez por semana.»

15      O artigo 9.° do mesmo anexo, sob a epígrafe «Igualdade de tratamento», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Um trabalhador assalariado nacional de uma Parte Contratante não pode, no território da outra Parte Contratante, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais assalariados no que respeita às condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2.      O trabalhador assalariado e os seus familiares [...] beneficiam das mesmas vantagens fiscais e sociais que os trabalhadores assalariados nacionais e os seus familiares.»

16      O capítulo III do Anexo I do ALCP, consagrado aos independentes, contém os artigos 12.° a 16.° desse anexo. O seu artigo 12.°, sob a epígrafe «Regulamentação da residência», dispõe, no n.° 1:

«O nacional de uma Parte Contratante que deseje estabelecer‑se no território de uma outra Parte Contratante com vista ao exercício de uma atividade não assalariada (adiante designado “independente”) receberá uma autorização de residência com uma duração mínima de cinco anos a contar da sua emissão, desde que prove às autoridades nacionais competentes que está estabelecido ou deseja estabelecer‑se para esse fim.»

17      O artigo 13.° do referido anexo, sob a epígrafe «Trabalhadores fronteiriços independentes», enuncia, no seu n.° 1:

«O trabalhador fronteiriço independente é um nacional de uma Parte Contratante que tem a sua residência no território de uma Parte Contratante e exerce uma atividade não assalariada no território da outra Parte Contratante, regressando, em princípio, diariamente ao seu domicílio, ou pelo menos uma vez por semana.»

18      O artigo 15.° do mesmo anexo, sob a epígrafe «Igualdade de tratamento», dispõe:

«1.      O independente receberá no país de acolhimento, no que se refere ao acesso a uma atividade não assalariada e ao seu exercício, um tratamento não menos favorável do que o concedido aos nacionais desse país.

2.      O disposto no artigo 9.° do presente [a]nexo é aplicável, mutatis mutandis, aos independentes referidos no presente capítulo.»

 Convenção entre a Confederação Suíça e a República Federal da Alemanha

19      A Convenção entre a Confederação Suíça e a República Federal da Alemanha destinada a evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre a fortuna, de 11 de agosto de 1971 (BGB1. 1972 II, p. 1022), conforme alterada pelo Protocolo de 27 de outubro de 2010 (BGBl. 2011 I, p. 1092) (a seguir «Convenção entre a Confederação Suíça e a República Federal da Alemanha»), prevê no seu artigo 1.°:

«A presente Convenção aplica‑se às pessoas que sejam residentes num Estado Contratante ou em ambos os Estados.»

20      O artigo 4.°, n.° 1, da Convenção entre a Confederação Suíça e a República Federal da Alemanha dispõe:

«Na aceção da presente Convenção, a expressão “residente num Estado contratante” designa qualquer pessoa que, por força da legislação do referido Estado, esteja sujeita a tributação ilimitada nesse Estado.»

21      Nos termos do artigo 13.° desta convenção:

«1.      Os ganhos provenientes da alienação dos bens imóveis, tal como definidos no artigo 6.°, n.° 2, são tributáveis no Estado contratante onde estão situados os bens imóveis.

2.      Os ganhos provenientes da alienação de bens móveis que façam parte do ativo de um estabelecimento estável que uma empresa de um dos Estados contratantes possua no outro Estado contratante, ou de bens móveis afetados a uma base fixa de que disponha o residente num dos Estados contratantes no outro Estado contratante para o exercício de uma profissão liberal, incluindo os ganhos provenientes da alienação global desse estabelecimento estável (isolado ou com toda a empresa) ou dessa base fixa, podem ser tributados nesse outro Estado. [...]

3.      Os ganhos provenientes da alienação de quaisquer outros bens diferentes dos mencionados nos n.os 1 e 2 só podem ser tributados no Estado contratante em que o alienante é residente.

[...]

5.      Se um dos Estados Contratantes tributar, no momento da partida de uma pessoa singular residente nesse Estado, as mais‑valias provenientes de uma participação substancial numa sociedade residente neste Estado, o outro Estado, quando tributar os ganhos provenientes da alienação posterior da participação, em conformidade com o disposto no n.° 3, determinará este ganho de capital tendo em conta, a título de custos de aquisição, o montante que o primeiro Estado considerou como rendimento no momento da partida.»

22      O artigo 27.°, n.° 1, da referida convenção enuncia:

«As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocam as informações previsivelmente pertinentes para aplicar as disposições da presente Convenção ou para a aplicação ou a execução da legislação interna relativa aos impostos de qualquer tipo ou denominação cobrados por conta dos Estados Contratantes ou dos respetivos Länder, cantões, distritos, círculos, municípios ou agrupamentos de municípios, na medida em que a tributação prevista não seja contrária à Convenção. O intercâmbio de informações não é limitado pelo disposto nos artigos 1.° e 2.°»

 Direito alemão

23      A Einkommensteuergesetz [Lei do imposto sobre os rendimentos, na versão aplicável ao litígio no processo principal (BGBl. 2009 I, p. 3366), a seguir «EStG»], prevê no seu artigo § 1, n.° 1:

«As pessoas singulares com domicílio ou residência habitual no território nacional estão sujeitas ao imposto sobre o rendimento de forma ilimitada. [...]»

24      Nos termos do § 17, n.os 1 e 2, da EStG:

«1.      Constitui também um rendimento de atividade profissional a mais‑valia resultante da alienação de participações numa sociedade de capitais, se, nos cinco anos anteriores, o alienante teve uma participação – direta ou indireta – no capital social de, pelo menos, 1%. [...]

2.      É considerada uma mais‑valia na aceção do n.° 1 a diferença, após dedução dos custos de alienação, entre o preço de venda e os custos de aquisição. [...]»

25      A Gesetz über die Besteuerung bei Auslandsbeziehungen (Lei relativa à tributação em contextos internacionais), de 8 de setembro de 1972 (BGBl. 1972 I, p. 1713), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «AStG»), prevê no seu § 6:

«1.      No caso de uma pessoa singular que esteve sujeita a tributação ilimitada durante, pelo menos, um total de dez anos em aplicação do § 1, n.° 1, da [EStG] e cuja tributação ilimitada terminou com a transferência do domicílio ou da residência habitual, o § 17 da [EStG] aplica‑se às participações referidas no § 17, n.° 1, primeiro período, da [EStG] no momento em que terminar a tributação ilimitada, mesmo que não haja alienação, se as condições desta disposição relativas às participações se encontrarem preenchidas quanto ao mais nessa data.

[...]

4.      Sem prejuízo do n.° 5, o imposto sobre o rendimento devido nos termos do n.° 1, deve, a pedido, ser objeto de diferimento sob a forma de um escalonamento em várias prestações a pagar com intervalos regulares, por um período máximo de cinco anos a contar da data da primeira prestação, mediante a constituição de uma garantia, se a cobrança imediata tiver consequências dificilmente suportáveis para o contribuinte. O diferimento deve ser anulado se, durante esse período, as participações forem alienadas ou forem objeto de uma entrada de capital oculta numa sociedade na aceção do § 17, n.° 1, da [EStG], ou se se verificar uma das hipóteses previstas no § 17, n.° 4, da [EStG]. [...]

5.      Se o contribuinte que se encontra na situação referida no n.° 1, primeiro período, for nacional de um Estado‑Membro [...] ou de outro Estado ao qual se aplique o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu [de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir “Acordo EEE”)], e estiver sujeito, depois do fim da tributação ilimitada, a uma tributação num desses Estados (Estado de acolhimento) equiparável à tributação do imposto sobre o rendimento alemão, o imposto devido por força do n.° 1 deve ser diferido sem juros e sem constituição de garantia. Esta medida está sujeita à condição de que a assistência administrativa e a assistência mútua em matéria de cobrança fiscal entre a República Federal da Alemanha e esse Estado estejam garantidas. [...]

O diferimento deve ser anulado nos seguintes casos:

1)      Se o contribuinte ou o seu sucessor legal na aceção do terceiro período, ponto 1, alienar as participações ou as utilizar numa entrada de capital oculta numa sociedade na aceção do § 17, n.° 1, primeiro período, da [EStG], ou se se verificar uma das hipóteses previstas no § 17, n.° 4, da [EStG];

2)      Se as participações forem transmitidas a uma pessoa não sujeita ao imposto de forma ilimitada, que não está sujeita a uma tributação equiparável à sujeição integral ao imposto alemão sobre o rendimento num Estado‑Membro [...] ou num Estado parte no Acordo EEE;

3)      Se as participações forem objeto de uma retenção ou de outra operação que, nos termos do direito nacional, conduza a uma tomada em consideração do valor parcial ou do valor venal;

4)      Se o contribuinte ou o seu sucessor, na aceção do terceiro período, ponto 1, deixar de estar sujeito a uma tributação na aceção da primeira frase pelo facto de ter transferido o seu domicílio ou a sua residência habitual.»

  Litígio no processo principal e questão prejudicial

26      M. Wächtler, nacional alemão, é, desde 1 de fevereiro de 2008, o gerente de uma sociedade de direito suíço, onde exerce uma atividade no domínio da consultoria informática, e da qual detém 50% das participações sociais.

27      Em 1 de março de 2011, M. Wächtler transferiu o seu domicílio da Alemanha para a Suíça. Na sequência dessa transferência, a administração fiscal de Konstanz, em aplicação do § 6 da AStG e do § 17 da EStG, cobrou o imposto sobre o rendimento a título da mais‑valia latente relativa à sua participação na referida sociedade.

28      Entendendo que esta tributação gerada pela mera transferência de domicílio para a Suíça é contrária ao ALCP e, mais concretamente, ao direito de estabelecimento previsto por esse acordo, M. Wächtler interpôs um recurso no Finanzgericht Baden‑Württemberg (Tribunal Tributário de Baden‑Württemberg, Alemanha).

29      Este órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à conformidade com o preâmbulo e os artigos 1.°, 2.°, 4.°, 6.°, 7.°, 16.° e 21.° do ALCP e o artigo 9.° do Anexo I deste acordo, do regime fiscal em causa, que prevê a tributação das mais‑valias latentes relativas às participações numa sociedade sem diferimento do pagamento do imposto devido em caso de transferência, por um nacional do Estado‑Membro em causa, do seu domicílio para a Suíça, ao passo que, no caso de uma transferência, por esse nacional, do seu domicílio para um Estado‑Membro diferente da República Federal da Alemanha ou para um Estado terceiro parte no Acordo EEE, esse regime fiscal permite o diferimento, sem juros e sem constituição de garantia, do pagamento desse imposto até à alienação efetiva das participações em causa desde que, por um lado, o Estado de acolhimento preste à República Federal da Alemanha assistência e apoio em matéria de cobrança fiscal e, por outro, o contribuinte esteja sujeito nesse Estado de acolhimento a uma tributação comparável à sujeição ao imposto alemão sobre o rendimento.

30      O referido órgão jurisdicional precisa que este diferimento, no que respeita a este último caso da transferência do domicílio, foi introduzido no § 6, n.° 5, da AStG pelo legislador nacional porque, na falta de possibilidade de diferimento do pagamento do imposto em causa, o regime fiscal em causa violaria a liberdade de estabelecimento garantida pelo direito da União a um nacional alemão que mantém o seu domicílio no território nacional, sendo efetivamente tributado apenas no momento da realização das mais‑valias sobre as participações sociais em causa. A conformidade com o direito da União da alteração introduzida a esta disposição sobre o diferimento da cobrança foi, aliás, confirmada pelo Acórdão de 11 de março de 2004, de Lasteyrie du Saillant (C‑9/02, EU:C:2004:138).

31      No caso de o regime fiscal em causa constituir uma restrição ao direito de estabelecimento na aceção do ALCP, o mesmo órgão jurisdicional questiona‑se sobre se esta restrição pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral ligadas à preservação da repartição da competência fiscal entre as Partes Contratantes em causa, à eficácia dos controlos fiscais e à necessidade de assegurar a eficácia da cobrança do imposto para evitar perdas de receitas fiscais e, em caso afirmativo, se essa restrição é adequada para garantir a realização do objetivo prosseguido e não vai além do que é necessário para o atingir.

32      Foi nestas condições que o Finanzgericht Baden‑Würtemberg (Tribunal Tributário de Baden‑Würtemberg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem as disposições do [ALCP], em particular o seu preâmbulo e os seus artigos 1.°, 2.°, 4.°, 6.°, 7.°, 16.° e 21.° e o artigo 9.° do Anexo I ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro segundo a qual, para não perder nenhum elemento de tributação, se tributam (sem diferimento) as mais‑valias latentes, ainda não realizadas, dos direitos societários, quando um nacional desse Estado‑Membro que inicialmente aí estava sujeito a uma obrigação fiscal ilimitada transfere o seu domicílio desse Estado‑Membro para a Suíça e não para um Estado‑Membro [...], ou para um Estado em que seja aplicável o [Acordo EEE]?»

 Quanto à questão prejudicial

33      Tal como exposto no n.° 30 do presente acórdão, a possibilidade de diferir o pagamento do imposto sobre as mais‑valias latentes relativas a participações numa sociedade, em caso de transferência, por um nacional alemão, do seu domicílio para um Estado‑Membro diferente da República Federal da Alemanha ou para um Estado terceiro parte no Acordo EEE, foi introduzida pelo legislador nacional para tornar o regime fiscal alemão conforme com o direito da União relativo à livre circulação de pessoas, uma vez que um nacional alemão que mantém o seu domicílio no território nacional só é tributado sobre as mais‑valias relativas às participações numa sociedade no momento da sua realização.

34      Por conseguinte, há que entender que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições do ALCP devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a um regime fiscal de um Estado‑Membro que, numa situação em que um nacional de um Estado‑Membro, pessoa singular, que exerce uma atividade económica no território da Confederação Suíça, transfere o seu domicílio do Estado‑Membro cujo regime fiscal está em causa para a Suíça, prevê a cobrança, no momento dessa transferência, do imposto devido pelas mais‑valias latentes relativas a participações sociais detidas por esse nacional, ao passo que, em caso de manutenção do domicílio no mesmo Estado‑Membro, a cobrança do imposto só ocorre no momento em que as mais‑valias são realizadas, a saber, no momento da alienação das participações sociais em causa.

35      A título preliminar, uma vez que o ALCP é um Tratado internacional, deve ser interpretado, em conformidade com o artigo 31.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331), de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim (Acórdãos de 2 de março de 1999, Eddline El‑Yassini, C‑416/96, EU:C:1999:107, n.° 47, e de 24 de novembro de 2016, SECIL, C‑464/14, EU:C:2016:896, n.° 94 e jurisprudência referida). Além disso, resulta desta disposição que um termo será entendido num sentido particular se estiver estabelecido que tal foi a intenção das partes (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK, C‑266/16, EU:C:2018:118, n.° 70).

36      Neste contexto, importa precisar, em primeiro lugar, que o ALCP se situa no âmbito mais geral das relações entre a União Europeia e a Confederação Suíça. Embora esta última não participe no EEE e no mercado interno da União, está todavia ligada a esta por múltiplos acordos bilaterais que abrangem vastos domínios e que preveem direitos e obrigações específicos, em certos aspetos análogos aos previstos no Tratado. O objetivo geral desses acordos, incluindo do ALCP, é estreitar os laços económicos entre a União e a Confederação Suíça (Acórdão de 6 de outubro de 2011, Graf e Engel, C‑506/10, EU:C:2011:643, n.° 33).

37      No entanto, uma vez que a Confederação Suíça não aderiu ao mercado interno da União, a interpretação dada às disposições do direito da União relativas a esse mercado não pode ser automaticamente transposta para a interpretação do ALCP, salvo se houver disposições expressas previstas no próprio Acordo para o efeito (Acórdão de 15 de março de 2018, Picart, C‑355/16, EU:C:2018:184, n.° 29).

38      No que respeita, em segundo lugar, ao objetivo do ALCP e à interpretação dos seus termos, resulta do preâmbulo, do artigo 1.° e do artigo 16.°, n.° 2, do referido acordo, que este tem por objetivo realizar, a favor dos nacionais, pessoas singulares, da União e da Confederação Suíça, a livre circulação de pessoas no território dessas partes, com base nas disposições em aplicação na União, cujos conceitos devem ser interpretados tendo em conta a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça anterior à data de assinatura do referido acordo.

39      Quanto à jurisprudência posterior a essa data, importa observar que o artigo 16.°, n.° 2, do ALCP prevê, por um lado, que esta jurisprudência deve ser comunicada à Confederação Suíça e, por outro, que, com vista a assegurar o bom funcionamento do acordo, a pedido de uma das Partes Contratantes, o Comité Misto previsto no artigo 14.° do referido acordo determina as implicações desta jurisprudência. Assim sendo, mesmo na ausência de decisão desse Comité, há que, como salientou o advogado‑geral nos n.os 71 e 72 das suas conclusões, ter igualmente em consideração a referida jurisprudência na medida em que esta mais não faz do que precisar ou confirmar os princípios enunciados na jurisprudência existente à data da assinatura do ALCP relativa aos conceitos de direito da União em que este acordo se inspira.

40      É à luz destas considerações que há que examinar o âmbito de aplicação e as disposições do ALCP.

41      Nos termos do preâmbulo, bem como do artigo 1.°, alíneas a) e c), do ALCP, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação deste acordo tanto as pessoas singulares que exerçam uma atividade económica como as que não exercem uma atividade dessa natureza.

42      Resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que M. Wächtler exerce uma atividade económica, concretamente a de consultor informático numa sociedade estabelecida na Suíça de que é gerente.

43      No que se refere, em especial, a uma tal pessoa, decorre do texto do artigo 1.°, alínea a), do referido acordo que este tem por objetivo conceder um direito de entrada, de residência, de acesso a uma atividade económica assalariada e de estabelecimento enquanto independente, bem como o direito de residir no território das Partes Contratantes. Para o efeito, o artigo 4.° do mesmo acordo prevê que o direito de residência e de acesso a uma atividade económica é garantido de acordo com as disposições do seu Anexo I.

44      No que respeita ao estatuto sob o qual a atividade económica em causa é exercida, resulta de uma comparação entre os artigos 6.° e 7.° do Anexo I do ALCP e dos artigos 12.° e 13.° desse anexo que a distinção entre o trabalhador assalariado e o independente está ligada à questão de saber se a atividade económica em questão deve ser considerada uma «atividade assalariada» ou uma «atividade não assalariada».

45      Neste contexto, há que recordar que o conceito de «trabalhador assalariado» é um conceito de direito da União (Acórdão de 19 de março de 1964, Unger, 75/63, EU:C:1964:19, p. 363) que já existia à data da assinatura do referido acordo. A característica essencial da relação de trabalho assalariado é a circunstância de uma pessoa realizar, durante certo tempo, em benefício de outra e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração. Pelo contrário, deve qualificar‑se de «atividade não assalariada» uma atividade que seja exercida por uma pessoa sem qualquer relação de subordinação (v., por analogia, Acórdãos de 27 de junho de 1996, Asscher, C‑107/94, EU:C:1996:251, n.os 25 e 26, e de 20 de novembro de 2001, Jany e o., C‑268/99, EU:C:2001:616, n.° 34).

46      Na medida em que M. Wächtler exerce as suas atividades de consultor informático numa sociedade de que é gerente e de que detém 50% das participações sociais, a relação de subordinação que caracteriza uma atividade assalariada não existe no caso vertente, como o advogado‑geral salientou nos n.os 38 e 39 das suas conclusões. Daqui decorre que M. Wächtler exerce uma atividade económica não assalariada enquanto independente, na aceção do ALCP.

47      No que se refere ao âmbito de aplicação ratione personae do conceito de «independente», na aceção do ALCP, o Tribunal de Justiça já precisou que este é definido nos artigos 12.° e 13.° do Anexo I desse Acordo (Acórdão de 15 de março de 2018, Picart, C‑355/16, EU:C:2018:184, n.° 18).

48      Decorre do artigo 12.°, n.° 1, do referido anexo que essa disposição se aplica ao nacional, pessoa singular, de uma Parte Contratante que se estabeleça no território de uma outra Parte Contratante e exerça uma atividade não assalariada no território dessa outra parte (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2018, Picart, C‑355/16, EU:C:2018:184, n.os 22 e 23).

49      Ora, M. Wächtler encontra‑se na situação de um nacional de uma Parte Contratante do ALCP, a saber, a República Federal da Alemanha, que se estabeleceu no território de uma outra Parte Contratante, a saber, a Confederação Suíça, para aí exercer, numa sociedade, a sua atividade não assalariada. Por conseguinte, esta situação integra o âmbito de aplicação do artigo 12.° do Anexo I do ALCP.

50      O facto de M. Wächtler deter 50% das participações sociais da sociedade em que exerce a atividade não assalariada em questão não põe em causa esta constatação. Com efeito, como o advogado‑geral salientou, em substância, nos n.os 43 a 56 das suas conclusões, o direito de estabelecimento enquanto independente, na aceção do ALCP, compreende, com exceção da prestação de serviços, qualquer atividade económica ou rentável de uma pessoa singular não abrangidas pelo conceito de «assalariado». Além disso, o exercício efetivo deste direito pressupõe a faculdade de escolher a forma jurídica adequada para o efeito.

51      No que se refere à possibilidade de um nacional de uma Parte Contratante invocar direitos decorrentes do ALCP no seu Estado de origem, há que salientar que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça já existente à data da assinatura desse acordo, o direito de estabelecimento, na aceção do direito da União visa não só assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, como também impedir restrições emanadas do Estado‑Membro de origem do nacional em causa (v., neste sentido, Acórdão de 27 de setembro de 1988, Daily Mail and General Trust, 81/87, EU:C:1988:456, n.° 16).

52      Assim, em determinadas circunstâncias e em função das disposições aplicáveis, um nacional de uma Parte Contratante do ALCP pode invocar os direitos decorrentes deste acordo não só no Estado para o qual exerce o seu direito à livre circulação mas também no seu Estado de origem (Acórdão de 15 de março de 2018, Picart, C‑355/16, EU:C:2018:184, n.° 16 e jurisprudência referida).

53      Com efeito, a liberdade de circulação de pessoas garantida pelo ALCP seria entravada se um nacional de uma Parte Contratante sofresse uma desvantagem no seu Estado de origem pela simples razão de ter exercido o seu direito de circulação (Acórdão de 15 de dezembro de 2011, Bergström, C‑257/10, EU:C:2011:839, n.° 28).

54      Daqui resulta que o princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 15.°, n.° 2, do Anexo I do ALCP, lido em conjugação com o artigo 9.° desse anexo, também pode ser invocado no Estado de origem por um trabalhador independente abrangido pelo âmbito de aplicação desse acordo.

55      Constituindo o princípio da igualdade de tratamento um conceito de direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de outubro de 1977, Ruckdeschel e o., 117/76 e 16/77, EU:C:1977:160, n.° 7, e de 6 de outubro de 2011, Graf e Engel, C‑506/10, EU:C:2011:643, n.° 26 e jurisprudência referida) que existia à data da assinatura do ALCP, há que, como resulta dos n.os 38 e 39 do presente acórdão, ter em conta os princípios enunciados na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à igualdade de tratamento para determinar a existência de uma eventual desigualdade de tratamento proibida pelo ALCP (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 2011, Graf e Engel, C‑506/10, EU:C:2011:643, n.° 26, e de 21 de setembro de 2016, Radgen, C‑478/15, EU:C:2016:705, n.° 47).

56      No caso em apreço, importa observar que um nacional alemão que, como M. Wächtler, exerceu o seu direito de estabelecimento enquanto independente ao abrigo do ALCP sofre uma desvantagem fiscal relativamente a outros nacionais alemães que, como ele, exercem uma atividade independente numa sociedade de que possuem participações sociais mas que, ao contrário dele, mantêm o seu domicílio na Alemanha. Com efeito, estes últimos só devem pagar o imposto sobre as mais‑valias relativas às participações sociais em causa quando as mesmas mais‑valias forem realizadas, ou seja, aquando da alienação dessas participações sociais, ao passo que um nacional como M. Wächtler é obrigado, no momento da transferência do seu domicílio para a Suíça, a pagar o imposto em causa sobre as mais‑valias latentes relativas a essas participações sociais, sem poder beneficiar de um pagamento diferido até à respetiva alienação.

57      Esta diferença de tratamento, que constitui uma desvantagem de tesouraria para um nacional alemão como M. Wächtler, é suscetível de o dissuadir de exercer efetivamente o seu direito de estabelecimento decorrente do ALCP. Daqui resulta que o regime fiscal em causa no processo principal pode entravar o direito de estabelecimento enquanto independente garantido por esse acordo.

58      Deve, contudo, observar‑se que o artigo 21.°, n.° 2, do ALCP permite que seja aplicado um tratamento diferenciado, em matéria fiscal, aos contribuintes que não se encontrem numa situação comparável, especialmente no que se refere ao seu local de residência (Acórdão de 21 de setembro de 2016, Radgen, C‑478/15, EU:C:2016:705, n.° 45).

59      A este respeito, há que referir que, nos termos do § 6 da AStG, a República Federal da Alemanha decidiu exercer a sua competência fiscal sobre as mais‑valias relativas às participações sociais detidas por um nacional alemão, que surgiram durante o período de tributação ilimitada desse nacional, enquanto residente fiscal na Alemanha, ao imposto alemão, independentemente do território em que essas mais‑valias surgiram.

60      À luz do objetivo desta legislação, que é tributar as mais‑valias de participações sociais surgidas no âmbito da competência fiscal da República Federal da Alemanha, a situação de um nacional de um Estado‑Membro que transfere o seu domicílio da Alemanha para a Suíça é comparável à de um nacional de um Estado‑Membro que mantém o seu domicílio na Alemanha. Com efeito, nos dois casos, o poder de tributar essas mais‑valias cabe à República Federal da Alemanha, uma vez que esse poder está ligado, por força da respetiva legislação nacional, à residência fiscal do nacional em questão no seu território durante o período em que as referidas mais‑valias nasceram, independentemente do lugar em que surgiram.

61      Coloca‑se então a questão de saber se a diferença de tratamento referida nos n.os 56 e 57 do presente acórdão pode ser justificada pelas razões imperiosas de interesse geral evocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e expostas no n.° 31 do presente acórdão, a saber, a preservação da repartição da competência fiscal entre as partes do ALCP em causa, a eficácia dos controlos fiscais e a necessidade de assegurar a eficácia da cobrança do imposto para evitar perdas de receitas fiscais.

62      A este respeito, o artigo 21.°, n.° 3, do ALCP prevê que nenhuma disposição desse acordo constitui obstáculo à adoção, pelas Partes Contratantes, de uma medida destinada a garantir a tributação, o pagamento e a cobrança efetiva dos impostos ou a evitar a evasão fiscal, nos termos das disposições da legislação fiscal nacional de uma das Partes Contratantes ou dos acordos tendentes a evitar a dupla tributação que vinculam a Confederação Suíça, por um lado, e um ou mais Estados‑Membros, por outro, ou de outros Acordos Fiscais.

63      Contudo, essas medidas, que correspondem, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça no âmbito da livre circulação de pessoas no interior da União, a razões imperiosas de interesse geral (v., nomeadamente, Acórdãos de 15 de maio de 1997, Futura Participations e Singer, C‑250/95, EU:C:1997:239, n.° 31 e jurisprudência referida; de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C‑290/04, EU:C:2006:630, n.° 36; e de 11 de dezembro de 2014, Comissão/Espanha, C‑678/11, EU:C:2014:2434, n.os 45 e 46) devem, em todo o caso, respeitar o princípio da proporcionalidade, a saber, devem ser adequadas para realizar esses objetivos e não devem ir além do que é necessário para os atingir.

64      No caso em apreço, há que precisar que, embora a determinação do montante do imposto em causa no momento da transferência do domicílio para a Suíça seja uma medida adequada para garantir a realização do objetivo relativo à preservação da repartição da competência fiscal entre esse Estado‑Membro e a República Federal da Alemanha, este objetivo não pode, em contrapartida, justificar a impossibilidade de diferir o pagamento desse imposto. Com efeito, esse diferimento não implica que a República Federal da Alemanha renuncie, a favor da Confederação Suíça, à sua competência fiscal sobre as mais‑valias surgidas durante o período de tributação ilimitada do titular das participações sociais sujeitas ao imposto alemão.

65      No que se refere ao objetivo relativo à eficácia dos controlos fiscais, a Convenção entre a Confederação Suíça e a República Federal da Alemanha prevê a possibilidade de troca de informações em matéria fiscal entre as suas partes contratantes, pelo que a República Federal da Alemanha pode obter junto das autoridades suíças competentes as informações necessárias a respeito da alienação, pelo nacional em causa que tenha previamente transferido o seu domicílio para a Suíça, das participações sociais correspondentes às mais‑valias latentes em causa. Por conseguinte, a impossibilidade de diferimento do pagamento do imposto em causa no processo principal é uma medida que, em todo o caso, vai além do que é necessário para atingir o referido objetivo.

66      Quanto ao objetivo relativo à necessidade de garantir a eficácia da cobrança do imposto para evitar perdas de receitas fiscais, há que observar que a cobrança imediata do imposto em causa no momento da transferência do domicílio do contribuinte pode, em princípio, ser justificada pela necessidade de assegurar a cobrança eficaz das dívidas fiscais. Todavia, como salientou o advogado‑geral nos n.os 103 a 105 das suas conclusões, essa medida vai além do que é necessário para atingir este objetivo e deve ser considerada desproporcionada. Com efeito, num caso em que existe o risco de o imposto devido não ser cobrado, nomeadamente em virtude da inexistência de um mecanismo de assistência mútua em matéria de cobrança de créditos fiscais, o diferimento da cobrança desse imposto pode ser subordinado à exigência da constituição de uma garantia (v., por analogia, Acórdãos de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus, C‑371/10, EU:C:2011:785, n.os 73 e 74, e de 23 de janeiro de 2014, DMC, C‑164/12, EU:C:2014:20, n.os 65 a 67).

67      Nestas condições, há que concluir que o regime fiscal em causa no processo principal constitui uma restrição não justificada do direito de estabelecimento previsto no ALCP.

68      Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de, no caso de a cobrança imediata do imposto acarretar consequências dificilmente suportáveis para o contribuinte, esse regime fiscal prever a possibilidade de um pagamento escalonado desse imposto. Com efeito, além do facto de esse escalonamento só ser possível nesse caso específico, não é suscetível de eliminar, nessa situação, a desvantagem de tesouraria que constitui a obrigação para o contribuinte de pagar, no momento da transferência do seu domicílio para a Suíça, uma parte do imposto devido sobre as mais‑valias latentes relativas às participações sociais em causa. Além disso, continua a ser mais onerosa para o contribuinte do que uma medida que consista em prever o diferimento do pagamento do imposto devido até à alienação dessas participações sociais.

69      Tendo em conta o exposto, há que responder à questão submetida que as disposições do ALCP devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a um regime fiscal de um Estado‑Membro que, numa situação em que um nacional de um Estado‑Membro, pessoa singular, que exerce uma atividade económica no território da Confederação Suíça, transfere o seu domicilio do Estado‑Membro cujo regime fiscal está em causa para a Suíça, prevê a cobrança, no momento dessa transferência, do imposto devido pelas mais‑valias latentes relativas a participações sociais detidas por esse nacional, ao passo que, em caso de manutenção do domicílio no mesmo Estado‑Membro, a cobrança do imposto só ocorre no momento em que as mais‑valias são realizadas, a saber, no momento da alienação das participações sociais em causa.

 Quanto às despesas

70      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

As disposições do Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus EstadosMembros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro sobre a livre circulação de pessoas, assinado no Luxemburgo em 21 de junho de 1999, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a um regime fiscal de um EstadoMembro, que, numa situação em que um nacional de um EstadoMembro, pessoa singular, que exerce uma atividade económica no território da Confederação Suíça, transfere o seu domicilio do EstadoMembro cujo regime fiscal está em causa para a Suíça, prevê a cobrança, no momento dessa transferência, do imposto devido pelas maisvalias latentes relativas a participações sociais detidas por esse nacional, ao passo que, em caso de manutenção do domicílio no mesmo EstadoMembro, a cobrança do imposto só ocorre no momento em que as maisvalias são realizadas, a saber, no momento da alienação das participações sociais em causa.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.