C-48/97 - Kuwait Petroleum

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EUR-Lex - 61997J0048 - PT

61997J0048

Acórdão do Tribunal de 27 de Abril de 1999. - Kuwait Petroleum (GB) Ltd contra Commissioners of Customs & Excise. - Pedido de decisão prejudicial: Value Added Tax and Duties Tribunal, London - Reino Unido. - Sexta Directiva IVA - Sistema de promoção das vendas - Bens entregues em troca de selos - Entrega a título oneroso - Descontos e abatimentos de preço - Conceito. - Processo C-48/97.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-02323


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Matéria colectável - Descontos e abatimentos de preço - Conceito - Redução de 100% - Exclusão

[Directiva 77/388 do Conselho, artigo 11._, A, n._ 3, alínea b)]

2 Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Operações tributáveis - Entrega de bens oferecidos como brindes e em troca de selos obtidos aquando da compra de um produto - Tributabilidade - Condição

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 5._, n._ 6)

Sumário


1 O artigo 11._, A, n._ 3, da Sexta Directiva 77/388, relativo aos elementos que não devem ser incluídos, no interior do país, na matéria colectável do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que os termos «descontos» e «abatimentos», constantes da alínea b), não podem abranger uma redução de preço que incida sobre a totalidade do custo de uma entrega de bens.

2 O artigo 5._, n._ 6, da Sexta Directiva 77/388 equipara a uma entrega efectuada a título oneroso a afectação por um sujeito passivo de bens da sua empresa que transmite a título gratuito, quando esse bem tenha conferido direito a uma dedução do imposto sobre o valor acrescentado cobrado a montante. A afectação, por uma sociedade petrolífera, de bens que são transmitidos a um comprador de gasolina em troca de selos que, em função da quantidade adquirida, este obtém pagando a integralidade do preço a retalho da gasolina na bomba, em conformidade com uma campanha de promoção das vendas no quadro da qual os referidos bens são qualificados de presentes e nenhuma parcela do preço pago pelo comprador representa o valor dos selos, constitui uma transmissão a título gratuito na acepção da referida disposição. Essa afectação deve, portanto, quando esses bens não sejam de pequeno valor, ser equiparada a uma entrega efectuada a título oneroso e sujeita ao imposto sobre o valor acrescentado.

Partes


No processo C-48/97,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pelo VAT and Duties Tribunal, London (Reino Unido), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Kuwait Petroleum (GB) Ltd

e

Commissioners of Customs & Excise,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 2._, ponto 1, 5._, n._ 6, 11._, A, n._ 3, alínea b), e 27._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, P. J. G. Kapteyn e G. Hirsch (relator), presidentes de secção, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann, D. A. O. Edward, L. Sevón e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: N. Fennelly,

secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Kuwait Petroleum (GB) Ltd, por John Walters, QC, mandatado por Peter Landon, FCA,

- em representação do Governo do Reino Unido, por John E. Collins, Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por Paul Lasok, QC, e Philippa J. E. Whipple, barrister,

- em representação do Governo francês, por Kareen Rispal-Bellanger, subdirectora do direito económico internacional e do direito comunitário na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Gautier Mignot, secretário dos Negócios Estrangeiros na mesma direcção, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo português, por Luís Fernandes, director do Serviço Jurídico da Direcção-Geral dos Assuntos Europeus do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Angelo Cortesão Seiça Neves, jurista na membro direcção, na qualidade de agentes,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Peter Oliver, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Kuwait Petroleum (GB) Ltd, representada por John Walters, mandatado por Peter Landon, do Governo do Reino Unido, representado por John E. Collins, assistido por Paul Lasok, do Governo francês, representado por Gautier Mignot, e da Comissão, representada por Peter Oliver e Hélène Michard, membro do Serviço Jurídico, e Francesca Riddy, funcionária nacional destacada junto do mesmo serviço, na qualidade de agentes, na audiência de 5 de Maio de 1998,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 9 de Julho de 1998,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 15 de Janeiro de 1997, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de Fevereiro seguinte, o VAT and Duties Tribunal, London, submeteu, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, cinco questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 2._, ponto 1, 5._, n._ 6, 11._, A, n._ 3, alínea b), e 27._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, a seguir «Sexta Directiva»),

2 Essas questões foram suscitadas no quadro de um litígio que opõe a Kuwait Petroleum (GB) Ltd (a seguir «Kuwait») aos Commissioners of Customs & Excise (a seguir «Commissioners»), competentes, no Reino Unido, em matéria de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), a propósito da sujeição ao IVA de certos produtos oferecidos pela Kuwait no quadro de operações promocionais realizadas entre 1991 e 1996.

A regulamentação nacional

3 O anexo 4 do Value Added Tax Act 1994 (lei de 1994 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado) define as operações que constituem entregas de bens ou prestações de serviços para efeitos da sua sujeição ao IVA, ou que a elas são equiparadas. Nos termos do seu n._ 5:

«(1) Sem prejuízo do disposto no n._ 2 infra, está-se perante uma entrega de bens sempre que bens que fazem parte do património de uma empresa são transferidos ou alienados por essa empresa, deixando assim de fazer parte do seu património, independentemente da onerosidade da transferência ou da alienação.

(2) O n._ 1 supra não se aplica quando a transferência ou a alienação seja:

(a) uma doação de bens efectuada com objectivos comerciais (diferentemente de uma que faça parte de uma série ou sucessão de doações efectuadas periodicamente em favor da mesma pessoa) quando o seu custo para o doador seja inferior a 10 libras...»

A regulamentação comunitária

4 Nos termos do artigo 2._, n._ 1, da Sexta directiva:

«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

1. as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

...»

5 O artigo 5._, n._ 6, da Sexta Directiva dispõe:

«É equiparada a entrega efectuada a título oneroso a afectação, por um sujeito passivo, de bens da própria empresa a seu uso privado ou do seu pessoal, ou a disposição de bens a título gratuito, ou, em geral, a sua afectação a fins estranhos à empresa, sempre que, relativamente a esses bens ou aos elementos que os compõem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado. Todavia, não será assim considerada a afectação a ofertas de pequeno valor e a amostras, para os fins da própria empresa.»

6 O artigo 11._, A, n._ 3, alínea b), da Sexta Directiva prevê:

«No território do país

...

3. A matéria colectável não inclui:

...

b) os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ou ao destinatário no momento em que a operação se realiza.»

O litígio no processo principal

7 A gasolina comercializada pela Kuwait sob a marca «Q8» é vendida a retalho quer directamente pela Kuwait, em cerca de 110 estações de serviço que lhe pertencem e que ela própria gere ou por sua própria conta, quer por cerca de 500 revendedores independentes aos quais a Kuwait vende a gasolina Q8 na qualidade de grossista.

8 Entre 1991 e 1996, a Kuwait explorou um sistema de promoção de vendas, no qual participavam as estações de serviço que lhe pertenciam bem como cerca de 160 revendedores independentes. No quadro desse sistema, era oferecido aos clientes um «Q8 Sails» por cada doze litros completos de gasolina comprados. O preço da gasolina era idêntico, quer o cliente levantasse ou não os selos Q8 Sails (a seguir «selos Q8») que lhe eram oferecidos. Quando um cliente tivesse reunido o número suficiente de selos Q8, tinha direito, contra a sua entrega, a escolher, numa lista denominada «catálogo de brindes», bens ou, ocasionalmente, serviços materializados por um título (como bilhetes de teatro) que a Kuwait se comprometia a fornecer-lhe dentro de um certo prazo.

9 Cada um dos revendedores independentes que participava na operação comprometia-se a pagar à Kuwait, ao longo do período coberto pela promoção, um montante suplementar por litro, acrescido do IVA sobre o volume total de gasolina vendida durante esse mesmo período. Esse montante suplementar, inicialmente de 0,22 pence por litro, foi aumentado para 0,33 pence por litro em 1993.

10 Por carta de 16 de Junho de 1995, os Commissioners decidiram que a Kuwait, que tinha deduzido o IVA cobrado a montante sobre os bens adquiridos com vista à sua entrega contra os selos Q8, devia pagá-lo a jusante sobre os artigos entregues aos clientes cujo custo fosse superior a 10 UKL, valendo-se do facto de esses bens serem entregues pela Kuwait «por outra forma que não a título oneroso».

11 A Kuwait recorreu dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio com o fundamento de que os bens entregues em troca dos selos Q8 eram, pelo contrário, por si entregues a título oneroso, consistindo a contrapartida numa parte indeterminada do preço, incluindo IVA, pago pelo consumidor tanto pelo fornecimento da gasolina como pela entrega posterior de bens em troca dos selos Q8, pelo que já tinha liquidado o IVA sobre essa operação.

12 O VAT and Duties Tribunal entendeu que, à luz do direito inglês, a entrega dos selos Q8 ao cliente devia ser qualificada de unilateral e independente da operação principal que era a compra de gasolina. Da mesma forma, este órgão jurisdicional entendeu que os selos Q8 eram obtidos a título gratuito.

13 Todavia, este último referiu que a causa («consideration») na acepção do direito inglês dos contratos era um conceito diferente do de contrapartida («consideration») entendida como o valor de uma entrega que serve de base ao IVA em direito fiscal. Por conseguinte, considerando que lhe era necessário uma interpretação do direito comunitário para decidir o litígio que lhe fora submetido, o VAT and Duties Tribunal, London, decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«Quando um distribuidor de mercadorias efectua uma campanha de promoção comercial, nos termos da qual, em linhas gerais:

i) o promotor, tendo em vista objectivos comerciais, trocou brindes por pontos, em conformidade com as condições da campanha;

ii) sem qualquer pagamento em dinheiro aquando da troca;

iii) troca essa a que o adquirente de mercadorias objecto da promoção passou a ter direito por ter adquirido essas mercadorias ao preço integral de venda a retalho, sem efectuar qualquer pagamento em dinheiro identificável pelos selos.

1) A expressão `os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ou ao destinatário no momento em que a operação se realiza', constante do artigo 11, A, n._ 3, alínea b), da Sexta Directiva do Conselho, deve ser interpretada no sentido de abranger todo o custo dos brindes trocáveis por pontos?

2) Deve considerar-se que os brindes trocáveis por pontos constituem uma `entrega efectuada a título oneroso' para efeitos do artigo 5._, n._ 6, da directiva?

3) Se a entrega dos brindes for efectuada por outra forma que não a título oneroso ou a `título gratuito', o artigo 5._, n._ 6, deve ser interpretado no sentido de obrigar a que a entrega de brindes seja considerada uma entrega a título oneroso, não obstante ter fins comerciais?

4) Deverá a resposta a alguma das questões que antecedem ser diferente:

a) se os selos trocados por qualquer dos brindes forem obtidos aquando da aquisição, ao promotor da campanha, de mercadorias objecto da promoção;

b) se esses selos forem obtidos aquando da aquisição de mercadorias objecto da promoção a um revendedor que participa na campanha; ou

c) se os selos trocados forem obtidos em parte aquando da aquisição de mercadorias objecto da promoção ao promotor da campanha e em parte aquando da compra de mercadorias objecto da promoção a um ou mais revendedores que participam na campanha?

5) Se a resposta à terceira questão for negativa, o Reino Unido pode, nos termos do artigo 27._ da Sexta Directiva e da derrogação que obteve em 1977, aplicar ao promotor da campanha um imposto sobre o volume de negócios, baseado no custo, para este, dos brindes trocáveis por pontos, a que acresce o imposto sobre o volume de negócios incluído na totalidade do preço de venda a retalho das mercadorias objecto da promoção?»

Quanto à primeira questão

14 Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, em substância, se o artigo 11._, A, n._ 3, alínea b), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que os termos «descontos» e «abatimentos» podem abranger uma redução de preço que incida sobre a totalidade do custo da entrega dos bens trocados pelos selos.

15 A este propósito, deve salientar-se, a título preliminar, que a própria Kuwait não afirma ter concedido aos seus clientes um desconto ou um abatimento de preço, na acepção dessa disposição. Pelo contrário, alega que os clientes pagaram, pelos bens entregues em troca dos selos Q8, uma parte do preço pago por ocasião das compras de gasolina. Por isso, entende que a primeira questão não é pertinente.

16 Tal como os Governos do Reino Unido, francês e português justamente salientaram, a concessão de um desconto ou de um abatimento de preço pressupõe a entrega de um bem a título oneroso. Com efeito, os próprios termos «abatimento» e «desconto» fazem referência a uma redução apenas parcial do preço total acordado. Em contrapartida, quando a redução representa 100% do preço, está-se, na realidade, perante uma entrega a título gratuito. Ora, a transmissão de um bem a título gratuito é abrangida pelo artigo 5._, n._ 6, da Sexta Directiva.

17 Há, portanto, que responder à primeira questão que o artigo 11._, A, n._ 3, alínea b), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que os termos «descontos» e «abatimentos» não podem abranger uma redução de preço que incida sobre a totalidade do custo de uma entrega de bens.

Quanto às segunda, terceira e quarta questões

18 Através das suas segunda, terceira e quarta questões, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional nacional pergunta, em substância, se o artigo 5._, n._ 6, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que a afectação, por uma sociedade petrolífera, de bens que são transmitidos a um comprador de gasolina em troca de selos que, em função da quantidade adquirida, este obteve pagando a integralidade do preço a retalho da gasolina na bomba, em conformidade com o sistema descrito nos n.os 7 a 9 do presente acórdão, deve ser equiparada a uma entrega efectuada a título oneroso na acepção dessa mesma disposição.

19 A título preliminar, deve salientar-se que, no caso em apreço, a entrega de bens em troca dos selos Q8 foi efectuada para os fins da empresa, visto que o objectivo da promoção para a Kuwait como para os revendedores independentes que participaram na operação era, como o órgão jurisdicional nacional reconheceu, aumentar o volume de vendas de gasolina. Por essa razão, um sujeito passivo que se encontre na mesma situação que a Kuwait pode deduzir, em conformidade com o disposto no artigo 17._, n._ 2, alínea a), da Sexta Directiva, o montante do IVA pago a montante pela compra desses bens.

20 Segundo a Kuwait, a circunstância de os bens que transmitiu terem sido para os fins da sua própria empresa exclui a aplicação do artigo 5._, n._ 6, da Sexta Directiva. O primeiro período desse número não visava tal afectação. Com efeito, sendo o IVA um imposto sobre o consumo, era necessário um imposto a jusante em caso de afectação dos bens que constitui um consumo pelo sujeito passivo. Ora, o fornecimento de bens entregues na sequência da recepção dos selos não constituía um consumo desses bens pela empresa.

21 A este propósito, deve salientar-se que o objectivo do artigo 5._, n._ 6, da Sexta Directiva consiste nomeadamente em garantir uma igualdade de tratamento entre o sujeito passivo que afecta um bem da sua empresa ao uso privado e o consumidor normal que adquire um bem do mesmo tipo (v. acórdãos de 6 de Maio de 1992, De Jong, C-20/91, Colect., p. I-2847, n._ 15, e de 26 de Setembro de 1996, Enkler, C-230/94, Colect., p. I-4517, n._ 33).

22 Todavia, decorre da sua própria letra que o artigo 5._, n._ 6, primeira frase, da Sexta Directiva equipara a uma entrega efectuada a título oneroso, sujeitando-a assim a IVA, a afectação pelo sujeito passivo de bens da sua empresa que transmite a título gratuito, quando esse bem tenha conferido direito a uma dedução do IVA cobrado a montante, sem que seja, em princípio, decisivo essa transmissão ter-se verificado ou não para fins da empresa. Com efeito, o segundo período dessa disposição, que exclui da tributação as afectações operadas devido a necessidades da empresa para efeitos de ofertas de pequeno valor e amostras, deixaria de ter sentido se o primeiro período não sujeitasse a IVA as afectações que o sujeito passivo efectua a título gratuito, mesmo para fins da empresa.

23 Além disso, tal como o advogado-geral salientou no n._ 26 das suas conclusões, esta interpretação é corroborada pelo historial do artigo 5._, n._ 6, da Sexta Directiva. Com efeito, o ponto 6 do Anexo A da Segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO 1967, 71, p. 1303; EE 09 F1 p. 6), bem como o artigo 5._, n._ 3, alínea a), da proposta da sexta directiva, apresentada pela Comissão ao Conselho em 29 de Junho de 1973 (JO C 80, p. 1), previam, nomeadamente, que as afectações de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras, que, do ponto de vista fiscal, podem ser incluídas nas despesas gerais, não deviam, contrariamente à regra geral, ser consideradas entregas tributáveis. Daqui decorre que as referidas afectações, mesmo efectuadas para fins da empresa, devem, se as ofertas não forem de pequeno valor, ser consideradas entregas tributáveis.

24 A Kuwait alega, por outro lado, que o artigo 5._, n._ 6, da Sexta Directiva não se aplica porque não se verifica, no processo principal, transmissão a título gratuito na acepção dessa disposição. Com efeito, a contrapartida da entrega dos selos e, por conseguinte, da entrega dos bens trocados por estes consistia numa parte identificável do preço, incluindo o IVA, pago pelo cliente aquando da compra da gasolina. O cliente pagaria por isso igualmente os bens obtidos no quadro da promoção. Tinha sido este o acordo celebrado com o consumidor final nas estações de serviço pertencentes à Kuwait. Esta análise seria fundamentalmente a mesma em caso de envolvimento de revendedores independentes no processo de distribuição, os quais actuavam, no que toca à entrega dos selos Q8 e à cobrança da parte do preço correspondente, por conta da Kuwait.

25 Em contrapartida, os Governos do Reino Unido, francês e português consideram que, não obstante o facto de todo o sujeito passivo dever procurar nas receitas que obtém a cobertura de todas as despesas que efectua, num sistema como o em causa no processo principal, o cliente, ao comprar a gasolina, não paga qualquer contrapartida pelos selos e pelos brindes que lhe serão entregues.

26 Deve salientar-se, em primeiro lugar, que uma entrega de bens só é efectuada «a título oneroso», na acepção do artigo 2._, n._ 1, da Sexta Directiva, se existir entre o fornecedor e o comprador uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo o preço recebido pelo fornecedor o contravalor efectivo do bem fornecido (v., neste sentido, em matéria de prestações de serviços, acórdão de 3 de Março de 1994, Tolsma, C-16/93, Colect., p. I-743, n._ 14).

27 Ora, embora caiba ao órgão jurisdicional nacional investigar se, aquando da compra da gasolina, os clientes e a Kuwait tinham acordado, eventualmente por meio dos revendedores independentes, que uma parte do preço pago pela gasolina, identificável ou não, constituía a contrapartida dos selos Q8 ou dos bens fornecidos em sua troca, há que salientar que nenhum elemento dos autos permite concluir que os interessados procederam efectivamente à transacção de tais prestações recíprocas.

28 Por um lado, deve reconhecer-se que, como o advogado-geral salientou no n._ 43 das suas conclusões, a venda da gasolina e a transmissão de bens em troca de selos constituem duas operações distintas.

29 Por outro, no processo principal, quanto à entrega de bens em troca dos selos Q8, duas considerações militam, nomeadamente, em favor de uma transmissão a título gratuito, na acepção do artigo 5._, n._ 6, da Sexta Directiva, sendo assim a sua afectação equiparada a uma entrega efectuada a título oneroso e, a esse título, tributável.

30 Em primeiro lugar, os bens entregues em troca dos selos Q8 eram qualificados, no quadro do sistema de promoção posto em prática pela Kuwait, como ofertas.

31 Em segundo lugar, é certo que o comprador de gasolina Q8, independentemente de levantar ou não os selos, devia pagar o mesmo preço a retalho e que a factura relativa à compra de gasolina, que a Kuwait ou os revendedores independentes deviam, nos termos do artigo 22._, n._ 3, da Sexta Directiva, entregar aos clientes que, por seu lado, também eram sujeitos passivos, só mencionava esse preço. Nestas condições, a Kuwait não pode validamente sustentar que, contrariamente ao que figurava nas facturas que entregava, o preço pago pelos compradores de gasolina continha na realidade uma parte que representava o valor dos selos Q8 ou dos bens trocados por esses selos.

32 Assim, há que responder às segunda, terceira e quarta questões que o artigo 5._, n._ 6, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que a afectação, por uma sociedade petrolífera, de bens que são transmitidos a um comprador de gasolina em troca de selos que, em função da quantidade adquirida, este obteve pagando a integralidade do preço a retalho da gasolina na bomba, em conformidade com um sistema de promoção como o em causa no processo principal, deve, quando os bens não sejam de pequeno valor, ser equiparada a uma entrega efectuada a título oneroso na acepção dessa disposição.

33 Tendo em conta a resposta dada às segunda, terceira e quarta questões, não há que responder à quinta questão.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

34 As despesas efectuadas pelos Governos do Reino Unido, francês e português, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo VAT and Duties Tribunal, London, por decisão de 15 de Janeiro de 1997, declara:

35 O artigo 11._, A, n._ 3, alínea b), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que os termos «descontos» e «abatimentos» não podem abranger uma redução de preço que incida sobre a totalidade do custo de uma entrega de bens.

36 O artigo 5._, n._ 6, da Sexta Directiva 77/388 deve ser interpretado no sentido de que a afectação, por uma sociedade petrolífera, de bens que são transmitidos a um comprador de gasolina em troca de selos que, em função da quantidade adquirida, este obteve pagando a integralidade do preço a retalho da gasolina na bomba, em conformidade com um sistema de promoção como o em causa no processo principal, deve, quando os bens não sejam de pequeno valor, ser equiparada a uma entrega efectuada a título oneroso na acepção dessa disposição.