C-78/00 - Comissão/Itália

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EUR-Lex - 62000J0078 - PT

62000J0078

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 25 de Outubro de 2001. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana. - Incumprimento de Estado - Artigos 17.º e 18.º da Sexta Directiva IVA - Reembolso do excedente de IVA através da atribuição de títulos da dívida pública - Categoria de contribuintes com créditos de imposto. - Processo C-78/00.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-08195


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Dedução do imposto pago a montante - Restituição do excedente - Restituição através da atribuição de títulos da dívida pública - Inadmissibilidade

(Directiva 77/388 do Conselho, artigos 17.° e 18.° , n.° 4)

Sumário


$$Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios um Estado-Membro que prevê o reembolso do excedente do imposto sobre o valor acrescentado através da atribuição de títulos da dívida pública a uma categoria de sujeitos passivos com créditos de imposto.

Com efeito, as condições de reembolso que um Estado-Membro fixa nos termos do artigo 18.° , n.° 4, da Sexta Directiva devem permitir ao sujeito passivo recuperar, em condições adequadas, a totalidade do crédito resultante desse excedente de imposto, o que implica que o reembolso seja efectuado, num prazo razoável, por um pagamento em espécies ou equivalente, não devendo o modo de reembolso escolhido fazer correr nenhum risco financeiro ao contribuinte.

( cf. n.os 34, 39, disp. )

Partes


No processo C-78/00,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Traversa, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Italiana, representada por U. Leanza, na qualidade de agente, assistido por G. De Bellis, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao prever a substituição do reembolso do imposto sobre o valor acrescentado pela atribuição de títulos da dívida pública - de resto, realizada tardiamente - a uma categoria de sujeitos passivos com créditos de imposto para 1992, a República Italiana faltou às obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 17._ e 18._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na redacção que lhe foi dada pela Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995, que altera a Directiva 77/388 e introduz novas medidas de simplificação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado - Âmbito de aplicação de certas isenções e regras práticas para a sua aplicação (JO L 102, p. 18),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: S. von Bahr (relator), presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. A. O. Edward, A. La Pergola, M. Wathelet e C. W. A. Timmermans, juízes,

advogado-geral: J. Mischo,

secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 7 de Junho de 2001,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Março de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 226._ CE, uma acção que tem por objecto obter a declaração de que, ao prever a substituição do reembolso do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») pela atribuição de títulos da dívida pública - de resto, realizada tardiamente - a uma categoria de sujeitos passivos com créditos de imposto para 1992, a República Italiana faltou às obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 17._ e 18._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na redacção que lhe foi dada pela Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995, que altera a Directiva 77/388 e introduz novas medidas de simplificação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado - Âmbito de aplicação de certas isenções e regras práticas para a sua aplicação (JO L 102, p. 18, a seguir «Sexta Directiva»).

A legislação comunitária

2 O artigo 17._, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva estabelece:

«1. O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

2. Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago no território do país em relação a bens que lhe sejam ou venham a ser entregues e em relação a serviços que lhe sejam ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens importados para o território do país;

c) O imposto sobre o valor acrescentado devido nos termos do n._ 7, alínea a), do artigo 5._, do n._ 3 do artigo 6._ e do n._ 6 do artigo 28._-A;

d) O imposto sobre o valor acrescentado devido nos termos do n._ 1, alínea a), do artigo 28._-A.»

3 O artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva dispõe:

«Quando o montante das deduções autorizadas exceder o montante do imposto devido num determinado período fiscal, os Estados-Membros podem operar o transporte do excedente para o período seguinte, ou proceder ao respectivo reembolso, nas condições por eles fixadas.

Todavia, os Estados-Membros podem recusar o transporte ou o reembolso quando o excedente for insignificante.»

A legislação italiana

4 O artigo 11._, primeiro parágrafo, do decreto-legge n._ 16, Disposizioni in materia di imposte sui redditi, sui trasferimenti di immobili di civile abitazione, di termini per la definizione agevolata delle situazioni e pendenze tributarie, per la soppressione della ritenuta sugli interessi, premi ed altri frutti derivanti da depositi e conti correnti interbancari, nonché altre disposizioni tributarie (Decreto-Lei n._ 16, Disposições em matéria de impostos sobre o rendimento, sobre as transmissões de imóveis para habitação, de prazos para simplificar a resolução de situações e processos fiscais pendentes, de supressão da retenção sobre os juros, prémios e outros rendimentos de depósitos e contas correntes interbancárias, e outras disposições fiscais), de 23 de Janeiro de 1993 (GURI n._ 18, de 23 de Janeiro de 1993, p. 3, a seguir «Decreto-Lei n._ 16/93»), convertido na Lei n._ 75, de 24 de Março de 1993 (GURI n._ 69, de 24 de Março de 1993, p. 3), prevê:

«Os sujeitos passivos que, no decurso do ano de 1992, efectuaram importações de outros Estados-Membros num montante superior a 10% do total das operações efectuadas no decurso do mesmo ano e que declararam um crédito de IVA não inferior a 100 milhões de liras não poderão reportar esse crédito para dedução nos anos seguintes [...]».

5 O artigo 11._, segundo parágrafo, do Decreto-Lei n._ 16/93 dispõe:

«As disposições enunciadas nos primeiro e segundo parágrafos do artigo 10._ [isto é, as disposições que regem a extinção dos créditos resultantes da liquidação das declarações anuais de rendimentos e de IVA através da atribuição de títulos da dívida pública aos sujeitos passivos em questão] aplicam-se à extinção dos créditos visados no primeiro parágrafo do presente artigo [...].

Neste caso, o pedido [de reembolso do excedente do IVA através da atribuição de títulos da dívida pública] deve ser apresentado, o mais tardar até 31 de Março de 1993; a data-limite para a execução das operações de verificação é fixada em 30 de Junho de 1993; os juros relativos a cada crédito devem ser calculados em 31 de Dezembro de 1993; a fruição dos títulos da dívida pública verifica-se a partir de 1 de Janeiro de 1994; o valor máximo dos títulos emitidos não pode exceder 7 500 mil milhões de liras, sendo esta despesa imputada na rubrica apropriada do orçamento do Ministério do Tesouro para o exercício financeiro de 1993; o decreto do Ministro do Tesouro relativo às características, às modalidades e aos procedimentos de atribuição dos títulos da dívida pública deverá ser publicado na Gazetta ufficiale o mais tardar em 30 de Novembro de 1993.»

6 O decreto-legge n._ 250, Differimento di taluni termini ed altre disposizioni in materia tributaria (Decreto-Lei n._ 250, Prorrogação de certos prazos e outras medidas fiscais), de 28 de Junho de 1995 (GURI n._ 150, de 29 de Junho de 1995, p. 10, a seguir «Decreto-Lei n._ 250/95»), convertido na Lei n._ 349, de 8 de Agosto de 1995 (GURI n._ 196, de 23 de Agosto de 1995, p. 3), prorrogou a vigência destas modalidades especiais de reembolso do excedente de IVA através da atribuição de títulos da dívida pública. Segundo o artigo 3._bis, primeiro parágrafo, deste decreto-lei:

«Com vista à extinção dos créditos de imposto sobre o valor acrescentado e dos juros respectivos - resultantes das declarações relativas ao ano de 1992 apresentadas pelos sujeitos passivos a que se refere o artigo 11._, primeiro parágrafo, do Decreto-Lei n._ 16, de 23 de Janeiro de 1993, convertido, com alterações, na Lei n._ 75, de 24 de Março de 1993 - ainda não reembolsados à data da entrada em vigor do presente decreto, o Ministro do Tesouro está autorizado a emitir novos títulos da dívida pública, com livre circulação, a partir de 1 de Janeiro de 1996 e com uma duração de dez anos, para um montante máximo de 400 mil milhões de liras [...]».

Matéria de facto e processo pré-contencioso

7 Por entender que os Decretos-Leis n.os 16/93 e 250/95 violavam tanto o princípio do direito à dedução do IVA a montante, consagrado pelo artigo 17._ da Sexta Directiva, como a obrigação imposta pelo artigo 18._, n._ 4, desta mesma directiva, de reembolsar «[q]uando o montante das deduções autorizadas exceder o montante do imposto devido», a Comissão deu início ao processo por incumprimento, enviando às autoridades italianas, em 22 de Dezembro de 1997, uma interpelação, convidando-as a apresentar observações no prazo de dois meses.

8 Na carta de interpelação, a Comissão referia designadamente que tinha sido informada de que um grande número de contribuintes italianos aos quais se aplicavam os Decretos-Leis n.os 16/93 e 250/95 não tinham sido reembolsados do excedente de IVA acumulado durante o ano de 1992, tendo sido, portanto, privados do respectivo direito a dedução.

9 Por carta de 2 de Abril de 1998, as autoridades italianas responderam a esta interpelação, alegando que a legislação italiana relativa ao reembolso do excedente de IVA através da atribuição de títulos da dívida pública era conforme ao disposto no artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva.

10 Não estando de acordo com a posição das autoridades italianas, a Comissão, através de uma interpelação complementar, por carta de 10 de Agosto de 1998, convidou as autoridades italianas a apresentarem-lhe observações.

11 Em resposta a esta segunda interpelação, as autoridades italianas transmitiram à Comissão quatro cartas datadas, respectivamente, de 27 de Janeiro, 3 de Fevereiro, 26 de Fevereiro e 12 de Abril de 1999.

12 Nas cartas de 3 e 26 de Fevereiro de 1999, o Governo italiano precisava, em particular, que os títulos emitidos com base no artigo 11._ do Decreto-Lei n._ 16/93 tinham sido postos à disposição dos contribuintes, por oito vezes, entre 26 de Abril de 1994 e Dezembro de 1998. Os títulos emitidos com base no artigo 3._bis do Decreto-Lei n._ 250/95 teriam sido postos à disposição dos contribuintes, por quatro vezes, entre 13 de Setembro de 1996 e 29 de Maio de 1998.

13 Como os argumentos do Governo italiano continuaram a não convencer a Comissão, esta dirigiu à República Italiana, em 9 de Julho de 1999, um parecer fundamentado, convidando-a a tomar as medidas necessárias para se conformar com este no prazo de dois meses a contar da respectiva notificação.

14 As autoridades italianas não se conformaram com este parecer no prazo fixado. Foi nestas circunstâncias que a Comissão intentou a presente acção.

O incumprimento e a apreciação do Tribunal de Justiça

Argumentos das partes

15 A Comissão considera que, ao atribuir aos contribuintes títulos da dívida pública com vencimento a cinco ou dez anos após a sua data de emissão, a República Italiana infringiu, designadamente, o disposto no artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva, a respeito do tratamento a dar ao excedente de IVA. A Comissão sustenta que este artigo permite transportar o excedente resultante da diferença entre o montante das deduções autorizadas e o montante do imposto devido, unicamente até ao período fiscal seguinte. O transporte do excedente para os períodos fiscais posteriores ao imediatamente subsequente ao período em causa violaria o princípio estabelecido por esta disposição, privaria os sujeitos passivos em causa do exercício normal do direito à dedução e atentaria gravemente contra um princípio fundamental do sistema comum do IVA, ou seja, o direito ao exercício imediato do direito a dedução.

16 Segundo a Comissão, o dever das Administrações Fiscais nacionais de proceder ao reembolso «imediato» do excedente de IVA a um contribuinte estaria ligado ao direito de este exercer «imediatamente» o seu direito a dedução. A Comissão invoca, quanto a este aspecto, o acórdão de 18 de Dezembro de 1997, Molenheide e o. (C-286/94, C-340/95, C-401/95 e C-47/96, Colect., p. I-7281, n._ 45).

17 Para a Comissão, as «condições» de reembolso que os Estados-Membros podem fixar ao abrigo do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva são as respeitantes às formas que o reembolso pode revestir, sem pôr em causa o dever de facultar aos credores do excedente de IVA esses montantes em dinheiro. Este reembolso poder-se-ia efectuar através de uma transferência para a conta corrente do contribuinte, do envio a este de cheques bancários ou de qualquer modalidade equivalente.

18 Em contrapartida, um Estado-Membro excederia manifestamente o poder discricionário que lhe é assim conferido em matéria de fixação das condições de reembolso do excedente de IVA, sempre que, em vez de pagar ao contribuinte um montante em dinheiro, lhe impõe a aceitação de um título cujo vencimento é diferido cinco ou até mesmo dez anos.

19 Se o contribuinte precisasse do dinheiro que lhe é devido pelo Estado a título de IVA, para o seu próprio fundo de maneio, seria obrigado a pedir a um banco um empréstimo de montante correspondente ao excedente do IVA e, portanto, a pagar juros elevados e seguramente superiores aos juros produzidos pelos títulos da dívida pública que lhe foram atribuídos, ou a negociar estes mesmos títulos no mercado financeiro, correndo o risco de ter de os revender a um preço inferior ao respectivo valor nominal e sendo obrigado a deduzir do produto da venda as despesas e comissões reclamadas pelo intermediário financeiro.

20 Como a última emissão de títulos da dívida pública efectuada nos termos do artigo 3._bis do Decreto-Lei n._ 250/95 só deve chegar a vencimento em 1 de Janeiro de 2006, o incumprimento perduraria até esta data, salvo se as autoridades italianas se decidirem pelo reembolso antecipado desses títulos. Segundo a Comissão, o facto de o número de contribuintes titulares destes títulos só ascender a algumas centenas não tem qualquer relevância em relação à verificação do incumprimento ou à gravidade deste.

21 A Comissão sublinha que a entrega tardia dos títulos pelo Ministério do Tesouro italiano agravou ainda mais a violação dos artigos 17._ e 18._ da Sexta Directiva.

22 O Governo italiano recorda os argumentos por ele apresentados na fase do processo pré-contencioso. Alega, assim, que a atribuição de títulos da dívida pública, a partir de 1 de Janeiro de 1994, em vez do reembolso em dinheiro, não transporta o excedente de IVA para períodos fiscais posteriores, constituindo, ao invés, um verdadeiro reembolso efectuado nas «condições» que a República Italiana julgou oportuno «fixar» ao abrigo do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva.

23 Segundo o Governo italiano, o artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva não impõe ao Estado-Membro que utilize um meio de pagamento preciso, como, por exemplo, em dinheiro, para reembolsar o excedente de IVA, porque este artigo prevê expressamente que o Estado-Membro tem a faculdade de proceder ao reembolso em questão nas «condições» por ele próprio fixadas. O termo «condições» teria um sentido lato que cobriria tanto as condições de forma como as inerentes ao conteúdo do reembolso. O legislador italiano teria, ao abrigo deste artigo, determinado de modo soberano que a República Italiana efectuaria o reembolso do excedente de IVA através da atribuição de títulos da dívida pública, em vez do pagamento de um montante em dinheiro equivalente.

24 O Governo italiano sustenta que, embora alguns contribuintes tenham sido reembolsados tardiamente, tal não se ficou a dever à legislação ou a problemas jurídicos, mas a falhas ou erros administrativos dos serviços incumbidos da emissão dos títulos - aliás, limitados a alguns casos. Para obviar a estes inconvenientes, os contribuintes teriam podido usar o direito de recurso administrativo e judicial previsto contra as administrações em causa.

25 O Governo italiano alega que o contribuinte credor do excedente de IVA não sofreu qualquer prejuízo devido às condições de reembolso em causa, visto que os títulos que recebeu produziam juros e eram negociáveis, o que lhe permitia realizar imediatamente o seu crédito. Quanto à República Italiana, esta não teria retirado qualquer benefício financeiro especial da atribuição dos títulos, uma vez que estas condições de reembolso teriam tido por efeito a substituição da dívida constituída pelo crédito fiscal do contribuinte por uma outra dívida representada por títulos da dívida pública.

26 Além disso, o Governo italiano afirma na contestação que, de qualquer modo, seria impossível ou excessivamente oneroso conformar-se com o parecer fundamentado.

Apreciação do Tribunal de Justiça

27 Para apreciar a compatibilidade da legislação nacional em causa com a Sexta Directiva, há que lembrar liminarmente as características do sistema comum do IVA pertinentes no presente caso.

28 Resulta do artigo 17._ da Sexta Directiva que os sujeitos passivos estão autorizados a deduzir do IVA de que são devedores o IVA que já incidiu a montante sobre os bens adquiridos ou os serviços por eles recebidos. Este direito a dedução constitui, segundo jurisprudência constante, um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação comunitária (v., entre outros, acórdão Molenheide e o., já referido, n._ 47).

29 Nos termos do artigo 18._, n._ 2, da Sexta Directiva, a dedução é efectuada globalmente pelo sujeito passivo, por subtracção ao montante total do imposto devido num determinado período fiscal do montante do imposto dedutível no mesmo período.

30 Como o Tribunal de Justiça tem afirmado reiteradamente, as características do sistema comum do IVA acima recordadas permitem compreender que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA. Não existindo qualquer norma que permita aos Estados-Membros limitar o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos, este direito deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto que onerou as operações efectuadas a montante (v., entre outros, acórdão de 21 de Setembro de 1988, Comissão/França, 50/87, Colect., p. 4797, n.os 15 e 16).

31 Quando, num determinado período fiscal, o montante do imposto a deduzir exceder o montante do imposto devido, não podendo portanto o contribuinte proceder à dedução por subtracção nos termos do artigo 18._, n._ 2, da Sexta Directiva, o n._ 4 do mesmo preceito prevê que os Estados-Membros possam operar o transporte do excedente para o período seguinte ou proceder ao respectivo reembolso, nas condições por eles fixadas.

32 Resulta da própria letra do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva e, em especial, da expressão «nas condições por eles fixadas» que os Estados-Membros dispõem de uma certa liberdade de manobra para fixar as condições de reembolso do excedente de IVA.

33 Como, porém, o reembolso do excedente de IVA é um dos elementos fundamentais para garantir a aplicação do princípio da neutralidade do sistema comum de IVA, as condições fixadas pelos Estados-Membros não podem ser tais que atentem contra este princípio, fazendo recair sobre o contribuinte, no todo ou em parte, o peso do IVA.

34 Daí decorre que as condições de reembolso do excedente de IVA que um Estado-Membro fixa devem permitir ao sujeito passivo recuperar, em condições adequadas, a totalidade do seu crédito resultante desse excedente de IVA. O que implica que o reembolso seja efectuado, num prazo razoável, por um pagamento em espécies ou equivalente. Em qualquer caso, o modo de reembolso escolhido não deve fazer correr nenhum risco financeiro ao contribuinte.

35 Ora, resulta dos elementos apresentados pela Comissão e não contestados pelo Governo italiano que a República Italiana decidiu reembolsar o excedente de IVA, de que eram credores um certo número de contribuintes para o ano de 1992, através da atribuição de títulos da dívida pública emitidos a partir de 1 de Janeiro de 1994, com vencimento cinco ou dez anos depois da emissão. Estes títulos só foram distribuídos aos contribuintes em causa, progressivamente, entre Abril de 1994 e Dezembro de 1998.

36 Há, pois, que declarar que a legislação italiana em causa, que não permite o pagamento em espécies ou equivalente num prazo razoável, prevendo, em vez disso, a atribuição de títulos da dívida pública, não é compatível com o sistema de reembolso do excedente de IVA previsto pela Sexta Directiva.

37 A circunstância, sublinhada pelo Governo italiano, de só um número relativamente baixo de contribuintes ter sido afectado pela legislação nacional em causa não tem qualquer incidência na verificação do incumprimento.

38 Por outro lado, o problema invocado pelo Governo italiano, ou seja, de que lhe seria difícil ou até impossível conformar-se com o direito comunitário no caso de o Tribunal de Justiça vir a considerar que a legislação nacional em causa infringe o disposto na Sexta Directiva, também não tem qualquer pertinência para a solução do litígio. Com efeito, segundo jurisprudência constante, um Estado-Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações e dos prazos fixados numa directiva (v., nomeadamente, acórdão de 14 de Junho de 2001, Comissão/Áustria, C-473/99, ainda não publicado na Colectânea, n._ 12).

39 Há, assim, que declarar que, ao prever o reembolso do excedente de IVA através da atribuição de títulos da dívida pública - de resto, realizada tardiamente - a uma categoria de sujeitos passivos com créditos de imposto para 1992, a República Italiana faltou às obrigações que lhe incumbem em virtude do disposto nos artigos 17._ e 18._ da Sexta Directiva.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

40 Nos termos do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido pedido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Italiana e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção)

decide:

1) Ao prever o reembolso do excedente de imposto sobre o valor acrescentado através da atribuição de títulos da dívida pública - de resto, realizada tardiamente - a uma categoria de sujeitos passivos com créditos de imposto para 1992, a República Italiana faltou às obrigações que lhe incumbem em virtude do disposto nos artigos 17._ e 18._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995, que altera a Directiva 77/388 e introduz novas medidas de simplificação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado - Âmbito de aplicação de certas isenções e regras práticas para a sua aplicação.

2) A República Italiana é condenada nas despesas.