(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto‑oikeus)
«Imposto sobre o rendimento – Crédito fiscal relativo aos dividendos pagos por sociedades finlandesas – Artigos 56.° CE e 58.° CE – Coerência do regime fiscal»
Sumário do acórdão
Livre circulação de capitais – Restrições – Crédito fiscal concedido aos sujeitos passivos em relação aos dividendos pagos
por sociedades anónimas – Limitação às sociedades nacionais – Inadmissibilidade – Justificação – Inexistência
(Artigo 56.º CE e 58.º CE)
Os artigos 56.° CE e 58.° CE opõem‑se a uma regulamentação nos termos da qual uma pessoa normalmente colectada num Estado‑Membro
deixa de ter direito ao crédito fiscal em razão dos dividendos que lhe são pagos por sociedades anónimas, crédito fiscal esse
que imputa o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas devido pelas mesmas no imposto devido pelo accionista a título
de imposto sobre os rendimentos de capitais, quando estas últimas não estejam estabelecidas nesse Estado.
Esta regulamentação fiscal constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais na medida em que tem como efeito
dissuadir os contribuintes normalmente colectados no Estado‑Membro em causa de investir os seus capitais em sociedades com
sede noutro Estado‑Membro; a mesma tem também efeito restritivo quanto às sociedades com sede noutros Estados‑Membros na medida
em que lhes levanta um obstáculo à recolha de capitais no Estado‑Membro em questão.
A regulamentação em causa não pode ser justificada por uma diferença de situação objectiva susceptível de fundamentar uma
diferença de tratamento fiscal, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), CE. Com efeito, à luz de uma regulamentação fiscal
que tem em vista impedir a dupla tributação – imposto sobre as sociedades seguido do imposto sobre os rendimentos – dos lucros
distribuídos pela sociedade a favor da qual o investimento é realizado, os accionistas normalmente colectados no Estado‑Membro
em questão encontram‑se numa situação comparável, quer recebam dividendos de uma sociedade estabelecida neste Estado‑Membro
quer de uma sociedade com sede social noutro Estado‑Membro, na medida em que, em ambos os casos, os dividendos, à parte o
crédito fiscal, podem ser objecto de dupla tributação.
Além disso, a referida regulamentação não pode ser considerada uma emanação do princípio da territorialidade, dado que esse
princípio não se opõe à concessão de um crédito fiscal a favor dos dividendos pagos por sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros.
Em qualquer dos casos, à luz do artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE, o princípio da territorialidade não pode justificar um
tratamento diferente dos dividendos distribuídos por sociedades estabelecidas no Estado‑Membro em causa e dos pagos por sociedades
com sede social noutros Estados‑Membros, se as categorias de dividendos afectados por essa diferença de tratamento partilharem
da mesma situação objectiva.
Por outro lado, ainda que essa regulamentação fiscal assente numa relação entre o benefício fiscal e a cobrança fiscal compensatória,
ao prever que o crédito fiscal concedido ao accionista normalmente colectado no Estado‑Membro em causa seja calculado em função
do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas devido pela sociedade estabelecida nesse Estado‑Membro sobre os lucros
por ela distribuídos, essa regulamentação não é necessária à preservação da coerência do regime fiscal nacional. Com efeito,
à luz do objectivo de prevenção da dupla tributação, a concessão a um accionista titular de acções de uma sociedade estabelecida
noutro Estado‑Membro de um crédito fiscal calculado em função do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas por ela
devido neste último Estado‑Membro não põe em causa a coerência do regime fiscal nacional e constitui uma medida menos restritiva
para a livre circulação de capitais.
Quanto à redução das receitas fiscais relativas aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros,
esta não pode ser considerada razão imperiosa de interesse geral susceptível de ser invocada para justificar uma medida contrária
a uma liberdade fundamental.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção) 7 de Setembro de 2004(1)
«Imposto sobre o rendimento – Crédito fiscal relativo aos dividendos pagos por sociedades finlandesas – Artigos 56.° CE e 58.° CE – Coerência do regime fiscal»
No processo C-319/02,que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE,submetido pelo Korkein hallinto-oikeus (Finlândia), por decisão de 10 de Setembro de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de Setembro de 2002, no processo instaurado por
Petri Manninen,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),,
composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, C. Gulmann, J.-P. Puissochet e J. N. Cunha Rodrigues,
presidentes de secção, R. Schintgen, F. Macken, N. Colneric, S. von Bahr e K. Lenaerts (relator), juízes,
advogada-geral: J. Kokott, secretário: L. Hewlett, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 17 de Fevereiro de 2004,vistas as observações apresentadas:
–
por P. Manninen, agindo em nome próprio,
–
em representação do Governo finlandês, por E. Bygglin e T. Pynnä, na qualidade de agentes,
–
em representação do Governo francês, por G. de Bergues e D. Petrausch, na qualidade de agentes,
–
em representação do Governo do Reino Unido, por K. Manji, na qualidade de agente, assistido por M. Hoskins, barrister,
–
em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e I. Koskinen, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões da advogada-geral apresentadas na audiência de 18 de Março de 2004,
profere o presente
Acórdão
1
O presente pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação dos artigos 56.° CE e 58.° CE.
2
Este pedido foi apresentado no quadro de um processo instaurado no Korkein hallinto‑oikeus por P. Manninen, em que este pôs
em causa a compatibilidade da regulamentação fiscal finlandesa relativa à tributação de dividendos (a seguir «regulamentação
fiscal finlandesa») com o direito comunitário.
Enquadramento jurídico
O direito comunitário
3
O artigo 56.°, n.° 1, CE enuncia:
«No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros
e entre Estados‑Membros e países terceiros.»
4
O artigo 58.°, n.° 1, CE prevê:
«O disposto no artigo 56.º não prejudica o direito de os Estados‑Membros:
a)
Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem
em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
b)
Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal
[...]»
5
O artigo 58.°, n.° 3, CE dispõe:
«As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais
e pagamentos, tal como definida no artigo 56.°»
O direito finlandês
6
Nos termos do § 32 da tuloverolaki (lei relativa ao imposto sobre o rendimento) (1535/1992), os dividendos que uma pessoa
normalmente colectada na Finlândia receba de uma sociedade finlandesa ou estrangeira cotada na bolsa são tributáveis como
rendimentos de capitais.
7
Nos termos do § 124 da tuloverolaki, modificada pela Lei 1459/2001, os rendimentos de capitais estão sujeitos a imposto à
taxa de 29%.
8
As sociedades estabelecidas na Finlândia pagam sobre os seus lucros um imposto cuja taxa é também de 29%. Para evitar uma
dupla tributação desses rendimentos decorrente da repartição dos dividendos, o § 4, n.° 1, da laki yhtiöveron hyvityksestä
(lei sobre o crédito fiscal) (1232/1988), alterada pela Lei 1224/1999, atribui aos accionistas um crédito fiscal igual a 29/71
avos do montante de dividendos que tenham recebido durante o exercício fiscal em causa.
9
Nos termos do § 4, n.° 2, da lei sobre o crédito fiscal, alterada pela Lei 1224/1999, o dividendo e o crédito fiscal são rendimentos
tributáveis a nível do accionista. A concessão do crédito fiscal tem como efeito que o imposto total que incide sobre os lucros
distribuídos por uma sociedade cotada na bolsa ascende a 29%.
10
Nos termos do § 1 da lei sobre o crédito fiscal, o crédito fiscal, só é aplicável aos dividendos distribuídos por sociedades
finlandesas em benefício de pessoas normalmente colectadas na Finlândia.
11
Se se verificar que o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, pago por uma sociedade finlandesa, é inferior a 29/71
avos do montante dos dividendos cuja distribuição tenha sido decidida durante o exercício fiscal em causa, a diferença é cobrada
a essa sociedade através de um imposto adicional, nos termos do § 9 da lei sobre o crédito fiscal, alterada pela Lei 1542/1992.
O litígio no processo principal e as questões prejudiciais
12
P. Manninen é normalmente colectado na Finlândia. Possui acções de uma sociedade sueca cotada na Bolsa de Estocolmo (Suécia).
13
Os lucros distribuídos sob a forma de dividendos a P. Manninen, pela sociedade sueca em causa, já foram tributados na Suécia
a título de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Na Suécia, os dividendos estão igualmente sujeitos a imposto
sobre rendimentos de capitais, através de retenção na fonte. Uma vez que não dão direito a um crédito fiscal na Finlândia,
os dividendos distribuídos por sociedades estrangeiras a contribuintes finlandeses estão sujeitos, neste Estado‑Membro, a
imposto sobre o rendimento que incide sobre os rendimentos de capitais, cuja taxa é de 29%. Contudo, por força da Convenção
(26/1997) celebrada entre os países membros do Conselho Nórdico com a finalidade de impedir a dupla tributação em matéria
de impostos sobre o rendimento e de impostos sobre a riqueza, o imposto cobrado através de retenção na fonte na Suécia, cuja
taxa não pode exceder 15% por força do artigo 10.° dessa convenção, é descontado no imposto sobre o rendimento que incide
sobre os rendimentos de capitais devido pelo accionista sujeito a imposto sobre os rendimentos na Finlândia.
14
Em 23 de Novembro de 2000, P. Manninen apresentou um requerimento à keskusverolautakunta (comissão tributária central), a
fim de saber se, à luz dos artigos 56.° CE e 58.° CE, os dividendos que recebe de uma sociedade sueca são tributáveis na Finlândia.
15
Na sua informação fiscal vinculativa de 7 de Fevereiro de 2001, a keskusverolautakunta declarou que P. Manninen não tinha
direito a crédito fiscal relativamente aos dividendos que lhe foram pagos por uma sociedade sueca.
16
P. Manninen interpôs recurso dessa informação para o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo).
17
Foi nestas condições que o Korkein hallinto‑oikeus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes
questões prejudiciais:
«1)
Deve o artigo 56.° CE ser interpretado no sentido de que obsta a um sistema de crédito fiscal como o regime finlandês anteriormente
descrito [nos n.os 6 a 11 supra], no qual o beneficiário de um dividendo que é contribuinte normalmente colectado na Finlândia tem direito a um crédito fiscal
relativamente ao dividendo pago por uma sociedade por acções estabelecida no território nacional, mas não no que toca aos
rendimentos provenientes de dividendos recebidos de uma sociedade por acções registada na Suécia?
2)
Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode o artigo 58.° CE ser interpretado no sentido de que o disposto no
artigo 56.° CE não prejudica o direito de a Finlândia aplicar as disposições pertinentes da sua lei que regula o crédito fiscal
relativo ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, atendendo a que a condição para obter um crédito fiscal deste
tipo na Finlândia reside no facto de a sociedade que distribui o dividendo ter pago o correspondente imposto ou um adicional
de imposto na Finlândia, o que não ocorre relativamente a um dividendo pago no estrangeiro, caso em que a tributação não se
efectua?»
Quanto às questões prejudiciais
18
Com as suas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se os artigos
56.° CE e 58.° CE se opõem a uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual um contribuinte
normalmente colectado num Estado‑Membro deixa de ter direito ao crédito fiscal em razão dos dividendos que lhe são pagos por
sociedades anónimas, quando estas últimas não estejam estabelecidas nesse Estado.
19
A título liminar, há que recordar que, de acordo com jurisprudência assente, embora a fiscalidade directa seja da competência
dos Estados‑Membros, estes últimos devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito comunitário (acórdãos de
11 de Agosto de 1995, Wielockx, C‑80/94, Colect., p. I‑2493, n.° 16; de 16 de Julho de 1998, ICI, C‑264/96, Colect., p. I‑4695,
n.° 19; e de 29 de Abril de 1999, Royal Bank of Scotland, C‑311/97, Colect., p. I‑2651, n.° 19).
20
Quanto à questão de saber se de uma regulamentação fiscal, como a que está em causa no processo principal, resulta uma restrição
à liberdade de circulação de capitais na acepção do artigo 56.° CE, deve constatar‑se que o crédito fiscal previsto pela regulamentação
fiscal finlandesa tem por objectivo evitar a dupla tributação dos lucros das sociedades que são distribuídos aos accionistas,
mediante a imputação do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, devido pela sociedade que distribui dividendos,
no imposto devido pelo accionista a título de imposto sobre o rendimento que incide sobre os rendimentos de capitais. Decorre
de um sistema desta natureza que os dividendos acabam por deixar de ser tributados a nível do accionista. Uma vez que o crédito
fiscal se aplica apenas a favor dos dividendos pagos por sociedades estabelecidas na Finlândia, a referida regulamentação
desfavorece os contribuintes normalmente colectados na Finlândia, que recebem dividendos de sociedades estabelecidas noutros
Estados‑Membros, os quais são tributados à taxa de 29% a título de imposto sobre o rendimento que incide sobre os rendimentos
de capitais.
21
É dado assente que a convenção fiscal celebrada entre os países do Conselho Nórdico e destinado a evitar a dupla tributação
não é susceptível de eliminar esse tratamento desfavorável. Efectivamente, essa convenção não prevê qualquer sistema de imputação
do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, devido pelas sociedades, no imposto sobre o rendimento que incide sobre
os rendimentos de capitais. Destina‑se unicamente a atenuar os efeitos de uma dupla tributação a nível do accionista, a título
deste último imposto.
22
Daqui decorre que a regulamentação fiscal finlandesa tem como efeito dissuadir os contribuintes normalmente colectados na
Finlândia a investir os seus capitais em sociedades com sede noutro Estado‑Membro.
23
Uma tal disposição tem também efeito restritivo quanto às sociedades com sede noutros Estados‑Membros na medida em que lhes
levanta um obstáculo à recolha de capitais na Finlândia. Efectivamente, na medida em que os rendimentos de capitais de origem
não finlandesa serão tratados, em termos de fiscalidade, de forma menos favorável que os dividendos distribuídos por sociedades
com sede na Finlândia, as acções das sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros são menos atractivas que as das sociedades
com sede neste Estado‑Membro (v. acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C‑35/98, Colect., p. I‑4071, n.° 35, e de 4 de
Março de 2004, Comissão/França, C‑334/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24).
24
Resulta do que precede que uma regulamentação como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição à livre
circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE.
25
Cabe, porém, examinar se essa restrição à livre circulação de capitais se pode justificar à luz das disposições do Tratado
CE.
26
A esse respeito, deve recordar‑se que, nos termos do artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE, «[o] disposto no artigo 56.° não prejudica
o direito de os Estados‑Membros […] [a]plicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção
entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao […] lugar em que o seu capital é investido».
27
Segundo os Governos finlandês, francês e do Reino Unido, resulta claramente dessa disposição que os Estados‑Membros têm o
direito de reservar o benefício do crédito fiscal apenas para os dividendos pagos pelas sociedades estabelecidas no seu território.
28
A esse respeito, importa sublinhar que o artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE, que, enquanto derrogação ao princípio fundamental
da livre circulação de capitais, deve ser objecto de interpretação estrita, não pode ser interpretado no sentido de que qualquer
legislação fiscal que faça uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde investem os seus capitais é automaticamente
incompatível com o Tratado. Efectivamente, a própria derrogação prevista no artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE está limitada
pelo artigo 58.°, n.° 3, CE, que prevê que as disposições nacionais visadas no n.° 1 desse artigo «não devem constituir um
meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida
no artigo 56.°».
29
Há, portanto, que distinguir entre os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE e as
discriminações arbitrárias proibidas pelo n.° 3 desse mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência que, para que uma regulamentação
fiscal nacional, como a que está em causa no processo principal, que faz uma distinção entre os rendimentos de dividendos
nacionais e os de dividendos estrangeiros de uma pessoa normalmente colectada no Estado‑Membro em causa, possa ser considerada
compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é preciso que a diferença de tratamento
respeite a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, como a necessidade
de salvaguardar a coerência do regime fiscal (acórdão Verkooijen, já referido, n.° 43). Além disso, para poder ser considerada
justificada, a diferença de tratamento entre diferentes categorias de dividendos não deve ir além do que é necessário para
que o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa seja atingido.
30
Os Governos finlandês, francês e do Reino Unido consideram, em primeiro lugar, que os dividendos pagos possuem características
fundamentais diferentes, conforme provenham de sociedades finlandesas ou de sociedades não finlandesas. Alegam a esse respeito
que, contrariamente aos lucros distribuídos por estas últimas, os lucros que são pagos sob a forma de dividendos por sociedades
estabelecidas na Finlândia estão sujeitos, neste Estado‑Membro, ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, dando
lugar a um crédito fiscal a favor do accionista normalmente colectado na Finlândia. A diferença de tratamento entre dividendos
pagos por sociedades estabelecidas neste Estado‑Membro e dividendos pagos por sociedades que não satisfazem essa condição
justifica‑se, por conseguinte, à luz do artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE.
31
O Governo francês alega igualmente que a regulamentação fiscal finlandesa é consentânea com o princípio da territorialidade
e, portanto, não pode ser considerada contrária às disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais (acórdão
de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer, C‑250/95, Colect., p. I‑2471, n.os 18 a 22).
32
Quanto a esse aspecto, cabe examinar se, em conformidade com o artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE, a diferença de tratamento
dado ao accionista normalmente colectado na Finlândia, consoante receba dividendos de sociedades estabelecidas nesse Estado‑Membro
ou de sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros, diz respeito a situações que não são comparáveis objectivamente.
33
Há que recordar que a regulamentação fiscal finlandesa procura evitar uma dupla tributação dos lucros das sociedades, concedendo
ao accionista que recebe dividendos um benefício fiscal que consiste em que o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas
devido pela sociedade que distribui dividendos seja tido em conta.
34
É certo que, à luz dessa regulamentação, a situação das pessoas normalmente colectadas na Finlândia poderia ser diferente
em função do lugar onde investem os seus capitais. É o que aconteceria, nomeadamente, no caso de a legislação fiscal do Estado‑Membro
onde os investimentos são realizados já eliminar o risco de uma dupla tributação dos lucros de sociedades distribuídos sob
a forma de dividendos, sujeitando, por exemplo, a imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apenas os lucros não distribuídos
da sociedade em causa.
35
Ora não é isso que se passa no caso vertente. De facto, como resulta do despacho de reenvio, à parte o crédito fiscal, tanto
os dividendos distribuídos por uma sociedade estabelecida na Finlândia como os pagos por uma sociedade com sede na Suécia
podem ser objecto de dupla tributação. Em ambos os casos, os lucros começam por ser sujeitos ao imposto sobre o rendimento
das pessoas colectivas e seguidamente – na medida em que sejam distribuídos sob a forma de dividendos – ao imposto sobre o
rendimento dos beneficiários.
36
O facto de uma pessoa normalmente colectada na Finlândia investir capitais numa sociedade estabelecida na Suécia não permite
escapar à dupla tributação dos lucros distribuídos pela sociedade a favor da qual o investimento é realizado. Perante uma
regra fiscal que, a fim de evitar a dupla tributação dos lucros distribuídos, tem em conta o imposto sobre o rendimento das
pessoas colectivas devido por uma sociedade, os accionistas normalmente colectados na Finlândia encontram‑se numa situação
comparável, quer recebam dividendos de uma sociedade estabelecida neste Estado‑Membro quer de uma sociedade com sede social
na Suécia.
37
Daqui resulta que a regulamentação fiscal finlandesa subordina a concessão do crédito fiscal à condição de os dividendos serem
distribuídos por sociedades estabelecidas na Finlândia, encontrando‑se os accionistas normalmente colectados na Finlândia
numa situação comparável quer recebam dividendos de sociedades estabelecidas neste Estado‑Membro quer de sociedades estabelecidas
noutros Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdãos de 27 de Junho de 1996, Asscher, C‑107/94, Colect., p. I‑3089, n.os 41 a 49, e de 12 de Junho de 2003, Gerritse, C‑234/01, Colect., p. I‑5933, n.os 47 a 54).
38
Além disso, diversamente da legislação em causa no processo que deu lugar ao acórdão Futura Participations e Singer, já referido,
a regulamentação fiscal finlandesa não pode ser considerada uma emanação do princípio da territorialidade. Efectivamente,
como referiu com razão a advogada‑geral no n.° 42 das suas conclusões, esse princípio não se opõe à concessão de um crédito
fiscal a uma pessoa normalmente colectada na Finlândia a favor dos dividendos pagos por sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros
(v. acórdão Futura Participations e Singer, já referido, n.os 18 a 22).
39
Em qualquer dos casos, à luz do artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE, o princípio da territorialidade não pode justificar um
tratamento diferente dos dividendos distribuídos por sociedades estabelecidas na Finlândia e dos dividendos pagos por sociedades
com sede social noutros Estados‑Membros, se as categorias de dividendos afectados por essa diferença de tratamento partilharem
da mesma situação objectiva.
40
Os Governos finlandês, francês e do Reino Unido sustentam, em segundo lugar, que a regulamentação fiscal finlandesa se justifica
objectivamente pela necessidade de assegurar a coerência do regime fiscal nacional (acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann,
C‑204/90, Colect., p. I‑249, e Comissão/Bélgica, C‑300/90, Colect., p. I‑305). Em especial, alegam que, diversamente do regime
fiscal examinado no processo que deu lugar ao acórdão Verkooijen, já referido, existe, no processo principal, uma relação
directa entre a tributação dos lucros da sociedade e o crédito fiscal concedido ao accionista beneficiário dos dividendos.
Efectivamente, o crédito fiscal só é atribuído a este último na condição de essa sociedade ter, de facto, pago imposto sobre
os seus lucros. Se este não cobrir o imposto mínimo sobre os dividendos a distribuir, a referida sociedade é obrigada a pagar
um imposto adicional.
41
O Governo finlandês acrescenta que, se fosse concedido um crédito fiscal aos beneficiários de dividendos pagos por uma sociedade
sueca a accionistas normalmente colectados na Finlândia, as autoridades deste Estado‑Membro seriam obrigadas a conceder um
benefício fiscal a título do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas que não foi cobrado pelo referido Estado, o
que poria em causa a coerência do regime fiscal nacional.
42
A esse respeito, deve recordar‑se que, nos n.os 28 e 21, respectivamente, dos acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica, já referidos, o Tribunal de Justiça reconheceu que a
necessidade de se preservar a coerência de um regime fiscal pode justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais
garantidas pelo Tratado. Contudo, para que um argumento baseado numa justificação dessa natureza possa vingar, há que demonstrar
a existência de uma relação directa entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de determinada
cobrança (v., neste sentido, acórdãos de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C‑484/93, Colect., p. I‑3955, n.° 18;
Asscher, já referido, n.° 58; ICI, já referido, n.° 29; de 28 de Outubro de 1999, Vestergaard, C‑55/98, Colect., p. I‑7641,
n.° 24; e de 21 de Novembro de 2002, X e Y, C‑436/00, Colect., p. I‑10829, n.° 52). Como resulta dos n.os 21 a 23 do acórdão Bachmann, já referido, e dos n.os 14 a 16 do acórdão Comissão/Bélgica, já referido, esses acórdãos assentam na constatação de que, no direito belga, existia
uma relação directa entre, por um lado, a faculdade de, na esfera do mesmo contribuinte sujeito ao imposto sobre os rendimentos,
se descontarem cotizações de seguros nos rendimentos tributáveis e, por outro, a posterior tributação dos montantes pagos
pelas seguradoras.
43
Importa seguidamente recordar também que resulta da jurisprudência que um argumento baseado na necessidade de salvaguardar
a coerência de um regime fiscal deve ser apreciado à luz do objectivo prosseguido pela regulamentação fiscal em causa (v.
acórdão de 11 de Março de 2004, De Lasteyrie du Saillant, C‑9/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 67).
44
Como já foi referido no n.° 33, supra, a regulamentação fiscal finlandesa procura evitar uma dupla tributação dos lucros das sociedades que são distribuídos aos
accionistas. O objectivo prosseguido é atingido ao se atribuir ao accionista um crédito fiscal calculado em função da taxa
do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (v. n.° 8, supra). Atendendo a que a taxa de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e do imposto sobre rendimentos de capitais
é idêntica, a saber, 29%, esse regime fiscal acaba por se traduzir na tributação, apenas ao nível das sociedades estabelecidas
na Finlândia, dos lucros por estas distribuídos aos accionistas normalmente colectados na Finlândia, uma vez que estes últimos
são pura e simplesmente exonerados do pagamento do imposto sobre os dividendos recebidos. Se se verificar que o imposto pago
por uma sociedade finlandesa que distribui dividendos é inferior ao montante do crédito fiscal, a diferença é cobrada a essa
sociedade através de um imposto adicional.
45
Ainda que essa regulamentação fiscal, assente numa relação directa entre o benefício fiscal e a cobrança fiscal compensatória,
ao prever que o crédito fiscal concedido ao accionista normalmente colectado na Finlândia seja calculado em função do imposto
sobre o rendimento das pessoas colectivas devido pela sociedade estabelecida nesse Estado‑Membro sobre os lucros por ela distribuídos,
essa regulamentação não é necessária à preservação da coerência do regime fiscal.
46
Com efeito, à luz do objectivo prosseguido pela regulamentação fiscal finlandesa, a coerência do referido regime fiscal fica
assegurada enquanto se mantiver a correlação entre o benefício fiscal concedido ao accionista e o imposto sobre o rendimento
das pessoas colectivas devido. Por conseguinte, num caso como o do processo principal, a concessão, a um accionista normalmente
colectado na Finlândia e titular de acções de uma sociedade estabelecida na Suécia, de um crédito fiscal calculado em função
do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas por ela devido neste último Estado‑Membro não põe em causa a coerência
do regime fiscal finlandês e constitui uma medida menos restritiva para a livre circulação de capitais do que a prevista pela
regulamentação fiscal finlandesa.
47
Importa, além disso, sublinhar que, nos processos que deram lugar aos acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica, já referidos,
a finalidade das disposições fiscais em causa era igualmente evitar uma dupla tributação. Com efeito, a possibilidade oferecida
pela legislação belga às pessoas singulares, de descontarem nos seus rendimentos colectáveis as cotizações pagas no quadro
de contratos de seguro de vida – o que acabava por se traduzir na não tributação dos rendimentos afectos ao pagamento dessas
cotizações –, baseava‑se na justificação de que o capital constituído através dessas cotizações era posteriormente tributado
ao nível dos seus detentores. Nesse sistema, a dupla tributação era evitada mediante o adiamento da cobrança do único imposto
devido até ao momento em que era pago o capital constituído através das cotizações isentas. A coerência do regime fiscal implicava
necessariamente que, embora admitindo que as cotizações de seguro de vida fossem descontadas nos rendimentos colectáveis,
as autoridades fiscais belgas deviam certificar‑se de que o capital pago pela sociedade seguradora no termo do contrato era
efectivamente tributado de seguida. Foi neste contexto preciso que o Tribunal de Justiça decidiu que não havia medidas menos
restritivas do que as que estavam em causa nos processos que deram lugar aos acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica, já referidos,
adequadas a salvaguardar a coerência do regime fiscal em causa.
48
Ora, no processo principal, o contexto factual é diferente. Com efeito, no momento em que o accionista normalmente colectado
na Finlândia recebe dividendos, os lucros assim distribuídos já foram sujeitos a imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas,
independentemente da questão de saber se os dividendos provêm de sociedades finlandesas ou suecas. O objectivo prosseguido
pela legislação fiscal finlandesa, que é eliminar a dupla tributação dos lucros distribuídos sob a forma de dividendos, pode
ser atingido mediante a concessão do crédito fiscal igualmente a favor dos lucros assim distribuídos pelas sociedades suecas
aos contribuintes normalmente colectados na Finlândia.
49
É certo que, para a República da Finlândia, a concessão de um crédito fiscal a título do imposto sobre o rendimento das pessoas
colectivas devido noutro Estado‑Membro teria por efeito uma redução das suas receitas fiscais relativas aos dividendos pagos
por sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros. Todavia, decorre de jurisprudência assente que a redução das receitas
fiscais não pode ser considerada razão imperiosa de interesse geral susceptível de ser invocada para justificar uma medida
em princípio contrária a uma liberdade fundamental (acórdãos Verkooijen, já referido, n.° 59; de 3 de Outubro de 2002, Danner,
C‑136/00, Colect., p. I‑8147, n.° 56; e X e Y, já referido, n.° 50).
50
Na audiência, os Governos finlandês e do Reino Unido mencionaram diversos obstáculos de ordem prática que se opõem à atribuição,
a um accionista normalmente colectado na Finlândia, de um crédito fiscal que corresponde ao imposto sobre o rendimento das
pessoas colectivas devido por uma sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro. Sublinharam que as normas do Tratado relativas
à livre circulação de capitais se aplicam não apenas aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros mas também aos movimentos
de capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros. Segundo esses governos, tendo em conta a diversidade dos regimes
fiscais em vigor, na prática, é impossível determinar com rigor o montante da taxa que incidiu, a título do imposto sobre
o rendimento das pessoas colectivas, sobre os dividendos pagos por uma sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro ou num
país terceiro. Tal impossibilidade deve‑se, em particular, ao facto de a matéria colectável do imposto sobre o rendimento
das pessoas colectivas diferir de um país para outro. Referem, além disso, que os dividendos pagos por uma sociedade não provêm
necessariamente dos lucros de determinado exercício contabilístico.
51
A esse respeito, importa começar por sublinhar que o processo principal não respeita, de modo algum, à livre circulação de
capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros. Efectivamente, este processo versa sobre a recusa, por parte das
autoridades fiscais de um Estado‑Membro, de concederem um benefício fiscal a uma pessoa normalmente colectada nesse Estado‑Membro,
quando receba dividendos de uma sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro.
52
Seguidamente, deve referir‑se que resulta do despacho de reenvio que, na Finlândia, o crédito fiscal concedido a favor do
accionista é igual a 29/71 avos dos dividendos pagos pela sociedade estabelecida nesse Estado‑Membro. Para efeitos do cálculo
do crédito fiscal, o numerador da fracção aplicada é, portanto, igual à taxa do imposto que incide sobre o rendimento das
pessoas colectivas e o denominador é igual ao resultado obtido deduzindo da base 100 essa mesma taxa do imposto.
53
Por último, importa igualmente constatar que, no direito finlandês, o crédito fiscal corresponde sempre ao montante do imposto
efectivamente pago a título de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas pela sociedade que distribui os dividendos.
De facto, se se verificar que o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas pago é inferior ao montante do crédito fiscal,
a diferença é cobrada à sociedade que distribui dividendos, através de um imposto adicional.
54
Nestas condições, o cálculo de um crédito fiscal concedido a um accionista normalmente colectado na Finlândia, que tenha recebido
dividendos de uma sociedade estabelecida na Suécia, deve ter em conta o imposto efectivamente pago pela sociedade estabelecida
nesse outro Estado‑Membro, como decorre das regras gerais aplicáveis ao cálculo da matéria colectável e da taxa do imposto
sobre o rendimento das pessoas colectivas nesse último Estado‑Membro. Eventuais dificuldades quanto à determinação do imposto
efectivamente pago não podem, em qualquer dos casos, justificar um entrave à livre circulação de capitais como aquele que
decorre da regulamentação em causa no processo principal (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 29).
55
Face às considerações precedentes, deve responder‑se às questões submetidas que os artigos 56.° CE e 58.° CE se opõem a uma
regulamentação nos termos da qual uma pessoa normalmente colectada num Estado‑Membro deixa de ter direito ao crédito fiscal
em razão dos dividendos que lhe são pagos por sociedades anónimas, quando estas últimas não estejam estabelecidas nesse Estado.
Quanto às despesas
56
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional
nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas para apresentar observações ao Tribunal, além
das despesas das referidas partes, não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:
Os artigos 56.° CE e 58.° CE opõem‑se a uma regulamentação nos termos da qual uma pessoa normalmente colectada num Estado‑Membro
deixa de ter direito ao crédito fiscal em razão dos dividendos que lhe são pagos por sociedades anónimas, quando estas últimas
não estejam estabelecidas nesse Estado.