C-321/02 - Harbs

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Arrêt de la Cour

Processo C‑321/02

Finanzamt Rendsbug

contra

Detlev Harbs

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof)

«Sexta Directiva IVA – Artigo 25.° – Regime comum forfetário aplicável aos produtores agrícolas – Locação de parte de uma exploração agrícola»

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Regime forfetário aplicável aos produtores agrícolas – Âmbito de aplicação – Locação de parte de uma exploração agrícola – Exclusão

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 25.°)

O artigo 25.° da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, que permite aos Estados‑Membros aplicarem um regime forfetário aos produtores agrícolas cuja sujeição ao regime normal ou, eventualmente, ao regime simplificado do imposto iria deparar com dificuldades, deve ser interpretado no sentido de que um produtor agrícola que deu em locação, a longo prazo, parte dos elementos substanciais da sua exploração agrícola e que prossegue a sua actividade de agricultor com o remanescente da mesma exploração, actividade pela qual está sujeito ao regime comum forfetário previsto nesse artigo, não pode incluir o produto de tal locação no regime comum forfetário. O volume de negócios daí resultante deve ser sujeito ao regime normal ou, sendo caso disso, ao regime simplificado.

Com efeito, a aplicação do referido regime não assenta num só critério, atinente à qualidade formal de produtor agrícola, mas está reservada aos produtores agrícolas cuja situação esteja definida pelo conjunto das disposições do artigo 25.° da Sexta Directiva.

Ora, uma locação só pode figurar entre as prestações de serviços agrícolas abrangidas pela referida disposição se tiver como objecto os meios normalmente utilizados pelo produtor agrícola na exploração do seu próprio domínio agrícola. Consequentemente, a «location», a «affermage» ou a constituição de um direito de usufruto através das quais um agricultor ceda o gozo exclusivo de bens imobiliários a outro agricultor, para que este deles perceba os respectivos frutos, não estão abrangidas pelo referido artigo 25.°, pois o produtor cedente deixa de poder utilizar normalmente os bens em causa. O mesmo se diga, por motivo idêntico, a respeito da locação a longo prazo de quaisquer outros elementos da exploração de que o locatário beneficie de forma exclusiva.

(cf. n.os 27, 31, 34, 37, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
15 de Julho de 2004(1)

«Sexta Directiva IVA – Artigo 25.° – Regime comum forfetário aplicável aos produtores agrícolas – Locação de parte de uma exploração agrícola»

No processo C-321/02,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Finanzamt Rendsburg

e

Detlev Harbs,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 25.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),,



composto por: P. Jann, presidente de secção, A. Rosas, S. von Bahr (relator), R. Silva de Lapuerta e K. Lenaerts, juízes,

advogado-geral: P. Léger,
secretário: R. Grass,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação de D. Harbs, por G. Flock e U. Fischer, Rechtsanwälte,

em representação do Governo alemão, por W.-D. Plessing e M. Lumma, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa e K. Gross, na qualidade de agentes, assistidos por A. Böhlke, Rechtsanwalt,

ouvidas as alegações de D. Harbs e da Comissão, na audiência de 12 de Fevereiro de 2004,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 11 de Março de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
Por despacho de 4 de Julho de 2002, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de Setembro de 2002, o Bundesfinanzhof submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, uma questão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 25.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).

2
Esta questão foi colocada no quadro do litígio que opõe D. Harbs ao Finanzamt Rendsburg (Alemanha) (a seguir «Finanzamt»), a respeito da aplicação do regime comum forfetário agrícola, previsto no artigo 25.° da Sexta Directiva, ao produto da locação, pelo interessado, de parte dos elementos da sua exploração agrícola.


Quadro jurídico

O direito comunitário

3
O artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Directiva, intitulado «Isenções no território do país», dispõe:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros isentarão […]:

[…]

b) A locação de bens imóveis […]»

4
O artigo 25.° da Sexta Directiva, intitulado «Regime comum forfetário para produtores agrícolas», prevê:

«1. Sempre que a aplicação aos produtores agrícolas do regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, ou, se for o caso, do regime simplificado previsto no artigo 24.° encontrar dificuldades, os Estados‑Membros podem aplicar um regime forfetário destinado a compensar a carga do imposto sobre o valor acrescentado pago relativamente às aquisições de bens e de serviços feitas pelos agricultores sujeitos ao regime forfetário nos termos do presente artigo.

2. Para efeitos do disposto no presente artigo, entende‑se por:

‘produtor agrícola’, o sujeito passivo que exerce a sua actividade no âmbito de uma exploração a seguir definida;

‘exploração agrícola, silvícola ou de pesca’, a exploração como tal considerada pelos Estados‑Membros, no âmbito das actividades de produção enumeradas no anexo A;

‘agricultor sujeito ao regime forfetário’, o produtor agrícola a que se aplique o regime forfetário previsto nos n.° 3 e seguintes;

‘produtos agrícolas’, os bens resultantes do exercício das actividades enumeradas no anexo A, que sejam produzidos pelas explorações agrícolas, silvícolas ou de pesca dos Estados‑Membros;

‘prestações de serviços agrícolas’, as prestações de serviços enumeradas no anexo B, efectuadas por um produtor agrícola que utilize os seus próprios recursos de mão‑de‑obra e/ou o equipamento normal da respectiva exploração agrícola, silvícola ou de pesca;

‘carga fiscal do imposto sobre o valor acrescentado a montante’, a carga fiscal global do imposto sobre o valor acrescentado que tenha onerado os bens e as prestações de serviços adquiridos pelo conjunto das explorações agrícolas, silvícolas e de pesca de cada Estado‑Membro sujeitas ao regime forfetário, desde que esse imposto fosse dedutível, nos termos do artigo 17.°, por um produtor agrícola sujeito ao regime normal do imposto sobre o valor acrescentado;

‘percentagens forfetárias de compensação’, as percentagens que os Estados‑Membros fixem, em conformidade com o disposto no n.° 3, e que apliquem nos casos referidos no n.° 5 para permitir aos agricultores sujeitos ao regime forfetário o benefício da compensação forfetária do imposto sobre o valor acrescentado a montante;

‘compensação forfetária’, o montante resultante da aplicação da percentagem forfetária de compensação, prevista no n.° 3, ao volume de negócios do agricultor sujeito ao regime forfetário nos casos referidos no n.° 5.

3. Os Estados‑Membros estabelecerão, se necessário, as percentagens forfetárias de compensação, notificando‑as à Comissão antes de as aplicarem. Essas percentagens serão determinadas com base nos dados macroeconómicos relativos apenas aos agricultores sujeitos ao regime forfetário nos últimos três anos. Não podem ter como efeito [que] os agricultores sujeitos ao regime forfetário, no seu conjunto, recebam reembolsos superiores à carga fiscal do imposto sobre o valor acrescentado a montante. Os Estados‑Membros podem reduzir essas percentagens até ao nível zero. As percentagens podem ser arredondadas em meio ponto por excesso ou por defeito.

Os Estados‑Membros podem estabelecer percentagens forfetárias de compensação diferenciadas para a silvicultura, para os diversos subsectores da agricultura e para a pesca.

[…]

5. As percentagens forfetárias previstas no n.° 3 serão aplicadas ao preço, líquido de impostos, dos produtos agrícolas que os agricultores sujeitos ao regime forfetário tenham entregue a sujeitos passivos que não sejam agricultores sujeitos ao regime forfetário e das prestações de serviços agrícolas que tenham efectuado a sujeitos passivos que não sejam agricultores sujeitos ao regime forfetário. Esta compensação excluirá qualquer outra forma de dedução.

6. Os Estados‑Membros podem prever que o pagamento das compensações forfetárias seja efectuado:

a) pelo adquirente ou pelo destinatário sujeito passivo. Neste caso, o adquirente ou o destinatário sujeito passivo fica autorizado, de acordo com as regras fixadas pelos Estados‑Membros, a deduzir do imposto sobre o valor acrescentado de que é devedor o montante da compensação forfetária que tenha pago aos agricultores sujeitos ao regime forfetário;

b) pelas autoridades públicas.

[…]

8. No que diz respeito à entrega de produtos agrícolas e às prestações de serviços agrícolas que não sejam as referidas no n.° 5, considera‑se que o pagamento das compensações forfetárias é efectuado pelo adquirente ou pelo destinatário.

[…]

10. Os agricultores sujeitos ao regime forfetário podem optar pela aplicação do regime normal do imposto sobre o valor acrescentado ou, se for caso disso, do regime simplificado previsto no n.° 1 do artigo 24.°, de acordo com as regras e as condições fixadas por cada Estado‑Membro.

[…]»

5
O anexo A da Sexta Directiva prevê o seguinte:

«Lista de actividades de produção agrícola

I. Cultura propriamente dita:

1. Agricultura em geral, incluindo a viticultura;

[…]

II. Criação de animais conexa com a exploração do solo:

1. Criação de animais;

[…]

III. Silvicultura

IV. Pesca

[…]

V. São igualmente consideradas actividades de produção agrícola as actividades de transformação efectuadas por um produtor agrícola sobre os produtos provenientes, essencialmente, da respectiva produção agrícola, com os meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas, silvícolas ou de pesca.»

6
No anexo B da mesma directiva pode ler‑se o seguinte:

«Lista de prestações de serviços agrícolas

São consideradas prestações de serviços agrícolas as prestações de serviços que contribuem normalmente para a realização da produção agrícola, designadamente:

as operações culturais, de colheita, debulha, enfardação, ceifa e recolha, incluindo as operações de sementeira e de plantação;

as operações de embalagem e de acondicionamento, tais como a secagem, limpeza, trituração, desinfecção e ensilagem de produtos agrícolas;

a armazenagem de produtos agrícolas;

a guarda, criação ou engorda de animais;

a locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas, silvícolas ou de pesca;

a assistência técnica;

a destruição de plantas e animais nocivos, o tratamento de plantas e de terrenos por pulverização;

a exploração de instalações de irrigação e de drenagem;

a poda de árvores, corte de madeira e outros serviços silvícolas.»

A legislação nacional

7
No direito alemão, o mecanismo da compensação forfetária previsto no artigo 25.° da Sexta Directiva foi transposto pelo § 24 da Umsatzsteuergesetz 1991 (lei relativa ao volume de negócios, a seguir «UStG»), na versão em vigor à data dos factos do processo principal.


O litígio no processo principal e a questão prejudicial

8
Em 1992, D. Harbs detinha uma exploração agrícola que compreendia, além de terras com uma superfície de 92 ha e de edifícios destinados a essa exploração, um efectivo de cerca de 60 touros para engorda, 65 vacas leiteiras e 120 outros bovinos. Dispunha de uma quantidade de referência de leite (quota leiteira) de 321 367 kg.

9
Por dois contratos de 12 de Novembro de 1992, D. Harbs locou, a título oneroso, parte da sua exploração ao filho, pelo período de 15 de Novembro de 1992 a 30 de Junho de 2005. Em primeiro lugar, através de um «arrendamento rural», cedeu‑lhe terrenos com uma superfície de cerca de 31 ha, as 65 vacas leiteiras e a sua quota leiteira. Em segundo lugar, através de um «contrato de cessão de estábulos», locou‑lhe um estábulo com 75 lugares. D. Harbs prosseguiu a exploração do remanescente do seu domínio agrícola.

10
D. Harbs entendeu que a renda acordada ao abrigo do contrato de arrendamento rural estava sujeita às taxas médias previstas no § 24 da UStG e que, nos termos desse diploma, o imposto sobre o volume de negócios relativo a uma exploração agrícola era compensado, até ao respectivo valor a pagar, pelos impostos pagos a montante, pelo que não era devido qualquer imposto. Por este motivo, na sua declaração de imposto de 20 de Janeiro de 1995, que lhe foi pedida, não declarou qualquer volume de negócios colectável relativamente ao exercício de 1992.

11
O Finanzamt considerou que, enquanto a locação das terras e do edifício estava isenta de impostos ao abrigo do direito alemão, o volume de negócios realizado, em 1992, por D. Harbs, com a cedência da quota leiteira e das vacas leiteiras não constituía uma actividade agrícola na acepção do § 24 da UStG e dava, por conseguinte, lugar à cobrança de imposto sobre o volume de negócios, nos termos das disposições gerais da UStG. Submeteu, por isso, o montante líquido pago em contrapartida dessa cedência a imposto sobre o volume de negócios e, em 10 de Julho de 1996, emitiu um aviso de cobrança de 361 DEM.

12
Após ter visto a sua reclamação indeferida, D. Harbs recorreu para o Finanzgericht Schleswig‑Holstein (Alemanha), que deu provimento ao pedido. O Finanzamt, por sua vez, interpᄡs recurso de revista dessa decisão para o Bundesfinanzhof.

13
Por considerar que a solução do litígio no processo principal necessitava de uma interpretação do artigo 25.° da Sexta Directiva, esse órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O proprietário de uma exploração agrícola,

que deixa de trabalhar uma parte da sua exploração (a totalidade da produção de gado leiteiro) e dá em locação os bens económicos necessários a essa actividade a outro agricultor, e

que, mesmo após a locação, continua activo como agricultor de uma forma não insignificante,

pode incluir a renda – como o resto do seu volume de negócios – no regime forfetário para produtores agrícolas (artigo 25.° da Directiva 77/388/CEE), ou a parte do volume de negócios referente à locação é sujeita a tributação segundo o regime geral?»


Quanto à questão prejudicial

14
Com a questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 25.° da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que um produtor agrícola, que deu em locação parte da sua exploração agrícola e prossegue, com o que dela resta, a sua actividade de agricultor, à qual é aplicado o regime comum forfetário previsto nessa disposição, pode incluir o produto da locação nesse regime ou se esse produto deve ser sujeito ao regime geral em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»).

Observações apresentadas ao Tribunal

15
D. Harbs sustenta que o § 24, n.° 1, da UStG não prevê que os volumes de negócios realizados com a locação de certos bens económicos estejam abrangidos pelo regime comum de tributação. Esta disposição também não prevê que um produtor agrícola que dê em locação elementos particulares da sua exploração deva aplicar a percentagem forfetária de compensação quando forneça a referida prestação a outro agricultor sujeito ao regime forfetário, uma vez que se considera que a compensação do IVA pago a montante está incluída no preço global dos serviços.

16
D. Harbs afirma que o próprio Bundesfinanzhof reconhece, na sua jurisprudência, que apenas na hipótese de o agricultor dar em locação toda a sua exploração é que se pode considerar que deixou de exercer a sua actividade no âmbito de uma exploração agrícola, na acepção do § 24 da UStG.

17
Sustenta ainda que é incontestavelmente um produtor agrícola na acepção do artigo 25.° da Sexta Directiva, pois continua a exercer as actividades mencionadas no anexo A desta última, sem que essa qualidade possa ser afectada pela locação de certos elementos da sua exploração. Além disso, o regime forfetário previsto neste artigo é aplicável ao preço das «prestações de serviços agrícolas», entre as quais figuram, segundo o anexo B, quinto travessão, da Sexta Directiva, as que, tal como acontece no processo principal, contribuem para a realização da produção agrícola, nomeadamente, «a locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas». O artigo 25.° e o anexo B da directiva não exigem que o interessado deva também usar simultaneamente, ele próprio, na sua exploração agrícola, os bens económicos transmitidos «para efeitos de utilização». Por último, a locação constitui, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva, uma prestação de serviços.

18
Segundo o Governo alemão, o produto controvertido da locação não está abrangido pelo regime comum forfetário dos produtores agrícolas previsto no artigo 25.° da Sexta Directiva. Está, sim, sujeito, ao regime geral em matéria de imposto sobre o volume de negócios.

19
Efectivamente, o conceito de «locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas, silvícolas ou de pesca», a que se refere o anexo B, quinto travessão, da Sexta Directiva, não engloba a locação de parte de uma exploração. Ao contrário de uma prestação concreta de locação que vise a simples utilização de bens específicos, uma locação dessa natureza compreende um conjunto de prestações globais complexas a favor do locatário, ao qual é cedida não apenas essa utilização mas também os frutos da coisa objecto da locação.

20
Além disso, a Sexta Directiva distingue muito nitidamente essas duas categorias jurídicas de «location» e de «affermage» [NT: A versão portuguesa refere apenas «locação de bens imóveis»], como resulta da conjugação das disposições do anexo B com as do artigo 13.°, B, alínea b), dessa directiva. Por outro lado, uma vez que a «affermage» é frequente em matéria agrícola, o legislador comunitário não teria deixado de a mencionar expressamente neste anexo B se tivesse pretendido submetê‑la ao regime forfetário.

21
A circunstância de o referido anexo B conter apenas exemplos de prestações de serviços agrícolas e não ter, portanto, carácter exaustivo não permite incluir a «affermage» nesse anexo. Efectivamente, fazê‑lo, no que respeita à locação de terrenos, revelaria uma incoerência do sistema da Sexta Directiva, o qual isenta, ao abrigo do artigo 13.°, B, alínea b), desta, a locação de bens imóveis. Por outro lado, tal como qualquer regime derrogatório, o do artigo 25.° da Sexta Directiva deve ser aplicado segundo uma interpretação restritiva desse artigo e do anexo B da mesma directiva. Por último, incluir a «affermage» no regime forfetário do referido artigo 25.° criaria o risco de conduzir a uma «sobrecompensação» contrária às prescrições da Sexta Directiva que obrigam os Estados‑Membros a fixarem percentagens forfetárias de compensação que não se traduzam, para os agricultores sujeitos ao regime forfetário, em reembolsos superiores aos encargos de IVA.

22
Para o Governo alemão, a génese do artigo 25.° da Sexta Directiva confirma que a locação de parte de uma exploração agrícola não está abrangida pelo regime forfetário visado nesse artigo. Com efeito, por um lado, a proposta de Sexta Directiva da Comissão, de 29 de Junho de 1973, respeitava unicamente, no anexo B, quinto travessão, da Sexta Directiva, à «locação de máquinas agrícolas». Não incluía, portanto, a locação de terrenos, como revelaram, aliás, os debates ulteriores e, nomeadamente, as próprias propostas de modificação então apresentadas pelo Governo alemão. Por outro lado, a obrigação de interpretar estritamente o artigo 25.° da Sexta Directiva decorre do compromisso assumido pelos Estados‑Membros, que, na época, concordaram em redobrar esforços para aplicarem progressivamente o regime normal de IVA a certas categorias de agricultores.

23
Para a Comissão, o regime forfetário dos produtores agrícolas, atendendo ao seu estatuto de regime especial, deve ser interpretado de forma estrita (v., relativamente ao regime especial do artigo 26.° da Sexta Directiva, acórdão de 22 de Outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C‑308/96 e C‑94/97, Colect., p. I‑6229).

24
A Comissão alega, a este respeito, que, embora assente num critério formal na medida em que se dirige aos «produtores agrícolas», o referido regime comporta, além disso, um elemento funcional que, nos termos do artigo 25.°, n.° 5, da Sexta Directiva, liga a compensação forfetária a «produtos agrícolas» ou a «prestações de serviços agrícolas». Refere que, contrariamente ao artigo 13.°, B, alínea b), da referida directiva, que menciona tanto a «location» como a «affermage», a lista das «prestações de serviços agrícolas», que consta do anexo B dessa directiva e para a qual remete o artigo 25.° da mesma directiva, não visa a «affermage».

25
Segundo a Comissão, quando enumera, entre as prestações de serviços agrícolas, «a locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas», o referido anexo B não visa a própria locação da exploração agrícola ou da parte autónoma da exploração. Os «meios» em causa são os que servem apenas para fins agrícolas, na medida em que os tornam possíveis ou os facilitam, como, por exemplo, as máquinas agrícolas, únicas, aliás, evocadas nas propostas de Sexta Directiva. É a esse mesmo conceito que se refere o anexo A, ponto V, desta directiva. O mesmo se diga a propósito das outras versões linguísticas do referido anexo B.

26
A Comissão alega ainda que, nos termos do artigo 25.°, n.° 2, quinto travessão, da Sexta Directiva, as prestações de serviços agrícolas visadas correspondem às que são prestadas por um produtor «que utilize os seus próprios recursos de mão‑de‑obra e/ou o equipamento normal da respectiva exploração agrícola, silvícola ou de pesca». Ora, essa condição não está preenchida em circunstâncias, como as do processo principal, de abandono e de locação a longo prazo do efectivo de gado leiteiro, uma vez que os bens económicos objecto da locação deixam de servir à actividade agrícola do seu proprietário.

Resposta do Tribunal

27
A título liminar, cabe recordar que o artigo 25.°, n.° 1, da Sexta Directiva reconheceu aos Estados‑Membros a faculdade de aplicarem um regime comum forfetário aos produtores agrícolas cuja sujeição ao regime normal do IVA ou, eventualmente, ao regime simplificado previsto no artigo 24.° desta directiva iria deparar com dificuldades. Assim, esse regime especial, aplicável a certos produtores agrícolas, constitui uma excepção ao regime geral da referida directiva. O seu carácter derrogatório está confirmado, como sublinha o advogado‑geral P. Léger no n.° 31 das suas conclusões, pela dupla circunstância de, segundo o artigo 25.°, n.os 9 e 10, da Sexta Directiva, os Estados‑Membros poderem excluir desse regime certas categorias de produtores agrícolas e de os próprios agricultores sujeitos ao regime forfetário poderem optar pelo regime normal ou pelo regime simplificado. Tal como os outros regimes especiais previstos nos artigos 24.° e 26.° da mesma directiva, o regime previsto no artigo 25.° desta deve, portanto, ser aplicado apenas na medida do necessário para atingir o seu objectivo (v., relativamente à aplicação do artigo 26.° da Sexta Directiva, acórdão Madgett e Baldwin, já referido, n.° 34). Além disso, segundo jurisprudência constante, as disposições que têm carácter de derrogação ou de excepção a uma regra geral são de interpretação estrita (acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Comissão/Espanha, C‑83/99, Colect., p. I‑445, n.° 19).

28
Importa igualmente recordar que, para determinar o alcance de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta, simultaneamente, os seus termos, o seu contexto e os objectivos prosseguidos (acórdãos de 15 de Outubro de 1992, Tenuta il Bosco, C‑162/91, Colect., p. I‑5279, n.° 11, e de 16 de Janeiro de 2003, Maierhofer, C‑315/00, Colect., p. I‑563, n.° 27). Além disso, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito comunitário como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição comunitária que não contenha qualquer remissão expressa para o direito de os Estados‑Membros determinarem o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ter, em toda a Comunidade, uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., nomeadamente, acórdãos de 18 de Janeiro de 1984, Ekro, 327/82, Recueil, p. 107, n.° 11; de 19 de Setembro de 2000, Linster, C‑287/98, Colect., p. I‑6917, n.° 43; de 9 de Novembro de 2000, Yiadom, C‑357/98, Colect., p. I‑9265, n.° 26; de 27 de Fevereiro de 2003, Adolf Truley, C‑373/00, Colect., p. I‑1931, n.° 35; e de 27 de Novembro de 2003, Zita Modes, C‑497/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 34).

29
De acordo com o artigo 25.° da Sexta Directiva, o regime comum forfetário destina‑se a compensar a carga do imposto que incide sobre a aquisição de bens e serviços dos agricultores, mediante o pagamento de uma compensação forfetária aos produtores agrícolas que exerçam a sua actividade no quadro de uma exploração agrícola, silvícola ou piscatória, quando entregam produtos agrícolas ou efectuam prestações de serviços agrícolas. Essa compensação é calculada pela aplicação de uma percentagem, fixada pelos Estados‑Membros, ao preço sem imposto dos produtos entregues ou dos serviços prestados pelo agricultor sujeito ao regime forfetário a um comprador ou a um sujeito passivo que não seja um agricultor sujeito ao regime forfetário. A compensação é paga ou pelos poderes públicos ou pelo adquirente ou o locatário e exclui qualquer outra forma de dedução de IVA pago a montante.

30
Para garantir a aplicação uniforme deste regime em toda a Comunidade e sem prejuízo de uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros no que concerne à determinação das explorações abrangidas, o legislador comunitário teve a preocupação de definir, nomeadamente, o conteúdo dos termos «produtor agrícola», «produtos agrícolas» e «prestações de serviços agrícolas».

31
Deste modo, o legislador não quis que a aplicação do referido regime assentasse num só critério, atinente à qualidade formal de produtor agrícola, reservando antes essa aplicação aos produtores agrícolas cuja situação esteja definida pelo conjunto das disposições do artigo 25.° da Sexta Directiva. Por conseguinte, a mera circunstância de uma pessoa ser produtor agrícola não lhe permite pretender a aplicação exclusiva desse regime, independentemente da natureza das operações económicas que realiza.

32
A esse respeito, nos termos do artigo 25.°, n.° 2, da Sexta Directiva, são consideradas prestações de serviços agrícolas, na acepção desse artigo, as prestações de serviços enumeradas no anexo B da referida directiva efectuadas por um produtor agrícola que utilize os seus próprios recursos de mão‑de‑obra e/ou o equipamento normal da respectiva exploração agrícola, silvícola ou piscatória. Segundo este anexo B, são consideradas prestações de serviços as prestações que contribuam normalmente para a realização da produção agrícola, designadamente, «a locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas».

33
Nem o artigo 25.°, n.° 2, nem o anexo B da Sexta Directiva visam, portanto, explicitamente o caso da «affermage». Ora, importa referir que, diversamente, no artigo 13.°, B, alínea b), da mesma directiva, o legislador comunitário teve expressamente em vista, para aplicação desta disposição, o caso da «affermage», além do da «location».

34
Por outro lado, decorre do artigo 25.°, n.° 2, quinto travessão, da Sexta Directiva e do anexo B desta última, os quais, ao remeterem expressamente um para o outro, devem ser lidos em conjunto, que uma locação só pode figurar entre as prestações de serviços abrangidas pelo referido artigo 25.°, n.° 2, quinto travessão, se tiver como objecto os meios normalmente utilizados pelo produtor agrícola na exploração do seu próprio domínio agrícola. Daí resulta, nomeadamente, que a «location», a «affermage» ou a constituição de um direito de usufruto através das quais um agricultor ceda o gozo exclusivo de bens imobiliários, como terras ou edifícios, a outro agricultor, para que este deles perceba os respectivos frutos, não estão abrangidas pelo mesmo artigo 25.°, n.° 2, quinto travessão, da Sexta Directiva, pois o produtor cedente deixa de poder utilizar normalmente os bens em causa. O mesmo se diga, por motivo idêntico, a respeito da locação a longo prazo de quaisquer outros elementos da exploração de que o locatário beneficie de forma exclusiva.

35
Assim, numa situação como a que está em causa no processo principal, quando um produtor agrícola dê em locação, por mais de doze anos, elementos substanciais da sua exploração, como terras, um edifício, as vacas e a quota leiteira, e se separe, desse modo, dos meios que utilizava normalmente até aí para exercer a sua actividade leiteira, não se pode considerar que efectue uma prestação de serviços na acepção do artigo 25.°, n.° 2, da Sexta Directiva.

36
Relativamente a essa actividade de locação, ele não está, portanto, abrangido pelo regime comum forfetário dos produtores agrícolas. Por conseguinte, mesmo que o interessado mantenha uma actividade agrícola de criação de gado no remanescente do seu domínio, o volume de negócios resultante da referida actividade não pode estar sujeito ao regime especial do artigo 25.° da Sexta Directiva, sendo‑lhe, portanto, aplicável o regime normal do IVA ou, eventualmente, o regime simplificado. Aliás, o agricultor em causa pode optar, ao abrigo do artigo 25.°, n.° 10, da Sexta Directiva, pela aplicação, a todas as suas actividades, do regime normal ou, sendo caso disso, do regime simplificado.

37
Face ao precedente, deve responder‑se à questão prejudicial que o artigo 25.° da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que um produtor agrícola que deu em locação, a longo prazo, parte dos elementos substanciais da sua exploração agrícola e que prossegue a sua actividade de agricultor com o remanescente da mesma exploração, actividade pela qual está sujeito ao regime comum forfetário previsto nesse artigo, não pode incluir o produto de tal locação no regime comum forfetário. O volume de negócios daí resultante deve ser sujeito ao regime normal ou, sendo caso disso, ao regime simplificado do IVA.


Quanto às despesas

38
As despesas efectuadas pela Comissão, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

pronunciando‑se sobre a questão submetida pelo Bundesfinanzhof, por despacho de 4 de Julho de 2002, declara:

O artigo 25.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que um produtor agrícola que deu em locação, a longo prazo, parte dos elementos substanciais da sua exploração agrícola e que prossegue a sua actividade de agricultor com o remanescente da mesma exploração, actividade pela qual está sujeito ao regime comum forfetário previsto nesse artigo, não pode incluir o produto de tal locação no regime comum forfetário. O volume de negócios daí resultante deve ser sujeito ao regime normal ou, sendo caso disso, ao regime simplificado do imposto sobre o valor acrescentado.

Jann

Rosas

von Bahr

Silva de Lapuerta

Lenaerts

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Julho de 2004.

O secretário

O presidente da Primeira Secção

R. Grass

P. Jann


1
Língua do processo: alemão.