C-365/02 - Lindfors

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Arrêt de la Cour

Processo C‑365/02

Processo intentado por Marie Lindfors

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto‑oikeus)

«Directiva 83/183/CEE – Transferência de residência de um Estado‑Membro para outro – Imposto cobrado antes da matrícula ou da colocação em circulação de um veículo»

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Isenções fiscais em matéria de importação definitiva de bens pessoais de particulares – Directiva 83/183 – Transferência de residência do proprietário de um veículo de um Estado‑Membro para outro – Imposto cobrado pelo Estado‑Membro de destino pela matrícula ou pela colocação em circulação do veículo – Admissibilidade – Limites

(Artigo 18.° CE; Directiva 83/183 do Conselho, artigo 1.°)

O artigo 1.° da Directiva 83/183, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado‑Membro, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, no âmbito da transferência de residência do proprietário de um veículo de um Estado‑Membro para outro, um imposto seja cobrado antes da matrícula ou da colocação do veículo em circulação no Estado‑Membro para o qual se transferiu a residência. Com efeito, um imposto desse tipo não pode ser considerado uma imposição ligada à importação, incluída no âmbito de aplicação da isenção prevista na referida disposição.

No entanto, tendo em conta as exigências decorrentes do artigo 18.° CE, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se a aplicação do direito nacional é susceptível de garantir que, no que respeita a esse imposto, o referido proprietário não fica numa situação menos favorável do que aquela em que se encontram os cidadãos que residiram de maneira permanente no Estado‑Membro em causa e, eventualmente, se essa diferença de tratamento é justificada por considerações objectivas independentes da residência das pessoas interessadas e proporcionadas ao objectivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional.

(cf. n.os 26, 36, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
15 de Julho de 2004(1)

«Directiva 83/183/CEE – Transferência de residência de um Estado-Membro para outro – Imposto cobrado antes da matrícula ou da colocação em circulação de um veículo»

No processo C-365/02,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Korkein hallinto-oikeus (Finlândia), destinado a obter, no processo intentado por

Marie Lindfors,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 1.° da Directiva 83/183/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado-Membro (JO L 105, p. 64; EE 09 F1 p. 161),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),,



composto por: P. Jann, presidente de secção, A. Rosas, S. von Bahr, R. Silva de Lapuerta e K. Lenaerts (relator), juízes,

advogada-geral: C. Stix-Hackl,
secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação de M. Lindfors, por P. Snell, oikeustieteen kandidaatti,

em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä, na qualidade de agente,

em representação do Governo dinamarquês, por J. Bering Liisberg, na qualidade de agente,

em representação do Governo helénico, por P. Panagiotounakos, D. Kalogiros e P. Mylonopoulos, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e I. Koskinen, na qualidade de agentes,

ouvidas as alegações de M. Lindfors, representada por P. Snell, do Governo finlandês, representado por T. Pynnä, do Governo dinamarquês, representado por J. Molde, na qualidade de agente, do Governo helénico, representado por M. Apessos, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por R. Lyal e I. Koskinen, na audiência de 15 de Janeiro de 2004,

ouvidas as conclusões da advogada-geral apresentadas na audiência de 4 de Março de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
Por despacho de 10 de Outubro de 2002, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de Outubro seguinte, o Korkein hallinto-oikeus (Supremo Tribunal Administrativo) submeteu, ao abrigo do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial sobre a interpretação do artigo 1.° da Directiva 83/183/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado‑Membro (JO L 105, p. 64; EE 09 F1 p. 161).

2
Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe M. Lindfors às autoridades finlandesas, a propósito do imposto automóvel, previsto na legislação finlandesa, a que foi sujeita na sequência da transferência da sua residência para a Finlândia.


Quadro jurídico

Disposições relevantes da Directiva 83/183

3
O artigo 1.° da Directiva 83/183 dispõe:

«1. Os Estados‑Membros concedem, nas condições e nos casos a seguir indicados, uma isenção dos impostos sobre o volume de negócios, dos impostos sobre consumos específicos e outros impostos sobre o consumo normalmente exigíveis na importação definitiva, por um particular, de bens pessoais provenientes de um outro Estado‑Membro.

2. A presente directiva não abrange os direitos e imposições específicas e/ou periódicas respeitantes à utilização desses bens no interior do país, tais como, por exemplo, os direitos cobrados aquando do registo de veículos automóveis, os impostos de circulação rodoviária, as taxas de televisão.»

Legislação finlandesa

4
As disposições nacionais relevantes constam da autoverolaki (1482/1994) (lei relativa ao imposto automóvel), de 29 de Dezembro de 1994, na versão vigente em 1999 (a seguir «lei relativa ao imposto automóvel»).

5
O artigo 1.°, n.° 1, da lei relativa ao imposto automóvel dispõe que este imposto (a seguir «autovero») «deve ser pago ao Estado […] antes do registo ou da colocação em serviço de veículos particulares na Finlândia».

6
Segundo o artigo 2.° da referida lei, «[e]ntende‑se por colocação em serviço na Finlândia a colocação do veículo em circulação no território da Finlândia, ainda que não tenha sido matriculado no país». Esta disposição enuncia ainda: «Não se considera operação sujeita a tributação a utilização de um veículo matriculado num Estado diferente da Finlândia, importado temporariamente no país por um particular que tem a sua residência permanente num Estado diferente da Finlândia, para fins pessoais e destinado unicamente ao seu uso pessoal durante um período máximo de seis meses […]».

7
Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da mesma lei, «[o] imposto automóvel é devido pelo importador do veículo ou pelo construtor, se o veículo tiver sido fabricado na Finlândia». De igual modo, o artigo 5.° desta lei precisa que «[o]s sujeitos passivos do imposto automóvel estão igualmente obrigados a pagar o imposto sobre o valor acrescentado relativo ao imposto automóvel».

8
No momento dos factos que estiveram na origem do processo principal, o artigo 6.°, n.° 1, da lei relativa ao imposto automóvel dispunha:

«O imposto devido equivale ao valor tributável do veículo, reduzido de 4 600 FIM. No entanto, o montante do imposto é, em qualquer caso, pelo menos de 50% do valor tributável do veículo.»

9
Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da referida lei, um veículo usado importado está sujeito ao mesmo imposto que um veículo novo equivalente, mas reduzido proporcionalmente ao tempo de utilização do veículo (calculado em meses).

10
Em conformidade com o artigo 25.°, n.° 1, da mesma lei, «[é] concedido um abatimento fiscal que não ultrapassa os 80 000 FIM aos veículos tributáveis que façam parte do património particular de uma pessoa que se muda para a Finlândia e que sejam importados no âmbito dessa mudança de residência», se estiverem reunidas as condições fixadas nesta disposição.


Litígio no processo principal e questão prejudicial

11
M. Lindfors, após ter residido noutros Estados‑Membros, fixou residência permanente na Finlândia e, no âmbito desta transferência de residência, importou, em 4 de Agosto de 1999, um veículo particular que fazia parte dos seus bens pessoais e que havia colocado em circulação nos Países Baixos, em 1995, depois de o ter adquirido na Alemanha.

12
Num aviso de liquidação de 4 de Agosto de 1999, o Hangon tullikamari (Serviço de Alfândegas de Hanko) (Finlândia) concedeu a M. Lindfors um abatimento de 80 000 FIM e fixou o autovero a liquidar em 16 556 FIM, a que acresce o imposto sobre o valor acrescentado no montante de 3 642 FIM, ou seja, um total de 20 198 FIM (cerca de 3 400 euros).

13
M. Lindfors interpôs recurso desta decisão para o Helsingin hallinto-oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia) (Finlândia). Com efeito, considera que o autovero constitui um imposto sobre o consumo, cuja aplicação é proibida pelo artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183.

14
Foi negado provimento a esse recurso. O Helsingin hallinto-oikeus decidiu que, enquanto imposto ligado à matrícula ou à colocação em serviço de um veículo na Finlândia, o autovero deve ser considerado um imposto específico respeitante à utilização de um bem no interior do país, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 83/183, a qual está excluída do âmbito de aplicação da directiva.

15
M. Lindfors pediu autorização ao Korkein hallinto-oikeus para interpor recurso da decisão do Helsingin hallinto-oikeus.

16
O Korkein hallinto-oikeus decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 1.° da Directiva 83/183 […] ser interpretado no sentido de que o imposto automóvel (autovero) na acepção da lei relativa ao imposto automóvel (autoverolaki) cobrado sobre um veículo importado de outro Estado Membro para a Finlândia no âmbito de uma mudança de residência é um imposto de consumo na acepção do artigo 1.°, n.° 1, da directiva, ou antes um direito ou um imposto específico que incide sobre a utilização desse bem no interior do país, na acepção do artigo 1.°, n.° 2?»


Quanto à questão prejudicial

Observações preliminares

17
No acórdão de 19 de Setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin (C-101/00, Colect., p. I‑7487, n.os 61 e 80), o Tribunal de Justiça já decidiu que o autovero constitui uma imposição interna discriminatória e proibida pelo artigo 90.° CE, na medida em que o montante desse imposto que incide sobre um veículo usado importado excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já registado em território finlandês.

18
A questão prejudicial diz unicamente respeito à legalidade de uma imposição como o autovero – independentemente do seu modo de cálculo ou do seu montante – por ocasião de uma transferência de residência de um Estado‑Membro para outro.

Observações apresentadas ao Tribunal

19
M. Lindfors sustenta que o autovero é um imposto sobre o consumo cobrado em razão da importação de um veículo no território finlandês. Tal imposto deve beneficiar da isenção, prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183.

20
O facto de o autovero ser um imposto sobre o consumo na acepção da referida disposição resulta, segundo M. Lindfors, não só das características desse imposto mas também, indirectamente, do âmbito de aplicação da Directiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade, em matéria de importação temporária de certos meios de transporte (JO L 105, p. 59; EE 09 F1 p. 156), bem como da proposta de Directiva 98/C 108/12 do Conselho, que estabelece o regime fiscal aplicável aos veículos automóveis de particulares transferidos a título definitivo para outro Estado‑Membro no âmbito de uma mudança de residência ou utilizados temporariamente num Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro de matrícula (JO 1998, C 108, p. 75, e – proposta alterada – JO 1999, C 145, p. 6).

21
Os Governos finlandês, dinamarquês e helénico observam que o autovero não pode ser equiparado a um imposto normalmente exigível na importação definitiva, por um particular, de bens pessoais provenientes de outro Estado‑Membro, na acepção do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183. Com efeito, a circunstância determinante para a sua exigibilidade é a utilização do veículo na via pública na Finlândia, embora, habitualmente, esse imposto seja cobrado aquando da matrícula. Seja como for, enquanto imposto específico relativo à utilização ou à matrícula, o autovero está expressamente excluído do âmbito de aplicação da referida directiva por força do artigo 1.°, n.° 2, da mesma.

22
A Comissão sublinha que o artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 83/183 exclui do seu âmbito de aplicação «os direitos cobrados aquando do registo de veículos automóveis». Ao contrário dos impostos que têm por finalidade contribuir para o financiamento das Administrações Públicas, os «direitos» constituem a contrapartida de serviços prestados pela autoridade pública. Segundo a Comissão, o autovero não é um «direito» cobrado aquando do registo, mas um imposto sobre o consumo cuja cobrança é proibida pelo n.° 1 do referido artigo, no âmbito de uma transferência de residência. Esta proibição diz respeito aos impostos cujo facto gerador na base da tributação é a importação de um bem no âmbito de uma transferência de residência.

23
A Comissão sustenta que o registo do veículo e a sua colocação em circulação já foram sujeitos a imposto no Estado de origem. A livre circulação seria comprometida se o Estado‑Membro de destino pudesse proceder a nova tributação nessa base. Com efeito, as disposições da Directiva 83/183 devem ser interpretadas à luz do direito fundamental de livre circulação consagrado no artigo 18.° CE em benefício dos cidadãos da União.

Resposta do Tribunal

24
Antes de mais, cumpre analisar se, como alegam M. Lindfors e a Comissão, o autovero se inclui no âmbito de aplicação do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183. A este respeito, é de realçar que a denominação do imposto no direito nacional não é – por si só – decisiva na apreciação da questão de saber se o imposto em causa é abrangido por aquela disposição.

25
Uma leitura conjugada dos artigos 1.° e 2.° da lei relativa ao imposto automóvel revela que o autovero é exigível antes do registo ou da colocação em circulação de um veículo particular na Finlândia. Decorre dos autos, nomeadamente do artigo 2.° desta lei e das observações do Governo finlandês e de M. Lindfors, que, excepto em caso de importação temporária, a utilização de um veículo na rede viária finlandesa implica a imposição do referido imposto. Assim, este governo explica que a circunstância determinante para a imposição do autovero é o facto de o veículo ser utilizado para circular, embora, habitualmente, o imposto seja cobrado aquando da matrícula. De igual modo, M. Lindfors confirma que a lei relativa ao imposto automóvel assenta no princípio de que qualquer utilização do veículo, por mínima que seja, está sujeita a imposto.

26
Nestas condições, um imposto como o autovero não pode ser considerado uma imposição ligada à importação, incluída no âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183. Com efeito, o facto gerador deste imposto é a utilização de um veículo no território finlandês, a qual não está necessariamente ligada à operação de importação (v., neste sentido, acórdão de 29 de Abril de 2004, Weigel, C-387/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 47).

27
Daqui resulta que um imposto com as características do autovero não faz parte do âmbito de aplicação da isenção fiscal prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183.

28
Esta conclusão é corroborada pelo artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 83/183. Com efeito, visto que o autovero é exigível em razão da utilização de um veículo na Finlândia, os impostos como o que está em causa no litígio no processo principal constituem «imposições específicas […] respeitantes à utilização desses bens no interior do país», na acepção da referida disposição.

29
M. Lindfors também não pode basear a sua argumentação no âmbito de aplicação da Directiva 83/182, relativa às isenções fiscais aplicáveis em matéria de importação temporária de certos meios de transporte. Com efeito, o facto de, em conformidade com o artigo 1.° da directiva, um cidadão da União, que importa temporariamente um veículo para a Finlândia, estar isento do autovero não permite concluir que esse imposto está incluído na isenção fiscal instituída pela Directiva 83/183, relativa à importação definitiva de veículos.

30
A proposta de directiva 98/C 108/12 não permite interpretar a Directiva 83/183, como fazem M. Lindfors e a Comissão. Pelo contrário, resulta do quarto, do quinto e do sétimo considerandos desta proposta que a adopção de uma directiva que proíbe os Estados‑Membros de aplicarem, como previsto no artigo 1.° da referida disposição, «impostos especiais de consumo, impostos de matrícula, [ou] outros impostos sobre o consumo […] aos veículos automóveis de particulares [registados] noutro Estado‑Membro e introduzidos no seu território a título definitivo no âmbito de uma mudança de residência habitual de um particular» é necessária, precisamente devido à insuficiência do regime previsto nessa directiva, como salientado pelo advogado-geral A. Tizzano nas conclusões no processo Weigel (acórdão já referido, n.° 52).

31
É verdade que, como salienta a Comissão, o autovero é susceptível de influenciar negativamente a decisão de os cidadãos da União exercerem o seu direito de livre circulação, como consagrado nomeadamente no artigo 18.° CE.

32
Embora, no plano formal, o juiz de reenvio tenha limitado a sua questão à interpretação do artigo 1.° da Directiva 83/183, essa circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito comunitário que possam ser úteis para a apreciação do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional nacional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões (v., neste sentido, acórdãos de 12 de Dezembro de 1990, SARPP, C-241/89, Colect., p. I-4695, n.° 8; de 2 de Fevereiro de 1994, Verband Sozialer Wettbewerb, dito «Clinique», C‑315/92, Colect., p. I-317, n.° 7; de 4 de Março de 1999, Consorzio per la tutela del formaggio Gorgonzola, C‑87/97, Colect., p. I‑1301, n.° 16; e Weigel, já referido, n.° 44).

33
Importa, por conseguinte, examinar a incidência do artigo 18.° CE, para que o órgão jurisdicional de reenvio possa apreciar a conformidade da aplicação do autovero, num caso como o do processo principal, com as exigências decorrentes dessa disposição.

34
A este respeito, já se decidiu que o Tratado CE não garante a um cidadão da União que a transferência das suas actividades para um Estado‑Membro diferente daquele em que residia até então seja neutra em termos de imposições. Tendo em conta as disparidades entre as legislações dos Estados‑Membros na matéria, essa transferência pode, conforme o caso, ser mais ou menos vantajosa ou desvantajosa para o cidadão no plano das imposições indirectas. Daí resulta que, em princípio, uma eventual desvantagem em relação à situação em que esse cidadão exercia as suas actividades antes da referida transferência não é contrária ao artigo 18.° CE, se essa legislação não puser em desvantagem esse cidadão relativamente aos que já estavam sujeitos a esse imposto (v. acórdão Weigel, já referido, n.° 55).

35
Resulta dos autos que a lei relativa ao imposto automóvel prevê, no artigo 25.°, n.° 1, um abatimento fiscal até 80 000 FIM (13 455 euros), nomeadamente, para os cidadãos da União que exerçam o seu direito de livre circulação no âmbito de uma transferência de residência para a Finlândia. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a aplicação dessa disposição e de eventuais outras disposições do direito nacional é susceptível de garantir que, no que respeita ao dito imposto, M. Lindfors não fica numa situação menos favorável do que aquela em que se encontram os cidadãos que residiram na Finlândia de maneira permanente. Caso o órgão jurisdicional de reenvio verifique que existe uma situação menos favorável, compete-lhe examinar se essa diferença de tratamento é justificada por considerações objectivas independentes da residência das pessoas envolvidas e proporcionadas ao objectivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional (v. acórdão de 11 de Julho de 2002, D'Hoop, C‑224/98, Colect., p. I‑6191, n.° 36).

36
Tendo em conta as considerações que antecedem, deve responder-se da seguinte maneira à questão colocada:

O artigo 1.° da Directiva 83/183 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, no âmbito da transferência de residência do proprietário de um veículo de um Estado‑Membro para outro, um imposto como o previsto pela lei relativa ao imposto automóvel seja cobrado antes da matrícula ou da colocação do veículo em circulação no Estado‑Membro para o qual se transferiu a residência. No entanto, tendo em conta as exigências decorrentes do artigo 18.° CE, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a aplicação do direito nacional é susceptível de garantir que, no que respeita a esse imposto, o referido proprietário não fica numa situação menos favorável do que aquela em que se encontram os cidadãos que residiram de maneira permanente no Estado‑Membro em causa e, eventualmente, se essa diferença de tratamento é justificada por considerações objectivas independentes da residência das pessoas interessadas e proporcionadas ao objectivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional.


Quanto às despesas

37
As despesas efectuadas pelos Governos finlandês, dinamarquês e helénico e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Korkein hallinto-oikeus, por despacho de 10 de Outubro de 2002, declara:

O artigo 1.° da Directiva 83/183/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado‑Membro, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, no âmbito da transferência de residência do proprietário de um veículo de um Estado‑Membro para outro, um imposto como o previsto pela autoverolaki (1482/1994) (lei relativa ao imposto automóvel) seja cobrado antes da matrícula ou da colocação do veículo em circulação no Estado‑Membro para o qual se transferiu a residência. No entanto, tendo em conta as exigências decorrentes do artigo 18.° CE, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a aplicação do direito nacional é susceptível de garantir que, no que respeita a esse imposto, o referido proprietário não fica numa situação menos favorável do que aquela em que se encontram os cidadãos que residiram de maneira permanente no Estado‑Membro em causa e, eventualmente, se essa diferença de tratamento é justificada por considerações objectivas independentes da residência das pessoas interessadas e proporcionadas ao objectivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional.

Jann

Rosas

von Bahr

Silva de Lapuerta

Lenaerts

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Julho de 2004.

O secretário

O presidente da Primeira Secção

R. Grass

P. Jann


1
Língua do processo: finlandês.