C-280/04 - Jyske Finans

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Processo C‑280/04

Jyske Finans A/S

contra

Skatteministeriet

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vestre Landsret)

«Sexta Directiva IVA – Artigo 13.°, B, alínea c) – Isenções – Isenção das entregas de bens excluídas do direito à dedução – Revenda de veículos automóveis comprados em segunda mão por uma sociedade de leasing – Artigo 26.°‑A – Regime especial de venda de bens em segunda mão»

Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed apresentadas em 22 de Setembro de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 8 de Dezembro de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado – Isenções previstas na Sexta Directiva – Isenção das entregas de bens excluídas do direito à dedução – Legislação nacional que submete ao imposto as operações pelas quais um sujeito passivo revende, depois de os ter afectado às suas actividades, bens não excluídos do direito à dedução – Admissibilidade

[Directiva 77/388 do Conselho, artigos 13.°, B, alínea c), e 17.°, n.° 6]

2.     Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado – Regime especial de venda de bens em segunda mão – Conceito de sujeito passivo revendedor – Empresa que revende veículos adquiridos em segunda mão tendo em vista afectá‑los à sua actividade de leasing – Inclusão

(Directive du Conseil 77/388, art. 26 bis, A, e))

1.     As disposições do artigo 13.°, B, alínea c), da Sexta Directiva 77/388, alterada pela Directiva 94/5, relativas à isenção das entregas de bens excluídos do direito à dedução de acordo com o artigo 17.°, n.° 6, da directiva, devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que sujeite ao imposto sobre o valor acrescentado as operações mediante as quais um sujeito passivo revende bens cuja aquisição não tenha sido objecto de uma exclusão do direito à dedução, de acordo com o artigo 17.°, n.° 6, da Directiva 77/388 alterada, mesmo que a referida aquisição, feita a sujeitos passivos que não podiam declarar o imposto sobre o valor acrescentado, não tenha, por esse motivo, dado direito a dedução.

Dado que o direito comunitário não inclui actualmente qualquer disposição que enumere as despesas excluídas do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, os Estados‑Membros podem manter a sua legislação existente nesta matéria até que o legislador comunitário estabeleça um regime comunitário das exclusões. A isenção prevista pelas disposições do artigo 13.°, B, alínea c), da Sexta Directiva só pode, pois, referir‑se às entregas de bens cuja aquisição foi objecto de uma exclusão do direito à dedução prevista pela legislação nacional. Os termos desse artigo não admitem nenhuma outra interpretação que permita evitar que um sujeito passivo que não possa invocar tal exclusão se encontre numa situação de dupla tributação.

(cf. n.os 23, 24, 26, disp. 1)

2.     O artigo 26.°‑A, A, alínea e), da Sexta Directiva 77/388, alterada pela Directiva 94/5, relativa ao regime especial de tributação da margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor com a entrega de bens em segunda mão, objectos de arte e de colecção e antiguidades, deve ser interpretado no sentido de que uma empresa que, no exercício normal da sua actividade, revenda veículos que tenha adquirido em segunda mão com vista a afectá‑los à sua actividade de leasing e para a qual a revenda não é, no momento da operação de aquisição do bem em segunda mão, o objectivo principal, mas apenas o seu objectivo secundário, acessório ao da locação, pode ser considerada um «sujeito passivo revendedor» na acepção dessa disposição.

No mercado de venda de veículos em segunda mão, a tributação pela totalidade do preço de venda da entrega efectuada pelas empresas de leasing criaria uma distorção na concorrência em detrimento destas últimas e a favor, designadamente, das empresas que negoceiam veículos em segunda mão, que beneficiam do regime de tributação da margem de lucro. Com efeito, para satisfazer a expectativa legitima dos adquirentes de pagarem o mesmo preço por veículos de qualidade equivalente, quer sejam vendidos por um empresa que negoceia veículos em segunda mão ou por uma empresa de leasing, esta última não poderá razoavelmente repercutir sobre esse preço o montante do imposto sobre o valor acrescentado que deve, com a consequência de reduzir a sua margem de lucro na mesma proporção. Assim, a aplicação do regime previsto no artigo 26.°‑A da Sexta Directiva a empresas de leasing que exerçam a sua actividade nas condições referidas permite, precisamente, atingir o objectivo que o legislador comunitário fixou ao adoptar esse regime, isto é, evitar as duplas tributações e as distorções de concorrência no âmbito dos bens em segunda mão.

(cf. n.os 28, 40-41, 44, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

8 de Dezembro de 2005 (*)

«Sexta Directiva IVA – Artigo 13.°, B, alínea c) – Isenções – Isenção das entregas de bens excluídas do direito à dedução – Revenda de veículos automóveis comprados em segunda mão por uma sociedade de leasing – Artigo 26.°‑A – Regime especial de venda de bens em segunda mão»

No processo C‑280/04,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Vestre Landsret (Dinamarca), por decisão de 25 de Junho de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de Junho de 2004, no processo

Jyske Finans A/S

contra

Skatteministeriet,

sendo intervenientes:

Nordania Finans A/S,

BG Factoring A/S,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, J. Malenovský (relator), J.‑P. Puissochet, S. von Bahr e U. Lõhmus, juízes,

advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Julho de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da Jyske Finans A/S, por E. Malberg, advokat,

–       em representação da Nordania Finans A/S e da BG Factoring A/S, por H. Severin Hansen e T. K. Kristjansson Plesner, advokaterne,

–       em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, na qualidade de agente, assistido por P. Biering, advokat,

–       em representação do Governo grego, por I. Pouli e V. Kyriazopoulos, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo polaco, por J. Pietras, na qualidade de agente,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por L. Ström van Lier e T. Fich, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de Setembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 13.°, B, alínea c), e 26.°‑A, A, alínea e), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54,), alterada pela Directiva 94/5/CE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994 (JO L 60, p. 16, a seguir «Sexta Directiva»).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Jyske Finans A/S (a seguir «Jyske Finans») ao Skatteministeriet (Ministério das Finanças dinamarquês) respeitante ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») reclamado à referida sociedade pelas operações de revenda de veículos automóveis comprados em segunda mão.

 Quadro jurídico

 A legislação comunitária

3       Segundo o artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva, as entregas de bens efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo agindo nessa qualidade estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado.

4       O artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da referida directiva determina que a matéria colectável é constituída, no caso dessas entregas de bens, por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor recebeu ou deve receber, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

5       O artigo 13.°, B, da mesma directiva prevê:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

[…]

c)      […] as entregas de bens cuja aquisição ou afectação tenha sido excluída do direito à dedução nos termos do n.° 6 do artigo 17.°;

[…]»

6       Nos termos do artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva:

«O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data de entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. […]

Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados‑Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva.»

7       O artigo 26.°‑A da Sexta Directiva, inserido pelo artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 94/5, fixa um regime especial de IVA aplicável aos bens em segunda mão, aos objectos de arte e de colecção e às antiguidades. Nos termos deste artigo 26.°‑A, as entregas destes bens efectuadas por um sujeito passivo revendedor são tributadas unicamente sobre a margem de lucro, isto é, a diferença entre o preço de venda pedido pelo sujeito passivo revendedor para o bem cedido e o seu preço de compra.

8       Como decorre dos terceiro e quinto considerandos da Directiva 94/5, este regime especial tem em vista evitar a dupla tributação e as distorções de concorrência entre sujeitos passivos.

9       O sujeito passivo revendedor é definido, no artigo 26.°‑A, A, alínea e), da Sexta Directiva, como «o sujeito passivo que, no âmbito da sua actividade económica, compra ou afecta às necessidades da sua empresa, ou importa para revenda, bens em segunda mão».

 A legislação nacional

10     O § 8, n.° 1, da lei relativa ao IVA (momslov), alterada pela Lei n.° 375, de 18 Maio de 1994, e pela Lei de alteração n.° 1114, de 21 de Dezembro de 1994 (a seguir «lei relativa ao IVA»), dispõe:

«A entrega mediante retribuição abrange a venda dos activos das empresas, quando foi conferido total ou parcialmente o direito à dedução na aquisição, produção, etc. dos activos.»

11     Segundo o § 13, n.° 2, da lei relativa ao IVA:

«A entrega de bens que só foram usados no âmbito de actividades que estão isentas de imposto nos termos do n.° 1, ou de bens cuja aquisição ou afectação foi excluída do direito à dedução nos termos do capítulo 9, está isenta de imposto.»

12     No capítulo 9 da referida lei, o § 42, n.° 1, ponto 7, dispõe que não pode ser deduzido o imposto a montante relativo às actividades «de compra e exploração de veículos automóveis de turismo, que se destinem ao transporte de não mais de 9 pessoas, sem prejuízo do disposto nos n.os 4, 6 e 7».

13     Segundo o n.° 6 do referido § 42:

«As empresas que negoceiam ou alugam veículos automóveis ou que exploram escolas de condução podem, independentemente do disposto no n.° 1, ponto 7, deduzir o imposto na compra para essa finalidade.»

14     O capítulo 17 da mesma lei transpõe as disposições da Directiva 94/5 relativas ao regime especial aplicável, designadamente, no domínio dos bens em segunda mão.

15     No seu capítulo 17, o § 69, n.° 1, dispõe:

«As empresas que adquirem para revenda, designadamente, bens em segunda mão, objectos de arte e de colecção ou antiguidades podem, no momento da revenda, liquidar o imposto sobre os referidos bens de acordo com as regras do presente capítulo.»

 O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

16     A Jyske Finans exerce a actividade de leasing de veículos automóveis. No exercício desta actividade, a recorrente adquire quer veículos novos quer veículos em segunda mão. Em relação a estes últimos, a aquisição efectua‑se sem possibilidade de deduzir o IVA incluído no preço, não podendo os vendedores, segundo a legislação nacional, declarar o IVA sobre o preço do veículo.

17     Entre 1 de Janeiro de 1999 e 31 de Maio de 2001, a Jyske Finans revendeu, no termo do contrato de leasing, 145 veículos que havia comprado em segunda mão. As autoridades fiscais dinamarquesas exigiram‑lhe, em Maio de 2001, o pagamento do IVA devido, segundo estas, sobre o preço dessas revendas, no valor de 2 236 413 DKK (cerca de 299 500 EUR).

18     A Jyske Finans impugnou esta dívida no Vestre Landsret, alegando que o seu pagamento equivaleria a uma dupla tributação em IVA, uma vez que não pôde exercer o direito a dedução em relação ao IVA que continuava incorporado no preço de compra dos veículos em segunda mão e que não era declarado. A recorrente alegou que a decisão das autoridades fiscais não tinha fundamento legal na lei relativa ao IVA e que era contrária à Sexta Directiva. As sociedades Nordania Finans A/S e BG Factoring A/S intervieram nessa instância em apoio da Jyske Finans.

19     O Vestre Landsret considerou que o processo principal dizia respeito às questões de saber, por um lado, se a exigência de tributação era contrária ao artigo 13.°, B, alínea c), da Sexta Directiva e, por outro, se a Jyske Finans tinha o direito de invocar o regime especial de tributação, sobre a margem de lucro, das vendas de bens em segunda mão, previsto no artigo 26.°‑A da mesma directiva. Considerou que a solução no processo principal dependia da interpretação a dar a essas duas disposições da referida directiva. Nestas condições, o Vestre Landsret decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 13.°, B), alínea c), da Sexta Directiva […], conjugado com os artigos 2.°, ponto 1, e 11.°, A), n.° 1, alínea a), da mesma directiva, deve ser interpretado no sentido de que as suas disposições obstam a que um Estado‑Membro mantenha uma situação jurídica nos termos da sua lei do imposto sobre o valor acrescentado, segundo a qual um sujeito passivo que fez entrar no seu património uma quantidade importante de bens de investimento está sujeito a IVA na venda desses bens de investimento, contrariamente aos comerciantes de veículos automóveis usados e outras empresas que vendem veículos em segunda mão, mesmo quando o bem é adquirido a sujeitos passivos que não declararam o imposto no preço dos bens, pelo não foi possível deduzir o IVA na compra do bem?

2)       O artigo 26.°‑A, […] A), alínea e), da Sexta Directiva […] deve ser interpretado no sentido de que o conceito de ‘sujeito passivo revendedor’ apenas abrange pessoas cuja actividade principal consiste na compra de bens em segunda mão quando os referidos bens são adquiridos com vista a obter lucros económicos na revenda como única – ou essencial – finalidade […] da aquisição, ou aquele conceito abrange também pessoas que normalmente vendem esses bens após o termo da locação como um elemento acessório do conjunto da actividade económica de leasing, nas circunstâncias acima descritas?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

20     Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições do artigo 13.°, B, alínea c), da Sexta Directiva devem ser interpretadas no sentido de que a isenção de IVA que prevêem para as entregas de bens cuja aquisição tenha sido objecto da exclusão do direito à dedução em conformidade com o artigo 17.°, n.° 6, da mesma directiva se opõe a uma legislação nacional que sujeita ao IVA as operações mediante as quais um sujeito passivo revende bens cuja aquisição, feita a sujeitos passivos que não podiam declarar o IVA, não deu, por esse motivo, direito a dedução, após os ter afectado à sua exploração.

21     A título preliminar, há que recordar que os termos utilizados para designar as isenções visadas no artigo 13.° da Sexta Directiva são de interpretação estrita, dado que essas isenções constituem derrogações ao princípio geral de que, nos termos do artigo 2.° da referida directiva, o IVA é cobrado por todas as entregas de bens ou prestações de serviços efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo agindo nessa qualidade (v., designadamente, acórdãos de 20 de Novembro de 2003, Taksatorringen, C‑8/01, Colect., p. I‑13711, n.° 36, e de 3 de Março de 2005, Fonden Marselisborg Lystbådehavn, C‑428/02, Colect., p. I‑1527, n.° 29).

22     Deve recordar‑se igualmente que, segundo o artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, os Estados‑Membros estão autorizados a manter a sua legislação em matéria de exclusão do direito à dedução existente à data de entrada em vigor da Sexta Directiva, até que o Conselho aprove as disposições previstas nesse artigo (v. acórdão de 14 de Junho de 2001, Comissão/França, C‑345/99, Colect., p. I‑4493, n.° 19).

23     Não tendo nenhuma das propostas apresentadas pela Comissão ao Conselho, nos termos do artigo 17.°, n.° 6, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, sido adoptada por este último, os Estados‑Membros podem manter a sua legislação existente em matéria de exclusão do direito à dedução do IVA até que o legislador comunitário estabeleça um regime comunitário das exclusões e realize assim a harmonização progressiva das legislações nacionais em matéria de IVA (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 20). O direito comunitário não inclui actualmente qualquer disposição que enumere as despesas excluídas do direito à dedução do IVA.

24     A isenção prevista pelas disposições do artigo 13.°, B, alínea c), da Sexta Directiva só pode, pois, referir‑se às entregas de bens cuja aquisição foi objecto de uma exclusão do direito à dedução prevista pela legislação nacional. A este respeito, os termos desse artigo não admitem nenhuma outra interpretação que permita evitar que um sujeito passivo que não possa invocar tal exclusão se encontre numa situação de dupla tributação.

25     Se uma legislação nacional, como a visada no processo principal, prevê que as empresas que tenham como actividade o aluguer de veículos a motor possam deduzir o imposto sobre as aquisições destinadas a essa actividade, daí resulta que a aquisição de um veículo por uma empresa dessa natureza não é, nos termos do artigo 13.°, B, alínea c), da Sexta Directiva, objecto de uma exclusão do direito à dedução, de acordo com o artigo 17.°, n.° 6, da referida directiva. A revenda desse veículo não pode, assim, ser vista como fazendo parte das entregas que beneficiam da isenção prevista no referido artigo 13.°, B, alínea c). A circunstância de tal aquisição não ter dado direito à dedução pelo facto de, tal como no processo principal, ter sido feita a vendedores que não puderam, eles próprios, segundo a legislação nacional, deduzir o imposto a montante relativo à sua compra de veículos e, portanto, não declararam o IVA a jusante não tem relevância para efeitos de qualificação dessa aquisição para a aplicação do mesmo artigo 13.°

26     Nestas condições, há que responder à primeira questão que as disposições do artigo 13.°, B, alínea c), da Sexta Directiva devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que sujeite ao IVA as operações mediante as quais um sujeito passivo revende bens cuja aquisição não tenha sido objecto de uma exclusão do direito à dedução, de acordo com o artigo 17.°, n.° 6, da referida directiva, após os ter afectado à sua exploração, mesmo que a referida aquisição, feita a sujeitos passivos que não podiam declarar o IVA, não tenha, por esse motivo, dado direito a dedução.

 Quanto à segunda questão

27     Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se um sujeito passivo que, no exercício normal das suas actividades, revenda veículos que tenha adquirido em segunda mão tendo em vista afectá‑los à sua actividade de leasing pode ser considerado um «sujeito passivo revendedor» na acepção do artigo 26.°‑A da Sexta Directiva.

28     Esse artigo, introduzido pela Directiva 94/5, institui um regime especial de tributação da margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor com a entrega de bens em segunda mão, objectos de arte e de colecção e antiguidades.

29     Convém lembrar que as disposições do artigo 26.°‑A, A, alínea e), da Sexta Directiva definem o sujeito passivo revendedor como o sujeito passivo que, no âmbito da sua actividade económica, compra ou afecta às necessidades da sua empresa, ou importa para revenda, bens em segunda mão, objectos de arte e de colecção ou antiguidades.

30     Numerosas versões da Sexta Directiva, incluindo a versão inglesa, podem levar a pensar que a expressão «para revenda» apenas diz respeito ao verbo «importa» que a precede imediatamente. Portanto, pode admitir‑se que, para as operações de aquisição, únicas em causa no processo principal, o texto da Sexta Directiva não exige, para entrar no campo da definição de sujeito passivo revendedor, que o interessado tivesse o objectivo de revender o bem em segunda mão, no momento da aquisição. Nessas condições, nenhum elemento permite excluir do âmbito dessa definição uma empresa de leasing que, como a Jyske Finans, compra, no âmbito da sua actividade económica, bens em segunda mão.

31     A este respeito, convém recordar que, segundo jurisprudência constante, as disposições comunitárias devem ser interpretadas e aplicadas de modo uniforme à luz das versões redigidas em todas as línguas da Comunidade (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 5 de Dezembro de 1967, Van der Vecht, 19/67, Recueil, pp. 445, 456, Colect. 1965‑1968, p. 683; de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.° 15, e de 29 de Abril de 2004, Björnekulla Fruktindustrier, C‑371/02, Colect., p. I‑5791, n.° 16). Em caso de divergência entre as diferentes versões linguísticas de um texto comunitário, a disposição em questão deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (acórdãos de 9 de Março de 2000, EKW e Wein & Co, C‑437/97, Colect., p. I‑1157, n.° 42, e de 1 de Abril de 2004, Borgmann, C‑1/02, Colect., p. I‑3219, n.° 25).

32     Resulta dos segundo, terceiro e quinto considerandos da Directiva 94/5 que o legislador comunitário entendeu realizar uma certa harmonização entre regimes muito diferentes então aplicáveis nos Estados‑Membros em matéria de tributação de bens em segunda mão, objectos de arte, de colecção ou antiguidades, tendo em vista evitar as duplas tributações e as distorções da concorrência, tanto no interior desses Estados‑Membros como nas relações entre eles. Nestas condições, interpretar a expressão «para revenda» como dizendo unicamente respeito às operações de importação seria contrário ao objectivo global assim fixado pelo legislador comunitário de pôr em prática um regime uniforme no âmbito dos bens em segunda mão, objectos de arte e de colecção ou antiguidades. Por conseguinte, deve considerar‑se que a referida expressão diz igualmente respeito às operações de aquisição ou de afectação às necessidades da empresa.

33     Importa, pois, responder à questão de saber se, ao referir‑se ao sujeito passivo revendedor que compra bens em segunda mão «para revenda», a Sexta Directiva visa apenas o sujeito passivo que se limita a efectuar, após a aquisição, operações de ordem essencialmente técnica de preparação dos veículos com o objectivo de proceder directa e imediatamente à revenda desses veículos, ou se visa igualmente um sujeito passivo que exerce uma actividade de aluguer de veículos antes de proceder à sua revenda. Uma tal actividade de locação é, de facto, na sua finalidade, independente da operação de revenda, a qual pode suceder apenas após um longo período, ou que pode nem mesmo acontecer, tendo em conta os riscos inerentes à locação de veículos, como o desgaste ou a destruição. Noutros termos, importa saber se a definição de sujeito passivo revendedor também abrange a situação, como a do processo principal, na qual, para o sujeito passivo em causa, a revenda não é de facto, no momento da operação de aquisição do bem em segunda mão, o objectivo principal, mas apenas o seu objectivo secundário, acessório ao da locação.

34     Deve recordar‑se que, para determinar o alcance de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta ao mesmo tempo os seus termos, o seu contexto e os objectivos prosseguidos (acórdãos de 15 de Outubro de 1992, Tenuta il Bosco, C‑162/91, Colect., p. I‑5279, n.° 11; de 16 de Janeiro de 2003, Maierhofer, C‑315/00, Colect., p. I‑563, n.° 27, e de 15 de Julho de 2004, Harbs, C‑321/02, Colect., p. I‑7101, n.° 28).

35     É certo que o regime de tributação da margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor com a entrega de bens em segunda mão, objectos de arte, de colecção ou antiguidades constitui um regime especial de IVA, derrogatório do regime geral da Sexta Directiva, que, como os outros regimes especiais previstos nos artigos 24.°, 25.° e 26.° da referida directiva, só deve ser aplicado se for necessário para alcançar o seu objectivo (v., respectivamente, para a aplicação do regime previsto no artigo 26.° e do regime previsto no artigo 25.°, acórdãos de 22 de Outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C‑308/96 e C‑94/97, Colect., p. I‑6229, n.° 34, e Harbs, já referido, n.° 27).

36     Todavia, a interpretação dos termos utilizados pelas disposições do artigo 26.°‑A da Sexta Directiva deve estar em conformidade com os objectivos prosseguidos pelo regime instituído por esse artigo e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum de IVA.

37     A esse respeito, importa salientar que os terceiro e quinto considerandos da Directiva 94/5 exprimem a intenção do legislador comunitário de evitar as duplas tributações e as distorções da concorrência (v. acórdão de 1 de Abril de 2004, Stenholmen, C‑320/02, Colect., p. I‑3509, n.° 25).

38     Ora, tributar pela totalidade do preço de venda a entrega, por uma empresa de leasing, de um veículo que esta adquiriu em segunda mão, ainda que, no momento dessa aquisição, ela não tenha podido deduzir o IVA que continua incorporado no preço de compra, comporta o risco de implicar uma dupla tributação.

39     Por outro lado, o princípio da neutralidade fiscal sobre o qual repousa, designadamente, o sistema comum de IVA instaurado pela Sexta Directiva opõe‑se a que operadores económicos que efectuam as mesmas operações sejam tratados de forma diferente em matéria de cobrança do IVA (v. acórdão de 16 de Setembro de 2004, Cimber Air, C‑382/02, Colect., p. I‑8379, n.os  23 e 24).

40     No mercado de venda de veículos em segunda mão, a tributação pela totalidade do preço de venda da entrega efectuada pelas empresas de leasing criaria uma distorção na concorrência em detrimento destas últimas e a favor, designadamente, das empresas que negoceiam veículos em segunda mão, que beneficiam do regime de tributação da margem de lucro. Com efeito, para satisfazer a expectativa legitima dos adquirentes de pagarem o mesmo preço por veículos de qualidade equivalente, quer sejam vendidos por um empresa que negoceia veículos em segunda mão ou por uma empresa de leasing, esta última não poderá razoavelmente repercutir sobre esse preço o montante do IVA que deve, com a consequência de reduzir a sua margem de lucro na mesma proporção.

41     Assim, a aplicação do regime previsto no artigo 26.°‑A da Sexta Directiva a empresas de leasing que exerçam a sua actividade nas condições referidas permite, precisamente, atingir o objectivo que o legislador comunitário fixou ao adoptar esse regime, isto é, evitar as duplas tributações e as distorções de concorrência no âmbito dos bens em segunda mão.

42     Nestas condições, tendo em conta os objectivos do artigo 26.°‑A da Sexta Directiva, este deve ser interpretado no sentido de que não exclui da categoria dos sujeitos passivos revendedores a empresa de leasing de veículos adquiridos em segunda mão, uma vez que a revenda faz parte do exercício normal da sua actividade e que o objectivo da revenda está presente no momento da aquisição, ainda que a sua actividade de revenda apresente um carácter secundário em relação à de locação.

43     Convém ainda salientar que a Comissão indicou na audiência que os Estados‑Membros não aceitaram a proposta que lhes havia sido feita, no âmbito de um projecto de «Sétima Directiva», de adoptarem um regime comum de tributação de entregas de bens em segunda mão prevendo igualmente, a fim de evitar a dupla tributação, a reconstituição do IVA sobre um bem usado antes da sua revenda final para, assim, permitir deduzir o IVA e garantir a tributação sobre a totalidade do preço de venda. Por isso, mesmo supondo que, de lege ferenda, esse ou outro sistema tivesse permitido garantir ainda mais a cobrança do IVA sobre tais entregas, não se poderia opor à interpretação do artigo 26.°‑A da Sexta Directiva que parece evidente ao Tribunal de Justiça, artigo que constitui a única norma de direito comunitário actualmente aplicável ao caso vertente.

44     Tendo em conta as considerações precedentes, cabe responder à segunda questão que o artigo 26.°‑A, A, alínea e), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que uma empresa que, no exercício normal da sua actividade, revenda veículos que tenha adquirido em segunda mão com vista a afectá‑los à sua actividade de leasing e para a qual a revenda não é, no momento da operação de aquisição do bem em segunda mão, o objectivo principal, mas apenas o seu objectivo secundário, acessório ao da locação, pode ser considerada um «sujeito passivo revendedor» na acepção dessa disposição.

 Quanto às despesas

45     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      As disposições do artigo 13.°, B, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, alterada pela Directiva 94/5/CE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994, devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que sujeite ao imposto sobre o valor acrescentado as operações mediante as quais um sujeito passivo revende bens cuja aquisição não tenha sido objecto de uma exclusão do direito à dedução, de acordo com o artigo 17.°, n.° 6, da Directiva 77/388 alterada, após os ter afectado à sua exploração, mesmo que a referida aquisição, feita a sujeitos passivos que não podiam declarar o imposto sobre o valor acrescentado, não tenha, por esse motivo, dado direito a dedução.

2)      O artigo 26.°‑A, A, alínea e), da Sexta Directiva 77/388, alterada pela Directiva 94/5, deve ser interpretado no sentido de que uma empresa que, no exercício normal da sua actividade, revenda veículos que tenha adquirido em segunda mão com vista a afectá‑los à sua actividade de leasing e para a qual a revenda não é, no momento da operação de aquisição do bem em segunda mão, o objectivo principal, mas apenas o seu objectivo secundário, acessório ao da locação, pode ser considerada um «sujeito passivo revendedor» na acepção dessa disposição.

Assinaturas


* Língua do processo: dinamarquês.