C-369/04 - Hutchison 3G e o.

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Processo C‑369/04

Hutchison 3G UK Ltd e o.

contra

Commissioners of Customs and Excise

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo VAT and Duties Tribunal, London)

«Sexta Directiva IVA – Operações tributáveis – Conceito de ‘actividade económica’ – Artigo 4.°, n.° 2 – Concessão de licenças que permitem a utilização de uma parte determinada do espectro de radiofrequências reservada aos serviços de telecomunicações»

Conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas em 7 de Setembro de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 26 de Junho de 2007 

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado – Actividades económicas na acepção do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 4.°, n.os 1 e 2)

O artigo 4.° n.os 1 e 2, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, deve ser interpretado no sentido de que a concessão de licenças como as licenças de telecomunicações móveis de terceira geração, designadas «UMTS», pela autoridade reguladora nacional responsável pela atribuição de frequências, através de leilão dos direitos de utilização de equipamentos de telecomunicações não constitui uma actividade económica na acepção desta disposição, pelo que não é abrangida pelo âmbito de aplicação desta directiva.

Essa actividade constitui uma condição necessária e prévia do acesso de operadores económicos ao mercado das telecomunicações móveis e não corresponde a uma participação da autoridade nacional competente no referido mercado. Com efeito, só esses operadores, titulares dos direitos concedidos, operam no mercado em causa explorando o bem em questão para auferir receitas com carácter de permanência.

Assim, ao conceder essas autorizações, a autoridade nacional competente não participa na exploração de um bem constituído pelos referidos direitos de utilização para daí auferir receitas com carácter de permanência. Através desse processo de concessão, essa autoridade exerce exclusivamente uma actividade de controlo e de regulamentação da utilização do espectro electromagnético que lhe é expressamente atribuída.

Por outro lado, o facto de a concessão das licenças em causa exigir o pagamento de uma taxa não é susceptível de alterar a qualificação jurídica dessa actividade.

(cf. n.os 36, 38, 39, 43, disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de Junho de 2007 (*)

«Sexta directiva IVA – Operações tributáveis – Conceito de ‘actividade económica’ – Artigo 4.°, n.° 2 – Concessão de licenças que permitem a utilização de uma parte determinada do espectro de radiofrequências reservada aos serviços de telecomunicações»

No processo C‑369/04,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo VAT and Duties Tribunal, London (Reino Unido), por decisão de 24 de Agosto de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 26 de Agosto de 2004, no processo

Hutchison 3G UK Ltd,

mmO2 plc,

Orange 3G Ltd,

T‑Mobile (UK) Ltd,

Vodafone Group Services Ltd

contra

Commissioners of Customs and Excise,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts, P. Kūris, E. Juhász e J. Klučka, presidentes de secção, K. Schiemann, J. Makarczyk (relator) e U. Lõhmus, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretários: B. Fülöp e K. Sztranc‑Sławiczek, administradores,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Fevereiro de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da Hutchison 3G UK Ltd, da mmO2 plc, da Orange 3G Ltd, da T‑Mobile (UK) Ltd e da Vodafone Group Services Ltd, por K. P. E. Lasok, QC, J. Turnbull e P. Lomas, solicitors,

–       em representação do Governo do Reino Unido, por M. Bethell e R. Caudwell, na qualidade de agentes, assistidos por P. Goldsmith, K. Parker, C. Vajda, QC, e por G. Peretz, barrister,

–       em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, na qualidade de agente, assistido por K. Hagel‑Sørensen, advokat,

–       em representação do Governo alemão, por W.‑D. Plessing e C. Schulze‑Bahr, na qualidade de agentes, assistidos por K.‑T. Stopp, Rechtsanwalt,

–       em representação do Governo espanhol, por J. Rodriguez Cárcamo, na qualidade de agente,

–       em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por A. Aston, SC, e G. Clohessy, BL,

–       em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster e M. de Grave, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por K. Gross, R. Lyal e M. Shotter, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 7 de Setembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»), em particular do seu artigo 4.°

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Hutchison 3G UK Ltd, a mmO2 plc, a Orange 3G Ltd, a T‑Mobile (UK) Ltd e a Vodafone Group Services Ltd aos Commissioners of Customs and Excise (Administração dos impostos indirectos), competentes em matéria de percepção do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») no Reino Unido, tendo em vista obter o direito de deduzir o montante do IVA que estas sociedades alegam ter pago por ocasião da concessão pelo Secretary of State for Trade and Industry (Secretário de Estado do Comércio e da Indústria, a seguir «Secretário de Estado»), em 2000, de licenças de telecomunicações móveis de terceira geração, designadas «UMTS» (a seguir «licenças em causa no processo principal»), através de leilão.

 Quadro jurídico

 Disposições relativas ao IVA

 Regulamentação comunitária

3       Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva, estão sujeitas a IVA as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

4       O artigo 4.° desta directiva dispõe:

«1.      Por ‘sujeito passivo’ entende‑se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.

2.      As actividades económicas referidas no n.° 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica.

[...]

5.      Os Estados, as colectividades territoriais e outros organismos de direito público não serão considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando em conexão com essas mesmas actividades ou operações cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.

Contudo, se exercerem tais actividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente a tais actividades ou operações, desde que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

As entidades acima referidas serão sempre consideradas sujeitos passivos, designadamente no que se refere às operações enumeradas no anexo D, desde que as mesmas não sejam insignificantes.

[…]»

5       O artigo 17.° da referida directiva estipula:

«1.      O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

2.      Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)      o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]»

6       O ponto 1 do anexo D da Sexta Directiva visa as telecomunicações.

 Legislação nacional

7       A Lei do IVA de 1994 (Value Added Tax Act 1994) dispõe no seu artigo 4.°, n.° 1:

«O IVA é cobrado sobre todas as transmissões de mercadorias ou prestações de serviços efectuados no Reino Unido, se se tratar de uma entrega ou prestação tributável que um sujeito passivo efectue no quadro da sua actividade económica.»

 Disposições relativas à concessão das licenças em causa no processo principal

 Regulamentação comunitária

8       A Directiva 97/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Abril de 1997, relativa a um quadro comum para autorizações gerais e licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações (JO L 117, p. 15), esteve em vigor até 25 de Julho de 2003.

9       O artigo 2.°, n.° 1, desta directiva dispõe:

«Para efeitos da presente directiva, entende‑se por:

[…]

d)      ‘Requisitos essenciais’, as razões de interesse geral e de natureza não económica que podem levar um Estado‑Membro a impor condições ao estabelecimento e/ou à exploração das redes de telecomunicações ou à prestação de serviços de telecomunicações. Essas razões são a segurança do funcionamento da rede, a manutenção da integridade da rede e, sempre que se justificar, a interoperabilidade dos serviços, a protecção dos dados, a protecção do ambiente e os objectivos do ordenamento do território, bem como a utilização efectiva do espectro de frequências e a necessidade de evitar interferências prejudiciais entre os sistemas de telecomunicações baseados nas radiocomunicações e outros sistemas técnicos espaciais ou terrestres. […]»

10     Nos termos do artigo 3.°, n.° 3, segunda frase, da referida directiva:

«Os Estados‑Membros apenas podem emitir uma licença individual quando o beneficiário aceder a recursos escassos, físicos ou de outra natureza, ou estiver sujeito a obrigações especiais ou gozar de direitos especiais, em conformidade com o disposto na secção III.»

11     O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 97/13 especifica as condições associadas às autorizações gerais do seguinte modo:

«Caso os Estados‑Membros subordinem a prestação de serviços de telecomunicações a autorizações gerais, as condições que, quando justificado, podem ser associadas a essas autorizações constam dos pontos 2 e 3 do anexo. Dessas autorizações deve resultar o regime menos oneroso possível que seja compatível com o cumprimento dos requisitos essenciais e outras exigências de interesse público aplicáveis que constam dos pontos 2 e 3 do anexo.»

12     A secção III desta directiva, que inclui os artigos 7.° a 11.°, regula as licenças individuais, quando a situação justifica a respectiva concessão. O artigo 8.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da referida directiva prevê que «[a]s condições que, para além das estabelecidas para as autorizações gerais, quando justificado, podem ser associadas às licenças individuais constam dos pontos 2 e 4 do anexo». Em conformidade com os pontos 2.1 e 4.2 do referido anexo, trata‑se de condições que visam assegurar o respeito pelas exigências essenciais pertinentes assim como de condições particulares ligadas à utilização e à gestão eficientes das frequências de rádio.

13     Nos termos do artigo 10.°, n.° 1, da Directiva 97/13, os Estados‑Membros podem limitar o número de licenças individuais na medida em que tal seja necessário para garantir uma utilização eficaz do espectro das radiofrequências. Em conformidade com o n.° 2, primeiro travessão, do referido artigo, devem, para isso, ter em conta a necessidade de maximizar os benefícios para os utilizadores e de facilitar o desenvolvimento da concorrência. O n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo artigo impõe aos Estados‑Membros que a concessão destas licenças individuais seja feita com base em critérios de selecção objectivos, não discriminatórios, proporcionados, transparentes e pormenorizados.

14     Resulta do artigo 11.°, n.° 1, da referida directiva que a concessão das licenças pode levar a uma cobrança de taxas que «se destinam apenas a cobrir os custos administrativos decorrentes da emissão, gestão, controlo e aplicação das licenças individuais». Além disso, o n.° 2 do referido artigo prevê:

«Não obstante o n.° 1, quando forem utilizados recursos escassos, os Estados‑Membros poderão permitir que as suas autoridades reguladoras nacionais imponham encargos que reflictam a necessidade de assegurar a utilização óptima desses recursos. Esses encargos devem ser não discriminatórios e devem ter particularmente em conta a necessidade de fomentar o desenvolvimento de serviços inovadores e a concorrência.»

15     A Directiva 97/13 foi revogada e substituída, a partir de 25 de Julho de 2003, pela Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva‑quadro) (JO L 108, p. 33).

16     O artigo 9.° desta última directiva dispõe:

«[…]

3.      Os Estados‑Membros poderão prever a possibilidade de as empresas transferirem os direitos de utilização de radiofrequências para outras empresas.

4.      Os Estados‑Membros assegurarão que a intenção de uma empresa de transferir direitos de utilização de radiofrequências seja notificada à autoridade reguladora nacional responsável pela concessão das frequências e que qualquer transferência seja efectuada em conformidade com os procedimentos estipulados pela autoridade reguladora nacional e seja tornada pública. As autoridades reguladoras nacionais deverão assegurar que não haja distorções de concorrência em virtude de tais transacções. Nos casos em que a utilização da radiofrequência tenha sido harmonizada mediante a aplicação da Decisão n.° 676/2002/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar para a política do espectro de radiofrequências na Comunidade Europeia (decisão espectro de radiofrequências) (JO L 108, p. 1)] ou outras medidas comunitárias, a referida transferência não deverá acarretar nenhuma alteração na utilização da radiofrequência.»

 Legislação nacional

17     Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Lei de 1949 sobre o telégrafo sem fios (Wireless Telegraphy Act 1949, a seguir «WTA 1949»), ninguém pode instalar ou utilizar uma estação de telégrafo sem fios ou instalar ou utilizar um aparelho de telégrafo sem fios sem uma licença concedida para este efeito pelo Secretário de Estado, como decorre do presente artigo. O WTA 1949 prevê a aplicação de sanções penais em caso de infracção desta proibição.

18     O artigo 2.°, n.° 1, da Lei de 1998 sobre o telégrafo sem fios (Wireless Telegraphy Act 1998, a seguir «WTA 1998») traça as linhas orientadoras da concessão das licenças, permitindo ao Secretário de Estado cobrar montantes superiores aos custos administrativos. Em conformidade com o n.° 2, alínea c), do mesmo artigo, estes montantes têm em conta o interesse de promover:

–       a gestão e a utilização eficientes do espectro electromagnético;

–       os benefícios económicos resultantes da utilização do telégrafo sem fios;

–       o desenvolvimento de serviços inovadores e

–       a concorrência no fornecimento de serviços de telecomunicações.

19     O artigo 3.°, n.° 1, do WTA 1998 prevê:

«Considerando o interesse em promover a melhor utilização possível do espectro electromagnético, o Secretário de Estado pode, por meio de regulamentos, estipular que, nos casos previstos pelos referidos regulamentos ou nos casos que ele próprio determine ao abrigo dos referidos regulamentos, os pedidos de concessão de licenças de telegrafia sem fios devem ser apresentados em conformidade com um procedimento que:

a)      é estabelecido numa comunicação publicada por si nos termos dos referidos regulamentos e

b)      implica a apresentação de uma proposta pelo concorrente, na qual declara o montante que está disposto a pagar ao Secretário de Estado como contrapartida da licença.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

20     Na Primavera de 2000, o Secretário de Estado atribuiu, mediante leilões públicos, as licenças em causa no processo principal.

21     As empresas que obtiveram estas licenças são as que apresentaram uma melhor oferta pelos lotes de frequências propostos, estando um destes lotes reservado a um novo operador no mercado. Na sequência dos leilões, a totalidade dos adjudicatários pagou um montante total de 22 477 400 000 GBP.

22     Os leilões estiveram sob a responsabilidade da Radiocommunications Agency (Instituto Público de Radiocomunicações), agindo em nome do Secretário de Estado. Não foi feita nenhuma referência ao IVA durante o procedimento de adjudicação.

23     As licenças assim concedidas caducarão no dia 31 de Dezembro de 2021, salvo se revogadas antecipadamente pelo Secretário de Estado ou renúncia do titular.

24     Entendendo que estas concessões estavam sujeitas ao IVA e que este estava incluído nos montantes pagos, as sociedades adjudicatárias procuraram recuperar as somas que consideram ter pago a título de IVA por força da legislação nacional que procedeu à transposição do artigo 17.° da Sexta Directiva. Tendo os seus pedidos sido indeferidos por se considerar que a concessão das licenças em causa no processo principal não estava sujeita a IVA, recorreram à jurisdição de reenvio.

25     Nestas condições, o VAT and Duties Tribunal, London, decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Nas circunstâncias descritas na declaração dos factos admitidos por acordo, deve interpretar­‑se o termo ‘actividade económica’, para os efeitos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva, no sentido de que inclui a concessão de licenças pelo Secretário de Estado através de um leilão de direitos de utilização de equipamento de telecomunicações em determinadas partes do espectro electromagnético (a seguir ‘actividade em causa’) e quais são as considerações relevantes para responder a esta questão?

2)      Nas circunstâncias descritas na declaração dos factos admitidos por acordo, quais são as considerações relevantes para determinar se, ao exercer a actividade em causa, o Secretário de Estado agiu ou não na qualidade de ‘autoridade pública’, na acepção do artigo 4.°, n.° 5, da Sexta Directiva?

3)      Nas circunstâncias descritas na declaração dos factos admitidos por acordo, pode a actividade em causa constituir i) em parte uma actividade económica e em parte não, e/ou ser ii) em parte exercida por uma entidade de direito público na qualidade de autoridade pública e em parte não, daí resultando que a actividade em causa está parcialmente sujeita a IVA nos termos da Sexta Directiva e em parte não?

4)      Que grau de probabilidade e de proximidade temporal deverá apresentar uma ‘distorção da concorrência significativa’, na acepção do segundo parágrafo do artigo 4.°, n.° 5, da Sexta Directiva, relativamente ao exercício de uma actividade como a actividade em causa, para que a pessoa que a exerce seja considerada sujeito passivo relativamente à mesma, por força do referido parágrafo?

5)      Nas circunstâncias descritas na declaração dos factos admitidos por acordo, deve entender‑se que o termo ‘telecomunicações’, no anexo D da Sexta Directiva (para o qual remete o artigo 4.°, n.° 5, terceiro parágrafo), inclui a concessão de licenças pelo Secretário de Estado através de um leilão de direitos de utilização de equipamento de telecomunicações em determinadas partes do espectro electromagnético?

6)      Quando i) um Estado‑Membro opta por transpor o artigo 4.°, n.os 1 e 5, da Sexta Directiva através de uma legislação que confere a um departamento governamental (como, no caso vertente, o Treasury Department do Reino Unido) poderes para decidir quais os bens e os serviços fornecidos ou prestados pelos ministérios que devem ser tratados como operações tributáveis e, ii) ao abrigo do referido poder, esse departamento adopta ou pretende adoptar decisões estabelecendo que determinados fornecimentos e prestações são tributáveis, o princípio consagrado no acórdão de 13 de Novembro de 1990, Marleasing (C‑106/89, Colect., p. I‑4135, n.° 8) é relevante para a interpretação da lei nacional e dessas decisões (e, em caso afirmativo, em que medida)?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

26     Na primeira questão, a jurisdição de reenvio interroga‑se sobre se a actividade de concessão, através de leilões, das licenças em causa no processo principal, pelo Secretário de Estado, constitui uma «actividade económica», na acepção do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva.

27     Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva, é considerado sujeito passivo de imposto qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2 do mesmo artigo, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade. O conceito de «actividades económicas» é definido no referido n.° 2 como incluindo todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, nomeadamente as operações que implicam a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência.

28     A este respeito, convém precisar que, embora o artigo 4.° da Sexta Directiva atribua um campo de aplicação muito lato ao IVA, apenas são abrangidas por esta disposição as actividades que tenham carácter económico (v., neste sentido, acórdãos de 11 de Julho de 1996, Régie dauphinoise, C‑306/94, Colect., p. I‑3695, n.° 15; de 29 de Abril de 2004, EDM, C‑77/01, Colect., p. I‑4295, n.° 47; e de 26 de Maio de 2005, Kretztechnik, C‑465/03, Colect., p. I‑4357, n.° 18).

29     Resulta igualmente de jurisprudência assente que a análise dos conceitos de sujeito passivo e de actividades económicas põe em evidência a extensão do âmbito de aplicação abrangido pelo conceito de actividades económicas e o seu carácter objectivo, no sentido de que a actividade é considerada em si mesma, independentemente dos seus objectivos e dos seus resultados (v., nomeadamente, acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, University of Huddersfield, C‑223/03, Colect., p. I‑1751, n.° 47 e jurisprudência referida).

30     Resulta da decisão de reenvio que, no processo principal, a actividade exercida pelo Secretário de Estado consistiu em atribuir, em leilão, direitos de utilização relativos a determinadas frequências do espectro electromagnético a operadores económicos por um período determinado. No termo do procedimento de concessão, estes operadores obtiveram a autorização para explorar o direito de instalação de equipamentos de telecomunicações, que operam em segmentos determinados do referido espectro electromagnético.

31     Impõe‑se, assim, determinar se a concessão dessa autorização deve ser considerada, por natureza, como «exploração de um bem», na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva.

32     Antes de mais, importa precisar que, no âmbito desta disposição, o conceito de «exploração» se refere, em conformidade com as exigências do princípio da neutralidade do sistema comum do IVA, a todas as operações, seja qual for a sua forma jurídica, destinadas a auferir receitas com carácter de permanência (v., neste sentido, acórdãos de 4 de Dezembro de 1990, Van Tiem, C‑186/89, Colect., p. I‑4363, n.° 18; EDM, já referido, n.° 48; e de 21 de Outubro de 2004, BBL, C‑8/03, Colect., p. I‑10157, n.° 36).

33     A este respeito, há que referir que a actividade em causa no processo principal consiste na concessão de autorizações que permitem aos operadores económicos que delas beneficiam proceder à exploração dos direitos de utilização, oferecendo ao público os seus serviços no mercado das telecomunicações móveis mediante remuneração.

34     Ora, essa actividade constitui o meio de dar cumprimento aos requisitos impostos pelo direito comunitário, que visam, nomeadamente, assegurar uma utilização racional do espectro de frequências e a prevenção de qualquer interferência prejudicial entre os sistemas de telecomunicações por rádio e outros sistemas técnicos espaciais ou terrestres, bem como uma gestão eficaz das radiofrequências, como resulta da leitura conjugada dos artigos 2.°, n.° 1, alínea d), 4.°, n.° 1, e 8.°, n.° 1, da Directiva 97/13.

35     Além disso, importa salientar que a concessão dessas autorizações, tanto por força da Directiva 97/13, como do WTA 1949 e do WTA 1998, é da exclusiva competência do Estado‑Membro em causa.

36     Assim, uma actividade como a que está em causa no processo principal constitui uma condição necessária e prévia do acesso de operadores económicos como os recorrentes no processo principal ao mercado das telecomunicações móveis. Não corresponde a uma participação da autoridade nacional competente no referido mercado. Com efeito, só esses operadores, titulares dos direitos concedidos, operam no mercado em causa explorando o bem em questão para auferir receitas com carácter de permanência.

37     Nestas condições, o exercício de uma actividade como a que está em causa no processo principal escapa, por natureza, aos operadores económicos. A este respeito, há que salientar que é irrelevante que os referidos operadores passem a ter o direito de transferir os seus direitos de utilização de radiofrequências. Com efeito, essa transferência, ainda que continue sujeita ao controlo da autoridade reguladora nacional responsável pela atribuição das frequências, em conformidade com o artigo 9.°, n.° 4, da Directiva 2002/21, não é equiparável à concessão de uma autorização pelos poderes públicos.

38     Assim, ao conceder essa autorização, a autoridade nacional competente não participa na exploração de um bem constituído pelos direitos de utilização do espectro de radiofrequências para daí auferir receitas com carácter de permanência. Através desse processo de concessão, essa autoridade exerce exclusivamente uma actividade de controlo e de regulamentação da utilização do espectro electromagnético que lhe é expressamente atribuída.

39     Por outro lado, o facto de a concessão de licenças como as que estão em causa no processo principal exigir o pagamento de uma taxa não é susceptível de alterar a qualificação jurídica dessa actividade (v., neste sentido, acórdão de 18 de Março de 1997, Diego Calì & Figl, C‑343/95, Colect., p. I‑1547, n.° 24 e jurisprudência referida).

40     Consequentemente, essa concessão não constitui uma «actividade económica», na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva.

41     Esta conclusão não é infirmada pelo argumento segundo o qual, à luz do artigo 4.°, n.° 5, desta directiva, não se pode excluir que uma actividade reguladora exercida por um organismo de direito público constitui uma actividade económica, na acepção do artigo 4.°, n.° 2, desta mesma directiva, de modo que esse organismo devia ser considerado sujeito passivo relativamente a essa actividade.

42     Com efeito, mesmo admitindo que essa actividade reguladora possa ser qualificada de actividade económica, não deixa de ser verdade que a aplicação do artigo 4.°, n.° 5, da Sexta Directiva implica o reconhecimento prévio da natureza económica da actividade considerada. Ora, resulta da resposta dada no n.° 40 do presente acórdão que não é esse o caso.

43     Em face do exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que a concessão de licenças como as que estão em causa no processo principal, pela autoridade reguladora nacional responsável pela atribuição de frequências, através de leilão dos direitos de utilização de equipamentos de telecomunicações não constitui uma actividade económica na acepção desta disposição, pelo que não é abrangida pelo âmbito de aplicação desta directiva.

 Quanto às outras questões

44     Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder às outras questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto às despesas

45     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 4.° n.os 1 e 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que a concessão de licenças como as licenças de telecomunicações móveis de terceira geração, designadas «UMTS», pela autoridade reguladora nacional responsável pela atribuição de frequências, através de leilão dos direitos de utilização de equipamentos de telecomunicações não constitui uma actividade económica na acepção desta disposição, pelo que não é abrangida pelo âmbito de aplicação desta directiva.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.