C-184/05 - Twoh International

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Processo C‑184/05

Twoh International BV

contra

Staatssecretaris van Financiën

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden)

«Sexta Directiva IVA – Artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo – Entregas intracomunitárias – Isenção – Inexistência para a Administração Fiscal da obrigação de recolher provas – Directiva 77/799/CEE – Assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos directos e indirectos – Regulamento (CEE) n.° 218/92 – Cooperação administrativa no domínio dos impostos indirectos»

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado – Regime transitório de tributação das trocas entre Estados‑Membros

[Directiva 77/388 do Conselho, artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo]

O artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, na redacção dada pela Directiva 95/7, em conjugação com a Directiva 77/799, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos directos e indirectos, na redacção dada pela Directiva 92/12, e com o Regulamento n.° 218/92, relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos indirectos, deve ser interpretado no sentido de que as autoridades fiscais do Estado‑Membro a partir do qual foi feita a expedição ou o transporte de bens objecto de uma entrega intracomunitária não estão obrigadas a pedir informações às autoridades do Estado‑Membro de destino indicado pelo fornecedor.

Em primeiro lugar, resulta do primeiro e segundo considerandos da directiva relativa à assistência mútua e do terceiro considerando do regulamento relativo à cooperação administrativa que estes actos tinham por objectivo combater a fraude e a evasão fiscais e permitir aos Estados‑Membros determinar com exactidão o montante do imposto a cobrar. Em segundo lugar, decorre dos títulos da directiva relativa à assistência mútua e do regulamento relativo à cooperação administrativa que os mesmos foram adoptados para regular a colaboração entre as autoridades fiscais dos Estados‑Membros. Assim, esses actos jurídicos não conferem nenhum direito aos particulares para além do direito de obter a confirmação da validade do «número de identificação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado de uma pessoa determinada», previsto no artigo 6.°, n.° 4, do regulamento relativo à cooperação administrativa. Além disso, os referidos actos comunitários prevêem igualmente limites para a colaboração entre os Estados‑Membros, uma vez que as autoridades do Estado requerido não estão obrigadas a fornecer as informações solicitadas em todas as circunstâncias. Por conseguinte, a directiva relativa à assistência mútua e o regulamento relativo à cooperação administrativa não foram adoptados com o objectivo de instituir um sistema de troca de informações entre as Administrações Fiscais dos Estados‑Membros que lhes permita determinar o carácter intracomunitário das entregas efectuadas por um sujeito passivo que não consegue fornecer, ele próprio, as provas necessárias para esse efeito.

(cf. n.os 30, 31, 33, 34, 38 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

27 de Setembro de 2007 (*)

«Sexta Directiva IVA – Artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo – Entregas intracomunitárias – Isenção – Inexistência para a Administração Fiscal da obrigação de recolher provas – Directiva 77/799/CEE – Assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos directos e indirectos – Regulamento (CEE) n.° 218/92 – Cooperação administrativa no domínio dos impostos indirectos»

No processo C‑184/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 22 de Abril de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 25 de Abril de 2005, no processo

Twoh International BV

contra

Staatssecretaris van Financiën,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, A. Borg Barthet, J. Malenovský, U. Lõhmus (relator) e A. Ó Caoimh, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Junho de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Twoh International BV, por J.  H. Sassen, advocaat,

–        em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, M. de Mol e P. van Ginneken, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e C. Jurgensen‑Mercier, na qualidade de agentes,

–        em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por E. Fitzsimons, SC, e B. Conway, BL,

–        em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. De Bellis, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo polaco, por T. Nowakowski, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo português, por L. Fernandes e C. Lança, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e A. Weimar, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 11 de Janeiro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na redacção dada pela Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995 (JO L 102, p. 18, a seguir «Sexta Directiva»), em conjugação com a Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos directos e indirectos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), na redacção dada pela Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992 (JO L 76, p. 1, a seguir «directiva relativa à assistência mútua»), e com o Regulamento (CEE) n.° 218/92 do Conselho, de 27 de Janeiro de 1992, relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos indirectos (IVA) (JO L 24, p. 1, a seguir «regulamento relativo à cooperação administrativa»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Twoh International BV (a seguir «Twoh») e o Staatssecretaris van Financiën (Secretário de Estado das Finanças) a respeito de uma liquidação aposteriori do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») referente a 1996 que se tornou devido por esta sociedade na sequência de entregas intracomunitárias de bens.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

 Sexta Directiva

3        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva, estão sujeitas a IVA as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, bem como as importações de bens.

4        O artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva prevê:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados‑Membros para garantir uma aplicação correcta e simples das isenções adiante previstas e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos, os Estados‑Membros isentarão:

a)      As entregas de bens, na acepção do artigo 5.°, expedidos ou transportados, pelo vendedor ou pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território referido no artigo 3.°, mas no interior da Comunidade, efectuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo, agindo como tal num Estado‑Membro diferente do Estado de início da expedição ou do transporte dos bens.»

 Directiva relativa à assistência mútua

5        O artigo 1.°, n.° 1, da directiva relativa à assistência mútua dispõe:

«As autoridades competentes dos Estados‑Membros trocarão entre si, em conformidade com a presente directiva, todas as informações susceptíveis de lhes permitirem determinar correctamente os impostos sobre o rendimento e sobre a fortuna, bem como todas as informações relativas à determinação dos seguintes impostos indirectos:

–        Imposto sobre o Valor Acrescentado,

[…]»

6        O artigo 2.°, n.° 1, da directiva relativa à assistência mútua prevê:

«A autoridade competente de um Estado‑Membro pode solicitar à autoridade competente de um outro Estado‑Membro que lhe comunique as informações referidas no n.° 1 do artigo 1.°, no que se refere a um caso especial. A autoridade competente do Estado a que foi feito o pedido não fica vinculada a dar seguimento favorável ao pedido formulado quando se verifique que a autoridade competente do Estado requerente não esgotou as suas próprias fontes habituais de informação, que teria podido utilizar, de acordo com as circunstâncias, para obter as informações solicitadas sem prejudicar a obtenção do resultado procurado.»

 Regulamento relativo à cooperação administrativa

7        Nos termos do artigo 4.°, n.° 3, do regulamento relativo à cooperação administrativa:

«Com base nas informações recolhidas, nos termos do n.° 1 e unicamente com o objectivo de lutar contra a fraude fiscal, a autoridade competente de um Estado‑Membro obterá, de cada vez que o considere necessário para controlar as aquisições comunitárias, comunicação automática e imediata das seguintes informações, a que pode igualmente ter acesso directo:

–        os números de identificação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado das pessoas que efectuaram as entregas referidas no segundo travessão do n.° 2, bem como

–        o valor total das entregas efectuadas por cada uma dessas pessoas a cada uma das pessoas em causa às quais tenha sido atribuído um número de identificação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado a que se refere o primeiro travessão do n.° 2; os valores serão expressos na divisa do Estado‑Membro que fornece as informações e referir‑se‑ão a trimestres civis.»

8        O artigo 5.° do regulamento relativo à cooperação administrativa tem a seguinte redacção:

«1.      Quando as informações fornecidas ao abrigo do artigo 4.° forem insuficientes, as autoridades competentes de um Estado‑Membro podem, em qualquer momento e em casos específicos, solicitar informações suplementares. A autoridade requerida deverá fornecer a informação com a maior brevidade possível e o mais tardar três meses após a recepção do pedido.

2.      Nos casos referidos no n.° 1, a autoridade requerida deve fornecer à autoridade requerente, pelo menos, os números, as datas e os montantes das facturas relativos a operações determinadas efectuadas entre pessoas nos Estados‑Membros em questão.»

9        O artigo 6.°, n.° 4, do regulamento relativo à cooperação administrativa prevê:

«A autoridade competente de cada Estado‑Membro assegurará que as pessoas ligadas a entregas intracomunitárias de bens ou a prestações intracomunitárias de serviços sejam autorizadas a obter confirmação da validade do número de identificação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado de uma pessoa determinada.»

10      As condições que regem a troca de informações estão fixadas no título III do regulamento relativo à cooperação administrativa, cujo artigo 7.°, n.° 1, primeiro parágrafo, dispõe:

«1.      A autoridade requerida de um Estado‑Membro deverá fornecer à autoridade requerente de outro Estado‑Membro as informações referidas no n.° 2 do artigo 5.°, desde que:

–        o número e a natureza dos pedidos de informação apresentados num prazo específico por esta autoridade requerente não imponha um encargo administrativo desproporcionado à autoridade requerida,

–        esta autoridade requerente tenha esgotado as habituais fontes de informação a que, nessas circunstâncias, poderia ter recorrido para obter as informações pedidas, sem correr o risco de comprometer a obtenção do resultado pretendido,

–        esta autoridade requerente só pedirá assistência se estiver em condições de prestar uma assistência semelhante à autoridade requerente de outro Estado‑Membro.»

 Legislação nacional

11      De acordo com o artigo 9.°, n.° 2, alínea b), da Lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios (Wet op de omzetbelasting), de 28 de Junho de 1968 (Staatsblad 1968, n.° 329), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «lei de 1968»), a taxa aplicável às entregas de bens e serviços, referidos na tabela II anexa à mesma lei, é de zero se as condições fixadas por medida geral da administração estiverem preenchidas.

12      A rubrica 6, alínea a), da referida tabela II prevê que são tributados à taxa zero «os bens que são transportados para outro Estado‑Membro e que aí estão sujeitos a um imposto sobre a sua aquisição intracomunitária».

13      O artigo 12.°, n.° 1, do Regulamento de execução da lei de 1968 (Uitvoeringsbesluit omzetbelasting 1968) dispõe:

«O direito à aplicação da taxa zero às entregas referidas na tabela II anexa à lei [de 1968] só existe quando decorra dos documentos comprovativos que esta taxa pode ser aplicada.»

14      O artigo 4.°, n.° 3, da portaria do Secretário de Estado das Finanças relativa à tributação das entregas comunitárias (Besluit van de Staatssecretaris van Financiën), de 20 de Junho de 1995, prevê:

«Sempre que os bens sejam entregues a um adquirente estrangeiro ‘na fábrica’ ou ‘no armazém’ (operações de levantamento), o carácter intracomunitário da entrega não pode resultar do conhecimento de carga nem dos próprios documentos de transporte do fornecedor.

Não obstante, é concebível que em determinadas circunstâncias o fornecedor, mesmo nesta situação, esteja convencido de que o adquirente estrangeiro transportará os bens para outro Estado‑Membro. Neste caso, para além do conjunto de documentos e dados que a administração já possua, é necessário que o adquirente em questão seja um cliente regular, a menos que o fornecedor tenha conhecimento de que as entregas intracomunitárias por si efectuadas a este adquirente acarretaram problemas, e, além disso, o adquirente deve entregar a declaração a seguir indicada.

Esta declaração, que deve ser assinada pela pessoa que recebe os bens, deve conter, pelo menos, o nome do adquirente e, no caso de não ser o adquirente a receber pessoalmente os bens, o nome de quem o faz em seu nome, a matrícula do veículo que transportará os bens, o número da factura que especifica os bens entregues, o local para onde a pessoa que levanta os bens os irá transportar, bem como o compromisso de o adquirente fornecer ao Belastingdienst, a pedido deste, informação mais detalhada sobre o destino dos bens. O modelo desta declaração figura em anexo.

No caso de operações de levantamento em que o adquirente não seja um cliente regular, em que os bens sejam pagos em dinheiro e em que, além disso, o fornecedor não possua documentos que demonstrem o carácter intracomunitário do fornecimento, ou seja, nos casos em que, exceptuando uma factura emitida a favor de um adquirente estrangeiro (da qual conste o número estrangeiro de identificação fiscal do adquirente para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado), não haja quaisquer outros documentos que demonstrem o carácter intracomunitário da entrega, o fornecedor não poderá justificar, sem mais, a aplicação da taxa zero. Nestas circunstâncias, o fornecedor pode minimizar o risco de liquidação a posteriori cobrando o imposto sobre o valor acrescentado neerlandês ao comprador. O comprador deverá, sempre que transporte os bens para outro Estado‑Membro, dar disso conhecimento ao Nederlandse Belastingdienst. Nesta declaração, o comprador poderá, para efeitos de dedução, apresentar o imposto sobre o valor acrescentado neerlandês cobrado.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

15      No ano de 1996, a Twoh, uma sociedade estabelecida nos Países Baixos, forneceu componentes de computadores a empresas estabelecidas em Itália. Nos contratos de compra e venda, as partes estipularam que a entrega seria realizada de acordo com a cláusula «na fábrica» («ex‑works» ou EXW), que faz parte dos termos comerciais internacionais (termos ditos «Incoterms 2000») concebidos pela Câmara de Comércio Internacional. A utilização desta cláusula significava que a Twoh só estava obrigada a colocar os bens à disposição dos compradores num entreposto situado nos Países Baixos, ficando a responsabilidade pelo transporte para Itália a cargo dos adquirentes.

16      Os referidos clientes italianos não entregaram à Twoh nenhuma declaração relativa a essas entregas como a exigida pela legislação fiscal neerlandesa para fazer prova do carácter intracomunitário das entregas de bens, de modo a isentá‑las do IVA nos Países Baixos. Contudo, a Twoh considerou em todos os casos que as entregas que tinha efectuado constituíam entregas intracomunitárias, às quais se aplicava a taxa zero do IVA. Por conseguinte, emitiu facturas que não incluíam o montante do IVA e não pagou este imposto respeitante às referidas entregas.

17      Na sequência de uma inspecção à contabilidade, a Administração Fiscal neerlandesa concluiu que não estava demonstrado que as mercadorias tivessem sido transportadas ou expedidas para outro Estado‑Membro e que, portanto, o IVA deveria ter sido pago. Por conseguinte, notificou à Twoh uma liquidação a posteriori do IVA, respeitante ao período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1996, no montante de 1 466 629 NLG, exclusivamente a título do imposto, acrescido de uma majoração igual a 100% deste montante.

18      A Twoh reclamou dessa liquidação a posteriori do IVA. No âmbito deste processo, pediu expressamente à Administração Fiscal neerlandesa que recolhesse, junto da autoridade italiana competente, informações susceptíveis de demonstrar o carácter intracomunitário das referidas entregas, ao abrigo da directiva relativa à assistência mútua e do regulamento relativo à cooperação administrativa. A referida administração decidiu não dar seguimento a este pedido e manter a liquidação a posteriori do IVA.

19      A Twoh interpôs recurso desta decisão para o Gerechtshof te Arnhem, que, na sequência da apresentação pela recorrente de certas provas relativas às entregas em causa, a anulou na parte respeitante a três entregas e reduziu o montante do IVA liquidado a posteriori. O referido tribunal considerou, porém, que a Administração Fiscal neerlandesa não estava obrigada a pedir à autoridade italiana competente que realizasse uma investigação no Estado‑Membro de destino para verificar se as mercadorias em causa tinham sido efectivamente transportadas para este último. A Twoh interpôs recurso de cassação da sentença do Gerechtshof te Arnhem para o Hoge Raad der Nederlanden.

20      Por considerar que o litígio que foi submetido à sua apreciação coloca uma questão de direito comunitário referente à prova da expedição ou do transporte de bens, na acepção do artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 28.°‑C, A, proémio e alínea a), da Sexta Directiva – em conjugação com a Directiva [77/799] e com o Regulamento [n.° 218/92] – deve ser interpretado no sentido de que, quando o Estado‑Membro de chegada não tenha espontaneamente fornecido informações relevantes, o Estado‑Membro a partir do qual foi feita a expedição ou o transporte dos bens está obrigado a pedir informações ao pretenso Estado‑Membro de chegada e a levá‑las em consideração na apreciação da prova da expedição ou do transporte dos bens em causa?»

 Quanto à questão prejudicial

21      Com a sua questão, o tribunal de reenvio pretende essencialmente saber se o artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, em conjugação com a directiva relativa à assistência mútua e o regulamento relativo à cooperação administrativa, deve ser interpretado no sentido de que as autoridades fiscais do Estado‑Membro a partir do qual foi feita, no âmbito de uma entrega intracomunitária, a expedição ou o transporte dos bens estão obrigadas a pedir informações às autoridades do Estado‑Membro de destino indicado pelo fornecedor e a utilizá‑las para determinar se os bens foram efectivamente objecto de uma entrega intracomunitária.

22      A título liminar, deve recordar‑se que, no âmbito do regime transitório do IVA aplicável ao comércio intracomunitário, instituído pela Directiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e altera, tendo em vista a abolição das fronteiras fiscais, a Directiva 77/388 (JO L 376, p. 1), a tributação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros assenta no princípio da atribuição da receita fiscal ao Estado‑Membro onde ocorre o consumo final. Qualquer aquisição intracomunitária tributada no Estado‑Membro de chegada da expedição ou do transporte intracomunitário de bens, por força do artigo 28.°‑A, n.° 1, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, tem como corolário uma entrega isenta no Estado‑Membro de partida da referida expedição ou do referido transporte, por aplicação do artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da mesma directiva (v. acórdãos de 6 de Abril de 2006, EMAG Handel Eder, C‑245/04, Colect., p. I‑3227, n.° 29, e de 27 de Setembro de 2007, Teleos e o., C‑409/04, ainda não publicado na Colectânea, n.os 22 e 24).

23      No que se refere às condições de aplicação da isenção das entregas intracomunitárias de bens, na acepção do artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, há que recordar que o Tribunal de Justiça decidiu no n.° 42 do acórdão Teleos e o., já referido, que, para que essa isenção seja aplicável, é necessário que o direito de dispor do bem como um proprietário tenha sido transmitido ao adquirente, que o fornecedor tenha demonstrado que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado‑Membro e que, na sequência desta expedição ou deste transporte, tenha deixado fisicamente o território do Estado‑Membro de entrega.

24      O Tribunal de Justiça também afirmou no n.° 44 do acórdão Teleos e o., já referido, que, após a abolição dos controlos nas fronteiras entre os Estados‑Membros, as autoridades fiscais verificam se as mercadorias deixaram ou não fisicamente o território do Estado‑Membro de entrega principalmente com base nas provas fornecidas pelos sujeitos passivos e nas declarações destes últimos.

25      Quanto às provas que os sujeitos passivos devem fornecer, há que observar que nenhuma disposição da Sexta Directiva regula directamente esta questão. Esta directiva apenas dispõe, no proémio do artigo 28.°‑C, A, que compete aos Estados‑Membros fixar as condições em que isentarão do imposto as entregas intracomunitárias de bens. Todavia, há que recordar que, no exercício dos seus poderes, os Estados‑Membros devem respeitar os princípios gerais do direito comunitário, entre os quais se contam os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade (v., neste sentido, acórdãos de 18 de Dezembro de 1997, Molenheide e o., C‑286/94, C‑340/95, C‑401/95 e C‑47/96, Colect., p. I‑7281, n.° 48, e de 11 de Maio de 2006, Federation of Technological Industries e o., C‑384/04, Colect., p. I‑4191, n.os 29 e 30).

26      A este respeito, impõe‑se considerar que, como a Comissão das Comunidades Europeias alega com razão, o princípio segundo o qual o ónus da prova do direito a beneficiar de uma derrogação ou de uma isenção fiscal incumbe a quem invoca esse direito observa os limites impostos pelo direito comunitário. Por conseguinte, para efeitos da aplicação do artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, cabe ao fornecedor de bens fazer prova de que as condições de isenção recordadas no n.° 23 do presente acórdão estão preenchidas.

27      Neste contexto, deve recordar‑se que, no n.° 50 do acórdão Teleos e o., já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que seria contrário ao princípio da segurança jurídica que um Estado‑Membro que estabeleceu as condições para a aplicação da isenção fiscal a uma entrega intracomunitária, fixando, nomeadamente, uma lista dos documentos a apresentar às autoridades competentes, e que aceitou num primeiro momento os documentos apresentados pelo fornecedor para fazer prova do direito à isenção possa ulteriormente obrigar este fornecedor a pagar o IVA referente a esta entrega quando se mostre que, devido a uma fraude cometida pelo adquirente, da qual o fornecedor não tinha nem podia ter conhecimento, os bens em causa não deixaram, na realidade, o território do Estado‑Membro de entrega.

28      É certo que, diversamente do que se verificava no processo em que foi proferido o acórdão Teleos e o., já referido, a decisão de reenvio não precisa se a Twoh agiu de boa fé e não permite saber se o cliente desta última cometeu uma fraude. O que interessa no presente caso é o facto de a Twoh, que não dispunha das provas necessárias para demonstrar que os bens tinham sido efectivamente encaminhados para o Estado‑Membro de destino, ter pedido à Administração Fiscal neerlandesa que recolhesse, junto da autoridade competente deste último Estado‑Membro, informações susceptíveis de demonstrar o carácter intracomunitário dessas entregas, ao abrigo da directiva relativa à assistência mútua e do regulamento relativo à cooperação administrativa. Por conseguinte, a questão que se coloca é a de saber se a referida administração estava obrigada a deferir esse pedido.

29      A resposta a essa questão pode ser inferida da finalidade e do conteúdo da directiva relativa à assistência mútua e do regulamento relativo à cooperação administrativa.

30      No que se refere, em primeiro lugar, à finalidade destes dois actos comunitários, cumpre assinalar que resulta do primeiro e segundo considerandos da directiva relativa à assistência mútua e do terceiro considerando do regulamento relativo à cooperação administrativa que estes actos tinham por objectivo combater a fraude e a evasão fiscais e permitir aos Estados‑Membros determinar com exactidão o montante do imposto a cobrar [v., por analogia, acórdão de 13 de Abril de 2000, W. N., C‑420/98, Colect., p. I‑2847, n.os 15 e 22, bem como, no que respeita ao Regulamento (CE) n.° 1798/2003 do Conselho, de 7 de Outubro de 2003, relativo à cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado e que revoga o Regulamento n.° 218/92 (JO L 264, p. 1), acórdão de 26 de Janeiro de 2006, Comissão/Conselho, C‑533/03, Colect., p. I‑1025, n.os 49 e 52].

31      No que refere, em segundo lugar, ao conteúdo dos referidos actos comunitários, decorre dos títulos da directiva relativa à assistência mútua e do regulamento relativo à cooperação administrativa que os mesmos foram adoptados para regular a colaboração entre as autoridades fiscais dos Estados‑Membros. Conforme afirmam com razão tanto a Comissão como a advogada‑geral no n.° 23 das suas conclusões, esses actos jurídicos não conferem nenhum direito aos particulares para além do direito de obter a confirmação da validade do «número de identificação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado de uma pessoa determinada», previsto no artigo 6.°, n.° 4, do regulamento relativo à cooperação administrativa.

32      Com efeito, a directiva relativa à assistência mútua prevê, com o objectivo de prevenir a fraude fiscal, a faculdade de as Administrações Fiscais nacionais solicitarem informações que, elas próprias, não possam obter. Assim, o facto de, tanto no artigo 2.°, n.° 1, desta mesma directiva como no artigo 5.°, n.° 1, do regulamento relativo à cooperação administrativa, o legislador comunitário ter utilizado o termo «pode» indica que, embora as referidas administrações tenham efectivamente a possibilidade de pedir informações à autoridade competente de outro Estado‑Membro, esse pedido de forma alguma constitui uma obrigação. Compete a cada Estado‑Membro apreciar os casos específicos em que não existem informações a respeito das transacções efectuadas pelos sujeitos passivos estabelecidos no seu território e decidir se esses casos justificam a apresentação de um pedido de informações a outro Estado‑Membro.

33      Além disso, os referidos actos comunitários prevêem igualmente limites para a colaboração entre os Estados‑Membros, uma vez que as autoridades do Estado requerido não estão obrigadas a fornecer as informações solicitadas em todas as circunstâncias. Com efeito, o artigo 7.°, n.° 1, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do regulamento relativo à cooperação administrativa prevê que o número e a natureza dos pedidos de informação apresentados num prazo específico não podem impor um encargo administrativo desproporcionado às referidas autoridades. Acresce que o segundo travessão da mesma disposição e o artigo 2.°, n.° 1, da directiva relativa à assistência mútua dispõem que estas últimas não estão obrigadas a fornecer informações quando se verifique que a autoridade competente do Estado requerente não esgotou as suas próprias fontes habituais de informação.

34      Resulta das considerações que precedem que a directiva relativa à assistência mútua e o regulamento relativo à cooperação administrativa não foram adoptados com o objectivo de instituir um sistema de troca de informações entre as Administrações Fiscais dos Estados‑Membros que lhes permita determinar o carácter intracomunitário das entregas efectuadas por um sujeito passivo que não consegue fornecer, ele próprio, as provas necessárias para esse efeito.

35      Esta conclusão é igualmente corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à assistência mútua das autoridades competentes no domínio dos impostos directos, que é aplicável por analogia a uma situação como a que está em causa no processo principal. Segundo esta jurisprudência, a directiva relativa à assistência mútua pode ser invocada por um Estado‑Membro para obter, das autoridades competentes de outro Estado‑Membro, todas as informações susceptíveis de lhe permitir determinar correctamente os impostos. Todavia, nada impede as autoridades fiscais em causa de exigirem ao próprio contribuinte as provas que considerem necessárias para apreciar se há ou não que conceder a dedução solicitada (v., neste sentido, acórdãos de 28 de Outubro de 1999, Vestergaard, C‑55/98, Colect., p. I‑7641, n.° 26, e de 3 de Outubro de 2002, Danner, C‑136/00, Colect., p. I‑8147, n.os 49 e 50).

36      Além disso, as informações cuja comunicação a directiva relativa à assistência mútua permite às autoridades competentes de um Estado‑Membro pedir são precisamente todas as que lhes pareçam necessárias para determinar o montante correcto do imposto na perspectiva da legislação que elas próprias devem aplicar. Esta directiva de forma alguma afecta a competência das referidas autoridades para apreciar, designadamente, se estão preenchidas as condições a que essa legislação subordina a isenção de uma operação (v., por analogia, acórdão Vestergaard, já referido, n.° 28).

37      Em último lugar, deve acrescentar‑se que, mesmo na hipótese de a Administração Fiscal do Estado‑Membro de entrega ter obtido do Estado‑Membro de destino a informação de que o comprador apresentou às autoridades fiscais deste último Estado uma declaração relativa à aquisição intracomunitária, tal declaração não constitui uma prova decisiva para demonstrar que os bens deixaram efectivamente o território do Estado‑Membro de entrega (v. acórdão Teleos e o., já referido, n.os 71 e 72).

38      Atentas as considerações que precedem, há que responder à questão colocada que o artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, em conjugação com a directiva relativa à assistência mútua e com o regulamento relativo à cooperação administrativa, deve ser interpretado no sentido de que as autoridades fiscais do Estado‑Membro a partir do qual foi feita a expedição ou o transporte de bens objecto de uma entrega intracomunitária não estão obrigadas a pedir informações às autoridades do Estado‑Membro de destino indicado pelo fornecedor.

 Quanto às despesas

39      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 28.°‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na redacção dada pela Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995, em conjugação com a Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos directos e indirectos, na redacção dada pela Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, e com o Regulamento (CEE) n.° 218/92 do Conselho, de 27 de Janeiro de 1992, relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos indirectos, deve ser interpretado no sentido de que as autoridades fiscais do Estado‑Membro a partir do qual foi feita a expedição ou o transporte de bens objecto de uma entrega intracomunitária não estão obrigadas a pedir informações às autoridades do Estado‑Membro de destino indicado pelo fornecedor.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.