C-426/07 - Krawczynski

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Processo C‑426/07

Dariusz Krawczyński

contra

Dyrektor Izby Celnej w Białymstoku

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny w Białymstoku)

«Imposições internas – Impostos sobre os veículos automóveis – Imposto especial sobre o consumo – Veículos usados – Importação»

Sumário do acórdão

1.        Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado – Proibição de cobrar outros impostos nacionais que tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 33.°, n.° 1)

2.        Disposições fiscais – Imposições internas – Imposto especial que incide sobre todas as vendas de veículos automóveis antes da sua primeira matrícula em território nacional

(Artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE)

1.        O artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/680, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um imposto especial que onera qualquer venda de veículos automóveis antes da sua primeira matrícula no território nacional.

Com efeito, uma vez que esse imposto especial sobre o consumo só onera as operações de venda de veículos automóveis antes da sua primeira matricula no território nacional, e não onera em termos gerais todas as transacções que tenham por objecto bens ou serviços, portanto, distingue‑se do IVA de um modo que não permite que seja qualificado de imposto com a característica de imposto sobre o volume de negócios na acepção do referido artigo.

(cf. n.os 22, 23, 25, 26, disp. 1)

2.        O artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto especial que onera qualquer venda de veículos automóveis antes da sua primeira matrícula no território nacional, na medida em que o montante do imposto sobre a venda antes da primeira matrícula dos veículos usados importados de outro Estado‑Membro exceda o montante residual do mesmo imposto incorporado no valor venal dos veículos similares que tenham sido previamente matriculados no Estado‑Membro que instituiu o imposto. Incumbe ao juiz nacional verificar se a legislação nacional tem essa consequência.

(cf. n.° 39, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

17 de Julho de 2008 (*)

«Imposições internas – Impostos sobre os veículos automóveis – Imposto especial sobre o consumo – Veículos usados – Importação»

No processo C‑426/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny w Białymstoku (Polónia), por decisão de 27 de Junho de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de Setembro de 2007, no processo

Dariusz Krawczyński

contra

Dyrektor Izby Celnej w Białymstoku,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, A. Tizzano, M. Ilešič (relator), E. Levits e J.‑J. Kasel, juízes,

advogada‑geral: E. Sharpston,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de D. Krawczyński, por W. Kłoskowski, radca prawny,

–        em representação do Dyrektor Izby Celnej w Białymstoku, por W. Dziemiach, radca prawny,

–        em representação do Governo polaco, por M. Dowgielewicz, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Triantafyllou e K. Herrmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação, por um lado, do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991 (JO L 376, p. 1, a seguir «Sexta Directiva»), e, por outro, do artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. Krawczyński ao Dyrektor Izby Celnej w Białymstoku (director dos serviços de alfândega de Białystok) a propósito do imposto especial sobre o consumo que onera a venda de veículos automóveis usados antes da sua primeira matrícula na Polónia.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3        O artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva dispõe:

«Salvo o disposto noutras normas comunitárias, designadamente nas disposições comunitárias em vigor relativas ao regime geral da detenção, circulação e controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais sobre o consumo, as disposições da presente directiva não impedem que um Estado‑Membro mantenha ou introduza impostos sobre os contratos de seguros, sobre jogos e apostas, sobre consumos especiais, direitos de registo e, em geral, todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios, desde que esses impostos, direitos e taxas não dêem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.»

 Legislação nacional

4        O artigo 2.° da Lei dos impostos especiais sobre o consumo (ustawa o podatku akcyzowym), de 23 de Janeiro de 2004 (Dz. U n.° 29, posição 257), na redacção aplicável à lide principal (a seguir «Lei de 2004»), dispõe:

«Para efeitos da presente lei, entende‑se por

[…]

11)      ‘aquisição intracomunitária’: a transferência de produtos sujeitos a imposto especial sobre o consumo do território de um Estado‑Membro para o território nacional;

[…]»

5        O artigo 10.°, n.° 1, da referida lei tem a seguinte redacção:

«A base tributável, nos casos de expressão da taxa em percentagem da matéria colectável, é:

1)      o montante devido por força da venda, no território nacional, dos produtos sujeitos a imposto especial sobre o consumo, deduzido o montante do imposto sobre os bens e serviços ou o montante do imposto especial sobre o consumo devido por essas mercadorias;

2)      o montante que o adquirente está obrigado a pagar pelas mercadorias sujeitas a imposto especial sobre o consumo, em caso de aquisição intracomunitária;

3)      o montante devido por força da entrega dos produtos sujeitos a imposto especial sobre o consumo no território de um Estado‑Membro, no caso de entrega na Comunidade;

4)      o valor aduaneiro dos produtos sujeitos a imposto especial sobre o consumo, acrescido dos direitos aduaneiros, no caso de importação, tendo em conta os n.os 6 a 9.»

6        O artigo 75.°, n.os 1 e 3, da Lei de 2004 prevê:

«1.      A taxa de tributação dos produtos sujeitos a imposto especial sobre o consumo não harmonizado é de 65% da base definida no artigo 10.°, com excepção da taxa aplicável à energia eléctrica.

[…]

3.      O ministro competente em matéria de finanças públicas pode, por despacho, reduzir as taxas do imposto especial sobre o consumo definidas nos n.os 1 e 2, bem como diferenciá‑las em função do tipo de produto ou mesmo definir as condições da sua aplicação.»

7        O artigo 79.° da mesma lei enuncia:

«O sujeito passivo pode deduzir do montante do imposto especial sobre o consumo devido o montante do imposto especial sobre o consumo que pagou no momento da aquisição de produtos sujeitos ao imposto especial sobre o consumo não harmonizados.»

8        Nos termos do artigo 80.°, n.os 1 a 4, da Lei de 2004:

«1.      Estão sujeitos a imposto especial sobre o consumo os veículos particulares não matriculados no território nacional em conformidade com o disposto no Código da Estrada.

2.      São sujeitos passivos do imposto especial sobre o consumo:

1)      as pessoas que efectuem qualquer venda de veículos particulares antes da sua primeira matrícula no território nacional;

2)      os importadores e as pessoas que efectuem aquisições dentro da Comunidade.

3.      O imposto especial sobre o consumo é devido:

1)      em caso de venda, a partir da emissão da factura e, o mais tardar, num prazo de sete dias a contar do dia da entrega da mercadoria;

2)      em caso de importação, a partir do dia em que se constitui a dívida aduaneira na acepção das disposições do direito aduaneiro;

3)      em caso de aquisição na Comunidade, a partir da aquisição do direito de dispor do veículo particular como proprietário e até à sua matrícula no território nacional em conformidade com o disposto no Código da Estrada.

4.      O ministro competente em matéria de finanças públicas pode, por despacho, fixar os dados relativos aos veículos particulares, nomeadamente a carga útil admissível, para efeitos da cobrança do imposto especial sobre o consumo, tendo em conta as soluções adoptadas pelas disposições fiscais específicas e a necessidade de assegurar uma cobrança regular dos impostos especiais sobre o consumo.»

9        O artigo 81.°, n.° 1, da Lei de 2004 tem a seguinte redacção:

«Quem proceder, dentro da Comunidade, a aquisições intracomunitárias de veículos particulares não matriculados no território nacional em conformidade com as disposições do Código da Estrada deve:

1)      nas importações para o território nacional, apresentar uma declaração simplificada aos serviços aduaneiros competentes, no prazo de cinco dias a contar do dia da compra dentro da Comunidade;

2)      efectuar o pagamento do imposto especial sobre o consumo até à data da matrícula do veículo no país.»

10      Nos termos do artigo 82.°, n.° 3, da Lei de 2004, em caso de aquisição intracomunitária de um veículo particular, a base de tributação é o montante que o adquirente deve pagar ao vendedor.

11      O artigo 7.° do Despacho do Ministro das Finanças relativo à redução das taxas dos impostos especiais sobre o consumo (rozporządzenie Ministra Finansów w sprawie obniżenia stawek podatku akcyzowego), de 22 de Abril de 2004 (Dz. U n.° 87, posição 825), na versão aplicável ao litígio do processo principal (a seguir «Despacho de 2004»), bem como os respectivos anexos 1 e 2 dispõem que, para os veículos novos ou com menos de dois anos, a taxa do imposto especial sobre o consumo ascende a 3,1% ou a 13,6%, consoante a cilindrada, e que, em contrapartida, para os veículos com mais de dois anos, essa taxa, que é fixada em conformidade com a fórmula de cálculo que consta do artigo 7.°, n.° 2, do Despacho de 2004, varia em função da idade do veículo, podendo chegar a 65% da base tributável.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      Por decisão de 7 de Novembro de 2005, o Naczelnik Urzędu Celnego w Białymstoku (chefe dos serviços aduaneiros de Białystok) fixou em 11 066 PLN o montante devido por D. Krawczyński pela venda na Polónia de cinco veículos automóveis, antes da sua primeira matrícula em território polaco, a título de imposto especial sobre o consumo que o sujeito passivo tinha a obrigação de declarar e de pagar, o que não fez.

13      D. Krawczyński reclamou da decisão pedindo que o imposto especial sobre o consumo fosse fixado num montante de 4 599 PLN, fundamentalmente por considerar ter o direito, nos termos do artigo 79.° da Lei de 2004, de deduzir do montante devido o imposto especial sobre o consumo que havia pago sobre uma venda ou uma importação tributável no momento da aquisição do produto sujeito a imposto especial de consumo não harmonizado, apesar de não ter apresentado a declaração prevista para o efeito.

14      O Dyrektor Izby Celnej w Białymstoku, por decisão de 19 de Janeiro de 2006, indeferiu a reclamação. No essencial, realçou, por um lado, que devem pagar o imposto especial sobre o consumo as pessoas que realizam qualquer venda de veículos automóveis na Polónia antes da sua primeira matrícula no território polaco e, por outro, que é necessário, para beneficiar do referido direito de dedução, que o sujeito passivo apresente ao serviço aduaneiro competente a declaração relativa a esse imposto especial sobre o consumo, que o calcule e que o pague no prazo previsto na regulamentação.

15      D. Krawczyński interpôs recurso desta decisão para o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Białymstoku (Tribunal Administrativo de Białystok). Alega, designadamente, que as vendas de veículos automóveis usados já matriculados na Polónia estão isentas do imposto especial sobre o consumo independentemente da idade, ao passo que a mesma isenção não se aplica às vendas de veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros. A venda destes últimos antes da sua matrícula na Polónia está sujeita a um direito especial sobre o consumo cujo montante depende da idade do veículo. D. Krawczyński conclui que a República da Polónia sujeita os veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros a um imposto especial sobre o consumo superior ao que se aplica aos produtos nacionais semelhantes.

16      Em contrapartida, o Dyrektor Izby Celnej w Białymstoku entende que a República da Polónia não faz qualquer distinção discriminatória entre os veículos automóveis segundo a sua proveniência, pois o critério decisivo para os sujeitar ao imposto especial sobre o consumo tem a ver com a falta de matrícula no território polaco e não com o facto de estes veículos serem provenientes de um Estado‑Membro diferente da República da Polónia.

17      Nestas condições, o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Białymstoku decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      Um imposto especial sobre o consumo introduzido por um Estado‑Membro, como o previsto pela [Lei de 2004], que incide sobre todas as vendas de veículos automóveis ligeiros de passageiros antes da sua primeira matrícula em território nacional, pode ser qualificado como imposto não permitido com carácter de imposto sobre o volume de negócios na acepção do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva […]?

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

2)      Um imposto especial sobre o consumo, como o que está em causa no presente processo pendente no Wojewódzki Sąd Administracyjny w Białymstoku, que incide sobre todas as vendas de veículos automóveis ligeiros de passageiros antes da sua primeira matrícula em território nacional, é contrário ao artigo 90.° CE, que proíbe expressamente qualquer discriminação ou qualquer aplicação proteccionista de um regime fiscal nacional em favor de produtos nacionais similares, tendo em conta que a venda de veículos usados já matriculados em território polaco está isenta deste imposto?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

18      Importa lembrar, antes de mais, que, de acordo com jurisprudência assente, para apreciar se um imposto, um direito ou uma taxa tem a natureza de imposto sobre o volume de negócios, na acepção do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva, há que verificar, designadamente, se tem o efeito de comprometer o funcionamento do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), onerando a circulação dos bens e dos serviços e incidindo sobre as transacções comerciais de modo comparável ao que caracteriza o IVA (acórdão de 11 de Outubro de 2007, KÖGÁZ e o., C‑283/06 e C‑312/06, Colect., p. I‑8463, n.° 34 e jurisprudência aí indicada).

19      O Tribunal de Justiça esclareceu, a este respeito, que, em todo o caso, se deve considerar que oneram a circulação dos bens e dos serviços de modo comparável ao IVA os impostos, direitos e taxas que apresentam as características essenciais do IVA, mesmo que não sejam em tudo idênticos (acórdão KÖGÁZ e o., já referido, n.° 35 e jurisprudência aí indicada).

20      Em contrapartida, o artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva não se opõe à manutenção ou à introdução de um imposto que não apresente uma das características essenciais do IVA (acórdão KÖGÁZ e o., já referido, n.° 36 e jurisprudência aí indicada).

21      O Tribunal de Justiça esclareceu quais são as características essenciais do IVA. Resulta da sua jurisprudência que as referidas características são quatro: a aplicação geral do IVA às transacções que tenham por objecto bens ou serviços; a fixação do seu montante proporcionalmente ao preço recebido pelo sujeito passivo em contrapartida dos bens e dos serviços que forneça; a cobrança deste imposto em cada fase do processo de produção e de distribuição, incluindo a da venda a retalho, qualquer que seja o número de transacções ocorridas anteriormente, e a dedução do IVA devido por um sujeito passivo dos montantes pagos nas fases anteriores do processo de produção e de distribuição, de modo que este imposto só se aplique, numa dada fase, ao valor acrescentado nessa fase e que a carga final do referido imposto seja, em definitivo, suportada pelo consumidor (acórdão KÖGÁZ e o., já referido, n.° 37 e jurisprudência aí indicada).

22      No que se refere à primeira destas características, a saber, a aplicação geral do IVA às transacções que tenham por objecto bens ou serviços, há que realçar, como fazem aliás o Dyrektor Izby Celnej w Białymstoku, o Governo polaco e a Comissão das Comunidades Europeias, que o imposto especial sobre o consumo em causa no processo principal só onera, nos termos do artigo 80.°, n.° 2, ponto 1, da Lei de 2004, as operações de venda de veículos automóveis antes da sua primeira matricula no território polaco.

23      Em face disso, não se pode considerar que o referido imposto especial sobre o consumo onera em termos gerais todas as transacções que tenham por objecto bens ou serviços.

24      Por conseguinte, o imposto especial sobre o consumo em causa no processo principal não responde a uma das características enunciadas no n.° 21 do presente acórdão, sendo desnecessário verificar se este imposto especial sobre o consumo preenche as três outras características essenciais do IVA.

25      Assim, verifica‑se que um imposto que apresenta características como as do imposto especial de consumo em causa no processo principal se distingue do IVA de um modo que não permite que seja qualificado de imposto com a característica de imposto sobre o volume de negócios na acepção do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva.

26      À luz do que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um imposto especial sobre o consumo como o previsto na Polónia pela Lei de 2004, que onera qualquer venda de veículos automóveis antes da sua primeira matrícula no território nacional.

 Quanto à segunda questão

27      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se um imposto especial sobre o consumo que onera qualquer venda de veículos automóveis antes da sua primeira matrícula no território nacional é contrário ao artigo 90.° CE, na medida em que a venda de veículos automóveis usados já matriculados no território polaco está isenta desse imposto.

28      Assim, cabe verificar se esse regime não conduz a uma tributação mais pesada dos veículos usados importados de um Estado‑Membro diferente da República da Polónia, e por conseguinte não matriculados no território polaco, do que dos veículos automóveis usados que já se encontram no mercado nacional e que estão matriculados na Polónia.

29      A título preliminar, há que realçar que um imposto especial sobre o consumo como o instituído pela legislação nacional em causa no processo principal faz parte do regime geral de tributação interna das mercadorias e deve, por este motivo, ser analisado à luz do artigo 90.° CE (v., neste sentido, acórdão de 18 de Janeiro de 2007, Brzeziński, C‑313/05, Colect., p. I‑513, n.° 24).

30      Como já foi decidido pelo Tribunal de Justiça, o artigo 90.° CE constitui, no sistema do Tratado CE, um complemento das disposições relativas à supressão dos direitos aduaneiros e dos encargos de efeito equivalente. Essa disposição tem por objectivo assegurar a livre circulação das mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de protecção que possa resultar da aplicação de imposições internas discriminatórias relativamente a produtos originários de outros Estados‑Membros (acórdão Brzeziński, já referido, n.° 27 e jurisprudência aí indicada).

31      Em matéria de tributação de veículos automóveis usados importados, o artigo 90.° CE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado nacional e os produtos importados (acórdão de 20 de Setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, Colect., p. I‑7585, n.° 24 e jurisprudência aí indicada).

32      Além disso, um sistema de tributação só pode ser considerado compatível com o artigo 90.° CE se se verificar que está organizado de modo a excluir sempre a possibilidade de os produtos importados serem tributados mais fortemente que os produtos nacionais e, portanto, que não comporta, em caso algum, efeitos discriminatórios (acórdão Brzeziński, já referido, n.° 40 e jurisprudência aí indicada).

33      Neste contexto, há que verificar se o imposto especial sobre o consumo em causa no processo principal onera do mesmo modo a venda de um veículo automóvel usado importado como a venda de um veículo automóvel usado já matriculado na Polónia, uma vez que estas duas categorias de veículos são produtos similares na acepção do artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE.

34      No âmbito desta comparação, importa distinguir entre duas categorias de veículos, designadamente, por um lado, os que são vendidos usados nos dois anos civis seguintes à data de fabrico, considerando‑se o ano de fabrico o primeiro ano civil, e, por outro, os que são vendidos usados depois desse período bienal (acórdão Brzeziński, já referido, n.° 34).

35      No que se refere aos veículos particulares vendidos em estado novo ou usado durante o referido período de dois anos, resulta do Despacho de 2004 que estão sujeitos a um imposto especial sobre o consumo, calculado de acordo com a mesma taxa (v., neste sentido, acórdão Brzeziński, já referido, n.° 35).

36      Relativamente aos veículos usados com menos de dois anos, incumbe mais especificamente ao órgão jurisdicional nacional averiguar, nomeadamente à luz do Despacho de 2004, se efectivamente estão sujeitos a imposto especial sobre o consumo de modo idêntico por o montante residual desse imposto incorporado no valor venal dos veículos usados matriculados na Polónia ser igual ao montante do mesmo imposto que onera os veículos usados similares provenientes de um Estado‑Membro diferente da República da Polónia (acórdão Brzeziński, já referido, n.° 36).

37      Em contrapartida, relativamente ao imposto especial sobre o consumo que incide sobre os veículos usados vendidos mais de dois anos depois da data do seu fabrico, a taxa do imposto especial sobre o consumo é calculada de acordo com a fórmula prevista no artigo 7.° do Despacho de 2004. A aplicação dessa fórmula leva ao aumento dessa taxa em função dos anos do veículo (v., neste sentido, acórdão Brzeziński, já referido, n.° 37).

38      Ora, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio averiguar se esse aumento da referida taxa apenas incide sobre os veículos usados provenientes de um Estado‑Membro diferente da República da Polónia e se, ao invés, para os veículos usados, matriculados na Polónia em estado novo, a taxa do imposto especial sobre o consumo residual incorporado no valor desse veículo se mantém constante (acórdão Brzeziński, já referido, n.° 38).

39      Decorre das considerações precedentes que há que responder à segunda questão que o artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto especial sobre o consumo, como o do que está em causa no processo principal, na medida em que o montante do imposto sobre a venda antes da primeira matrícula dos veículos usados importados de outro Estado‑Membro exceda o montante residual do mesmo imposto incorporado no valor venal dos veículos similares que tenham sido previamente matriculados no Estado‑Membro que instituiu o imposto. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio averiguar se a legislação em causa no processo principal, nomeadamente a aplicação do artigo 7.° do Despacho de 2004, tem essa consequência.

 Quanto à limitação dos efeitos do presente acórdão no tempo

40      Nas observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, o Governo polaco pede que, se vier a declarar uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal incompatível com o artigo 90.°, n.° 1, CE, limite no tempo os efeitos do acórdão a proferir.

41      Em apoio do seu pedido, o referido governo invoca, por um lado, o facto de que, na adopção da legislação nacional em causa no processo principal, teve em consideração os acórdãos do Tribunal de Justiça mesmo se estes não incidissem sobre situações jurídicas e fácticas análogas às do presente processo e, por outro, não obstante o facto de determinadas disposições do Despacho de 2004 não estarem em conformidade, no entendimento da Comissão e do Tribunal de Justiça, com o artigo 90.°, n.° 1, CE, porque prevêem um aumento do imposto especial sobre o consumo em função da idade do veículo, tal conclusão não é válida no que se refere às outras considerações do dito acórdão. À luz destas, o Tribunal de Justiça pode limitar os efeitos do presente acórdão no tempo.

42      A este respeito, há que lembrar que só a título excepcional é que o Tribunal de Justiça pode, por força do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição que haja sido interpretada pelo Tribunal para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé (acórdão de 6 de Março de 2007, Meilicke e o., C‑292/04, Colect., p. I‑1835, n.° 35 e jurisprudência aí indicada).

43      Além disso, tal limitação só pode ser admitida, segundo a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, no próprio acórdão que decide quanto à interpretação pedida (acórdão Meilicke e o., já referido, n.° 36 e jurisprudência aí indicada).

44      Na verdade, os efeitos no tempo da interpretação pedida de uma disposição de direito comunitário têm necessariamente de ser determinados pelo Tribunal num momento preciso. Neste aspecto, o princípio de que uma limitação só pode ser admitida no próprio acórdão que decide quanto à interpretação pedida garante a igualdade de tratamento dos Estados‑Membros e demais interessados face a esse direito e, simultaneamente, cumpre as exigências decorrentes do princípio da segurança jurídica (acórdão Meilicke e o., já referido, n.° 37).

45      O presente pedido prejudicial refere‑se, no essencial, à questão da compatibilidade com o artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE de um imposto especial sobre o consumo que onera a venda de veículos automóveis antes da sua primeira matrícula no território nacional. A este respeito, resulta do n.° 41 do acórdão Brzeziński, já referido, que o artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto especial sobre o consumo na medida em que o montante do imposto que incide sobre os veículos usados com mais de dois anos, adquiridos num Estado‑Membro diferente do que instituiu esse imposto, exceda o montante residual do mesmo imposto incorporado no valor venal dos veículos similares que tenham sido previamente matriculados no Estado‑Membro que instituiu o imposto. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio averiguar se a legislação em causa no processo principal, nomeadamente a aplicação do artigo 7.° do Despacho de 2004, tem essa consequência.

46      Ora, resulta do n.° 62 do acórdão Brzeziński, já referido, que o Tribunal não limitou os efeitos desse acórdão no tempo.

47      Consequentemente, não há que limitar os efeitos do presente acórdão no tempo.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um imposto especial sobre o consumo como o previsto na Polónia pela Lei dos impostos especiais sobre o consumo (ustawa o podatku akcyzowym), de 23 de Janeiro de 2004, que onera qualquer venda de veículos automóveis antes da sua primeira matrícula no território nacional.

2)      O artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto especial sobre o consumo, como o que está em causa no processo principal, na medida em que o montante do imposto sobre a venda antes da primeira matrícula dos veículos usados importados de outro Estado‑Membro exceda o montante residual do mesmo imposto incorporado no valor venal dos veículos similares que tenham sido previamente matriculados no Estado‑Membro que instituiu o imposto. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio averiguar se a legislação em causa no processo principal, nomeadamente a aplicação do artigo 7.° do Despacho do Ministro das Finanças relativo à redução das taxas dos impostos especiais sobre o consumo (rozporządzenie Ministra Finansów w sprawie obniżenia stawek podatku akcyzowego), de 22 de Abril de 2004, tem essa consequência.

Assinaturas


* Língua do processo: polaco.