C-392/09 - Uszodaépíto

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Processo C‑392/09

Uszodaépítő kft

contra

APEH Központi Hivatal Hatósági Főosztály

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Baranya Megyei Bíróság)

«Sexta Directiva IVA – Directiva 2006/112/CE – Direito a dedução do imposto pago a montante – Nova regulamentação nacional – Exigências quanto ao conteúdo da factura – Aplicação com efeito retroactivo – Perda do direito a dedução»

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Dedução do imposto pago a montante – Procedimento de autoliquidação – Sujeito passivo do imposto sobre o valor acrescentado enquanto destinatário de bens ou serviços – Direito a dedução

(Directiva 2006/112 do Conselho, artigos 167.°, 168.° e 178.°)

Os artigos 167.°, 168.° e 178.° da Directiva 2006/112, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação retroactiva de uma legislação nacional que, no âmbito de um regime de autoliquidação, subordina a dedução do imposto sobre o valor acrescentado relativo a prestações de serviços de construção à rectificação das facturas relativas às referidas operações e à apresentação de uma declaração complementar rectificativa, apesar de a autoridade fiscal em causa dispor de todos os dados necessários para demonstrar que o sujeito passivo é devedor do imposto sobre o valor acrescentado, enquanto destinatário das operações em causa, e para verificar o montante do imposto dedutível.

Com efeito, o facto de um sujeito passivo optar pela aplicação da nova lei nacional do imposto sobre o valor acrescentado, e não pela antiga lei, não pode, só por si, afectar o seu direito a dedução do imposto pago a montante, que resulta directamente dos artigos 167.° e 168.° da Directiva 2006/112. O princípio da neutralidade fiscal exige, além disso, que a dedução do imposto a montante seja concedida se os requisitos substantivos tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Consequentemente, dado que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo é, enquanto destinatário das operações em causa, devedor do imposto sobre o valor acrescentado, os artigos 167.°, 168.° e 178.°, alínea f), da Directiva 2006/112 obstam a que uma legislação imponha, no que diz respeito ao direito do referido sujeito passivo a deduzir esse imposto, condições adicionais que podem ter por efeito a impossibilidade absoluta do exercício desse direito. Ora, tal pode ser o caso quando os requisitos materiais para a obtenção do direito a dedução, previstos no artigo 168.°, alínea a), da Directiva 2006/112 se encontram preenchidos e, na data em que a Administração Fiscal recusa ao sujeito passivo o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado, esta autoridade dispõe de todas as informações necessárias para demonstrar que o sujeito passivo é devedor do imposto.

(cf. n.os 36, 39, 40, 42, 43, 46, disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

30 de Setembro de 2010 (*)

«Sexta Directiva IVA – Directiva 2006/112/CE – Direito a dedução do imposto pago a montante – Nova regulamentação nacional – Exigências quanto ao conteúdo da factura – Aplicação com efeito retroactivo – Perda do direito a dedução»

No processo C‑392/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Baranya Megyei Bíróság (Hungria) por decisão de 2 de Abril de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 5 de Outubro de 2009, no processo

Uszodaépítő kft

contra

APEH Központi Hivatal Hatósági Főosztály,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts (relator), presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász, J. Malenovský e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: R. Grass,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo húngaro, por J. Fazekas, M. Fehér e Z. Tóth, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por B. D. Simon, na qualidade de agente,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 17.° e 20.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Directiva 2001/115/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 2001 (JO 2002, L 15, p. 24, a seguir «Sexta Directiva»), assim como de princípios gerais de direito da União.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Uszodaépítő kft ao APEH Központi Hivatal Hatósági Főosztály (serviço principal da administração central das contribuições e da inspecção financeira, a seguir «APEH»), a respeito do indeferimento, por parte deste último, do pedido de dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») de que era devedora a recorrente no processo principal, relativo ao IVA aplicável a serviços de construção que lhe foram prestados.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        A Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1), revogou e substituiu, em conformidade com os seus artigos 411.° e 413.°, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007, a legislação da União em matéria de IVA, nomeadamente a Sexta Directiva. Nos termos do primeiro e terceiro considerandos da Directiva 2006/112, a reformulação da Sexta Directiva é necessária a fim de assegurar que as disposições em matéria de harmonização das legislações dos Estados‑Membros relativas ao IVA sejam apresentadas de forma clara e racional, numa estrutura e numa redacção reformuladas, sem, todavia, que daí resultem, em princípio, alterações substanciais. As disposições da Directiva 2006/112 são, assim, no essencial, idênticas às disposições correspondentes da Sexta Directiva.

4        De acordo com o artigo 167.° da Directiva 2006/112, que retoma os termos do artigo 17.°, n.° 1, da Sexta Directiva, «[o] direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível».

5        O artigo 168.°, alínea a), da Directiva 2006/112, cujo teor é substancialmente idêntico ao do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 28.°‑F, n.° 1, desta última directiva, dispõe:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.»

6        O artigo 178.° da Directiva 2006/112, que retoma, no essencial, os termos do artigo 18.°, n.° 1, da Sexta Directiva, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 28.°‑F, n.° 2, desta última directiva, contém as seguintes disposições:

«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

[…]

f)      Quando tenha de pagar o imposto na qualidade de destinatário ou adquirente em caso de aplicação dos artigos 194.° a 197.° e 199.°, cumprir as formalidades estabelecidas por cada Estado‑Membro.»

7        O artigo 199.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2006/112 prevê:

«1.      Os Estados‑Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações:

a)      Prestação de serviços de construção […]»

8        Um regime como o resultante do artigo 199.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2006/112 é conhecido pela denominação habitual de «autoliquidação» e encontrava‑se previsto, anteriormente, no artigo 21.°, n.° 1, da Sexta Directiva.

 Legislação nacional

9        O artigo 127.°, n.° 1, alínea a), da Lei CXXVII de 2007 relativa ao IVA (Általános forgalmi adóról szóló 2007. évi CXXVII törvény, a seguir «nova lei do IVA»), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008, dispõe que «[o] exercício do direito a dedução está sujeito ao requisito substantivo de o sujeito passivo dispor pessoalmente […] de uma factura emitida em seu nome, que comprove a realização da operação».

10      O artigo 142.°, n.° 1, alínea b), da nova lei do IVA prevê:

«1)      O imposto deve ser pago pelo adquirente do bem ou pelo beneficiário do serviço:

[…]

b)      No caso da prestação de serviços de construção […]»

11      Nos termos do artigo 142.°, n.° 7, da nova lei do IVA, «[n]o caso de ser aplicável o n.° 1, o vendedor do bem ou o prestador do serviço está obrigado a emitir uma factura de que não conste o imposto pago a montante, nem a taxa […]».

12      O artigo 169.°, alínea k), da nova lei do IVA dispõe:

«A factura deve obrigatoriamente conter os seguintes elementos:

k)      […] no caso de o adquirente dos bens ou o beneficiário do serviço ser o devedor do imposto, uma remissão para uma norma jurídica ou outra referência clara ao facto de a venda dos bens ou a prestação do serviço:

[…]

kb)      estar sujeita a imposto na esfera jurídica do adquirente do bem ou do beneficiário do serviço.»

13      O artigo 269.°, n.° 1, da nova lei do IVA dispõe ainda:

«No caso de tanto a presente lei como a Lei LXXIV de 1992 relativa ao IVA [a seguir «antiga lei do IVA»] determinarem, para um mesmo interessado ou interessados, os direitos e as obrigações que devem ser exercidos através de autoliquidação, relativos a uma operação tributável baseada em elementos de facto idênticos, a determinação e a aplicação desses direitos e obrigações continuam a ser exclusivamente reguladas pelas disposições da [antiga] lei do IVA, mesmo depois da entrada em vigor da presente lei, salvo se esta, contrariamente à [antiga] lei do IVA, eliminar as obrigações que incidem sobre todos os interessados no seu conjunto ou lhes impuser obrigações menos gravosas, ou lhes reconhecer novos direitos ou mais direitos. Nesse caso, os direitos e obrigações podem ser determinados e aplicados, mediante a apresentação, nos termos da presente lei, de uma decisão conjunta de todos os interessados, mesmo que esses direitos e obrigações tenham tido origem antes da entrada em vigor da presente lei, sem prejuízo do prazo de prescrição, desde que todos os interessados manifestem previamente e por escrito a sua decisão à Administração Fiscal, por requerimento conjunto recebido, o mais tardar, até 15 de Fevereiro de 2008. O referido prazo é peremptório e não pode ser prorrogado. No caso de apresentação extemporânea, pode ser apresentada uma declaração complementar, sem que seja aplicada nenhuma penalidade.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      A recorrente no processo principal celebrou um contrato geral de empreitada, em 9 de Junho de 2006, com a NÁS MPS‑4 kft, dona da obra, que tinha por objecto a prestação de serviços de construção. A recorrente no processo principal prestou os referidos serviços com recurso a diversos subempreiteiros.

15      As obras tiveram início na Primavera de 2007, mas foram interrompidas no Verão desse mesmo ano, devido a problemas de natureza financeira. Foram emitidas as facturas correspondentes às prestações efectuadas até esta interrupção. Tanto a recorrente no processo principal como os seus subempreiteiros cumpriram as suas obrigações relativas à declaração e ao pagamento do IVA, nos termos da antiga lei do IVA.

16      Em 14 de Fevereiro de 2008, na sequência da entrada em vigor da nova lei do IVA, a recorrente no processo principal, a dona da obra e os subempreiteiros solicitaram, por decisão conjunta e em conformidade com o artigo 269.°, n.° 1, da referida lei, a aplicação das disposições da nova lei às obras realizadas com base tanto no contrato entre a recorrente no processo principal e a dona da obra como nos celebrados entre a referida recorrente e os subempreiteiros (a seguir «declaração de 14 de Fevereiro de 2008»).

17      Na sequência de uma inspecção efectuada pela Administração Fiscal à declaração do IVA apresentada pela recorrente no processo principal, relativa ao exercício de 2007, a referida Administração apurou, por decisão de 23 de Maio de 2008, uma dívida fiscal no valor total de 52 822 000 HUF, referente aos meses de Abril a Setembro de 2007. A este respeito, a autoridade fiscal esclareceu que a recorrente no processo principal não podia exercer o direito a dedução com base em facturas emitidas pelos subempreiteiros, dado que estas facturas não estavam conformes com o previsto nas disposições da nova lei do IVA. Com efeito, na sequência da declaração de 14 de Fevereiro de 2008, as disposições da nova lei do IVA, em matéria de autoliquidação, eram aplicáveis, retroactivamente, às facturas emitidas durante o exercício de 2007. Segundo a referida autoridade, as facturas emitidas pelos subempreiteiros deveriam ter respeitado as disposições dos artigos 142.°, n.° 7, e 169.°, alínea k), desta nova lei. Consequentemente, para que a recorrente no processo principal pudesse exercer o direito a dedução em conformidade com as disposições da nova lei do IVA, por um lado, os subempreiteiros deveriam ter alterado as facturas emitidas e, por outro, a referida recorrente deveria ter alterado a sua declaração do IVA relativa ao exercício de 2007, através de uma declaração complementar.

18      Por decisão de 5 de Setembro de 2008, a APEH confirmou a decisão de 23 de Maio de 2008.

19      A recorrente no processo principal interpôs um recurso no órgão jurisdicional de reenvio, com vista à anulação da decisão da APEH de 5 de Setembro de 2008. O referido órgão jurisdicional considera que o artigo 269.°, n.° 1, da nova lei do IVA, ao suprimir com efeitos retroactivos o direito a dedução exercido regularmente pela recorrente no processo principal com fundamento na antiga lei do IVA, viola os artigos 17.° e 20.° da Sexta Directiva assim como diversos princípios gerais de direito da União.

20      Nestas condições, o Baranya Megyei Bíróság decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com os artigos 17.° e 20.° da Sexta Directiva uma disposição de um Estado‑Membro que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008, depois de constituído o direito a dedução do imposto, que exige, para efeitos da dedução do IVA pago e declarado por prestações de serviços ou entregas de bens realizadas no exercício de 2007, a alteração do conteúdo das facturas e a apresentação de uma declaração complementar?

2)      A medida prevista no artigo 269.°, n.° 1, da nova lei do IVA, segundo a qual, na hipótese de os requisitos previstos neste artigo estarem preenchidos, os direitos e as obrigações são determinados e aplicados de acordo com a referida nova lei, mesmo que tenham tido origem antes da sua entrada em vigor, sem prejuízo do prazo de prescrição, é compatível com os princípios gerais de direito [da União], no sentido de que é objectivamente justificada, razoável, proporcionada e conforme com o princípio da segurança jurídica?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

21      O Governo húngaro alega que o litígio no processo principal não exige uma interpretação das disposições e dos princípios jurídicos referidos na decisão de reenvio. A este respeito, observa que, por um lado, a aplicação retroactiva das disposições da nova lei do IVA se funda exclusivamente numa manifestação expressa e espontânea da vontade da recorrente no processo principal e dos outros sujeitos passivos interessados. Ora, uma vez que solicitou expressamente a aplicação dessa lei, a recorrente no processo principal deveria respeitar as consequências jurídicas daí decorrentes. Por outro lado, o litígio no processo principal resulta de uma interpretação errada, pela recorrente no processo principal, das disposições transitórias da nova lei do IVA. O referido litígio suscita uma questão de interpretação do direito nacional, e não do direito da União.

22      A este respeito, importa recordar que, nos termos de jurisprudência assente, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça da União Europeia e os órgãos jurisdicionais nacionais nos termos previstos no artigo 267.° TFUE, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, como as questões colocadas são relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir (v., nomeadamente, acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, Colect., p. I‑2099, n.° 38; de 1 de Outubro de 2009, Gottwald, C‑103/08, Colect., p. I‑9117, n.° 16; e de 22 de Abril de 2010, Dimos Agiou Nikolaou, C‑82/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 14).

23      Daqui decorre que a presunção de pertinência das questões prejudiciais submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais só pode ser ilidida em casos excepcionais, nomeadamente quando é manifesto que a interpretação solicitada das disposições do direito da União mencionadas nessas questões não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objecto da lide principal (v., nomeadamente, acórdão Gottwald, já referido, n.° 17 e jurisprudência aí referida).

24      Ora, no caso em apreço, independentemente de a recorrente no processo principal ter optado pela aplicação da nova lei do IVA e mesmo que a escolha desta se funde numa interpretação errada da lei em causa, é verdade que as disposições desta nova lei são aplicáveis ao litígio no processo principal e que o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade das medidas transitórias da referida lei com diversas disposições do direito da União, devido ao facto de estas medidas impedirem a recorrente no processo principal de exercer o direito a dedução do IVA.

25      Por conseguinte, é forçoso concluir que não é manifesto que a interpretação solicitada do direito da União seja irrelevante para efeitos da decisão que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a proferir.

26      Consequentemente, o pedido de decisão prejudicial deve ser julgado admissível.

 Quanto à primeira questão

27      Em primeiro lugar, no que se refere ao objecto da primeira questão, verifica‑se que o pedido do órgão jurisdicional de reenvio tem por objecto a interpretação dos artigos 17.° e 20.° da Sexta Directiva.

28      Todavia, em conformidade com os artigos 411.° e 413.° da Directiva 2006/112, esta revogou e substituiu a Sexta Directiva com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007.

29      Assim, uma vez que os factos pertinentes do litígio no processo principal são posteriores a 1 de Janeiro de 2007, só é pertinente para este litígio a interpretação das disposições da Directiva 2006/112.

30      O facto de um órgão jurisdicional nacional ter, no plano formal, formulado as questões prejudiciais fazendo referência apenas às disposições da Sexta Directiva não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis à decisão do processo que lhe foi submetido, quer aquele tenha ou não feito referência a tais elementos no enunciado das suas questões (v., neste sentido, acórdãos de 27 de Outubro de 2009, ČEZ, C‑115/08, Colect., p. I‑10265, n.° 81, e de 12 de Janeiro de 2010, Petersen, C‑341/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 48).

31      A este respeito, importa salientar que, como resulta do terceiro considerando da Directiva 2006/112, esta procede a uma reformulação da legislação existente em matéria de harmonização das legislações dos Estados‑Membros relativas ao IVA, nomeadamente da Sexta Directiva, reformulação que, em princípio, não provoca alterações substanciais desta legislação.

32      Nestas condições, deve considerar‑se que a primeira questão colocada tem por objecto a interpretação dos artigos 167.° e 168.° da Directiva 2006/112, os quais correspondem às disposições da Sexta Directiva referidas na decisão de reenvio. Além disso, uma vez que a primeira questão tem por objecto, no essencial, as modalidades de exercício do direito a dedução do IVA, há que considerar que tem igualmente por objecto a interpretação do artigo 178.° da Directiva 2006/112.

33      Em segundo lugar, quanto ao mérito da causa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 167.°, 168.° e 178.° da Directiva 2006/112 se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que, no âmbito de uma aplicação retroactiva de novas disposições relativas à autoliquidação, subordina a dedução do IVA à rectificação das facturas relativas a operações efectuadas antes da entrada em vigor da nova lei e à apresentação de uma declaração fiscal complementar.

34      A este respeito, importa recordar que, por um lado, o direito a dedução previsto nos artigos 167.° e 168.° da Directiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito exerce‑se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante (acórdão de 15 de Julho de 2010, Pannon Gép Centrum, C‑368/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 37 e jurisprudência aí referida).

35      O regime das deduções destina‑se a libertar completamente o sujeito passivo do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, consequentemente, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, desde que as referidas actividades estejam, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (v. acórdãos de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C‑408/98, Colect., p. I‑1361, n.° 24; de 21 de Abril de 2005, HE, C‑25/03, Colect., p. I‑3123, n.° 70; e de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C‑439/04 e C‑440/04, Colect., p. I‑6161, n.° 48).

36      O facto de o sujeito passivo ter optado pela aplicação da nova lei do IVA, em vez da antiga lei, não pode, por conseguinte, só por si, afectar o seu direito a dedução do IVA pago a montante, que resulta directamente dos artigos 167.° e 168.° da Directiva 2006/112.

37      Por outro lado, no que se refere às modalidades de exercício do direito a dedução do IVA, nos termos referidos no artigo 178.° da Directiva 2006/112, dado que se trata de um procedimento de autoliquidação nos termos do artigo 199.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2006/112, há que observar que só são aplicáveis as modalidades referidas na alínea f) do artigo 178.° Portanto, um sujeito passivo, que é devedor, enquanto destinatário de serviços, do IVA respectivo, não é obrigado a ter uma factura passada em conformidade com os requisitos formais da Directiva 2006/112, a fim de poder exercer o direito a dedução, e deve unicamente cumprir as formalidades estabelecidas pelo Estado‑Membro em causa no exercício da opção que lhe é permitida pelo artigo 178.°, alínea f), da mesma directiva (v., neste sentido, acórdão de 1 de Abril de 2004, Bockemühl, C‑90/02, Colect., p. I‑3303, n.° 47).

38      Resulta da jurisprudência que as formalidades assim estabelecidas pelo Estado‑Membro em causa e que devem ser respeitadas pelo sujeito passivo para poder exercer o direito a dedução do IVA não podem ultrapassar o estritamente necessário para controlar a aplicação correcta do procedimento de autoliquidação (v., neste sentido, acórdão Bockemühl, já referido, n.° 50).

39      A este respeito, já foi decidido que o princípio da neutralidade fiscal exige que a dedução do IVA a montante seja concedida se os requisitos substantivos tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (acórdão de 8 de Maio de 2008, Ecotrade, C‑95/07 e C‑96/07, Colect., p. I‑3457, n.° 63).

40      Consequentemente, dado que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo é, enquanto destinatário das operações em causa, devedor do IVA, os artigos 167.°, 168.° e 178.°, alínea f), da Directiva 2006/112 obstam a que uma legislação imponha, no que diz respeito ao direito do referido sujeito passivo a deduzir esse imposto, condições adicionais que podem ter por efeito a impossibilidade absoluta do exercício desse direito (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Bockemühl, n.° 51, e Ecotrade, n.° 64).

41      No âmbito do litígio no processo principal, a Administração Fiscal recusou à recorrente no processo principal o direito de deduzir o IVA relativo aos serviços de construção prestados em 2007 pelos seus subempreiteiros, devido, por um lado, ao facto de a referida recorrente não dispor, para as referidas operações, de facturas rectificadas que respeitassem as disposições dos artigos 142.°, n.° 7, e 169.°, alínea k), da nova lei do IVA, que eram aplicáveis, com efeitos retroactivos, a partir de 1 de Janeiro de 2008, e, por outro, a não ter alterado a sua declaração fiscal relativa ao exercício de 2007 com base nas facturas assim rectificadas.

42      Em primeiro lugar, resulta do processo que os requisitos materiais para a obtenção do direito a dedução do IVA, previstos no artigo 168.°, alínea a), da Directiva 2006/112, se encontram preenchidos, de modo que a recorrente no processo principal pode beneficiar do referido direito em relação ao IVA relativo aos serviços de construção prestados pelos seus subempreiteiros. Há que salientar que estas últimas operações foram, com efeito, utilizadas para os fins das operações tributáveis do sujeito passivo no Estado‑Membro em causa. Além disso, com base na declaração fiscal relativa ao exercício de 2007, a autoridade fiscal em causa tinha conhecimento do preenchimento dos referidos requisitos materiais.

43      Em segundo lugar, é pacífico que, na data em que a autoridade fiscal recusou à recorrente no processo principal o direito a dedução do IVA, essa autoridade dispunha, com base na declaração fiscal relativa ao exercício de 2007 e na declaração de 14 de Fevereiro de 2008, de todas as informações necessárias para demonstrar que a recorrente no processo principal era devedora do IVA, enquanto destinatária dos serviços de construção prestados pelos subempreiteiros.

44      Como salienta a Comissão Europeia, a imposição de formalidades como as que estão em causa no processo principal pode ter como efeito a impossibilidade absoluta do exercício, pela recorrente no processo principal, do seu direito a dedução.

45      Tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 39 e 40 do presente acórdão, deve, por conseguinte, considerar‑se que os artigos 167.°, 168.° e 178.° da Directiva 2006/112 se opõem à imposição de formalidades como as que estão em causa no processo principal.

46      Nestas condições, os artigos 167.°, 168.° e 178.° da Directiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação retroactiva de uma legislação nacional que, no âmbito de um regime de autoliquidação, subordina a dedução do IVA relativo a prestações de serviços de construção à rectificação das facturas relativas às referidas operações e à apresentação de uma declaração complementar rectificativa, apesar de a autoridade fiscal em causa dispor de todos os dados necessários para demonstrar que o sujeito passivo é devedor do IVA, enquanto destinatário das operações em causa, e para verificar o montante do imposto dedutível.

 Quanto à segunda questão

47      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

Os artigos 167.°, 168.° e 178.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação retroactiva de uma legislação nacional que, no âmbito de um regime de autoliquidação, subordina a dedução do imposto sobre o valor acrescentado relativo a prestações de serviços de construção à rectificação das facturas relativas às referidas operações e à apresentação de uma declaração complementar rectificativa, apesar de a autoridade fiscal em causa dispor de todos os dados necessários para demonstrar que o sujeito passivo é devedor do imposto sobre o valor acrescentado, enquanto destinatário das operações em causa, e para verificar o montante do imposto dedutível.

Assinaturas


* Língua do processo: húngaro.