C-106/10 - Lidl AND Companhia

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Processo C‑106/10

Lidl & Companhia

contra

Fazenda Pública

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo]

«Fiscalidade – Directiva 2006/112/CE – IVA – Valor tributável – Imposto devido pelo fabrico, montagem, admissão ou importação de veículos»

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Valor tributável

[Directiva 2006/112 do Conselho, artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a)]

Um imposto sobre veículos, cujo facto gerador está directamente ligado à entrega de um veículo abrangido pelo âmbito de aplicação deste imposto e que é pago pelo fornecedor desse veículo, integra‑se no conceito de «impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos», na acepção do artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e deve, em aplicação desta disposição, ser incluído no valor tributável em imposto sobre o valor acrescentado da entrega do referido veículo.

Os valores pagos pelo fornecedor a título do referido imposto sobre veículos devido pelo fabrico, montagem, admissão ou importação no território de um Estado‑Membro de veículos cuja matrícula nesse Estado‑Membro seja obrigatória integram‑se, por isso, no valor do veículo entregue. O comprador de um veículo sujeito ao referido imposto sobre veículos, pago pelo fornecedor do veículo em seu nome e por sua própria conta, retribui por isso uma operação prévia efectuada por este sujeito passivo.

(cf. n.os 34, 37, 42 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

28 de Julho de 2011 (*)

«Fiscalidade – Directiva 2006/112/CE – IVA – Valor tributável – Imposto devido pelo fabrico, montagem, admissão ou importação de veículos»

No processo C‑106/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por decisão de 27 de Janeiro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 25 de Fevereiro de 2010, no processo

Lidl & Companhia

contra

Fazenda Pública,

sendo interveniente:

Ministério Público,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: D. Šváby (relator), presidente de secção, G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

advogado‑geral: V. Trstenjak,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Maio de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Lidl & Companhia, por M. Lourenço e I. Ramos, advogados,

–        em representação da Fazenda Pública, por N. Severino, advogado,

–        em representação do Governo português, por L. Fernandes e R. Laires, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Afonso, na qualidade de agente,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), e 79.°, primeiro parágrafo, alínea c), da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, e rectificação no JO 2007, L 335, p. 60).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Lidl & Companhia e a Fazenda Pública, a respeito da inclusão no valor tributável em imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») do imposto sobre veículos (a seguir «ISV») correspondente à aquisição de dois veículos a uma sociedade portuguesa importadora de veículos automóveis.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        O artigo 73.° da Directiva 2006/112 dispõe:

«Nas entregas de bens e […] prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações.»

4        O artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da mesma directiva enuncia:

«O valor tributável inclui os seguintes elementos:

a)      Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com excepção do próprio IVA.»

5        O artigo 79.° da referida directiva prevê:

«O valor tributável não inclui os seguintes elementos:

[...]

c)      As quantias que um sujeito passivo receba do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que sejam registadas na sua contabilidade em contas de passagem.

O sujeito passivo deve justificar o montante efectivo dos encargos referidos na alínea c) do primeiro parágrafo e não pode proceder à dedução do IVA que eventualmente tenha incidido sobre eles.»

6        O artigo 83.° da Directiva 2006/112 dispõe:

«Nas aquisições intracomunitárias de bens, o valor tributável é constituído pelos mesmos elementos que os utilizados para determinar, em conformidade com o capítulo 1, o valor tributável da entrega desses mesmos bens no território do Estado‑Membro. [...]»

 Regulamentação nacional

 Regulamentação relativa ao IVA

7        O artigo 16.° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (a seguir «CIVA») dispõe:

«1.      Sem prejuízo do disposto no n.° 2, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

[...]

5.      O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto inclui:

a)      Os impostos, direitos e taxas e outras imposições, com a excepção do próprio [IVA];

[...]

6.      Do valor tributável referido no número anterior são excluídos:

[...]

c)      As quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou do destinatário dos serviços, registadas pelo sujeito passivo em contas de terceiros apropriadas;

[...]»

8        O artigo 17.° do CIVA enuncia:

«1.      O valor tributável dos bens importados é constituído pelo valor aduaneiro, determinado de harmonia com as disposições comunitárias em vigor.

2.      O valor tributável dos bens importados inclui, na medida em que nele não estejam compreendidos:

a)      Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos devidos antes ou em virtude da própria importação, com exclusão do [IVA];

[...]»

9        O artigo 17.° do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias tem a seguinte redacção:

«1.      Na determinação do valor tributável das aquisições intracomunitárias de bens é aplicável, em idênticas condições, o previsto no artigo 16.° do Código do IVA para as transmissões de bens.

[...]

3.      Nas aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo ou imposto sobre veículos, o valor tributável é determinado com a inclusão destes impostos, ainda que não liquidados simultaneamente.»

 Regulamentação relativa ao ISV

10      O Código do Imposto sobre Veículos, publicado em anexo à Lei n.° 22‑A/2007, de 29 de Junho (Diário da República , 1.a série, n.° 124, de 29 de Junho de 2007, a seguir «CISV»), entrou em vigor em 1 de Julho de 2007.

11      O artigo 3.°, n.° 1, do CISV dispõe:

«São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando‑se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos ou a declaração complementar de veículos.»

12      O artigo 5.° do CISV tem a seguinte redacção:

«1 – Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

2 – Constitui ainda facto gerador do imposto:

a)      A atribuição de matrícula definitiva nova após o cancelamento voluntário da matrícula nacional feito com reembolso de imposto ou qualquer outra vantagem fiscal;

[...]

d)      A permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no presente código.

3 – Para efeitos do presente código entende‑se por:

a)      ‘Admissão’, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado‑Membro da União Europeia em território nacional;

b)      ‘Importação’, a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional.

[...]»

13      Em conformidade com o disposto no artigo 6.°, n.° 1, do CISV, o ISV torna‑se exigível no momento da introdução no consumo, designadamente:

«a)      No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos;

b)      No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos ou declaração complementar de veículos pelos particulares.»

14      O artigo 16.° do CISV define particular como «todo o sujeito passivo que proceda à admissão ou importação de veículos tributáveis, em estado novo ou usado, com a finalidade principal de satisfazer as suas necessidades próprias de transporte».

15      Nos termos do artigo 27.°, n.° 3, do CISV, as autoridades responsáveis pela atribuição da matrícula não podem matricular veículos sem que seja feita prova do pagamento do ISV, se este imposto for devido.

16      Em aplicação do artigo 58.°, n.° 1, do CISV, com a epígrafe «Transferência de residência», os veículos detidos por pessoas que transferem a sua residência de um Estado‑Membro da União ou de um Estado terceiro para Portugal estão isentos do pagamento do ISV.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

17      Em 28 de Setembro de 2007, a Lidl & Companhia adquiriu dois veículos automóveis. As facturas emitidas pelo fornecedor e pagas por esta empresa incluíam o preço de base, o ISV e encargos diversos. Ao montante total foi aplicado o IVA à taxa de 21%.

18      Em 25 de Janeiro de 2008, a Lidl & Companhia apresentou uma reclamação graciosa do acto de liquidação do IVA contabilizado nas duas facturas acima mencionadas, cujos montantes de IVA declarados eram, respectivamente, de 8 601,23 euros e 4 554,33 euros. Em 7 de Abril de 2008, o director dos Serviços de Finanças da Região de Sintra 1 indeferiu essa reclamação por despacho notificado à interessada.

19      Tendo o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra negado provimento na íntegra ao recurso interposto do acto de liquidação do IVA pela Lidl & Companhia, esta recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo. Neste órgão jurisdicional, a recorrente afirma que a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ao aceitar a tese de que o ISV contabilizado e pago quando da importação dos veículos automóveis no território nacional deve ser incluído no cálculo do valor tributável do IVA, viola o disposto no artigo 16.°, n.° 6, alínea c), do CIVA e no artigo 79.°, primeiro parágrafo, alínea c), da Directiva 2006/112. A Lidl & Companhia sustenta que, embora não seja devedora do ISV que incidiu sobre as viaturas que adquiriu, este imposto foi nela repercutido e deu lugar ao pagamento de um montante em excesso de IVA, cujo reembolso solicita.

20      O Ministério Público junto do órgão jurisdicional de reenvio considera que o ISV é um imposto «monofásico» que é pago apenas uma vez, quando da primeira introdução do veículo no mercado português, no momento da primeira matrícula em Portugal. A este respeito, afirma que este imposto, cujo facto gerador é a introdução do veículo no mercado português no momento da primeira matrícula em Portugal, apresenta características análogas ao «imposto de matrícula» que deu lugar ao acórdão de 1 de Junho de 2006, De Danske Bilimportører (C‑98/05, Colect., p. I‑4945). Consequentemente, requer que seja submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

21      Tendo em conta os pedidos da recorrente no processo principal e os do Ministério Público, mas considerando porém que a inclusão do ISV no valor tributável em IVA não viola o direito da União, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 78.°, [primeiro parágrafo], alínea a), conjugado com o artigo 79.°, [primeiro parágrafo], alínea c), da Directiva 2006/112[...], deve ser interpretado no sentido de não permitir que, nas aquisições intracomunitárias, seja incluído no valor tributável em IVA o quantitativo do imposto sobre veículos, criado pela Lei n.° 22‑A/2007, de 27 de Junho?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

22      Nas suas observações, o Governo português contesta a admissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial.

23      Em especial, afirma que este pedido não contém esclarecimentos suficientes, desde logo, quanto à natureza da operação em causa no processo principal, entrega de um bem ou aquisição intracomunitária, em segundo lugar, quanto ao modo como a Lidl & Companhia suportou o ISV e o IVA contestado e, por último, quanto ao nexo existente entre o litígio no processo principal e as disposições cuja interpretação é pedida.

24      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.° TFUE, baseado numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional nacional tem competência exclusiva para verificar e apreciar os factos do litígio no processo principal assim como para interpretar e aplicar o direito nacional. Do mesmo modo, compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v. acórdão de 26 de Maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e o., C‑165/09 a C‑167/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 47 e jurisprudência referida).

25      Daqui resulta que as questões prejudiciais relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só se pode recusar a responder a uma questão submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v. acórdão de 2 de Dezembro de 2010, Jakubowska, C‑225/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 28 e jurisprudência referida).

26      Ora, há que notar que a decisão de reenvio contém uma descrição suficiente do quadro jurídico e factual do litígio no processo principal e que as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio permitem determinar o alcance das questões submetidas. Além disso, o Tribunal de Justiça não deve pôr em causa nem a qualificação de aquisição intracomunitária da operação em causa no processo principal, efectuada pelo órgão jurisdicional de reenvio na questão prejudicial, nem a consideração implícita segundo a qual a recorrente no processo principal suportou o IVA sobre o montante do ISV e reclama o respectivo reembolso. Tendo em conta a remissão efectuada pelo artigo 83.° da Directiva 2006/112 para os artigos 73.° e seguintes da mesma, a interpretação dos artigos 78.° e 79.° da referida directiva é, em todo o caso, relevante para a resolução do litígio no processo principal, quer a operação em causa no processo principal constitua uma entrega de um bem ou uma aquisição intracomunitária.

27      Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto ao mérito

28      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se um imposto como o ISV deve ser incluído no valor tributável em IVA como imposto, direito ou taxa na acepção do artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112, ou, pelo contrário, ser excluído desse valor tributável nos termos do artigo 79.°, primeiro parágrafo, alínea c), da referida directiva.

29      A título liminar, é de referir que, de acordo com o artigo 83.° da Directiva 2006/112, no que respeita às aquisições de bens intracomunitárias, o valor tributável é constituído pelos mesmos elementos que os utilizados para determinar, nos termos dos artigos 73.° a 82.° desta directiva, o valor tributável da entrega destes mesmos bens no território do Estado‑Membro.

30      O artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112 prevê, mais especificamente, que, para as entregas de bens, o valor tributável inclui os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com excepção do próprio IVA.

31      O artigo 79.°, primeiro parágrafo, alínea c), da referida directiva prevê que o valor tributável não inclui as quantias que um sujeito passivo receba do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que sejam registadas na sua contabilidade em contas de passagem.

32      A fim de averiguar se um imposto como o ISV deve ser incluído no valor tributável em IVA ou, pelo contrário, deste excluído, há que determinar, por um lado, se ele se inclui no conceito de «impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos», na acepção do artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112, e, por outro, se beneficia da excepção prevista no artigo 79.°, primeiro parágrafo, alínea c), da mesma directiva.

33      No que respeita, em primeiro lugar, ao artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112, o Tribunal de Justiça esclareceu que, para que os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos possam ser incluídos na matéria colectável do IVA, mesmo que não representem valor acrescentado e não constituam a contrapartida económica da entrega do bem, devem apresentar uma ligação directa com essa entrega (acórdão de 22 de Dezembro de 2010, Comissão/Áustria, C‑433/09, n.° 34 e jurisprudência referida).

34      A este respeito, resulta da jurisprudência que a questão de saber se o fornecedor do veículo pagou um imposto em seu nome e por sua própria conta constitui um aspecto determinante para a inclusão de um imposto no valor do bem entregue e que, se for esse o caso, a contrapartida que é tomada em conta para o cálculo do valor tributável deve, em princípio, incluir o montante do imposto em questão (v., neste sentido, acórdão de 20 de Maio de 2010, Comissão/Polónia, C‑228/09, n.° 40).

35      No presente caso, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do CISV, são sujeitos passivos do ISV os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, ou seja, as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos ou a declaração complementar de veículos. Ora, tratando‑se de particulares conforme foram definidos no artigo 16.° do CISV, afigura‑se que estes constituem apenas sujeitos passivos residuais, como afirmou na audiência a República Portuguesa.

36      É, por isso, forçoso concluir que, em princípio, as despesas a título do ISV não foram efectuadas em nome do adquirente do veículo, mas pelo fornecedor do mesmo veículo na acepção do artigo 73.° da Directiva 2006/112, estando assim estabelecida uma relação directa entre a operação de entrega efectuada por este último e o referido imposto.

37      No mesmo sentido, é de referir que, não obstante a ausência de referência explícita à entrega como facto gerador do ISV, resulta do artigo 5.°, n.° 1, do CISV que os factos geradores deste imposto são todos operações efectuadas a montante e que fazem parte da operação de entrega. Os valores pagos pelo fornecedor a título do ISV devido pelo fabrico, montagem, admissão ou importação no território português de veículos cuja matrícula em Portugal seja obrigatória integram‑se, por isso, no valor do veículo entregue, como afirmou a República Portuguesa. Ao proceder deste modo, o comprador de um veículo sujeito ao ISV pago pelo fornecedor do referido veículo retribui uma operação prévia efectuada por este sujeito passivo.

38      Por outro lado, não pode ser estabelecido nenhum nexo jurídico entre o ISV e a operação de matrícula, ao contrário do que era o caso do imposto em questão no processo em que foi proferido o acórdão De Danske Bilimportører, já referido. Com efeito, pode designadamente salientar‑se que o CISV prevê várias hipóteses em que o ISV não é devido, mesmo tendo lugar a matrícula de um veículo abrangido no seu âmbito de aplicação. Sucede assim, particularmente, com a isenção concedida nos termos do artigo 58.°, n.° 1, do CISV aos veículos detidos por pessoas que transferem a sua residência para Portugal. É igualmente relevante, a este respeito, a circunstância de tanto o facto gerador como a exigibilidade do ISV serem anteriores à operação de matrícula, conforme resulta do artigo 27.° do CISV, segundo o qual um veículo tributável só pode ser matriculado se tiver sido paga a totalidade dos impostos e direitos correspondentes.

39      Consequentemente, um imposto como o ISV deve ser considerado directamente ligado à entrega dos veículos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação e, por isso, ser incluído no valor tributável em IVA, nos termos do artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112.

40      No que respeita, em segundo lugar, ao artigo 79.°, primeiro parágrafo, alínea c), da Directiva 2006/112, não pode validamente afirmar‑se que os encargos suportados por um operador registado ou por um operador reconhecido para efeitos do ISV o foram em nome e por conta do comprador do veículo em causa. Para este efeito, basta observar, como resulta do n.° 35 do presente acórdão, que os sujeitos passivos do ISV são os fornecedores de veículos, e não os compradores dos mesmos (v., por analogia, acórdão Comissão/Áustria, já referido, n.° 48).

41      Em consequência, um imposto como o ISV não pode ser excluído do valor tributável em IVA ao abrigo do artigo 79.°, primeiro parágrafo, alínea c), da Directiva 2006/112.

42      Tendo em conta o que antecede, há que responder à questão submetida que um imposto como o ISV em causa no processo principal, cujo facto gerador está directamente ligado à entrega de um veículo abrangido pelo âmbito de aplicação deste imposto e que é pago pelo fornecedor desse veículo, se integra no conceito de «impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos», na acepção do artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112, e deve, em aplicação desta disposição, ser incluído no valor tributável em IVA da entrega do referido veículo.

 Quanto às despesas

43      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

Um imposto como o imposto sobre veículos em causa no processo principal, cujo facto gerador está directamente ligado à entrega de um veículo abrangido pelo âmbito de aplicação deste imposto e que é pago pelo fornecedor desse veículo, integra‑se no conceito de «impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos», na acepção do artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e deve, em aplicação desta disposição, ser incluído no valor tributável em imposto sobre o valor acrescentado da entrega do referido veículo.

Assinaturas


*? Língua do processo: português.