C-464/10 - Henfling e o.

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Processo C-464/10

Estado belga

contra

Pierre Henfling, Raphaël Davin et Koenraad Tanghe, na qualidade de administradores da insolvência da Tiercé Franco-Belge SA

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d'appel de Mons)

«Fiscalidade – Sexta Directiva IVA – Artigo 6.º, n.º 4 – Isenção – Artigo 13.º, B, alínea f) – Jogos de fortuna ou azar – Serviços prestados por um comissário (recebedor) que actua em nome próprio, mas por conta de um comitente que exerce a actividade de corretor de apostas»

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Isenções – Isenção relativamente aos jogos de fortuna ou azar – Conceito

[Directiva 77/38 do Conselho, artigos 6.°, n.° 4, e 13.°, B, alínea f)]

Os artigos 6.º, n.º 4, e 13.º, B, alínea f), da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, devem ser interpretados no sentido de que, na medida em que um operador económico intervenha em nome próprio, mas por conta de uma empresa que exerce uma actividade de corretor de apostas, na recolha de apostas abrangidas pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado prevista nesse artigo 13.º, B, alínea f), se considera que, por força desse artigo 6.º, n.º 4, esta empresa fornece ao referido operador uma prestação de apostas abrangida pela referida isenção.

(cf. n.° 44 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

14 de Julho de 2011 (*)

«Fiscalidade – Sexta Directiva IVA – Artigo 6.º, n.º 4 – Isenção – Artigo 13.º, B, alínea f) – Jogos de fortuna ou azar – Serviços prestados por um comissário (recebedor) que actua em nome próprio, mas por conta de um comitente que exerce a actividade de corretor de apostas»

No processo C‑464/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.º TFUE, apresentado pela cour d’appel de Mons (Bélgica), por decisão de 17 de Setembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 24 de Setembro de 2010, no processo

Estado belga

contra

Pierre Henfling, Raphaël Davin e Koenraad Tanghe, na qualidade de administradores da insolvência da Tiercé Franco-Belge SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: D. Šváby, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta e T. von Danwitz (relator), juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Maio de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de P. Henfling, R. Davin e K. Tanghe, na qualidade de administradores da insolvência da Tiercé Franco‑Belge SA, por O. Bertin, avocat,

–        em representação do Governo belga, por M. Jacobs, L. Van den Broeck e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por D. Recchia, B. Stromsky e C. Soulay, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 6.°, n.° 4, e 13.°, B, alínea f), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Estado belga a P. Henfling, R. Davin e K. Tanghe, na sua qualidade de administradores da insolvência da Tiercé Franco-Belge SA (a seguir «TFB»), a propósito da recusa deste Estado de isentar de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») as prestações efectuadas por agências de apostas por conta da TFB.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva, estão sujeitas ao IVA «as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

4        Segundo o artigo 5.º, n.os 1 e 4, alínea c), desta directiva, por entrega de um bem entende‑se «a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário» e «[a] transferência de um bem efectuada por força de um contrato de comissão de compra ou de venda».

5        O artigo 6.º da referida directiva enuncia:

«1.      Por ‘prestação de serviços’ entende‑se qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na acepção do artigo 5.°

[...]

4.      Quando um sujeito passivo que actua em seu próprio nome, mas por conta de outrem, participa numa prestação de serviços, considera‑se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão.

[...]»

6        O artigo 13.° da Sexta Directiva, sob a epígrafe «Isenções no território do país», dispõe:

«[...]

B.      Outras isenções

Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abusos:

[...]

f)      As apostas, lotarias e outros jogos de azar ou a dinheiro, sem prejuízo das condições e dos limites estabelecidos pelos Estados‑Membros;

[...]»

 Legislação nacional

7        O artigo 10.° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (code de la taxe sur la valeur ajoutée, a seguir «código do IVA») dispõe:

«Entende‑se por entrega de um bem a transferência do poder de dispor de um bem como proprietário.

Tal consiste, nomeadamente, em colocar um bem à disposição do adquirente ou do cessionário, em execução de um contrato translativo ou declarativo.»

8        O artigo 13.º, n.os 1 e 2, deste código enuncia:

«1.      Na comissão de compra, o comissário é considerado comprador e, face ao seu comitente, vendedor do bem comprado por seu intermédio; na comissão de vendas, o comissário é considerado vendedor e, face ao seu comitente, comprador do bem vendido por seu intermédio.

2.      Entende‑se por comissário não só aquele que age em seu próprio nome, ou sob uma designação social por conta de um comitente, mas também o intermediário na compra que recebe do vendedor, ou o intermediário na venda que entrega ao comprador, a qualquer título, uma factura, uma nota de débito ou outro documento equivalente, redigidos em seu próprio nome.»

9        Nos termos do artigo 18.°, n.º 1, do código do IVA:

«Entende‑se por prestação de serviços qualquer operação que não constitua uma entrega de um bem na acepção do presente código.

Entende‑se por prestação de serviços, nomeadamente, a execução de um contrato que tem por objecto:

[...]

3.      o mandato;

[...]»

10      O artigo 20.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do código do IVA dispõe:

«[...] quando um comissário ou qualquer intermediário, agindo nas condições previstas no artigo 13.º, § 2, medeia prestações de serviços, considera‑se que recebeu e forneceu pessoalmente esses serviços».

11      Nos termos do artigo 44.º, n.º 3, ponto 13, deste código, estão isentas de IVA «as apostas, lotarias e outros jogos de fortuna ou azar ou a dinheiro, sob reserva das condições e limites estabelecidos pelo Rei».

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      A TFB, que foi declarada insolvente em 27 de Outubro de 2008, é uma sociedade anónima, inscrita no registo do IVA na Bélgica, cuja actividade consiste em aceitar apostas, nomeadamente, sobre corridas de cavalos na Bélgica e noutros Estados.

13      No âmbito da sua actividade, a TFB recorre a uma rede de agências locais, designadas «recebedores» (buralistes), situadas em todo o território do Reino da Bélgica. Esses recebedores estão encarregados de recolher as apostas em corridas de cavalos ou noutros eventos desportivos, registar as apostas, emitir boletins ou bilhetes para os apostadores e pagar os prémios.

14      Cada recebedor está ligado à TFB por uma convenção denominada «contrato de comissão».

15      Nos termos deste contrato, a TFB é proprietária do estabelecimento comercial cuja exploração é cedida ao recebedor. Esta sociedade disponibiliza ao recebedor as instalações, com os fornecimentos de energia necessários, assume o encargo do seguro da habitação e assegura a instalação do letreiro, bem como a sua manutenção em bom estado de funcionamento.

16      O referido contrato dispõe também que a TFB disponibiliza ao recebedor o material informático com o qual todas as apostas feitas e os pagamentos dos prémios devem ser registados. A TFB entrega ao recebedor, a título de depósito gratuito, o material e os documentos, que continuam a ser sua propriedade exclusiva. O recebedor obriga‑se a utilizar, com a diligência de um bom pai de família, o material que lhe é assim confiado pela TFB e a informá‑la de qualquer anomalia que se verifique no funcionamento desse material, sendo a reparação e a manutenção do mesmo efectuada pela TFB, a expensas suas.

17      Além disso, nos termos do «contrato de comissão» celebrado com a TFB, o recebedor deve respeitar os regulamentos relativos à aceitação de apostas, nomeadamente, o registo, a contabilidade e o pagamento das mesmas. Compromete‑se a assegurar o regular funcionamento da sua agência e a respectiva abertura, em conformidade com os eventos ligados às actividades e aos produtos da TFB. Contudo, tem o direito de decidir livremente da organização da sua agência e é livre de contratar pessoal para cumprir o melhor possível as suas obrigações.

18      A TFB autoriza o recebedor a receber todo o tipo de apostas para as quais está devidamente autorizada, nos termos da lei ou de um mandato, e permite‑lhe exercer outra actividade, desde que não seja contrária à lei relativa às agências hípicas e que não seja exercida por conta de um concorrente directo da TFB.

19      Segundo as disposições gerais do regulamento da TFB, o explorador da agência, que é o único habilitado a registar uma aposta, pode sempre recusar uma aposta, no todo ou em parte, sem estar obrigado a justificar a recusa. Além disso, um apostador ganhador só pode levantar o seu prémio no recebedor em que registou a sua aposta.

20      O recebedor é remunerado mediante uma comissão, fixada com base numa percentagem sobre as apostas registadas, depois de deduzidos os montantes dos reembolsos efectuados. Essa comissão é calculada e paga mensalmente à margem das operações oficiais de apostas. O recebedor não emite nenhuma factura à TFB para receber as suas comissões.

21      Os boletins emitidos pelo recebedor e entregues aos jogadores para materializar as apostas mencionam, na parte superior do rosto, o nome do recebedor, o seu número de registo comercial e o seu número de IVA. Além disso, no rosto desses boletins, figuram as menções «Belgische Tiercé» e «Tiercé belge», inscritas na parte lateral inferior, e «Tiercé Franco Belge», na parte superior. No verso dos mesmos boletins, figura o seguinte texto: «Com a sua participação, o apostador reconhece ter tomado conhecimento e sujeitar‑se às cláusulas dos regulamentos da S.C. P.M.U. belga, da S.A. Tiercé Franco-belge e da Bingoal».

22      Numa inspecção iniciada em Julho de 2000, a Administração Fiscal belga verificou que as comissões recebidas pelos recebedores entre 1 de Janeiro de 1997 e 31 de Dezembro de 2000 não tinham sido sujeitas ao IVA. Por considerar que os recebedores trabalhavam em nome da TFB e que, portanto, a sua actividade devia estar sujeita ao IVA, a referida Administração, em Novembro de 2001, notificou a TFB de uma liquidação adicional de IVA, acrescida de coimas e de juros de mora, a título do IVA devido sobre as referidas comissões.

23      A TFB interpôs recurso no tribunal de primeira instância de Liège, pedindo que este declarasse que o IVA não era devido sobre as comissões controvertidas, alegando que, para efeitos de aplicação da legislação relativa ao IVA, os recebedores deviam ser considerados comissários que actuam no âmbito de uma prestação de serviços isenta desse imposto.

24      Por sentença de 20 de Setembro de 2004, o referido tribunal julgou procedente o pedido da TFB. Em sede de recurso interposto pelo Estado belga, a cour d’appel de Liège, por acórdão de 5 de Outubro de 2005, confirmou na sua totalidade a referida sentença. A Cour de cassation anulou este acórdão e remeteu o processo ao órgão jurisdicional de reenvio.

25      Em primeiro lugar, este órgão jurisdicional examinou o contrato que liga a TFB aos recebedores e declarou que resulta da combinação dos elementos intrínsecos e extrínsecos desse contrato que os recebedores tinham recebido da TFB a missão contratual de recolher e registar apostas no âmbito de um contrato de comissão, e não de um contrato de mandato. Além disso, este órgão jurisdicional afirmou que o artigo 13.º, n.º 2, do código do IVA retira qualquer interesse à questão de saber se o intermediário agiu como mandatário, e não como comissário. Concluiu que os recebedores actuavam directamente em seu nome pessoal, por força de um contrato de comissão, numa prestação de serviços que inclui o registo de apostas e o pagamento dos prémios por conta da TFB.

26      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio procurou apurar se as comissões pagas pela TFB aos recebedores estão isentas de IVA. Por considerar que, a este respeito, a resolução do litígio no processo principal depende da interpretação do direito da União, a cour d’appel de Mons decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 6.º, n.º 4, e 13.º, B, alínea f), da Sexta Directiva […] ser interpretados no sentido de que se opõem à concessão de uma isenção do imposto relativamente aos serviços prestados por um comissário, que intervém em nome próprio, mas por conta de um comitente que organiza as prestações de serviços visadas no artigo 13.º, B, alínea f), já referido?»

 Quanto à questão prejudicial

27      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 6.º, n.º 4, e 13.º, B, alínea f), da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que seja concedida isenção de IVA aos serviços prestados por um comissário que intervém em nome próprio, mas por conta de um comitente que organiza as prestações visadas no artigo 13.º, B, alínea f). Em particular, esta questão visa o tratamento, do ponto de vista do IVA, da relação entre uma empresa que exerce uma actividade de corretor de apostas e um operador económico que intervém na recolha de apostas em nome próprio, mas por conta da referida empresa.

28      Segundo o artigo 13.º, B, alínea f), da Sexta Directiva, as apostas, lotarias e outros jogos de azar ou a dinheiro estão isentos de IVA, sem prejuízo das condições e dos limites estabelecidos pelos Estados‑Membros.

29      Esta isenção é motivada por considerações de ordem prática, já que as operações relativas a jogos de azar se prestam dificilmente à aplicação do IVA, e não, como acontece com certas prestações de serviços de interesse geral realizadas no sector social, pela intenção de assegurar a essas actividades um tratamento mais favorável em matéria de IVA (v. acórdãos de 13 de Julho de 2006, United Utilities, C‑89/05, Colect., p. I‑6813, n.º 23, e de 10 de Junho de 2010, Leo‑Libera, C‑58/09, ainda não publicado na Colectânea, n.º 24).

30      A operação de apostas visada na referida disposição caracteriza‑se pela atribuição de uma oportunidade de ganho aos apostadores e pela aceitação, em contrapartida, do risco de ter de financiar esses prémios (acórdão United Utilities, já referido, n.º 26).

31      O Tribunal de Justiça concluiu daí que a prestação de serviços de «call centre», efectuada em benefício de um organizador de apostas por telefone e que inclui a aceitação das apostas, em nome do organizador, pelo pessoal do prestador dos referidos serviços, não constitui uma operação de apostas na acepção do artigo 13.º, B, alínea f), da Sexta Directiva e, não pode, por isso, beneficiar da isenção de IVA prevista nessa disposição (acórdão United Utilities, já referido, n.º 29).

32      Ora, o processo principal distingue‑se, por várias razões, do que deu origem ao acórdão United Utilities, já referido. Com efeito, por um lado, a actividade dos recebedores é diferente da do referido «call centre», nomeadamente porque os recebedores são conhecidos dos apostadores, podem recusar uma aposta sem estarem obrigados a justificar essa recusa e estão também encarregados de pagar os prémios aos apostadores. Por outro lado, o processo que deu origem ao referido acórdão versava sobre a aceitação das apostas em nome do seu organizador, ao passo que a questão submetida no processo principal visa expressamente a situação de um operador económico que intervém, por conta do organizador das apostas, mas em nome próprio, na recolha das referidas apostas.

33      Tal intervenção em nome próprio significa que, contrariamente ao que se verificava no processo que deu origem ao acórdão United Utilities, já referido, como precisado no seu n.º 27, o vínculo jurídico não nasce directamente entre o apostador e a empresa por conta da qual o operador age, mas entre esse operador e o apostador, por um lado, e esse operador e a referida empresa, por outro.

34      No que se refere ao tratamento dessa intervenção do ponto de vista do IVA, o artigo 6.°, n.° 4, da Sexta Directiva dispõe que quando um sujeito passivo que actua em nome próprio, mas por conta de outrem, participa numa prestação de serviços, considera‑se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão.

35      Assim, esta disposição cria uma ficção jurídica de duas prestações de serviços idênticas fornecidas consecutivamente. Por força dessa ficção, considera‑se que o operador, que intervém na prestação de serviços e é o comissário, recebeu, num primeiro tempo, os serviços em causa do operador por conta do qual actua, que é o comitente, antes de, num segundo momento, prestar pessoalmente esses serviços ao cliente. Daí resulta que, no tocante à relação jurídica entre o comitente e o comissário, os seus respectivos papéis de prestador de serviços e de pagador são ficticiamente invertidos para efeitos do IVA.

36      Uma vez que o artigo 6.º, n.º 4, da Sexta Directiva faz parte do título V desta directiva, sob a epígrafe «Operações tributáveis», e que está redigido em termos gerais, sem conter restrições quanto ao seu âmbito de aplicação ou ao seu alcance, a ficção criada por esta disposição diz também respeito à aplicação das isenções do IVA previstas na Sexta Directiva. Daí resulta que, se a prestação de serviços em que o comissário intervém está isenta de IVA, essa isenção também é aplicável à relação jurídica entre o comitente e o comissário.

37      Esta conclusão vale também para a isenção prevista no artigo 13.º, B, alínea f), da Sexta Directiva, relativo às operações de apostas. Com efeito, essa isenção não revela, relativamente a outras isenções, particularidades que justifiquem que se limite o âmbito de aplicação do artigo 6.º, n.º 4, dessa directiva e dele se excluam as apostas. Além disso, no quadro da aplicação desta última disposição, é irrelevante que o referido artigo 13.º, B, alínea f), não preveja a isenção das prestações de intermediários ou de negociação, ao passo que essa isenção está expressamente prevista no artigo 13.º, B, alíneas a) e d), da Sexta Directiva.

38      Contrariamente ao que o Governo belga sustenta, o princípio da neutralidade fiscal também não se opõe à aplicação da isenção do IVA prevista no artigo 13.º, B, alínea f), da Sexta Directiva à relação entre o comitente e o comissário, ainda que a comissão paga a um mandatário que actua em nome e por conta do mandante esteja sujeita a IVA. Com efeito, como resulta do artigo 6.º, n.º 4, da Sexta Directiva, esta prevê regras especiais para as prestações de serviços fornecidas por um comissário que actua em nome próprio, mas por conta de outrem, que são diferentes das que regulam as prestações fornecidas por um mandatário que actua em nome e por conta de outrem.

39      Relativamente à questão de saber se os recebedores em causa no processo principal agem efectivamente, quando da recolha de apostas, em nome próprio, na acepção do artigo 6.º, n.º 4, da Sexta Directiva, questão essa que foi suscitada pelo Governo belga, importa observar que a questão submetida, que reproduz a redacção desse número, se baseia na premissa de que os referidos recebedores estão abrangidos pelo seu âmbito de aplicação.

40      No âmbito do procedimento previsto no artigo 267.º TFUE, compete ao juiz nacional a quem foi submetido um litígio relativo à aplicação do artigo 6.°, n.º 4, da Sexta Directiva averiguar, face ao conjunto dos dados do caso concreto, nomeadamente, à natureza das obrigações contratuais do operador económico em causa perante os seus clientes, se a referida condição de aplicação desta disposição está ou não preenchida (v., neste sentido, no que se refere ao artigo 26.º da Sexta Directiva, acórdãos de 12 de Novembro de 1992, Van Ginkel, C‑163/91, Colect., p. I‑5723, n.° 21, e de 13 de Outubro de 2005, ISt, C‑200/04, Colect., p. I‑8691, n.os 19 e 20).

41      No entanto, o Tribunal de Justiça, chamado a dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional nacional, tem competência para lhe fornecer indicações baseadas nos autos do processo principal e nas observações escritas e orais que lhe foram apresentadas, susceptíveis de permitir a este órgão jurisdicional nacional decidir no litígio concreto que lhe foi submetido (v. acórdãos de 11 de Dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation et Finnish Seamen’s Union, C‑438/05, Colect., p. I‑10779, n.º 85, e de 13 de Abril de 2010, Bressol e o., C‑73/08, ainda não publicado na Colectânea, n.º 65).

42      Relativamente à actividade dos recebedores em causa no processo principal, importa salientar que, embora a condição de o sujeito passivo agir em nome próprio, mas por conta de outrem, constante do artigo 6.º, n.º 4, da Sexta Directiva, deva ser interpretada com base nas relações contratuais em causa, como resulta do n.º 40 do presente acórdão, a verdade é que o bom funcionamento do sistema comum do IVA instituído por essa directiva exige ao órgão jurisdicional de reenvio uma verificação concreta, susceptível de demonstrar se, à luz de todos os dados do caso em apreço, os referidos recebedores agiam efectivamente em nome próprio, no momento da recolha das apostas,.

43      A este respeito, deve ter‑se em consideração, nomeadamente, o facto de o exercício da sua actividade necessitar ou não de uma autorização das autoridades públicas, de os boletins emitidos pelos recebedores mencionarem o nome da TFB, de os clientes aceitarem, segundo as menções constantes nesses boletins, submeter‑se às cláusulas do regulamento dessa sociedade, de os estabelecimentos comerciais explorados pelos recebedores terem o letreiro da referida sociedade proprietária dos mesmos e de, antes dos factos do processo principal, os recebedores agirem ou não enquanto mandatários. Em contrapartida, a eventual existência de uma disposição nacional em matéria de IVA que estende a ficção jurídica prevista no artigo 6.º, n.º 4, da Sexta Directiva para além dos critérios fixados nesta disposição não pode ser tida em consideração no âmbito da verificação que permite determinar se os recebedores agiam ou não em nome próprio. Com efeito, se as condições, tal como resultam unicamente do artigo 6.º, n.º 4, da Sexta Directiva, não estivessem preenchidas, a isenção do IVA prevista no artigo 13.º, B, alínea f), da referida directiva no que diz respeito às apostas não seria aplicável no processo principal.

44      Resulta do exposto que há que responder à questão submetida que os artigos 6.º, n.º 4, e 13.º, B, alínea f), da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que, na medida em que um operador económico intervenha em nome próprio, mas por conta de uma empresa que exerce uma actividade de corretor de apostas, na recolha de apostas abrangidas pela isenção de IVA prevista nesse artigo 13.º, B, alínea f), se considera, que, por força desse artigo 6.º, n.º 4, esta empresa fornece ao referido operador uma prestação de apostas abrangida pela referida isenção.

 Quanto às despesas

45      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

Os artigos 6.º, n.º 4, e 13.º, B, alínea f), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, devem ser interpretados no sentido de que, na medida em que um operador económico intervenha em nome próprio, mas por conta de uma empresa que exerce uma actividade de corretor de apostas, na recolha de apostas abrangidas pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado prevista nesse artigo 13.º, B, alínea f), se considera que, por força desse artigo 6.º, n.º 4, esta empresa fornece ao referido operador uma prestação de apostas abrangida pela referida isenção.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.