C-189/11 - Comissão/Espanha

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

26 de setembro de 2013 (*)

«Incumprimento de Estado — Fiscalidade — IVA — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 306.° a 310.° — Regime especial das agências de viagens — Divergência entre versões linguísticas — Legislação nacional que prevê a aplicação deste regime especial a pessoas distintas dos viajantes — Conceitos de ‘viajante’ e de ‘cliente’ — Exclusão de determinadas vendas ao público do referido regime especial — Menção na fatura de um montante do IVA dedutível não relacionado com o imposto devido ou pago a montante — Determinação global da matéria coletável para determinado período — Incompatibilidade»

No processo C‑189/11,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, entrada em 20 de abril de 2011,

Comissão Europeia, representada por L. Lozano Palacios e C. Soulay, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino de Espanha, representado por S. Centeno Huerta, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandado,

apoiado por:

República Checa, representada por M. Smolek, T. Müller e J. Očková, na qualidade de agentes,

República Francesa, representada por G. de Bergues e J.‑S. Pilczer, na qualidade de agentes,

República da Polónia, representada por A. Kraińska, A. Kramarczyk, M. Szpunar e B. Majczyna, na qualidade de agentes,

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes e R. Laires, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por J. Heliskoski e M. Pere, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, E. Jarašiūnas, A. Ó Caoimh, C. Toader e C. G. Fernlund (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 6 de março de 2013,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 6 de junho de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que:

¾        ao permitir que as agências de viagens apliquem o regime especial das agências de viagens aos serviços de viagens vendidos a pessoas distintas dos viajantes;

¾        ao excluir deste regime especial as vendas ao público, pelas agências retalhistas que atuam em nome próprio, de viagens organizadas por agências grossistas;

¾        ao autorizar que as agências de viagens mencionem na fatura, em determinadas circunstâncias, um montante global do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), que não tem nenhuma relação com o imposto efetivamente repercutido no cliente, e ao autorizar este último, caso se trate de um sujeito passivo, a deduzir este montante global do IVA devido; e

¾        ao autorizar que as agências de viagens, na medida em que beneficiem do referido regime especial, determinem a matéria coletável do imposto de forma global para cada período tributário;

O Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 306.° a 310.°, 226.°, 168.°, 169.° e 73.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, a seguir «diretiva IVA»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regime especial das agências de viagens

2        O artigo 26.° da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, em matéria de harmonização das legislações dos Estados‑Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»), na sua versão em língua espanhola (DO L 145, p. 1; EE 09/01, p. 54), dispunha:

«1.      Os Estados‑Membros aplicarão o [IVA] às operações das agências de viagens, nos termos do presente artigo, quando as agências atuarem em nome próprio perante o cliente [‘viajero’] e sempre que utilizem, para a realização da viagem, entregas e serviços de outros sujeitos passivos. O presente artigo não se aplica às agências de viagens que atuem unicamente na qualidade de intermediário às quais é aplicável o disposto em A), 3, c), do artigo 11.° Para efeitos do disposto no presente artigo, são igualmente consideradas agências de viagens os organizadores de circuitos turísticos.

2.      As operações efetuadas por uma agência de viagens para a realização de uma viagem são consideradas como uma única prestação de serviços realizada pela agência de viagens ao viajante [‘viajero’]. Esta prestação de serviços será tributada no Estado‑Membro em que a agência de viagens tem a sede da sua atividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual é efetuada a prestação de serviços. Considera‑se matéria coletável e preço líquido de imposto desta prestação de serviços, na aceção do n.° 3, alínea b), do artigo 22.°, a margem da agência de viagens, isto é, a diferença entre o montante total líquido de [IVA] pago pelo viajante [‘viajero’] e o custo efetivo suportado pela agência de viagens relativo às entregas é às prestações de serviços de outros sujeitos passivos, na medida em que tais operações se efetuem em benefício direto do viajante [‘viajero’].

[...]

4.      O [IVA] debitado à agência de viagens por outros sujeitos passivos relativamente às operações referidas no n.° 2 efetuadas em benefício direto do viajante [‘viajero’] não é dedutível nem reembolsável em nenhum Estado‑Membro.»

3        Os artigos 306.° a 310.° da diretiva IVA, na sua versão em língua espanhola, preveem no capítulo 3 desta diretiva, intitulado «Regime especial das agências de viagens»:

«Artigo 306.°

1.      Os Estados‑Membros aplicam um regime especial de IVA às operações das agências de viagens em conformidade com o presente capítulo, quando as agências atuarem em nome próprio perante os clientes [‘viajero’] e sempre que utilizarem, para a realização da viagem, entregas de bens e prestações de serviços efetuadas por outros sujeitos passivos.

O presente regime especial não é aplicável às agências de viagens quando atuarem unicamente na qualidade de intermediário e às quais seja aplicável, para o cálculo do valor tributável, a alínea c) do primeiro parágrafo do artigo 79.°

2.      Para efeitos do presente capítulo, os organizadores de circuitos turísticos são considerados agências de viagens.

Artigo 307.°

As operações efetuadas nas condições previstas no artigo 306.° por uma agência de viagens para a realização de uma viagem são consideradas como uma única prestação de serviços realizada pela agência de viagens ao cliente [‘viajero’].

Esta prestação de serviços será tributada no Estado‑Membro em que a agência de viagens tem a sede da sua atividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual é efetuada a prestação de serviços.

Artigo 308.°

Considera‑se matéria coletável e preço líquido de imposto desta prestação de serviços, na aceção do n.° 8, alínea b), do artigo 226.°, a margem da agência de viagens, isto é, a diferença entre o montante total líquido de [IVA] pago pelo viajante [‘viajero’] e o custo efetivo suportado pela agência de viagens relativo às entregas e às prestações de serviços de outros sujeitos passivos, na medida em que tais operações se efetuem em benefício direto do viajante [‘viajero’].

Artigo 309.°

Se as operações relativamente às quais a agência de viagens recorre a outros sujeitos passivos forem efetuadas por estes fora da Comunidade, a prestação de serviços da agência é equiparada a uma atividade de intermediário, isenta por força do n.° 14 do artigo 153.°

Se estas operações forem efetuadas tanto na Comunidade, como fora dela, só deve ser considerada isenta a parte da prestação de serviços da agência de viagens respeitante às operações efetuadas fora da Comunidade.

Artigo 310.°

O [IVA] debitado à agência de viagens por outros sujeitos passivos relativamente às operações referidas no artigo n.° 307 efetuadas em benefício direto do viajante [‘viajero’] não é dedutível nem reembolsável em nenhum Estado‑Membro.»

 Outras disposições da diretiva IVA

4        O artigo 73.° da diretiva IVA dispõe:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

5        O artigo 78.° desta diretiva prevê:

«O valor tributável inclui os seguintes elementos:

a)      Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com exceção do próprio IVA;

[...]»

6        Os artigos 168.° e 169.° da referida diretiva têm por objeto o direito a dedução. Este artigo 168.° prevê:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]»

7        O artigo 169.° da mesma diretiva precisa que, para além da dedução visada no artigo 168.°, o sujeito passivo tem direito a deduzir o IVA aí referido, desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das operações referidas nesse artigo 169.°

8        O artigo 226.° da diretiva IVA, relativo ao conteúdo das faturas, dispõe:

«Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.° e 221.° são as seguintes:

[...]

9)      A taxa do IVA aplicável;

10)      O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente diretiva exclua esse tipo de menção;

[...]»

9        O capítulo 4 do título XII desta diretiva, intitulado «Regimes especiais aplicáveis aos bens em segunda mão, aos objetos de arte e de coleção e às antiguidades», prevê no seu artigo 318.°:

«1.      Para simplificar a cobrança do imposto e após consulta do Comité do IVA, os Estados‑Membros podem estabelecer, para certas operações ou categorias de sujeitos passivos revendedores, que o valor tributável das entregas de bens sujeitas ao regime da margem de lucro é determinado com referência a cada período de tributação em relação ao qual o sujeito passivo revendedor tenha de entregar a declaração de IVA referida no artigo 250.°

[...]»

 Direito espanhol

10      O artigo 141.°, n.os 1 e 2, da Lei 37/1992, de 28 de dezembro de 1992, relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (BOE n.° 312, de 29 de dezembro de 1992, p. 44247), prevê:

«1.      O regime especial das agências de viagens é aplicável:

1)      Às operações realizadas pelas agências de viagens quando atuarem em nome próprio perante os viajantes e sempre que utilizarem, para a realização da viagem, entregas de bens ou prestações de serviços efetuadas por outros empresários ou profissionais.

Para efeitos deste regime especial, são considerados viagens os serviços de alojamento ou de transporte prestados conjuntamente ou em separado e, se for esse o caso, com outros de natureza acessória ou complementares dos mesmos;

2)      Às operações realizadas pelos organizadores de circuitos turísticos em que se verifiquem as circunstâncias previstas no número anterior.

2.      O regime especial das agências de viagens não é aplicável às seguintes operações:

1)      Às vendas ao público, efetuadas por agências retalhistas, de viagens organizadas por agências grossistas.»

11      O artigo 142.° da Lei 37/1992 dispõe:

«Nas operações às quais seja aplicável este regime especial, os sujeitos passivos não são obrigados a mencionar separadamente na fatura o montante repercutido, devendo o mesmo ser considerado, se for esse o caso, incluído no preço da operação.

Nas operações efetuadas para outros empresários ou profissionais, que compreendam exclusivamente entregas de bens ou prestações de serviços totalmente realizadas no âmbito territorial do imposto, poder‑se‑á fazer constar na fatura, a pedido do interessado e sob a rubrica ‘montantes de IVA incluídos no preço’, o montante resultante da multiplicação do preço total da operação por 6 e da divisão do resultado por 100. Estes montantes serão considerados montantes repercutidos diretamente no empresário ou profissional destinatário da operação.»

12      O artigo 146.° da Lei 37/1992 enuncia:

«1.      Os sujeitos passivos poderão optar por determinar o valor tributável operação a operação ou de forma global, para cada período de tributação.

A opção produzirá efeitos relativamente a todas as operações sujeitas ao regime especial efetuadas pelo sujeito passivo durante um período mínimo de cinco anos e, se não existir declaração em contrário, durante os anos subsequentes.

2.      Para cada período de tributação, a determinação de forma global do valor tributável correspondente às operações às quais seja aplicável o regime especial será efetuada de acordo com o seguinte procedimento:

1)      Do montante global cobrado aos clientes, incluindo o IVA, correspondente às operações que tenham sido realizadas no referido período de tributação, será subtraído o montante efetivo global, incluindo os impostos, das entregas de bens e prestações de serviços efetuadas por outros empresários ou profissionais que tenham sido adquiridos pela agência no mesmo período, sejam utilizados na realização da viagem e se traduzam num benefício para o viajante;

2)      O valor tributável global será determinado multiplicando o resultado por 100 e dividindo o produto por 100 acrescido da taxa normal estabelecida no artigo 90.° desta lei.

3.      O valor tributável não poderá ser, em caso algum, negativo.

No entanto, nos casos de determinação global do valor tributável, o valor em que o montante a subtrair exceda o montante do qual deve ser subtraído poderá ser adicionado aos montantes a subtrair nos períodos de tributação imediatamente posteriores.»

 Procedimento pré‑contencioso e tramitação processual no Tribunal de Justiça

13      Em 23 de março de 2007, a Comissão enviou uma notificação para cumprir ao Reino de Espanha, que chamava a atenção deste último para a possível incompatibilidade do direito espanhol relativo ao regime especial das agências de viagens com os artigos 306.° a 310.° da diretiva IVA, pelo facto de este regime ser aplicado a prestações fornecidas a pessoas distintas dos viajantes, à qual esse Estado‑Membro respondeu por ofício de 29 de maio de 2007.

14      Em 1 de fevereiro de 2008, a Comissão enviou ao Reino de Espanha uma notificação para cumprir complementar na qual punha em causa, em primeiro lugar, as disposições do artigo 141.°, n.° 2, ponto 1, da Lei 37/1992, que prevê a exclusão, do regime especial das vendas ao público, pelas agências retalhistas, de viagens organizadas por agências grossistas, em segundo lugar, a regra específica relativa à faturação e à dedução prevista no artigo 142.° desta lei e, em terceiro lugar, as disposições especiais, referidas no artigo 146.° da referida lei, relativo ao cálculo global da matéria coletável para cada período de tributação.

15      O Reino de Espanha respondeu a esta última notificação para cumprir por ofício de 19 de maio de 2008.

16      Não tendo ficado convencida com a resposta apresentada pelo Reino de Espanha às suas notificações para cumprir, a Comissão enviou um parecer fundamentado em 9 de outubro de 2009, ao qual esse Estado‑Membro não respondeu.

17      Nestas condições, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

18      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de setembro de 2011, foi admitida a intervenção da República Checa, da República Francesa, da República da Polónia, da República Portuguesa e da República da Finlândia em apoio dos pedidos do Reino de Espanha.

 Quanto à ação

 Quanto à primeira acusação

 Argumentos das partes

19      A Comissão considera que o regime especial das agências de viagens, previsto nos artigos 306.° a 310.° da diretiva IVA, é aplicável apenas em caso de venda de viagens a viajantes (a seguir «interpretação baseada no viajante»). Acusa o Reino de Espanha de ter autorizado a aplicação deste regime em caso de venda de viagens a qualquer tipo de clientes (a seguir «interpretação baseada no cliente»).

20      Essa instituição recorda que o disposto nos artigos 306.° a 310.° reproduz, no essencial, o disposto no artigo 26.°, n.os 1 a 4, da Sexta Diretiva.

21      Ora, a Comissão sustenta que a intenção do legislador da União, quando da adoção da Sexta Diretiva, era restringir o regime especial das agências de viagens às prestações fornecidas ao viajante, consumidor final. Em apoio desta afirmação, alega que cinco das seis versões linguísticas iniciais desta diretiva utilizam sistematicamente o termo «viajante» no artigo 26.° da mesma de forma perfeitamente clara e coerente. Daqui resulta que este termo não necessita de nenhum esforço de interpretação que transcenda o seu sentido literal, de modo que a interpretação deste artigo 26.° é unívoca.

22      O emprego do termo «cliente» («customer») na versão inglesa da Sexta Diretiva constitui um erro, que só foi, aliás, cometido uma única vez, no artigo 26.°, n.° 1, desta. Uma vez que esta versão inglesa serviu de base às traduções posteriores da Sexta Diretiva, este termo foi reproduzido, várias vezes, nestas traduções, bem como em numerosas versões linguísticas dos artigos 306.° a 310.° da diretiva IVA.

23      Na audiência no Tribunal de Justiça, a Comissão precisou que a versão francesa da Sexta Diretiva, que utiliza apenas o termo «viajante», era o texto sobre o qual todos os Estados‑Membros em causa se tinham debruçado e tinham chegado a acordo.

24      A Comissão salienta que as disposições relativas ao regime especial das agências de viagens devem ser objeto de uma interpretação uniforme. A coexistência da interpretação baseada no viajante e da interpretação baseada no cliente dá origem a duplas tributações e a distorções de concorrência.

25      A Comissão precisa, referindo‑se ao artigo 26.° da Sexta Diretiva, as razões pelas quais, embora seja utilizado em certas versões linguísticas dos artigos 306.° a 310.° da diretiva IVA, o termo «cliente» deve, no entanto, ser entendido no sentido de «viajante».

26      Antes de mais, a Comissão considera que, caso fosse acolhida a interpretação baseada no cliente, o requisito previsto no artigo 26.º, n.° 1, da Sexta Diretiva, segundo o qual a agência atua «em nome próprio», seria redundante, visto que um operador atua sempre em nome próprio perante o seu cliente. Daqui resulta, segundo a Comissão, que estes termos não devem ser objeto de uma interpretação literal e que o termo «cliente» deve ser entendido no sentido que lhe é dado nas restantes cinco versões linguísticas iniciais desta diretiva, isto é, no sentido de «viajante». A este respeito, a Comissão sustenta que uma agência de viagens pode atuar perante um «viajante» tanto em nome próprio como em nome e por conta de terceiros.

27      Em seguida, se o legislador da União tivesse tido a intenção de conferir ao termo «cliente» não o sentido de «viajante», mas o de qualquer tipo de «clientes», resultariam daí consequências ilógicas, na medida em que o regime especial das agências de viagens seria aplicável mesmo quando uma agência atua na qualidade de intermediário, nomeadamente quando angaria clientes por conta de um prestador de serviços de hotelaria, em conformidade com um contrato de mediação celebrado com este último.

28      A Comissão considera que este caráter ilógico é tanto mais evidente quanto o termo «viajante» é utilizado na versão inglesa do artigo 26.°, n.° 2, primeiro período, da Sexta Diretiva, nos termos da qual «[a]s operações efetuadas por uma agência de viagens para a realização de uma viagem são consideradas como uma única prestação de serviços realizada pela agência de viagens ao viajante [‘traveller’]». Ora, segundo a Comissão, esta frase não teria sentido se o regime especial das agências de viagens fosse aplicável sem levar em conta a qualidade do destinatário dos serviços. Se tal fosse o caso, o legislador deveria, segundo essa instituição, ter utilizado, de forma sistemática, o termo «cliente».

29      A Comissão acrescenta que as seis versões linguísticas iniciais do artigo 26.°, n.° 2, terceiro período, da Sexta Diretiva utilizam o termo «viajante». Portanto, não seria coerente fazer referência ao «montante total […] pago pelo viajante» se o regime especial das agências de viagens pudesse ser aplicado independentemente da qualidade do cliente da agência de viagens. Com efeito, segundo a Comissão, quando essa agência efetua uma venda a outra agência de viagens, é necessário calcular a margem referida no terceiro período do n.° 2 do artigo 26.° levando em conta a diferença entre o montante a pagar pelo viajante e os custos suportados pela primeira destas agências, o que não seria pertinente se não existisse uma relação entre esta agência e o viajante.

30      Por último, a Comissão invoca dois outros argumentos. Salienta, em primeiro lugar, que o disposto no artigo 26.° da Sexta Diretiva permaneceu em vigor durante cerca de 30 anos, até à revogação desta diretiva, e que as versões linguísticas deste artigo, posteriores às seis versões iniciais, adotam, na sua grande maioria, a redação das cinco versões iniciais idênticas, utilizando unicamente o termo «viajante». Apenas cinco versões linguísticas posteriores deste artigo se referem à versão inglesa. Em segundo lugar, a Comissão recorda que as exceções ao regime geral do IVA devem ser interpretadas de forma estrita.

31      Nestas condições, apesar de a interpretação baseada no cliente ser a mais adequada para atingir os objetivos prosseguidos pelo regime especial das agências de viagens, esta circunstância não implica que aquela seja correta. A Comissão reconhece que este regime especial pode ser melhorado, mas sublinha que os Estados‑Membros não podem adotar, por iniciativa própria, tal interpretação, afastando‑se das disposições que figuram expressamente na Sexta Diretiva. A este respeito, a Comissão faz referência, em particular, ao n.° 28 do acórdão de 6 de outubro de 2005, Comissão/Espanha (C‑204/03, Colet., p. I‑8389). Acrescenta que o referido regime especial foi introduzido para fazer face à situação existente em 1977, numa época em que as viagens eram principalmente vendidas diretamente ao viajante pelas agências de viagens. O setor em causa conta hoje com um maior número de operadores, mas compete ao legislador da União, e não aos Estados‑Membros, colmatar as insuficiências deste regime especial.

32      Na sequência das observações apresentadas pelos Estados‑Membros intervenientes, apesar de manter firmemente a interpretação baseada no viajante, a Comissão flexibilizou ligeiramente a sua posição, indicando que o termo «viajante» designa não apenas a pessoa singular mas também a pessoa coletiva que compra um pacote de serviços para fazer face às suas próprias necessidades e que é, portanto, o destinatário final do serviço de viagens. Por conseguinte, está abrangida por este termo, segundo a Comissão, uma sociedade que compra serviços de viagens para os seus empregados. Em contrapartida, o termo «viajante» não é aplicável à pessoa singular ou à pessoa coletiva que revende o referido serviço a outra pessoa. Essa instituição salienta que o regime especial das agências de viagens não é aplicável a um estádio anterior à venda desse serviço ao destinatário final.

33      O Reino de Espanha contesta a interpretação dada pela Comissão ao regime especial das agências de viagens previsto nos artigos 306.° a 310.° da diretiva IVA.

34      Esse Estado‑Membro alega, por si só ou subscrevendo as observações dos Estados‑Membros intervenientes, os seguintes argumentos.

35      A interpretação literal efetuada pela Comissão não pode ser acolhida, uma vez que, para além da versão inglesa do artigo 306.° da diretiva IVA, numerosas versões linguísticas desta disposição, a saber, as versões búlgara, polaca, portuguesa, romena, eslovaca, finlandesa e sueca, empregam o termo «cliente», e não o termo «viajante».

36      A análise dos termos utilizados nas disposições relativas ao artigo 26.°, n.° 1, da Sexta Diretiva ou a esse artigo 306.° também não pode servir de guia para determinar o alcance exato destas duas últimas disposições. Com efeito, o exame das diferentes versões linguísticas destas disposições revela que o termo «viajante» não é utilizado de forma sistemática no artigo 26.°, n.os 1 a 4, da Sexta Diretiva nem nos artigos 306.° a 310.° da diretiva IVA. Certas versões linguísticas utilizam sistematicamente o termo «cliente», enquanto outras utilizam tanto o termo «viajante» como o termo «cliente». Estas divergências constituem uma fonte de ambiguidade, como confirma o facto de, nomeadamente, o Reino de Espanha, a República Checa, a República Helénica, a República Francesa e a República Italiana aplicarem a interpretação baseada no cliente, apesar de as versões linguísticas da diretiva IVA, tal como foram publicadas nas suas línguas nacionais, empregarem o termo «viajante».

37      O Reino de Espanha deduz daqui que se deve recorrer a uma interpretação teleológica das disposições em causa, procurando identificar os objetivos prosseguidos pelo regime especial das agências de viagens. Estes últimos não são, aliás, contestados pela Comissão e englobam, por um lado, a simplificação das regras relativas ao IVA aplicáveis às agências de viagens e, por outro, a repartição das receitas do IVA entre os Estados‑Membros. Ora, é igualmente pacífico que a interpretação baseada no cliente é a mais adequada para atingir estes objetivos. Por conseguinte, esta interpretação constitui a única interpretação correta.

38      O Reino de Espanha sublinha que a qualidade do destinatário do serviço, quer se trate do viajante, consumidor final, ou de uma agência intermédia, não é relevante. Esse Estado‑Membro apoia‑se, por analogia, nomeadamente, no acórdão de 22 de outubro de 1998, Madgett e Baldwin (C‑308/96 e C‑94/97, Colet., p. I‑6229), e defende que, nesse acórdão, apesar do caráter derrogatório do regime especial em causa, o Tribunal de Justiça efetuou uma interpretação lata do artigo 26.° da Sexta Diretiva, fazendo prevalecer o objetivo prosseguido por este regime sobre a redação deste artigo.

39      A interpretação baseada no cliente, ao invés da baseada no viajante, permite respeitar o princípio da neutralidade do IVA, tratando da mesma maneira os operadores que vendem diretamente viagens organizadas aos viajantes e os que vendem este tipo de viagens a outros operadores.

40      No que respeita ao risco de dupla tributação invocado pela Comissão, o Reino de Espanha sustenta que este risco se deve à coexistência das duas interpretações em causa e desapareceria se fosse seguida uma única interpretação.

41      Quanto às pretensas incoerências evidenciadas pela Comissão no que se refere, em primeiro lugar, aos termos «em nome próprio perante o cliente», o Reino de Espanha contesta a sua existência. A Comissão confunde a expressão «perante ‘o’ cliente», utilizada na versão inglesa do artigo 26.° da Sexta Diretiva, com a expressão «perante o ‘seu’ cliente». Só esta segunda expressão tem caráter redundante.

42      Por outro lado, a própria Comissão utilizou a expressão «que atua em nome próprio perante o cliente» num número significativo de versões linguísticas da sua Proposta de diretiva do Conselho, de 8 de fevereiro de 2002, que altera a Diretiva 77/388 no que diz respeito ao regime especial das agências de viagens [COM(2002) 64 final].

43      O receio expresso pela Comissão de que a referida expressão possa conduzir à aplicação do regime especial das agências de viagens aos intermediários não tem razão de ser em virtude da menção expressa que figura no artigo 306.°, n.° 1, segundo parágrafo, da diretiva IVA, que exclui esta possibilidade.

44      Em segundo lugar, no que se refere à expressão «pago pelo viajante», o Tribunal de Justiça já reconheceu que esta expressão não pode ser interpretada literalmente e que abrange igualmente a contrapartida a pagar por um terceiro.

45      Além disso, a interpretação da Comissão suscita um problema de ordem prática, na medida em que, se o regime especial das agências de viagens fosse exclusivamente aplicável às vendas ao viajante, consumidor final, poderia ser necessário verificar, caso a caso, se o adquirente de uma viagem é de facto a pessoa que vai beneficiar da viajem e se este não a vai revender a outra pessoa.

46      Além disso, a referência da Comissão ao acórdão Comissão/Espanha, já referido, não é pertinente, uma vez que as disposições em causa no processo em que foi proferido esse acórdão, contrariamente às que estão em causa na presente ação, eram unívocas.

 Apreciação do Tribunal

47      Para apreciar esta primeira acusação, importa determinar se, ao autorizar as agências de viagens a aplicarem o regime especial em causa às operações que efetuam não apenas com «viajantes» mas também com qualquer tipo de «clientes», o Reino de Espanha efetuou uma transposição correta dos artigos 306.° a 310.° da diretiva IVA.

48      A versão espanhola dos referidos artigos 306.° a 310.°, por um lado, e do artigo 26.°, n.os 1 a 4, da Sexta Diretiva, por outro, emprega o termo «viajante» de forma sistemática. Em contrapartida, as restantes versões linguísticas de cada uma destas duas diretivas utilizam o termo «viajante» e/ou o termo «cliente», fazendo, por vezes, variar os termos utilizados de disposição para disposição.

49      Apesar destas divergências particularmente importantes, a Comissão sustenta que é possível uma interpretação literal fundada em cinco das seis versões linguísticas iniciais da Sexta Diretiva que empregam o termo «viajante» de forma sistemática, constituindo um erro o recurso ao termo «cliente» na versão inglesa desta diretiva.

50      A circunstância de apenas esta versão em língua inglesa utilizar o termo «cliente», de resto numa única ocasião, permite presumir que se trata de um erro. As explicações fornecidas pela Comissão na audiência, segundo as quais o documento de trabalho que está na base da Sexta Diretiva foi redigido em língua francesa, também podem corroborar a ideia de que foi cometido um erro na tradução desta diretiva para a língua inglesa.

51      Todavia, várias constatações põem em causa esta análise da Comissão.

52      Desde logo, impõe‑se referir que, se se tratava de um erro, não foi corrigido na versão inglesa da Sexta Diretiva.

53      Em seguida, longe de ser utilizado apenas uma vez e de se limitar a uma versão linguística em particular, o termo «cliente» foi utilizado em muitas outras versões linguísticas da Sexta Diretiva e não foi apenas utilizado no artigo 26.°, n.° 1, desta.

54      Além disso, não obstante este pretenso erro poder ter sido corrigido pelo menos quando da adoção da diretiva IVA, tal não foi o caso, na medida em que o termo «cliente» também consta de numerosas versões linguísticas dos artigos 306.° a 310.° desta diretiva e, por vezes, de maneira não sistemática.

55      Por último, a proposta de diretiva mencionada no n.° 42 do presente acórdão, que visava substituir a legislação existente por um texto que adotasse, no essencial, a interpretação baseada no cliente, utilizava o termo «viajante» na versão francesa do artigo 26.°, n.° 1, desta diretiva, ao passo que utilizava o termo «cliente» na versão inglesa desta mesma disposição.

56      Daqui decorre que, ao contrário do que afirma a Comissão, não pode vingar uma interpretação puramente literal do regime especial das agências de viagens baseada no texto de uma ou de várias versões linguísticas, com exclusão de outras. Em conformidade com jurisprudência constante, há que considerar que as disposições do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de modo uniforme à luz das versões redigidas em todas as línguas da União. Em caso de divergência entre as diferentes versões linguísticas de um texto da União, a disposição em questão deve ser interpretada em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (acórdão de 8 de dezembro de 2005, Jyske Finans, C‑280/04, Colet., p. I‑10683, n.° 31).

57      No caso em apreço, as restantes disposições que rodeiam as que utilizam o termo «cliente», tal como este é utilizado na versão inglesa da Sexta Diretiva, variam segundo as versões linguísticas das duas diretivas em causa, pelo que não pode ser retirada nenhuma conclusão da economia destas disposições quanto à interpretação do regime especial das agências de viagens.

58      Quanto à finalidade deste regime especial, o Tribunal de Justiça recordou por diversas ocasiões que os serviços prestados pelas agências de viagens e pelos organizadores de circuitos turísticos se caracterizam pelo facto de, regra geral, serem compostos por múltiplas prestações, nomeadamente em matéria de transporte e de alojamento, efetuadas tanto no interior como fora do território do Estado‑Membro em que a empresa tem a sua sede ou um estabelecimento estável. A aplicação das regras de direito comum respeitantes ao local de tributação, à matéria coletável e à dedução do imposto a montante confronta‑se, em razão da multiplicidade e da localização das prestações efetuadas, com dificuldades práticas para estas empresas que são suscetíveis de entravar o exercício da sua atividade. Foi para adaptar as regras aplicáveis à natureza específica desta atividade que o legislador da União instituiu, nos n.os 2 a 4 do artigo 26.° da Sexta Diretiva, um regime especial do IVA (v. acórdãos de 12 de novembro de 1992, Van Ginkel, C‑163/91, Colet., p. I‑5723, n.os 13 a 15; Madgett e Baldwin, já referido, n.° 18; de 19 de junho de 2003, First Choice Holidays, C‑149/01, Colet., p. I‑6289, n.os 23 a 25; de 13 de outubro de 2005, ISt, C‑200/04, Colet., p. I‑8691, n.° 21; e de 9 de dezembro de 2010, Minerva Kulturreisen, C‑31/10, Colet., p. I‑12889, n.os 17 e 18).

59      Por conseguinte, o referido regime especial prossegue um objetivo de simplificação das regras relativas ao IVA aplicáveis às agências de viagens. Também visa repartir as receitas provenientes da cobrança deste imposto de forma equilibrada entre os Estados‑Membros, assegurando, por um lado, a atribuição das receitas do IVA relativas a cada serviço individual ao Estado‑Membro em que o serviço é efetivamente prestado e, por outro, a atribuição das receitas relativas à margem da agência de viagens ao Estado‑Membro em que esta última se encontra estabelecida.

60      Ora, importa salientar, o que não é, aliás, contestado, que a interpretação baseada no cliente é a mais adequada para atingir estes dois objetivos, permitindo que as agências de viagens beneficiem de regras simplificadas independentemente do tipo de cliente, ao qual prestam os seus serviços e favorecendo, por esta via, uma repartição equilibrada das receitas entre os Estados‑Membros.

61      A circunstância de, quando da adoção, em 1977, do regime especial das agências de viagens, a maioria destas últimas venderem os seus serviços diretamente ao consumidor final não implica que o legislador tenha pretendido limitar este regime especial a esse tipo de vendas e excluir dele as vendas efetuadas a outros operadores.

62      Com efeito, quando um operador organiza uma viagem organizada e a vende a uma agência de viagens que a revende, de seguida, a um consumidor final, é aquele primeiro operador que assume a incumbência de combinar várias prestações adquiridas a diferentes terceiros sujeitos passivos do IVA. À luz da finalidade do regime especial das agências de viagens, este operador deve poder beneficiar de regras simplificadas em matéria de IVA e estas regras não devem ser reservadas à agência de viagens, que se limita, neste caso, a revender ao consumidor final a viagem organizada que adquiriu ao referido operador.

63      Além disso, importa recordar que o Tribunal de Justiça já interpretou o termo «viajante», tendo‑lhe conferido um sentido mais lato do que o de consumidor final. Assim, no n.° 28 do acórdão First Choice Holidays, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que a expressão «pago pelo viajante», utilizada no artigo 26.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, não pode ser interpretada literalmente no sentido de excluir da matéria coletável do IVA um elemento da «contrapartida» obtido de um terceiro na aceção do artigo 11.°‑A, n.° 1, alínea a), desta diretiva.

64      As restantes objeções apresentadas pela Comissão em contestação à interpretação baseada no cliente não põem em causa esta análise.

65      O facto de o regime especial das agências de viagens constituir uma exceção às regras de direito comum, de modo que, enquanto tal, esta exceção não pode ir além do necessário para alcançar os objetivos que prossegue (v. acórdão First Choice Holidays, já referido, n.º 22), não implica, todavia, que se deva adotar a interpretação baseada no viajante se esta interpretação põe em causa o efeito útil deste regime especial.

66      Apesar de reconhecer que o regime especial das agências de viagens pode ser melhorado, a Comissão salienta, com fundamento no n.° 28 do acórdão Comissão/Espanha, já referido, que não compete aos Estados‑Membros adotarem, por sua própria iniciativa, uma interpretação que, segundo esses Estados, melhora o referido regime, visto que, ao fazê‑lo, substituem‑se ao legislador da União. Todavia, aquele acórdão não pode ser invocado em termos úteis no caso em apreço, na medida em que, ao invés do regime especial das agências de viagens, a legislação em causa nesse acórdão era unívoca.

67      O argumento relativo às pretensas incoerências decorrentes de uma leitura do termo «cliente» no sentido não de «viajante», mas de qualquer tipo de «clientes», é apenas válido relativamente à versão inicial em língua inglesa da Sexta Diretiva e das versões linguísticas posteriores, decalcadas desta, que apenas utilizam este termo uma vez. No que respeita às versões linguísticas da diretiva IVA que utilizam este termo de forma sistemática nos artigos 306.° a 310.° desta, este argumento é inoperante.

68      Quanto à existência de um risco de as agências de viagens aplicarem o referido regime especial mesmo quando atuam como intermediário, basta salientar que, tendo em conta o disposto expressamente no artigo 306.°, n.° 1, segundo parágrafo, da diretiva IVA, que exclui, de qualquer modo, essa possibilidade, esse risco não é fundado.

69      Tendo em conta as considerações precedentes, há que interpretar as disposições dos artigos 306.° a 310.° da diretiva IVA no sentido da interpretação baseada no cliente.

70      Daqui resulta que há que julgar improcedente a primeira acusação deduzida pela Comissão.

 Quanto à segunda acusação

 Argumentos das partes

71      A Comissão sustenta que, ao excluir do regime especial das agências de viagens as vendas, efetuadas pelas agências retalhistas, de viagens organizadas pelas agências grossistas, o artigo 141.°, n.° 2, ponto 1, da Lei 37/1992 é contrário ao artigo 306.° da diretiva IVA.

72      A Comissão duvida que sejam fundadas as explicações apresentadas pelo Reino de Espanha, segundo as quais esta exclusão é apenas aplicável quando a agência retalhista atua em nome de terceiros ou, regra geral, em nome de uma agência grossista.

73      Segundo a Comissão, esta interpretação não só esvaziaria este artigo 141.°, n.° 2, ponto 1, de conteúdo como seria em grande medida contra legem e diferiria da interpretação oficial dada pelas próprias autoridades espanholas e pela doutrina. Além disso, se apenas fosse aplicável quando a agência atua em nome de terceiros, dificilmente a referida exclusão seria limitada aos casos em que a viagem é organizada por uma agência grossista.

74      A Comissão sustenta que, de qualquer modo, os termos do referido artigo 141.°, n.° 2, ponto 1, não constituem uma transposição correta do artigo 306.° da diretiva IVA e são uma fonte de ambiguidade.

75      O Reino de Espanha alega que a alegada interpretação oficial mencionada pela Comissão corresponde a uma mera consulta desprovida de força obrigatória. Sustenta que o artigo 141.°, n.° 2, ponto 1, da Lei 37/1992 se limita a precisar que as agências de viagens retalhistas que atuam em nome e por conta de agências grossistas não podem aplicar o regime especial das agências de viagens às vendas que efetuam. Esta precisão é perfeitamente conforme com a diretiva IVA e a disposição em causa não é ambígua.

76      Na sua tréplica, o Reino de Espanha sublinha que não lhe compete apresentar elementos de prova, uma vez que a Comissão apenas fundou a presente acusação em publicações que não têm a natureza de normas ou de disposições vinculativas na ordem jurídica espanhola.

 Apreciação do Tribunal

77      Resulta da própria redação do artigo 141.°, n.° 2, ponto 1, da Lei 37/1992 que as agências de viagens retalhistas que vendem ao público viagens organizadas por agências grossistas não podem aplicar o regime especial das agências de viagens.

78      Importa referir que essa exclusão do âmbito de aplicação deste regime especial não se encontra de todo prevista no artigo 306.° da diretiva IVA.

79      O Reino de Espanha não contesta que tal exclusão seja contrária a este artigo 306.°, mas afirma que o referido artigo 141.°, n.° 2, ponto 1, não deve ser interpretado num sentido literal e que a exclusão nele prevista só é aplicável quando a agência de viagens retalhista atua na qualidade de intermediária de uma agência grossista.

80      Todavia, esta argumentação não pode ser acolhida, tendo em conta os termos, de resto explícitos, da disposição em causa, os pareceres emitidos pela Administração e as interpretações que a doutrina fez dela.

81      Embora incumba à Comissão, por força do disposto no artigo 258.° TFUE, demonstrar a existência do incumprimento alegado, os Estados‑Membros estão, todavia, obrigados, por força do disposto no artigo 4.°, n.° 3, TUE, a facilitar à Comissão o cumprimento do seu dever de velar pela aplicação dos Tratados e do direito derivado. Daqui resulta que, quando a Comissão tenha fornecido elementos suficientes que revelem determinados factos ocorridos no território do Estado‑Membro demandado, incumbe a este último contestar de modo substancial e detalhado os dados assim apresentados (v., neste sentido, acórdão de 9 de novembro de 1999, Comissão/Itália, dito «San Rocco», C‑365/97, Colet., p. I‑7773, n.os 84 a 86).

82      Ora, no caso em apreço, o Reino de Espanha não apresentou nenhuma decisão recente da sua Administração nem qualquer jurisprudência que demonstre que o artigo 141.°, n.° 2, ponto 1, da Lei 37/1992 era aplicado de forma distinta do seu sentido literal.

83      Por conseguinte, há que considerar que este artigo 141.°, n.° 2, ponto 1, é contrário ao artigo 306.° da diretiva IVA.

84      Daqui decorre que a segunda acusação deduzida pela Comissão deve ser julgada procedente.

 Quanto à terceira acusação

 Argumentos das partes

85      A Comissão sustenta que resulta do artigo 142.°, segundo parágrafo, da Lei 37/1992 que, no caso de um serviço de viagem prestado a outro sujeito passivo, que só abranja entregas efetuadas em território espanhol, a agência de viagens pode, depois de ter consultado o cliente, mencionar na fatura, com a menção «montante do IVA incluído no preço», uma percentagem determinada do preço, IVA incluído, que é normalmente da responsabilidade do cliente e que este pode deduzir. A Administração Fiscal espanhola admitiu claramente, em resposta a diversas questões, que este montante é dedutível se o cliente for um sujeito passivo com direito a dedução.

86      A Comissão considera que esta disposição viola o artigo 226.° da diretiva IVA, relativo às menções que devem figurar na fatura, bem como os artigos 168.° e 169.° desta diretiva, na medida em que autoriza a dedução de um montante que não tem nenhuma relação com o IVA suportado pelo destinatário das prestações de serviços fornecidas pelas agências de viagens. Além disso, a referida disposição é discriminatória, uma vez que se aplica apenas às viagens que abranjam serviços exclusivamente prestados em território espanhol.

87      O Reino de Espanha alega que a disposição controvertida abrange unicamente a hipótese em que uma empresa compra um pacote turístico a uma agência de viagens para os seus empregados. Esta disposição é necessária, uma vez que a Comissão não solucionou o problema colocado numa tal hipótese. Esse Estado‑Membro sublinha que não é possível nenhuma dedução quando um viajante, entendido no sentido de «pessoa singular», compra uma viagem, ou quando as agências de viagens prestem serviços umas às outras.

88      O Reino de Espanha contesta o caráter pretensamente discriminatório da disposição em causa, alegando que a mesma está em conformidade com o artigo 309.° da diretiva IVA, o qual prevê a isenção do serviço único fornecido pela agência de viagens no que respeita à parte relativa às entregas de bens e às prestações de serviços realizadas fora do território da União Europeia. A referida disposição impede, assim, a dedução do imposto relativamente às viagens compradas que beneficiam desta isenção.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

89      Importa salientar que o artigo 142.° da Lei 37/1992 permite que um sujeito passivo deduza, em certas condições, um montante de IVA fixado em 6% do preço total, IVA incluído, que lhe foi faturado.

90      Em primeiro lugar, importa referir que esta dedução não se encontra de todo prevista no regime especial das agências de viagens.

91      Em segundo lugar, cumpre recordar que o artigo 168.° da diretiva IVA consagra o princípio do direito a dedução do IVA. Este direito tem por objeto o imposto que incidiu a montante sobre os bens ou os serviços utilizados pelo sujeito passivo para os fins das suas operações tributáveis (v. acórdão Comissão/Espanha, já referido, n.° 21). Como salientou a advogada‑geral no n.° 26 das suas conclusões, a fim de assegurar a neutralidade do IVA, o montante do imposto deduzido deve corresponder exatamente ao montante do imposto devido ou pago a montante.

92      Ora, o artigo 142.° da Lei 37/1992 não visa o montante exato do IVA que incidiu sobre os serviços adquiridos pelo sujeito passivo, mas um montante calculado com base no montante global pago por este último. Este cálculo não corresponde, de modo algum, ao cálculo do IVA previsto pelo sistema comum do IVA, que, em conformidade com o artigo 78.°, alínea a), da diretiva IVA, dispõe, em particular, que a matéria coletável exclui o próprio IVA.

93      Daqui decorre que esta disposição não é compatível com o método de cálculo do IVA nem com as regras relativas ao direito a dedução previstas na diretiva IVA.

94      Daqui resulta igualmente que a menção, na fatura, de um montante correspondente a 6% do preço total faturado não corresponde às regras relativas ao conteúdo das faturas referidas no artigo 226.° da diretiva IVA.

95      Além disso, a Comissão salientou, corretamente, que, ao permitir a eventual dedução em causa apenas nos casos em que os serviços são prestados em Espanha, o artigo 142.° da Lei 37/1992 instaura uma discriminação com fundamento na nacionalidade, igualmente incompatível com o sistema comum do IVA. As disposições do artigo 309.° da diretiva IVA, citadas pelo Reino de Espanha, não podem, de qualquer modo, servir de fundamento a este artigo 142.°, na medida em que não estabelecem nenhuma distinção entre Estados‑Membros, mas preveem uma isenção das operações efetuadas fora da União.

96      Por conseguinte, há que acolher a terceira acusação deduzida pela Comissão.

 Quanto à quarta acusação

 Argumentos das partes

97      A Comissão sustenta que o artigo 146.° da Lei 37/1992, que permite que as agências de viagens determinem a matéria coletável de forma global durante um determinado período de tributação e, desse modo, calculem relativamente a esse período uma única margem beneficiária para todas as prestações de serviços de viagens abrangidas pelo regime especial das agências de viagens, não tem fundamento jurídico na diretiva IVA.

98      Nem o artigo 73.° nem o artigo 318.° da diretiva IVA podem constituir um fundamento para este cálculo. A forma como as autoridades espanholas aplicam o regime especial das agências de viagens é suscetível, segundo a Comissão, de provocar uma redução dos recursos próprios da União, e esta última tem o direito de recuperar o montante correspondente, acrescido de juros.

99      O Reino de Espanha considera que o artigo 308.° da diretiva IVA tem um âmbito suficientemente lato para permitir estabelecer um sistema de determinação global da matéria coletável do imposto para cada período de tributação, como o previsto na legislação espanhola.

100    Esse Estado‑Membro alega que o artigo 146.° da Lei 37/1992 visa simplificar o cumprimento das obrigações fiscais a que estão sujeitos os operadores e não impõe obrigações. O método de cálculo previsto respeita o princípio da neutralidade e não provoca, por conseguinte, nenhuma diminuição dos recursos próprios da União.

 Apreciação do Tribunal

101    Importa referir que o regime especial das agências de viagens e, nomeadamente, o artigo 308.° da diretiva IVA, citado pelo Reino de Espanha, não preveem nenhuma possibilidade de determinar de forma global a matéria coletável da margem beneficiária das agências de viagens.

102    O artigo 318.° da diretiva IVA permite, no quadro de regimes especiais expressamente enumerados no capítulo 4 do título XII desta diretiva, a saber, os regimes aplicáveis aos bens em segunda mão, aos objetos de arte e de coleção ou às antiguidades, determinar a matéria coletável de forma global, mas esta disposição abrange apenas, precisamente, certos domínios, entre os quais não figura o das agências de viagens.

103    Consequentemente, neste último domínio, a matéria coletável deve ser determinada em conformidade com o artigo 308.° da diretiva IVA, referindo‑se a cada prestação de serviços única fornecida pela agência de viagens, e não de forma global.

104    Daqui decorre que o artigo 146.° da Lei 37/1992 não é compatível com o regime especial do IVA previsto nos artigos 306.° a 310.° da diretiva IVA.

105    Por conseguinte, há que julgar procedente a quarta acusação deduzida pela Comissão.

106    Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que declarar que o Reino de Espanha:

¾        ao excluir do regime especial das agências de viagens as vendas ao público, efetuadas pelas agências retalhistas que atuam em nome próprio, de viagens organizadas por agências grossistas;

¾        ao autorizar que as agências de viagens mencionem na fatura, em determinadas circunstâncias, um montante global do IVA que não tem nenhuma relação com o imposto efetivamente repercutido no cliente, e ao autorizar este último, caso se trate de um sujeito passivo, a deduzir este montante global do IVA devido; e

¾        ao autorizar que as agências de viagens, na medida em que beneficiem do regime especial, determinem a matéria coletável do imposto de forma global para cada período tributário;

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 168.°, 226.° e 306.° a 310.° da diretiva IVA.

 Quanto às despesas

107    Nos termos do artigo 138.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte. Tendo a Comissão sido vencida num dos seus quatro fundamentos, há que condená‑la a suportar um quarto das suas próprias despesas e condenar o Reino de Espanha a suportar as suas próprias despesas, bem como três quartos das despesas da Comissão.

108    Em aplicação do artigo 140.° do Regulamento de Processo, a República Checa, a República Francesa, a República da Polónia, a República Portuguesa e a República da Finlândia suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      O Reino de Espanha,

¾        ao excluir do regime especial das agências de viagens as vendas ao público, efetuadas pelas agências retalhistas que atuam em nome próprio, de viagens organizadas por agências grossistas;

¾        ao autorizar que as agências de viagens mencionem na fatura, em determinadas circunstâncias, um montante global do imposto sobre o valor acrescentado que não tem nenhuma relação com o imposto efetivamente repercutido no cliente, e ao autorizar este último, caso se trate de um sujeito passivo, a deduzir este montante global do imposto sobre o valor acrescentado devido; e

¾        ao autorizar que as agências de viagens, na medida em que beneficiem do regime especial, determinem a matéria coletável do imposto de forma global para cada período tributário;

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 168.°, 226.° e 306.° a 310.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.

2)      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      A Comissão Europeia suporta um quarto das suas despesas.

4)      O Reino de Espanha suporta as suas próprias despesas e três quartos das despesas da Comissão Europeia.

5)      A República Checa, a República Francesa, a República da Polónia, a República Portuguesa e a República da Finlândia suportam as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.