C-395/11 - BLV Wohn- und Gewerbebau

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

13 de dezembro de 2012 (*)

«Fiscalidade — Sexta Diretiva IVA — Decisão 2004/290/CE — Aplicação de uma medida derrogatória por um Estado-Membro — Autorização — Artigo 2.°, ponto 1 — Conceito de ‘obras de construção civil’ — Interpretação — Inclusão das entregas de bens — Possibilidade de uma aplicação parcial dessa derrogação — Restrições»

No processo C-395/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisão de 30 de junho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 27 de julho de 2011, no processo

BLV Wohn- und Gewerbebau GmbH

contra

Finanzamt Lüdenscheid,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Ilešič, E. Levits, M. Safjan e M. Berger (relatora), juízes,

advogado-geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por F. Erlbacher e C. Soulay, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 12 de setembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.°, ponto 1, da Decisão 2004/290/CE do Conselho, de 30 de março de 2004, que autoriza a Alemanha a aplicar uma medida derrogatória do artigo 21.° da Sexta Diretiva 77/388/CEE relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO L 94, p. 59).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a BLV Wohn- und Gewerbebau GmbH (a seguir «BLV») ao Finanzamt Lüdenscheid (a seguir «Finanzamt») a propósito do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») imputável à BLV, resultante da construção de um edifício por parte desta última para outra empresa.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Segunda Diretiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO 1967, 71, p. 1303; EE 09 F1 p. 6), que não é aplicável no caso em apreço ratione temporis, previa no seu artigo 5.°, n.os 1 e 2, alínea e):

«1.      Por ‘entrega de um bem’ entende-se a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.

2.      São igualmente consideradas ‘entrega’, na aceção do n.° 1:

[...]

e)      a entrega de trabalhos imobiliários, incluindo aqueles em que há incorporação de um bem móvel num bem imóvel.

[...]»

 Sexta Diretiva IVA

4        A Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Diretiva 2004/7/CE do Conselho, de 20 de janeiro de 2004 (JO L 27, p. 44, a seguir «Sexta Diretiva IVA»), dispõe no seu artigo 5.°, n.os 1 e 5:

«1.      Por ‘entrega de um bem’ entende-se a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.

[...]

5.      Os Estados-Membros podem considerar entrega, na aceção do n.° 1, a entrega de determinados trabalhos imobiliários.»

5        O artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Diretiva IVA prevê:

«Por ‘prestação de serviços’ entende-se qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na aceção do artigo 5.°»

6        Segundo o artigo 21.°, n.° 1, alínea a), primeiro período, desta diretiva:

«1.      No regime interno, o imposto sobre o valor acrescentado é devido:

a)      Pelos sujeitos passivos que efetuem entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis[...]»

7        O artigo 27.°, n.° 1, da referida diretiva dispõe:

«1.      O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, pode autorizar os Estados-Membros a introduzirem medidas especiais derrogatórias da presente diretiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais. [...]»

 Decisão 2004/290

8        O considerando 2 da Decisão 2004/290 tem a seguinte redação:

«Foram detetadas perdas consideráveis de IVA nos setores da construção e da limpeza de edifícios. Estas perdas ocorreram em casos em que o IVA foi corretamente faturado mas não pago às autoridades fiscais, tendo o destinatário exercido o seu direito de dedução do IVA. Os operadores devedores não puderam ser identificados ou foram-no demasiado tarde para se poder recuperar o IVA perdido. O aumento do número destes casos foi tal que tornou necessária a adoção de medidas legais. A designação do destinatário como devedor do IVA apenas diz respeito às empresas que podem exercer o seu direito de dedução, não abrangendo pessoas singulares. Está circunscrita a dois ramos específicos, em que as perdas, em termos de IVA, atingiram níveis intoleráveis. [...]»

9        Segundo o considerando 4 desta decisão:

«Esta derrogação não afeta o montante do [IVA] devido na fase do consumo final e não tem incidência nos recursos próprios das Comunidades Europeias provenientes do [IVA]»

10      O artigo 1.° da referida decisão enuncia:

«Em derrogação da alínea a) do n.° 1 do artigo 21.° da [Sexta] Diretiva […], a República Federal da Alemanha é autorizada, com efeitos a 1 de abril de 2004, a designar como devedor do imposto sobre o valor acrescentado o destinatário dos fornecimentos de bens e das prestações de serviços mencionados no artigo 2.° da presente decisão.»

11      Nos termos do artigo 2.°, ponto 1, da Decisão 2004/290:

«O destinatário dos fornecimentos de bens e das prestações dos serviços pode ser designado como devedor do IVA:

1)      No caso de obras de construção civil e/ou serviços de limpeza de edifícios destinadas ou prestadas a sujeitos passivos, exceto quando o destinatário da prestação arrenda exclusivamente duas residências, no máximo, ou quando as obras se destinem a sujeitos passivos.»

 Direito alemão

12      O § 3, n.° 4, da Lei do imposto sobre o volume de negócios (Umsatzsteuergesetz 2005, BGBl. 2005 I, p. 386), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «UstG»), dispõe:

«Nos casos em que o empresário tenha tomado a seu cargo o fabrico ou a transformação de um bem e utilize, para esse efeito, materiais que ele próprio fabricou, a operação deve ser considerada uma entrega (fornecimento de uma obra), quando os materiais não forem apenas componentes ou outros elementos acessórios. O mesmo se aplica quando os bens são incorporados no terreno. [...]»

13      O § 13b, n.os 1, ponto 4, e 2, segundo período, da UStG funda-se na Decisão 2004/290 e prevê:

«1.      Nas seguintes operações tributáveis, o [IVA] torna-se exigível quando é emitida a fatura, o mais tardar no final do mês seguinte àquele em que a prestação foi executada:

[...]

4)      Entregas de obras e outras entregas, que tenham por objeto a edificação, a reparação e restauro, a alteração ou a demolição de construções, com exceção das prestações de planeamento ou vigilância. [...]

2.      [...] Nos casos referidos no n.° 1, primeiro período, ponto 4, primeiro período, o destinatário da prestação é o devedor do imposto, se for um empresário que forneça uma prestação na aceção do n.° 1, primeiro período, ponto 4, primeiro período, da UStG. [...]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      A BLV é uma empresa que desenvolve atividades de aquisição, urbanização e edificação de terrenos. É «sujeito passivo» na aceção do artigo 4.° da Sexta Diretiva IVA.

15      Em setembro de 2004, a BLV incumbiu a Rolf & Co. OHG (a seguir «Rolf & Co.») da construção de um edifício de habitação, com seis apartamentos, por um preço global. Em contrapartida desse trabalho, a Rolf & Co. emitiu, em 17 de novembro de 2005, uma fatura final sem indicar o IVA e mencionando a BLV como devedora do imposto, enquanto destinatária da operação.

16      Num primeiro momento, a BLV declarou às autoridades fiscais que, quanto a essa operação realizada durante o exercício de 2005, era devedora de IVA. Todavia, posteriormente, alegou que as condições relativas à origem de uma dívida fiscal não estavam preenchidas relativamente a si, uma vez que a República Federal da Alemanha não estava autorizada, segundo o direito da União, a prever a sujeição ao IVA não do prestador, mas do destinatário, de uma operação como a que está em causa. O Finanzamt, em contrapartida, não partilhava desse ponto de vista, mas considerava que a BLV era de facto devedora do IVA. A BLV recorreu às jurisdições administrativas a respeito desta questão.

17      O Finanzamt, recorrido no processo principal, considera que a recorrente no processo principal é devedora do IVA, em conformidade com o § 13b, n.° 1, primeiro período, ponto 4, e n.° 2, segundo período, da UStG. No quadro deste processo, o Bundesfinanzhof considera que a resolução do litígio depende da interpretação a dar à Decisão 2004/290.

18      Nestas condições, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O conceito de ‘obras de construção civil’, na aceção do artigo 2.°, [ponto] 1, da Decisão […] 2004/290 […], abrange […] também entregas de bens?

2)      Caso a autorização, dada por essa decisão, para designar o destinatário da prestação de serviços como devedor do imposto abranja também as entregas:

o Estado-Membro autorizado pode fazer apenas uso parcial dessa autorização, relativamente a determinadas subcategorias, como tipos particulares de obras de construção civil, e a prestações a determinados beneficiários?

3)      Caso o Estado-Membro possa designar subcategorias: os Estados-Membros estão sujeitos a restrições na definição de subcategorias?

4)      Caso o Estado-Membro não possa definir subcategorias, em geral (v. segunda questão supra) ou devido à existência de restrições que não foram observadas (v. terceira questão supra):

a)      Quais as consequências da definição ilegal de subcategorias?

b)      A definição ilegal de subcategorias leva a que a disposição de direito nacional não seja aplicável a determinados sujeitos passivos, ou a que não seja aplicável de todo?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

19      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 2.°, ponto 1, da Decisão 2004/290 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «obras de construção civil» que figura nessa disposição inclui, além das operações consideradas prestações de serviços, como definidas no artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Diretiva, também as que constituam entregas de bens na aceção do artigo 5.°, n.° 1, desta diretiva.

20      Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, ainda que a Decisão 2004/290 autorize a República Federal da Alemanha a designar o destinatário da operação como devedor do IVA (regime dito de «autoliquidação») para as obras de construção civil unicamente quando estas assumam a forma de serviços e não se estiverem em causa entregas, a BLV é sem dúvida devedora do IVA por força do § 13b) da UStG, mas não por força da Decisão 2004/290.

21      A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que a Decisão 2004/290 não contêm uma definição do conceito de «obras de construção civil».

22      Além disso, verifica-se que nenhuma versão linguística, exceto a versão alemã, da Sexta Diretiva IVA, a que o artigo 1.° da Decisão 2004/290 faz referência, evoca o conceito de «obras de construção civil». Com efeito, a Sexta Diretiva IVA, designadamente no seu artigo 5.°, n.° 5, apenas menciona os «trabalhos imobiliários».

23      Todavia, ainda que se admita que o conceito de «trabalhos imobiliários» que figura na Sexta Diretiva IVA abrange o de «obras de construção civil» utilizado na Decisão 2004/290, esse primeiro conceito também não era definido na Sexta Diretiva IVA. Com efeito, na verdade, a Segunda Diretiva 67/228 continha uma definição, a título indicativo, dos «trabalhos imobiliários» no seu artigo 5.°, n.° 2, alínea e), lido em conjugação com o seu anexo A, ponto 5, e previa, de resto expressamente, que esses trabalhos eram «considerados uma entrega». Todavia, no que diz respeito à Sexta Diretiva IVA, não há essa definição.

24      Daqui decorre que, quando o legislador da União, baseando-se no artigo 27.°, n.° 1, da Sexta Diretiva IVA, autorizou a República Federal da Alemanha, através da Decisão 2004/290, a prever uma medida derrogatória em matéria de IVA no que diz respeito, designadamente, às «obras de construção civil», não se referiu a um conceito preexistente e bem definido nesse domínio do direito da União.

25      Ora, segundo jurisprudência constante, na falta de uma definição do conceito de «obras de construção civil», a determinação do significado e do alcance destes termos deve fazer-se tendo em atenção o contexto geral em que são utilizados e em conformidade com o seu sentido habitual na linguagem comum (v., neste sentido, acórdão de 4 de maio de 2006, Massachussetts Institute of Technology, C-431/04, Colet., p. I-4089, n.° 17 e jurisprudência referida). Além disso, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta os objetivos prosseguidos pela regulamentação em causa e o seu efeito útil (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 29 de janeiro de 2009, Petrosian, C-19/08, Colet., p. I-495, n.° 34 e jurisprudência referida).

26      Em primeiro lugar, quanto ao sentido habitual do conceito de «obras de construção civil» em linguagem corrente, há que observar que operações como as que estão em causa no processo principal, a saber, designadamente, a construção de um edifício, se inserem incontestavelmente nesse conceito. Para este efeito, é irrelevante não apenas a questão de saber se a empresa que efetua essa construção é proprietária do edifício construído, ou dos materiais utilizados, mas igualmente a questão de saber se a operação em causa deve ser qualificada de «prestação de serviços» ou de «entrega de bens».

27      Em segundo lugar, no que respeita ao contexto geral e aos objetivos prosseguidos pela regulamentação em causa, a Decisão 2004/290 refere, no seu considerando 2, que, na Alemanha, «[f]oram detetadas perdas consideráveis de IVA nos setores da construção [...]: o IVA foi corretamente faturado mas não pago às autoridades fiscais, tendo o destinatário exercido o seu direito de dedução […]. O aumento do número destes casos foi tal que tornou necessária a adoção de medidas legais». Do mesmo modo, segundo o artigo 1.° desta decisão, «a República Federal da Alemanha é autorizada […] a designar como devedor do [IVA] o destinatário dos fornecimentos de bens e das prestações de serviços mencionados no artigo 2.° da presente decisão».

28      Ora, uma interpretação restritiva do artigo 2.°, ponto 1, da Decisão 2004/290, que prevê que «[o] destinatário dos fornecimentos de bens e das prestações dos serviços pode ser designado como devedor do IVA […]quando as obras [de construção civil] se destinem a sujeitos passivos», no sentido de que essa disposição não engloba os fornecimentos de bens, como definidos no artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Diretiva IVA, iria claramente contra o objetivo do referido artigo 2.°, ponto 1, da Decisão 2004/290.

29      Por outro lado, é pacífico que a qualificação de uma dada operação de «entrega de bens» ou de «prestação de serviços» constitui uma apreciação complexa que se deve basear em princípio, como sublinha o advogado-geral nos n.os 30 e seguintes das conclusões, numa análise caso a caso (v., igualmente, neste sentido, acórdão de 10 de março de 2011, Bog e o., C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, Colet., p. I-1457, n.os 61 e seguintes).

30      Neste contexto, nada indica que o legislador da União, ao adotar o artigo 2.°, ponto 1, da Decisão 2004/290, tenha querido limitar a aplicação desta disposição apenas aos casos em que essa apreciação complexa levasse, em definitivo, a que a operação em causa fosse de qualificar de «prestação de serviços».

31      Além disso, a qualificação da operação em causa no processo principal é irrelevante na perspetiva da realização do objetivo prosseguido pela Decisão 2004/290, dado que o risco de uma «perda de receitas de IVA considerável» é idêntico no caso de essa operação ser de qualificar de «prestação de serviços» e nos casos em que deva ser considerada uma «entrega».

32      O exposto milita a favor de uma interpretação no sentido de que o conceito de «obras de construção civil» que figura no artigo 2.°, ponto 1, da Decisão 2004/290 engloba não apenas as prestações de serviços mas igualmente as entregas de bens.

33      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo facto de esta disposição, enquanto derrogação à regra geral prevista no artigo 21.°, n.° 1, alínea a), primeiro período, da Sexta Diretiva IVA, dever ser interpretada de forma estrita. Com efeito, embora resulte de jurisprudência constante que, em matéria de IVA, as disposições que têm o caráter de derrogação a um princípio devem ser objeto de interpretação estrita, não deixa, porém, de ser necessário garantir que essa derrogação não fique sem efeito útil (acórdãos Bog e o., já referido, n.° 84 e jurisprudência referida, e, neste sentido, de 10 de março de 2011, Skandinaviska Enskilda Banken, C-540/09, Colet., p. I-1509, n.° 20 e jurisprudência referida).

34      Ora, há que concluir que uma exclusão das entregas de bens do âmbito de aplicação do artigo 2.°, ponto 1, da Decisão 2004/290 poderia pôr em causa o efeito útil desta disposição. Com efeito, essa interpretação teria como consequência que, designadamente, a construção de um edifício pudesse ser excluída da aplicação da medida derrogatória autorizada pela Decisão 2004/290. Ora, essa operação enquadra-se naturalmente nas «obras de construção civil» e representa uma categoria de operações que constitui, como o Governo alemão sublinha com razão nas suas observações, uma parte considerável das operações em causa.

35      Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 2.°, ponto 1, da Decisão 2004/290 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «obras de construção civil» que figura nessa disposição inclui, além das operações consideradas prestações de serviços, como definidas no artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Diretiva, igualmente as que constituem entregas de bens na aceção do artigo 5.°, n.° 1, desta diretiva.

 Quanto à segunda e terceira questões

36      Com a segunda e terceira questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Decisão 2004/290 deve ser interpretada no sentido de que a República Federal da Alemanha pode exercer a autorização concedida por essa decisão de forma parcial para certas categorias, como diferentes tipos de obras de construção civil, e para as operações fornecidas a certos destinatários, e se esse Estado-Membro está, se for caso disso, sujeito a restrições ao estabelecer tais categorias.

37      Esse órgão jurisdicional pergunta-se então sobre se, admitindo que a Decisão 2004/290 tenha permitido à República Federal da Alemanha designar o destinatário como devedor do IVA quando a operação tenha por objeto entregas relativas a obras de construção civil, esse Estado-Membro era obrigado, em conformidade com o artigo 2.°, ponto 1, da Decisão 2004/290, a proceder a essa designação em relação à totalidade das operações relativas a essas entregas e, como tal, às entregas destinadas a todos os sujeitos passivos.

38      Com efeito, por um lado, o § 13b da UstG designa o destinatário como devedor do imposto não em relação a todas as entregas em causa, mas unicamente às entregas de obras na aceção do § 3, n.° 4, da UstG, e, por outro, são unicamente os próprios sujeitos passivos que fornecem obras de «construção civil» que, segundo a legislação alemã, são devedores do IVA, e não todos os destinatários dessas operações.

39      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se, admitindo que o Estado-Membro em causa esteja habilitado a estabelecer categorias, está sujeito a restrições, designadamente quanto ao respeito, por esse Estado-Membro, do princípio da segurança jurídica.

40      A este propósito, há que recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual as medidas derrogatórias referidas no artigo 27.°, n.° 1, da Sexta Diretiva, permitidas, designadamente, «para […] evitar certas fraudes ou evasões fiscais», devem ser interpretadas estritamente e devem além disso ser necessárias e adequadas para a realização do objetivo específico que prosseguem e afetar o menos possível os objetivos e os princípios da Sexta Diretiva (v. acórdão de 27 de janeiro de 2011, Vandoorne, C-489/09, Colet., p. I-225, n.° 27 e jurisprudência referida).

41      Além disso, e como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar noutro contexto, a limitação da aplicação de uma exceção a uma regra geral em matéria de IVA a aspetos concretos e específicos é coerente com o princípio de que as isenções e as derrogações devem ser interpretadas restritivamente (v., neste sentido, acórdão de 8 de maio de 2003, Comissão/França, C-384/01, Colet., p. I-4395, n.° 28), desde que o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA seja respeitado (acórdão de 3 de abril de 2008, Zweckverband zur Trinkwasserversorgung und Abwasserbeseitigung Torgau-Westelbien, C-442/05, Colet., p. I-1817, n.° 43, e, neste sentido, acórdão de 6 de maio de 2010, Comissão/França, C-94/09, Colet., p. I-4261, n.° 30).

42      Essa jurisprudência, que tem também por objeto a faculdade deixada aos Estados-Membros de derrogar, a título excecional, uma regra geral em matéria de IVA, a saber, o princípio da aplicação de uma mesma taxa de IVA a todas as entregas de bens e prestações de serviços, é transponível para um processo como o processo principal. Por conseguinte, a República Federal da Alemanha contentou-se validamente em exercer a autorização de forma parcial para certas categorias, como diferentes tipos de obras de construção civil, e para as operações fornecidas a certos destinatários, desde que, todavia, sejam respeitados o princípio da neutralidade fiscal assim como, na medida em que o Estado-Membro em causa tenha implementado o direito da União, os princípios gerais desse direito.

43      A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que, como sublinha a Decisão 2004/290 no seu considerando 4, esta autorizava a República Federal da Alemanha a prever uma medida derrogatória que não influía no montante do IVA exigível na fase do consumo final e não tinha incidência nos recursos próprios da União provenientes do IVA. Quanto às medidas concretamente adotadas nesta base, a sua aplicação era limitada aos casos em que o próprio destinatário das operações em causa era sujeito passivo na aceção da Sexta Diretiva IVA no setor da construção, que teria então o direito de deduzir o imposto pago a montante do IVA devido ou de pedir, se fosse caso disso, o reembolso desse imposto. Assim, além de essas medidas não terem incidência no IVA exigível na fase do consumo final também não tinham por efeito criar um encargo financeiro para as pessoas diretamente visadas por elas. Por conseguinte, não se afigura que a legislação alemã em causa tenha consubstanciado uma violação do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA.

44      Em segundo lugar, no que diz respeito à observância pela República Federal da Alemanha dos princípios gerais do direito da União ao estabelecer categorias de operações e de destinatários aos quais a medida em causa no processo principal é aplicável, a regulamentação em questão só pode, à primeira vista, suscitar dúvidas em relação aos princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica.

45      Quanto ao princípio da proporcionalidade, impõe-se concluir que os autos não contêm nenhum elemento suscetível de pôr em causa a proporcionalidade das medidas derrogatórias adotadas pela República Federal da Alemanha com base na Decisão 2004/290. Como foi recordado no n.° 43 do presente acórdão, essas medidas limitavam-se, por um lado, a prever o regime de autoliquidação para certas operações e não implicavam, em princípio, nenhum encargo financeiro para as pessoas abrangidas por essas medidas, ao passo que permitiam, por outro lado, evitar a perda de receitas de IVA consideráveis. Na falta de outras circunstâncias particulares, que de resto não resultam dos autos, tal medida não podia ser considerada desproporcionada. Incumbe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, se for caso disso, a existência de tais circunstâncias particulares.

46      No que diz respeito ao princípio da segurança jurídica, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a legislação nacional em causa pode ter como consequência que os sujeitos passivos possam ter dificuldades em determinar o devedor do imposto quando não conhecem a situação do destinatário. Com efeito, no quadro de obras de construção civil, para que o destinatário da operação seja devedor do imposto, é necessário que, designadamente, pelo menos 10% do «volume de negócios global» que este último tenha realizado durante o exercício precedente provenha desses trabalhos. Ora, como aconteceu no processo principal, o devedor do imposto podia admitir, num primeiro momento, ter ultrapassado esse limite antes de concluir que tal não era o caso.

47      A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante, a legislação da União deve ser certa e a sua aplicação previsível para os particulares. Este imperativo de segurança jurídica impõe-se com especial rigor quando se trata de uma regulamentação suscetível de comportar encargos financeiros, a fim de permitir aos interessados conhecer com exatidão o alcance das obrigações que lhes são impostas (acórdão de 16 de setembro de 2008, Isle of Wight Council e o., C-288/07, Colet., p. I-7203, n.° 47 e jurisprudência referida). O princípio da segurança jurídica impõe-se igualmente a qualquer autoridade nacional encarregada de aplicar o direito da União (v. acórdão de 17 de julho de 2008, ASM Brescia, C-347/06, Colet., p. I-5641, n.° 65 e jurisprudência referida).

48      Com efeito, embora a regulamentação em causa não seja geralmente suscetível de comportar encargos financeiros para o sujeito passivo na aceção do acórdão Isle of Wight Council e o., já referido, não deixa de ser verdade que, como poderia ser o caso num processo como o principal, esse encargo financeiro poderia resultar da aplicação que dela fosse feita pelas autoridades nacionais competentes se essa aplicação, pelo menos transitoriamente, não permitisse aos sujeitos passivos em causa conhecer com exatidão o alcance das suas obrigações em matéria de IVA.

49      Incumbe assim ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todas as circunstâncias de direito e de facto pertinentes, se é isso que acontece no caso em apreço e, se for caso disso, tomar as medidas necessárias para obviar às consequências prejudiciais de uma aplicação das disposições em causa que viole o princípio da segurança jurídica.

50      Por conseguinte, há que responder à segunda e terceira questões que a Decisão 2004/290 deve ser interpretada no sentido de que a República Federal da Alemanha pode limitar-se a exercer a autorização concedida por essa decisão de forma parcial para certas categorias, como diferentes tipos de obras de construção civil, e para as operações fornecidas a certos destinatários. Ao estabelecer essas categorias, esse Estado-Membro é obrigado a respeitar o princípio da neutralidade fiscal assim como os princípios gerais do direito da União, entre os quais os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todas as circunstâncias de direito e de facto pertinentes, se é isso que acontece no processo principal e, se for caso disso, tomar as medidas necessárias para obviar às consequências prejudiciais de uma aplicação das disposições em causa contrária aos princípios da proporcionalidade ou da segurança jurídica.

 Quanto à quarta questão

51      Tendo em conta a resposta dada à segunda e terceira questões, não há que responder à quarta questão.

 Quanto às despesas

52      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 2.°, ponto 1, da Decisão 2004/290/CE do Conselho, de 30 de março de 2004, que autoriza a Alemanha a aplicar uma medida derrogatória do artigo 21.° da Sexta Diretiva 77/388/CEE relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «obras de construção civil» que figura nessa disposição inclui, além das operações consideradas prestações de serviços, como definidas no artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, conforme alterada pela Diretiva 2004/7/CE do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, igualmente as que constituem entregas de bens na aceção do artigo 5.°, n.° 1, desta diretiva.

2)      A Decisão 2004/290 deve ser interpretada no sentido de que a República Federal da Alemanha pode limitar-se a exercer a autorização concedida por essa decisão de forma parcial para certas categorias, como diferentes tipos de obras de construção civil, e para as operações fornecidas a certos destinatários. Ao estabelecer essas categorias, esse Estado-Membro é obrigado a respeitar o princípio da neutralidade fiscal assim como os princípios gerais do direito da União, entre os quais os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todas as circunstâncias de direito e de facto pertinentes, se é isso que acontece no processo principal e, se for caso disso, tomar as medidas necessárias para obviar às consequências prejudiciais de uma aplicação das disposições em causa contrária aos princípios da proporcionalidade ou da segurança jurídica.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.