C-494/12 - Dixons Retail

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

21 de novembro de 2013 (*)

«Diretiva 2006/112/CE — Imposto sobre o valor acrescentado — Entrega de bens — Conceito — Utilização fraudulenta de um cartão bancário»

No processo C‑494/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo First‑tier Tribunal (Tax Chamber) (Reino Unido), por decisão de 26 de outubro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 5 de novembro de 2012, no processo

Dixons Retail plc

contra

Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relator), presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Dixons Retail plc, por A. Brown, advocate,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por A. Robinson, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal, A. Cordewener e C. Soulay, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 14.°, n.° 1, e 73.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Dixons Retail plc (a seguir «Dixons») aos Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (a seguir «Commissioners»), a respeito do indeferimento, por estes, do pedido, apresentado pela Dixons, de reembolso do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») declarado e pago por esta sociedade sobre operações efetuadas entre 13 de novembro de 2005 e 30 de novembro de 2008.

 Quadro jurídico

 Diretiva 77/388/CEE

3        O artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; a seguir «Sexta Diretiva»), dispõe:

«Estão sujeitas ao [IVA]:

1.      as entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.»

4        O artigo 5.°, n.° 1, dessa diretiva prevê:

«Por ‘entrega de um bem’ entende‑se a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.»

5        O artigo 11.°, A, n.° 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«No território do país

1.      A matéria coletável é constituída:

a)      no caso de entregas de bens e de prestações de serviços que não sejam as referidas nas alíneas b), c) e d), por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações;

[...]»

 Diretiva 2006/112

6        O artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112 prevê que as entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade estão sujeitas ao IVA.

7        O artigo 14.°, n.° 1, desta diretiva dispõe:

«Entende‑se por ‘entrega de bens’ a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.»

8        Nos termos do artigo 73.° da referida diretiva:

«Nas entregas de bens e [nas] prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        A Dixons é o membro representativo de um grupo de IVA que comercializa aparelhos elétricos.

10      A Dixons estava vinculada à American Express Europe Ltd (a seguir «AmEx») por um acordo, por força do qual, em caso de utilização, por um dos seus clientes, de um cartão emitido pela AmEx como meio de pagamento, a Dixons estava obrigada a aceitar esse cartão e a AmEx comprometia‑se, sem prejuízo do cumprimento dos procedimentos previstos, a pagar à Dixons o preço dos bens comprados por esse cliente com o referido cartão, após dedução de uma comissão.

11      No que se refere às transações pagas com cartões diferentes dos emitidos pela AmEx, um acordo análogo vinculava a Dixons à National Westminster Bank plc, que atua sob a denominação de Streamline (a seguir «Streamline»).

12      Depois de ter declarado e pago o IVA relativo a operações efetuadas entre 13 de novembro de 2005 e 30 de novembro de 2008, a Dixons pediu o reembolso desse imposto aos Commissioners, que indeferiram o seu pedido.

13      A Dixons interpôs recurso da decisão dos Commissioners no First‑tier Tribunal (Tax Chamber), a fim de obter o referido reembolso.

14      O recurso interposto no órgão jurisdicional de reenvio diz respeito às transações pagas com cartão, pelas quais, embora posteriormente se tivesse verificado que essas transações tinham sido realizadas com cartões utilizados de forma fraudulenta, a Dixons recebeu da AmEx e da Streamline o pagamento do preço, em conformidade com os procedimentos previstos nos acordos celebrados com estas.

15      A este respeito, resulta da decisão de reenvio que, apesar da utilização fraudulenta dos cartões, nem a AmEx nem a Streamline intentaram, respetivamente, uma ação indemnizatória contra a Dixons ou procederam à recusa de débito, como lhes permitiam os referidos acordos em caso de incumprimento dos procedimentos neles previstos. A Dixons conservou, por conseguinte, os pagamentos efetuados pela AmEx e pela Streamline, os quais incluíam uma parte de IVA.

16      Foi nestas condições que o First‑tier Tribunal (Tax Chamber) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 14.°, n.° 1, [da Diretiva 2006/112] ser interpretado no sentido de que é aplicável quando a transferência física de bens tenha sido obtida através de uma fraude que consiste na utilização, pelo destinatário da prestação, de um cartão como meio de pagamento, sabendo que não está autorizado a fazê‑lo?

2)      Existe uma ‘transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário’, na aceção do artigo 14.°, n.° 1, [da Diretiva 2006/112], quando a transferência de bens tenha sido obtida através do uso fraudulento de um cartão?

3)      Deve o artigo 73.° [da Diretiva 2006/112] ser interpretado no sentido de que é aplicável quando o transmitente dos bens tenha recebido o pagamento com base num acordo com um terceiro de acordo com o qual este é obrigado a proceder ao pagamento das transações efetuadas através de um cartão, quando o adquirente dos bens tem consciência de que não está autorizado a usar o cartão em causa?

4)      Quando o pagamento tenha sido feito por um terceiro nos termos de um acordo celebrado com o transmitente dos bens, na sequência da apresentação a este último de um cartão que o adquirente desses bens não estava autorizado a utilizar, pode considerar‑se que o pagamento obtido deste terceiro é a ‘contraprestação’ da entrega na aceção do artigo 73.° [da Diretiva 2006/112]?»

 Quanto às questões prejudiciais

17      Com as suas questões, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a transferência física de um bem para um comprador que utiliza fraudulentamente um cartão bancário como meio de pagamento constitui uma «entrega de bens» na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Diretiva e do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 e se, no âmbito dessa transferência, o pagamento efetuado por um terceiro, em aplicação de um acordo celebrado entre este e o fornecedor desse bem, pelo qual esse terceiro se comprometeu a pagar a esse fornecedor os bens por este vendidos a compradores que utilizam semelhante cartão como meio de pagamento, constitui uma «contraprestação» na aceção do artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva e do artigo 73.° da Diretiva 2006/112.

18      A título preliminar, há que salientar que, na medida em que a Diretiva 2006/112 entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007, as disposições desta diretiva só são aplicáveis às operações em causa no processo principal efetuadas após essa data. No que se refere às operações efetuadas antes dessa data, há que aplicar as disposições da Sexta Diretiva. Para responder às referidas questões, não é necessário distinguir entre as disposições resultantes dessas diretivas, devendo considerar‑se que estas têm um alcance substancialmente idêntico para efeitos da interpretação que o Tribunal de Justiça deverá dar no âmbito do presente processo.

 Quanto à existência de uma «transferência» na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Diretiva e do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112

19      Antes de mais, importa recordar que a Sexta Diretiva e a Diretiva 2006/112 estabelecem um sistema comum de IVA, baseado, nomeadamente, numa definição uniforme das operações tributáveis (v. acórdãos de 12 de janeiro de 2006, Optigen e o., C‑354/03, C‑355/03 e C‑484/03, Colet., p. I‑483, n.° 36; de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C‑255/02, Colet., p. I‑1609, n.° 48; e de 20 de junho de 2013, Newey, C‑653/11, n.° 39).

20      A este propósito, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o conceito de «entrega de bens» previsto no artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Diretiva e no artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 não diz respeito à transferência de propriedade nas formas previstas pelo direito nacional aplicável, mas inclui qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que confere à outra parte o poder de dispor dele, de facto, como se fosse o proprietário desse bem (v. acórdão de 14 de julho de 2005, British American Tobacco e Newman Shipping, C‑435/03, Colet., p. I‑7077, n.° 35; acórdãos, já referidos, Optigen e o., n.° 39, e Halifax e o., n.° 51; e acórdãos de 3 de junho de 2010, De Fruytier, C‑237/09, Colet., p. I‑4985, n.° 24, e de 18 de julho de 2013, Evita‑K, C‑78/12, n.° 33).

21      Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já declarou que o referido conceito tem caráter objetivo e se aplica independentemente dos objetivos e dos resultados das operações em causa, sem que a Administração Fiscal esteja obrigada a proceder a inquéritos para determinar a intenção do sujeito passivo em causa ou, ainda, a ter em conta a intenção de um operador diferente do sujeito passivo que intervém na mesma cadeia de entregas (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Optigen e o., n.os 44 a 46, 51 e 55, e Halifax e o., n.os 56 e 57; acórdão de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C‑439/04 e C‑440/04, Colet., p. I‑6161, n.os 41 a 44; e acórdão Newey, já referido, n.° 41).

22      Daqui resulta que operações como as que estão em causa no processo principal constituem entregas de bens na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Diretiva e do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, desde que preencham os critérios objetivos em que assenta esse conceito e não estejam viciadas por fraude ao IVA (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Optigen e o., n.os 51 e 52, e Halifax e o., n.os 58 e 59).

23      No caso em apreço, não se contesta que a Dixons era proprietária dos bens entregues aquando das transações em causa no processo principal e que, por conseguinte, esta sociedade estava em condições de transferir para o adquirente desses bens o poder de dispor deles como proprietário.

24      Do mesmo modo, nenhum dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça permite duvidar que a Dixons entregou voluntariamente os referidos bens ao referido adquirente a fim de lhe conferir o poder de dispor deles, de facto, como se fosse o proprietário.

25      Por outro lado, não se afigura que tenha sido cometida uma fraude fiscal no âmbito das operações em causa no processo principal, dado que, como resulta da decisão de reenvio, o IVA relativo a essas operações foi regularmente declarado e pago pela Dixons.

26      A utilização fraudulenta de um cartão bancário como meio de pagamento aquando das referidas operações não tem incidência no facto de estas poderem ser qualificadas de entregas de bens na aceção da Sexta Diretiva e da Diretiva 2006/112. Com efeito, essa utilização não tem a ver com os critérios objetivos em que assenta esse conceito, mas com a intenção da pessoa que participou, enquanto adquirente, nas operações em causa e com os processos implementados para concretizar essa intenção.

27      Por conseguinte, importa constatar a existência de uma «transferência», na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Diretiva e do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, entre a Dixons e os seus clientes, mesmo que estes, nas operações em causa no processo principal, tenham utilizado fraudulentamente um cartão bancário como meio de pagamento do preço dos bens entregues pela Dixons.

28      A este respeito, há que acrescentar que, contrariamente ao que sustentou a Dixons, uma situação como a que está em causa no processo principal deve ser distinguida do furto de mercadorias, que não é abrangido pelo conceito de «entrega de bens», como resulta da Sexta Diretiva e da Diretiva 2006/112 (v. acórdão British American Tobacco e Newman Shipping, já referido, n.° 33).

29      De facto, o furto de mercadorias não tem por efeito habilitar o seu autor a dispor das mercadorias nas mesmas condições que o seu proprietário. Por conseguinte, não se pode considerar que o furto opere uma transferência entre a vítima e o autor da infração, na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Diretiva e do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 (v. acórdão British American Tobacco e Newman Shipping, já referido, n.° 36).

30      Além disso, o furto de mercadorias não dá lugar, por definição, a uma qualquer contraprestação financeira a favor da pessoa que dele foi vítima. Por conseguinte, não pode, enquanto tal, ser considerado uma entrega de bens efetuada «a título oneroso» na aceção do artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva e do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112 (v. acórdão British American Tobacco e Newman Shipping, já referido, n.° 32).

 Quanto à existência de uma «contraprestação» na aceção do artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva e do artigo 73.° da Diretiva 2006/112

31      Quanto à questão de saber se, no âmbito das operações em causa no processo principal, os pagamentos efetuados pela AmEx e pela Streamline ao abrigo dos acordos celebrados entre estas e a Dixons constituem uma «contraprestação» na aceção do artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva e do artigo 73.° da Diretiva 2006/112, deve recordar‑se que, no âmbito do sistema do IVA, as operações tributáveis pressupõem a existência de uma transação entre as partes, com a estipulação de um preço ou de um contravalor. Assim, quando a atividade de um fornecedor consiste em entregar exclusivamente bens sem contraprestação direta, não existe valor tributável, e as entregas de bens em causa não estão, portanto, sujeitas ao IVA (v., nomeadamente, em matéria de prestação de serviços, acórdãos de 3 de março de 1994, Tolsma, C‑16/93, Colet., p. I‑743, n.° 12, e de 27 de outubro de 2011, GFKL Financial Services, C‑93/10, Colet., p. I‑10791, n.° 17).

32      Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que uma entrega de bens só é efetuada «a título oneroso», na aceção do artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva e do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112, e só é, portanto, tributável, se existir entre o fornecedor e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são realizadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo fornecedor o contravalor efetivo do bem entregue ao beneficiário (v., nomeadamente, em matéria de prestação de serviços, acórdãos, já referidos, Tolsma, n.° 14, e GFKL Financial Services, n.° 18).

33      Com efeito, o valor tributável na entrega de um bem é constituído por tudo o que é recebido como contraprestação do bem entregue (v., nomeadamente, em matéria de prestações de serviços, acórdãos Tolsma, já referido, n.° 13, e de 29 de julho de 2010, Astra Zeneca UK, C‑40/09, Colet., p. I‑7505, n.° 28), de modo que essa entrega é efetuada «a título oneroso», na aceção do artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva e do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112, se existir um nexo direto entre o bem entregue e o contravalor recebido (v. acórdãos de 7 de outubro de 2010, Loyalty Management UK e Baxi Group, C‑53/09 e C‑55/09, Colet., p. I‑9187, n.° 51, e de 8 de novembro de 2012, Profitube, C‑165/11, n.° 51).

34      Quando um comprador paga o preço de uma mercadoria com cartão de crédito, deparamo‑nos com duas transações, a saber, por um lado, a venda dessa mercadoria por um fornecedor, o qual inclui no preço global exigido também o IVA que será pago pelo referido comprador enquanto consumidor final e recebido por esse fornecedor por conta do fisco, e, por outro, a prestação de serviços ao referido fornecedor pelo organismo emissor do cartão. Esta última prestação tem por objeto a garantia do pagamento da mercadoria cuja compra foi efetuada com o cartão, a promoção dos negócios do fornecedor através da possibilidade de angariar nova clientela, a publicidade eventualmente feita ao fornecedor ou outro objeto qualquer (v. acórdão de 25 de maio de 1993, Bally, C‑18/92, Colet., p. I‑2871, n.° 9).

35      A este respeito, o facto de o comprador não ter pago o preço acordado diretamente ao fornecedor, mas sim por intermédio do organismo emissor do cartão, e as modalidades de pagamento utilizadas nas relações entre comprador e fornecedor não podem alterar o valor tributável. A Sexta Diretiva e a Diretiva 2006/112 não exigem, para que uma entrega de bens ou uma prestação de serviços tenha sido efetuada «a título oneroso», que a contraprestação desta entrega ou desta prestação seja obtida diretamente do destinatário desta. Com efeito, segundo o artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva e o artigo 73.° da Diretiva 2006/112, o pagamento da contraprestação numa entrega de bens pode ser efetuado não só pelo comprador mas também por um terceiro, no caso concreto, o organismo emissor do cartão (v. acórdãos, já referidos, Bally, n.os 16 e 17, e Loyalty Management UK e Baxi Group, n.° 56).

36      Por conseguinte, a circunstância de o pagamento do preço dos bens entregues pela Dixons no âmbito das operações em causa no processo principal ter sido efetuado por terceiros, no caso em apreço, pela AmEx e pela Streamline, não pode levar à conclusão de que esse pagamento não constitui a contraprestação, obtida pela Dixons, pela entrega desses bens.

37      Do mesmo modo, na medida em que, como resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, a Dixons cumpriu os procedimentos previstos pelos acordos celebrados com a AmEx e a Streamline e, além disso, as vendas em causa no processo principal preenchem os critérios objetivos em que assenta o conceito de «entrega de bens» na aceção da Sexta Diretiva e da Diretiva 2006/112, a circunstância de posteriormente se ter verificado que essas vendas tinham sido pagas com cartões utilizados de forma fraudulenta não pode ter por consequência o pagamento do preço das referidas vendas não constituir a contraprestação obtida pela Dixons ao abrigo destas.

38      Nestas condições, há que responder às questões submetidas que os artigos 2.°, ponto 1, 5.°, n.° 1, e 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva e os artigos 2.°, n.° 1, alínea a), 14.°, n.° 1, e 73.° da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, a transferência física de um bem para um comprador que utiliza fraudulentamente um cartão bancário como meio de pagamento constitui uma «entrega de bens» na aceção dos referidos artigos 2.°, ponto 1, 5.°, n.° 1, 2.°, n.° 1, alínea a), e 14.°, n.° 1, e de que, no âmbito dessa transferência, o pagamento efetuado por um terceiro, em aplicação de um acordo celebrado entre este e o fornecedor desse bem, pelo qual esse terceiro se comprometeu a pagar a esse fornecedor os bens por este vendidos a compradores que utilizam semelhante cartão como meio de pagamento, constitui uma «contraprestação» na aceção do referido artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), e do artigo 73.°

 Quanto às despesas

39      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

Os artigos 2.°, ponto 1, 5.°, n.° 1, e 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, e os artigos 2.°, n.° 1, alínea a), 14.°, n.° 1, e 73.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, a transferência física de um bem para um comprador que utiliza fraudulentamente um cartão bancário como meio de pagamento constitui uma «entrega de bens» na aceção dos referidos artigos 2.°, ponto 1, 5.°, n.° 1, 2.°, n.° 1, alínea a), e 14.°, n.° 1, e de que, no âmbito dessa transferência, o pagamento efetuado por um terceiro, em aplicação de um acordo celebrado entre este e o fornecedor desse bem, pelo qual esse terceiro se comprometeu a pagar a esse fornecedor os bens por este vendidos a compradores que utilizam semelhante cartão como meio de pagamento, constitui uma «contraprestação» na aceção do referido artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), e do artigo 73.°

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.