C-267/15 - Gemeente Woerden

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

22 de junho de 2016 (*)

«Reenvio prejudicial – Imposto sobre o valor acrescentado – Imposto pago a montante – Dedução»

No processo C‑267/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos, Países Baixos), por decisão de 29 de maio de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de junho de 2015, no processo

Gemeente Woerden

contra

Staatsecretaris van Financiën,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente de secção, A. Borg Barthet (relator) e M. Berger, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação da Gemeente Woerden, por R. Brouwer, belastingadviseur,

–        em representação do Governo neerlandês, por J. Langer bem como por M. Bulterman e M. Gijzen, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por H. Kranenborg e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006 L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Gemeente Woerden (município de Woerden, Países Baixos) ao Staatsecretaris van Financiën (Secretário de Estado das Finanças, Países Baixos) a propósito de um aviso de liquidação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2005 e 30 de novembro de 2008.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva do IVA, dispõe:

«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a)       As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

4        O artigo 9.°, n.° 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Entende‑se por ‘sujeito passivo’ qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende‑se por ‘atividade económica’ qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.»

5        O artigo 11.° da Diretiva IVA prevê:

«Após consulta do Comité Consultivo do Imposto sobre o Valor Acrescentado [...], cada Estado‑Membro pode considerar como um único sujeito passivo as pessoas estabelecidas no território desse mesmo Estado‑Membro que, embora juridicamente independentes, se encontrem estreitamente vinculadas entre si nos planos financeiro, económico e de organização.

[…]»

6        O artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva IVA enuncia:

Os Estados, as regiões, as autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas atividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.

Contudo, quando efetuarem essas atividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às mesmas na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

Em qualquer caso, os organismos de direito público são considerados sujeitos passivos no que se refere às atividades referidas no Anexo I, na medida em que estas não sejam insignificantes.»

7        Nos termos do artigo 72.° da Diretiva IVA:

«Para efeitos da presente diretiva, por ‘valor normal’ entende‑se o montante total que, a fim de obter os bens ou serviços em questão no momento dessa operação, o adquirente ou destinatário no mesmo estádio de comercialização em que se realiza a entrega de bens ou a prestação de serviços teria de pagar, em condições de livre concorrência, a um fornecedor ou prestador independente no Estado‑Membro em que a operação é tributável.

Na falta de entrega de bens ou prestação de serviços similar, o valor normal é constituído:

1)       No que respeita aos bens, por um montante não inferior ao preço de compra dos bens ou de bens similares ou, na falta de preço de compra, ao preço de custo, determinados no momento em que tais operações se realizam;

2)       No que respeita aos serviços, por um montante não inferior às despesas suportadas pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços.»

8        O artigo 80.° da Diretiva IVA dispõe:

«1.      A fim de evitar a fraude ou evasão fiscais, os Estados‑Membros podem tomar medidas para que, relativamente às entregas de bens e prestações de serviços que envolvam laços familiares ou outros laços pessoais próximos, laços organizacionais, patrimoniais, associativos, financeiros ou jurídicos, definidos pelo Estado‑Membro, o valor tributável seja o valor normal, nos seguintes casos:

a)       Quando a contraprestação seja inferior ao valor normal e o destinatário da operação não tenha direito a deduzir totalmente o IVA ao abrigo dos artigos 167.° a 171.° e 173.° a 177.°;

[…]

Para efeitos do primeiro parágrafo, os laços jurídicos podem abranger as relações estabelecidas entre um empregador e um empregado ou a família deste ou quaisquer outras pessoas com ele estreitamente relacionadas.

2.      Quando exerçam a faculdade prevista no n.° 1, os Estados‑Membros podem especificar as categorias de fornecedores, prestadores, adquirentes ou destinatários às quais são aplicáveis as medidas.

[…]»

9        O artigo 168.° da Diretiva IVA prevê:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)       O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b)       O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.° e o artigo 27.°;

c)       O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade como artigo 2.°, n.° 1, alínea b), subalínea i);

d)       O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.° e 22.°;

e)       O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado‑Membro.»

 Direito neerlandês

10      O artigo 3.° da Lei do imposto sobre o volume de negócios (Wet op de omzerbelasting) de 28 de junho de 1968 (Stb. 1968, n.° 329), na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Lei do imposto sobre o volume de negócios»), tem a seguinte redação:

«1.      Constitui uma entrega de bens:

a)       a transferência do poder de dispor de um bem, como proprietário;

[…]

3.      É equiparada a entrega efetuada a título oneroso na aceção do artigo 1.°, alínea a):

[…]

b)       a afetação, por um operador, aos fins da sua empresa de bens produzidos na sua própria empresa, nos casos em que a aquisição dos bens junto de outro operador não lhe confira direito à dedução total do imposto que onera esses bens;

[…]»

11      O artigo 7.° da «Lei do imposto sobre o volume de negócios» dispõe:

«1.      Entende‑se por operador qualquer pessoa que exerça uma atividade económica de modo independente.

[…]

4.       As pessoas singulares e os organismos, nos termos da Lei geral dos impostos do Estado, que sejam operadores na aceção do presente artigo, que residam ou estejam sediados nos Países Baixos ou que aí tenham um estabelecimento estável e que estejam ligados entre si, nos planos financeiro, económico e de organização, de tal modo que constituem uma unidade, são considerados, a pedido ou não de um ou de vários deles, através de decisão do inspetor, suscetível de recurso, um único operador, a partir do primeiro dia do mês seguinte àquele em que o inspetor adotou essa decisão. As regras da constituição, da alteração e da extinção da unidade fiscal podem ser fixadas por decreto ministerial.

[…]»

12      O artigo 8.° da «Lei do imposto sobre o volume de negócios» enuncia:

«1.      O imposto é calculado em relação à remuneração.

2.      A remuneração é o montante total – ou, na medida em que a contrapartida não consiste numa quantia em dinheiro, o valor total da contrapartida – que é faturado pela entrega ou pelo serviço, excluindo o imposto sobre o volume de negócios. Se, no âmbito da entrega ou do serviço, o montante pago for superior ao montante faturado, é o montante pago que é tomado em consideração.

3.      No que respeita às operações referidas no artigo 3.°, n.° 3, e no artigo 3.°‑A. n.° 1, a remuneração é fixada com base no preço de compra dos bens ou de bens similares, ou, na falta de preço de compra, no preço de custo, determinado no momento em que tais operações se efetuam.

4.      Tratando‑se das operações referidas no artigo 4.°, n.° 3, a remuneração é fixada com base no valor normal do serviço. É considerado valor normal o montante, excluindo o imposto sobre o volume de negócios, que o operador em causa deve pagar no momento da prestação do serviço, em condições de plena concorrência a um prestatário de serviços independente nos Países Baixos.

[…]»

13      O artigo 109.° da Lei do ensino primário (Wet op het primair onderwijs), de 2 de julho de 1981 (Stb. 1983, n.º 727), na sua versão aplicável aos factos no processo principal, tem a seguinte redação:

«As instalações relativas ao arrendamento nos termos dos artigos 108.° ou 110.° pela autoridade competente de uma escola que não é gerida pelo município não são da responsabilidade do município.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

14      O município de Woerden encomendou a construção de dois edifícios para fins múltiplos. Deduziu a quase totalidade do IVA que tinha sido faturado relativamente à receção da obra.

15      A Stichting Gebouwen Beheer Woerden (Fundação para a Administração de Imóveis de Woerden, a seguir «Fundação») foi constituída em 6 de fevereiro de 2007. O seu conselho de administração é composto por cinco membros, dos quais um é nomeado pelo município de Woerden, três pelos conselhos de administração de cada um dos estabelecimentos de ensino que utilizam os edifícios geridos pela Fundação, e um pela Stichting Kindercentra Midden Nederland (Fundação dos Centros Juvenis da Região Central dos Países Baixos). A Fundação tem por objeto a gestão de imóveis e a promoção da cooperação entre os utilizadores dos imóveis.

16      Em vez de dar os edifícios de arrendamento, o município de Woerden escolheu vendê‑los à Fundação. Os dois edifícios, dos quais o segundo foi divido em dois lotes, foram vendidos por um montante equivalente a cerca de 10% do preço de custo. O IVA foi faturado sobre o preço de venda. O preço de compra devido pela Fundação foi convertido num mútuo oneroso.

17      No âmbito da transferência de propriedade do primeiro edifício, os direitos de transmissão foram cobrados sobre um montante que correspondia praticamente ao seu preço de custo. No que respeita ao segundo edifício, o ato de cessão indica que a cessão do primeiro direito sobre as partes dos edifícios tem como resultado que são devidos direitos de transmissão sobre um montante que correspondia praticamente ao preço de custo desse edifício na totalidade.

18      Em seguida, a Fundação cedeu gratuitamente a utilização de uma parte dos edifícios em causa a três estabelecimentos de ensino primário especial. As outras partes foram dadas de arrendamento a título oneroso a diferentes arrendatários. Este arrendamento a título oneroso está isento de IVA, com exceção do arrendamento das instalações desportivas.

19      O Inspecteur considerou que o município de Woerden não tinha entregue os dois edifícios em causa na aceção do artigo 3.°, n.° 1, alínea a), da Lei do imposto sobre o volume de negócios, mas que os tinha dado para arrendamento à Fundação com isenção do IVA. Consequentemente, segundo o Inspecteur, o município de Woerden era devedor do IVA, nos termos do artigo 3.°, n.° 3, alínea b), dessa lei. O Inspecteur exigiu este imposto a posteriori através de aviso de liquidação.

20      Em 25 de abril de 2013, pronunciando‑se sobre o recurso do município de Woerden e sobre o recurso subordinado do Inspecteur, o Gerechtshof te Amsterdam (tribunal de recurso de Amesterdão, Países Baixos) considerou que se tratava, efetivamente, de uma entrega na aceção do artigo 3.°, n.° 1, alínea a), da Lei do imposto sobre o volume de negócios.

21      O Gerechtshof te Amsterdam (tribunal de recurso de Amesterdão) considerou, todavia, que o preço de venda faturado pelo município de Woerden respeitava exclusivamente às partes dos edifícios em causa que a Fundação afeta ao arrendamento tributado. Concluiu daí que o município de Woerden tinha agido na qualidade de operador na aceção da Lei do imposto sobre o volume de negócios unicamente no que respeita a essas partes e, por conseguinte, que tinha unicamente direito à dedução pela fração correspondente do IVA que lhe tinha sido faturado no momento da receção dos edifícios, a saber, cerca de 10%.

22      O município de Woerden interpôs recurso de cassação da decisão do Gerechtshof te Amsterdam (tribunal de recurso de Amesterdão). O Secretário de Estado das Finanças interpôs igualmente recurso subordinado condicional de cassação.

23      Na sua análise, o órgão jurisdicional de reenvio rejeita a apreciação do Gerechtshof te Amsterdam (tribunal de recurso de Amesterdão), nos termos da qual o município de Woerden entregou determinadas partes dos edifícios em causa na sua qualidade de operador e outras não agindo nessa qualidade.

24      O órgão jurisdicional de reenvio considera que os preços de venda dos edifícios em causa estavam diretamente relacionados com as suas entregas e que o município de Woerden, por conseguinte, as efetuou a título oneroso, e que se trata, assim, de uma atividade económica.

25      O referido órgão jurisdicional julga, além disso, improcedente o fundamento apresentado pelo Secretário de Estados das Finanças, nos termos do qual o município de Woerden não agiu na qualidade de operador na aceção da Lei do imposto sobre o volume de negócios no momento das entregas dos edifícios em causa, mas que agiu na sua qualidade de autoridade pública.

26      O órgão jurisdicional de reenvio examina igualmente a questão da existência de um abuso de direito. Todavia, uma vez que a gestão e a responsabilidade dos edifícios foram assumidas pela Fundação, este órgão jurisdicional exclui que tenha havido, no caso em apreço, abuso de direito.

27      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, todavia, oficiosamente sobre a questão de saber se, nos termos da Diretiva IVA, o município de Woerden, devido ao facto de não dever, com base na Lei do ensino primário, de 2 de julho de 1981, na sua versão aplicável aos facto no processo principal, faturar as despesas de instalação das escolas aos estabelecimentos de ensino e ao facto de a Fundação ter cedido a título gratuito o estabelecimento de ensino a utilização de partes dos edifícios em causa, tem direito à dedução apenas de uma fração do IVA faturado no momento da receção desses edifícios.

28      Nestas circunstâncias, o Hoge Raad der Nederlanden (Tribunal Supremo dos Países Baixos, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Numa situação como a presente, em que um sujeito passivo mandou construir um edifício e o vendeu por um preço que não cobre todas as despesas, enquanto o comprador do edifício cede gratuitamente uma parte do mesmo a um terceiro, o sujeito passivo tem direito à dedução da totalidade do IVA faturado sobre a construção do edifício, ou apenas à dedução parcial desse imposto, na proporção das partes do edifício que o comprador utiliza para atividades económicas (neste caso, as partes que dá de arrendamento a título oneroso)?»

 Quanto à questão prejudicial

29      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, em que o sujeito passivo mandou construir um edifício e o vendeu por um preço inferior às despesas da sua construção, o referido sujeito passivo tem direito à dedução da totalidade do IVA pago sobre a construção deste edifício ou apenas à dedução parcial deste imposto, na proporção das partes do referido edifício que o seu adquirente afeta a atividades económicas.

30      Há que recordar, a este respeito, que resulta de jurisprudência constante que o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União Europeia (v. acórdãos de 8 de janeiro de 2002, Metropol e Stadler, C‑409/99, EU:C:2002:2, n.° 42, bem como de 6 de setembro de 2012, Tóth, C‑324/11, EU:C:2012:549, n.° 23).

31      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito à dedução previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Em especial, esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v. acórdãos de 21 de março de 2000, Gabalfrisa e o., C‑110/98 a C‑147/98, EU:C:2000:145, n.° 43; de 26 de maio de 2005, Kretztechnik, C‑465/03, EU:C:2005:320, n.° 33; de 22 de dezembro de 2010, Dankowski, C‑438/09, EU:C:2010:818, n.° 22; e de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C285/11, EU:C:2012:774, n.° 26).

32      O regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam elas próprias sujeitas a IVA (acórdão de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C‑285/11, EU:C:2012:774, n.° 27).

33      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o IVA se aplica a cada operação de produção ou de distribuição, com dedução do imposto que incidiu diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço (acórdão de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C‑285/11, EU:C:2012:774, n.° 28). Daí resulta que, relativamente ao IVA, cada operação deve ser objeto de uma avaliação, independentemente do IVA devido sobre as operações anteriores ou posteriores.

34      No que se refere às condições materiais exigidas para o surgimento do direito a dedução, o Tribunal de Justiça declarou que resulta do artigo 168.°, alínea a), da Diretiva IVA que os bens ou serviços invocados para basear esse direito devem ser utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços devem ser prestados por outro sujeito passivo (acórdão de 6 de setembro de 2012, Tóth, C‑324/11, EU:C:2012:549, n.° 26).

35      Uma vez que artigo 168.° da Diretiva IVA não impõe nenhuma outra condição relativa à utilização pela pessoa que recebe os bens ou os serviços em causa, há que concluir que, na medida em que as duas condições enunciadas no número anterior estão preenchidas, um sujeito passivo tem, em princípio, direito à dedução do IVA pago a montante.

36      A este respeito, há que acrescentar que a Diretiva IVA não subordina o direito à dedução à condição de utilização dos bens ou dos serviços em causa pela pessoa que recebe do sujeito passivo esses bens ou esses serviços, uma vez que tal implicaria que qualquer operação efetuada por um sujeito passivo com um adquirente ou destinatário que não exerce uma atividade económica, como os particulares, limitaria o direito à dedução do sujeito passivo.

37      Além disso, uma condição nos termos da qual a utilização dos bens ou dos serviços em causa pelo seu adquirente ou destinatário determinaria o direito à dedução do fornecedor teria como consequência o facto de o direito à dedução do sujeito passivo depender da ação posterior do adquirente ou destinatário que teria sempre o direito de alterar a utilização do bem a curto ou a longo prazo.

38      Ora, resulta da decisão de reenvio que o município de Woerden deve ser qualificado de sujeito passivo na aceção da Diretiva IVA. Além disso, resulta desta decisão que os edifícios em causa no processo principal foram entregues ao município de Woerden por outro sujeito passivo e que este município utilizou estes edifícios no âmbito de uma operação tributável, a saber, a entrega dos referidos edifícios a título oneroso à Fundação.

39      Daí resulta que o município de Woerden tem direito a deduzir a totalidade do imposto a montante e tal sem considerar a utilização feita pelo adquirente ou destinatário dos bens por ele fornecidos.

40      No que respeita ao facto de, no processo principal, o sujeito passivo ter entregue um bem por um preço que não cobre todas as despesas, há que recordar que o Tribunal de Justiça considerou que o resultado da operação económica não é pertinente, à luz do direito à dedução, na condição de a própria atividade estar sujeita a IVA (v., neste sentido, acórdãos de 20 de janeiro de 2005, Hotel Scandic Gåsabäck, C-412/03, EU:C:2005:47, n.º 22, e de 9 de junho de 2011, Campsa Estaciones de Servicio, C-285/10, EU:C:2011:381, n.º 25).

41      Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, se o preço de entrega for inferior ao preço de custo, a dedução não pode ser limitada na proporção da diferença entre este preço e o custo, ainda que o referido preço seja consideravelmente menos elevado do que o preço de custo, salvo se for puramente simbólico (v., neste sentido, acórdão de 21 de setembro de 1988, Comissão/França, 50/87, EU:C:1988:429, n.º 16).

42      Resulta das considerações precedentes que há que responder à questão submetida que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, em que o sujeito passivo mandou construir um edifício e o vendeu por um preço inferior às despesas da sua construção, o referido sujeito passivo tem direito à dedução da totalidade do IVA pago sobre a construção deste edifício e não apenas à dedução parcial deste imposto, na proporção das partes do referido edifício que o seu adquirente afeta a atividades económicas. O facto de este adquirente ceder gratuitamente a utilização de uma parte do edifício em causa a um terceiro não tem nenhuma incidência a este respeito.

 Quanto às despesas

43      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, em que o sujeito passivo mandou construir um edifício e o vendeu por um preço inferior às despesas da sua construção, o referido sujeito passivo tem direito à dedução da totalidade do IVA pago sobre a construção deste edifício e não apenas à dedução parcial deste imposto, na proporção das partes do referido edifício que o seu adquirente afeta a atividades económicas. O facto de este adquirente ceder gratuitamente a utilização de uma parte do edifício em causa a um terceiro não tem nenhuma incidência a este respeito.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.