C-26/16 - Santogal M-Comércio e Reparação de Automóveis

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62016CJ0026

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

14 de junho de 2017 ( 1 )

«Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 138.o, n.o 2, alínea a) — Condições de isenção de uma entrega intracomunitária de um meio de transporte novo — Residência do adquirente no Estado‑Membro de destino — Matrícula provisória no Estado‑Membro de destino — Risco de fraude fiscal — Boa‑fé do vendedor — Obrigação de diligência do vendedor»

No processo C‑26/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), por decisão de 30 de novembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de janeiro de 2016, no processo

Santogal M‑Comércio e Reparação de Automóveis, Lda

contra

Autoridade Tributária e Aduaneira,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: E. Juhász, presidente de secção, C. Vajda e K. Jürimäe (relatora), juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Santogal M‑Comércio e Reparação de Automóveis, Lda, por B. Botelho Antunes e M. J. Mendonça, advogados,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, R. Campos Laires e M. Figueiredo, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Caeiros e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de fevereiro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Santogal M‑Comércio e Reparação de Automóveis, Lda (a seguir «Santogal»), e a Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal) acerca da recusa desta em isentar do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) uma operação de entrega intracomunitária de um meio de transporte novo.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Em conformidade com o considerando 11 da Diretiva IVA:

«É igualmente necessário tributar, durante esse período de transição, nos Estados‑Membros de destino, de acordo com as taxas e regras desses Estados‑Membros, as aquisições intracomunitárias de um certo montante efetuadas por sujeitos passivos isentos ou por pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos, bem como certas operações intracomunitárias de vendas à distância e de entregas de meios de transporte novos efetuadas a particulares ou a organismos isentos ou que não sejam sujeitos passivos, na medida em que tais operações, na ausência de disposições especiais, possam conduzir a importantes distorções de concorrência entre os Estados‑Membros.»

4

O artigo 2.o desta diretiva dispõe:

«1.   Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

[…]

b)

As aquisições intracomunitárias de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro:

[…]

ii)

Quando se trate de meios de transporte novos, por um sujeito passivo ou por uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo, cujas outras aquisições não estejam sujeitas ao IVA por força do disposto no n.o 1 do artigo 3.o, ou por qualquer outra pessoa que não seja sujeito passivo;

[…]»

5

Nos termos do artigo 3.o da referida diretiva:

«1.   Em derrogação do disposto no artigo 2.o, n.o 1, alínea b), subalínea i), não estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

[…]

b)

As aquisições intracomunitárias de bens, que não sejam as previstas na alínea a) e no artigo 4.o nem as aquisições de meios de transporte novos e de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, efetuadas por um sujeito passivo para fins da sua exploração agrícola, silvícola ou de pesca, sujeita ao regime comum forfetário dos produtores agrícolas, por um sujeito passivo que apenas realize entregas de bens ou prestações de serviços que não confiram qualquer direito a dedução, ou por uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo.

[…]»

6

O artigo 20.o, primeiro parágrafo, da mesma diretiva enuncia:

«Entende‑se por “aquisição intracomunitária de bens” a obtenção do poder de dispor, como proprietário, de um bem móvel corpóreo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, para um Estado‑Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte do bem.»

7

O artigo 131.o da Diretiva IVA, que figura no capítulo 1, sob a epígrafe «Disposições Gerais», do seu título IX, ele próprio consagrado às isenções do IVA, prevê:

«As isenções previstas nos capítulos 2 a 9 aplicam‑se sem prejuízo de outras disposições [do direito da União] e nas condições fixadas pelos Estados‑Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.»

8

O capítulo 4 do título IX desta diretiva versa sobre as «Isenções relacionadas com as operações intracomunitárias». No que se refere às isenções das entregas de bens, o artigo 138.o desta diretiva dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respetivo território, mas na [União], pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado‑Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.

2.   Para além das entregas referidas no n.o 1, os Estados‑Membros isentam as seguintes operações:

a)

As entregas de meios de transporte novos expedidos ou transportados para fora do respetivo território, mas na [União], com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a sujeitos passivos ou a pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos, cujas aquisições intracomunitárias não estejam sujeitas ao IVA por força do disposto no n.o 1 do artigo 3.o, ou a qualquer outra pessoa que não seja sujeito passivo;

[…]»

Direito português

9

O Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (a seguir «RITI») transpõe para o direito português as regras relativas às transações intracomunitárias resultantes da Diretiva IVA.

10

Nos termos do artigo 14.o, alínea b), do RITI, lido em conjugação com o artigo 1.o, alínea e), do mesmo RITI, as transmissões de meios de transporte novos efetuadas a título oneroso, por qualquer pessoa, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional, com destino a um adquirente estabelecido ou domiciliado noutro Estado‑Membro estão isentas do IVA.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

A Santogal é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de veículos automóveis em Portugal.

12

Através de fatura datada de 26 de janeiro de 2010, a Santogal vendeu pelo montante de 447665 euros um veículo novo que tinha previamente adquirido à Mercedes‑Benz Portugal, SA, e cuja admissão no território português tinha sido titulada por uma declaração aduaneira de 25 de junho de 2009.

13

No momento da compra, o adquirente, um nacional angolano, informou a Santogal da sua intenção de utilizar o veículo a título pessoal em Espanha, onde indicou estar estabelecido, e de o expedir para esse país, encarregando‑se ele próprio do transporte, onde seria submetido à inspeção técnica e matriculado. Este adquirente apresentou à Santogal o seu número de identificação de estrangeiro espanhol (NIE), um documento emitido em 2 de maio de 2008 pelo Ministério del Interior, Dirección General de la Policia y de la Guardia Civil — Comunidad Tui‑Valencia (Ministério do Interior, Direção‑Geral da Polícia e da Guarda Civil — Município de Tui‑Valencia, Espanha), que certifica a sua inscrição no registo central de estrangeiros sob esse número de identificação de estrangeiro, bem como uma cópia do seu passaporte angolano. O endereço do adquirente tal como indicado no momento da venda não coincidia com o que figura no documento de 2 de maio de 2008.

14

Tendo em conta esses documentos, a Santogal considerou que a venda estava isenta de IVA nos termos do artigo 14.o, alínea b), do RITI. Consequentemente, não houve liquidação do IVA em Portugal.

15

O veículo foi transportado para Espanha num atrelado integralmente fechado.

16

Depois de proceder à inspeção técnica do veículo em Espanha, o adquirente enviou à Santogal, a pedido desta, dois documentos para completar o processo da venda, a saber, por um lado, um certificado de inspeção técnica emitido em 11 de fevereiro de 2010 e, por outro, um certificado de matrícula em Espanha, emitido em 18 de fevereiro de 2010. Este último certificado, no qual figurava um endereço do adquirente que não coincidia com o endereço indicado por ele no momento da venda nem com o que figurava no documento de 2 de maio de 2008, era relativo a uma matrícula «turística» que caducava em 17 de fevereiro de 2011. Segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, em conformidade com o direito espanhol, a matrícula turística corresponde a uma matrícula provisória, sendo de seis meses o prazo normal de utilização por cada período de doze meses que pode ser prorrogado pelas autoridades. Só os não residentes habituais em Espanha podem beneficiar da referida matrícula.

17

Na sequência de informações transmitidas pela Santogal em fevereiro de 2011 com vista a anular a declaração aduaneira de 25 de maio de 2009, a Mercedes‑Benz Portugal apresentou, em 3 de março de 2011, uma declaração aduaneira complementar destinada à anulação da referida declaração, devido à expedição do veículo. A declaração aduaneira de 25 de maio de 2009 foi anulada pelas autoridades portuguesas competentes.

18

Por carta de 24 de outubro de 2013, a Direção de Serviços Antifraude Aduaneira (Portugal) recomendou à Direção de Finanças de Lisboa (Portugal) que ordenasse a liquidação do IVA devido pela venda do veículo. Essa Direção salientou, nomeadamente, que o adquirente residia em Portugal, onde estava registado como gerente de uma sociedade. Além disso, em resposta a um pedido de informações, as autoridades espanholas precisaram que o adquirente não constava como residente em Espanha em 2010 e nunca tinha aí apresentado declaração de rendimentos.

19

Seguidamente, a Santogal foi submetida a uma inspeção interna parcial relativamente ao IVA do mês de janeiro de 2010. No âmbito dessa inspeção, a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou um relatório no qual concluía que a venda do veículo não estava abrangida pela isenção prevista no artigo 14.o, alínea b), do RITI, pelo facto de o adquirente não residir em Espanha nem exercer aí qualquer atividade. Salientou, por outro lado, que, segundo as suas bases de dados, o adquirente possuía um número de contribuinte português atribuído antes de 2001 e o seu país de residência era Portugal.

20

Na sequência dessa inspeção, em 14 de outubro de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma liquidação adicional de IVA, no montante de 89533 euros, e uma liquidação de juros compensatórios relativos ao período compreendido entre 12 de março de 2010 e 20 de agosto de 2014, no montante de 15914,80 euros. A Santogal liquidou esses montantes em dezembro de 2014.

21

A Santogal apresentou no órgão jurisdicional de reenvio um pedido de anulação das referidas liquidações e um pedido de indemnização. No referido órgão jurisdicional, alegou, nomeadamente, a contradição existente entre a interpretação das disposições do artigo 1.o, alínea e), e do artigo 14.o, alínea b), do RITI adotada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e o artigo 138.o, n.o 2, da Diretiva IVA, que tem efeito direto. Sustentou também que a eventual fraude ao IVA cometida pelo adquirente não lhe era oponível.

22

No pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio expressa, antes de mais, dúvidas quanto ao lugar de residência do adquirente no momento da venda do veículo em causa no processo principal. Em especial, o referido órgão jurisdicional salienta que a residência habitual do adquirente não se situava em Espanha. No entanto, não estava demonstrado que, no momento da referida venda, residisse em Portugal. Por outro lado, os autos que lhe foram submetidos não contêm informações sobre o pagamento do IVA relativo ao veículo em Espanha nem sobre o destino do veículo depois da atribuição da matrícula turística. Também não estava demonstrado que o benefício do regime da matrícula turística tivesse cessado por alguma das formas previstas pelo direito espanhol.

23

Seguidamente, o órgão jurisdicional de reenvio observa que não está provado que a Santogal tenha colaborado com o adquirente no sentido de evitar o pagamento do IVA sobre a venda do veículo. Pelo contrário, entende que resulta da prova produzida que a Santogal se preocupou em assegurar que estavam reunidas as condições para a isenção do IVA. Salienta que nem os despachantes oficiais nem os serviços alfandegários suscitaram dúvidas sobre a suficiência dos documentos para se proceder à anulação da declaração aduaneira de 25 de maio de 2009 e que a carta da Direção de Serviços Antifraude Aduaneira de 24 de outubro de 2013 se baseava em informações adicionais a que a Santogal não tinha tido acesso.

24

Por último, reportando‑se ao acórdão de 7 de dezembro de 2010, R. (C‑285/09, EU:C:2010:74), o órgão jurisdicional de reenvio considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não responde claramente às questões colocadas no litígio que lhe foi submetido.

25

Foi nestas condições que o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A alínea [a) do n.o 2] do artigo 138.o da [Diretiva IVA] opõe‑se a que normas do direito nacional [artigos 1.°, alínea e) e 14.°, alínea b), do] [RITI] exijam, para reconhecimento da isenção de IVA relativa à transmissão de meios de transporte novos efetuada a título oneroso e transportados pelo adquirente a partir do território nacional para outro Estado‑Membro, que o adquirente esteja estabelecido ou domiciliado [no Estado‑Membro de destino]?

2)

A alínea [a) do n.o 2] do artigo 138.o [Diretiva IVA] opõe‑se a que seja recusada a isenção no Estado‑Membro de partida do transporte numa situação em que o meio de transporte adquirido foi transportado para Espanha onde foi objeto de matrícula turística, de natureza provisória, [segundo] o regime fiscal [espanhol] […]?

3)

O artigo 138.o, n.o 2, alínea [a]) da [Diretiva IVA] opõe‑se a que seja exigido o pagamento do IVA ao [vendedor] do meio de transporte novo, numa situação em que não se apurou se o regime de matrícula turística cessou ou não por qualquer das formas previstas [no direito espanhol], nem se veio ou virá a ser pago IVA na sequência da cessação desse regime?

4)

A alínea [a) do n.o 2] do artigo 138.o da [Diretiva IVA] e os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da proteção da confiança [legítima] opõem‑se a que seja exigido o pagamento de IVA ao [vendedor] do meio de transporte novo expedido para outro Estado‑Membro em situação em que:

o adquirente, antes da expedição, disse ao [vendedor] residir no Estado‑Membro de destino e exibiu‑lhe um documento comprovativo de lhe ter sido atribuído nesse Estado‑Membro um número de identidade de estrangeiro, em que era indicada uma residência neste último Estado‑Membro diferente da que disse ter;

o adquirente apresentou posteriormente ao [vendedor] documentos comprovativos de o meio de transporte adquirido ter sido submetido a uma inspeção técnica no Estado‑Membro de destino e de aí lhe ter sido atribuída matrícula turística;

não se provou que o [vendedor] tenha colaborado com o adquirente no sentido de evitar o pagamento do IVA;

os serviços alfandegários não colocaram qualquer obstáculo à anulação da Declaração Aduaneira de Veículo com base nos documentos que o [vendedor] tinha em seu poder?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

26

O Governo português defende que as questões prejudiciais são inadmissíveis por três motivos.

27

Em primeiro lugar, esse governo alega que as questões prejudiciais tal como formuladas na decisão de reenvio têm por objeto o artigo 138.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva IVA, que não é pertinente no âmbito do litígio no processo principal. O facto de um dos membros do órgão jurisdicional de reenvio ter enviado a este último uma mensagem de correio eletrónico, em que indicava que a disposição pertinente era o artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA e o facto de uma cópia dessa mensagem ter sido anexada à decisão de reenvio não pode ter por efeito retificar o erro inicialmente cometido, tendo em conta as regras processuais de direito interno e a garantia reconhecida aos outros Estados‑Membros de apresentarem as suas observações.

28

Importa recordar que o facto de um órgão jurisdicional nacional ter, num plano formal, formulado uma questão prejudicial em que faz referência a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis à decisão do processo que lhe foi submetido, quer o mesmo tenha ou não feito referência a tais elementos no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, acórdãos de 21 de junho de 2016, New Valmar, C‑15/15, EU:C:2016:464, n.o 29, e de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium, C‑492/14, EU:C:2016:732, n.o 43 e jurisprudência referida).

29

No caso em apreço, como salientou o advogado‑geral nos n.os 21 a 23 das suas conclusões, decorre claramente dos fundamentos da decisão de reenvio que as questões do órgão jurisdicional nacional têm por objeto a interpretação que deve ser dada ao artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA, não obstante o facto de, nessa decisão, esse órgão jurisdicional ter erradamente feito referência ao artigo 138.o, n.o 2, alínea b), dessa diretiva. Além disso, o referido órgão jurisdicional corrigiu esse erro numa mensagem de correio eletrónico anexada à referida decisão.

30

Em segundo lugar, o Governo português considera que a exposição do quadro factual do litígio no processo principal enferma de incoerências e de contradições e que essa exposição não é muito clara.

31

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União colocadas pelo juiz nacional no plano jurídico e factual que este define sob a sua responsabilidade e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar beneficiam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido formulado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (acórdão de 18 de dezembro de 2014, Schoenimport Italmoda Mariano Previti e o., C‑131/13, C‑163/13 e C‑164/13, EU:C:2014:2455, n.o 31 e jurisprudência referida).

32

No caso em apreço, há que constatar que a descrição do quadro factual fornecida pelo órgão jurisdicional de reenvio é suficiente para permitir ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil às questões submetidas.

33

Em terceiro lugar, o Governo português sustenta que as questões prejudiciais são hipotéticas uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio já referiu, embora erradamente, que a liquidação do IVA em causa no processo principal enfermava de falta de fundamentação e que deveria portanto ser anulada independentemente da resposta do Tribunal de Justiça a essas questões.

34

Como o advogado‑geral salientou no n.o 26 das suas conclusões, nada na decisão de reenvio permite afirmar com certeza que a referida liquidação será anulada independentemente da resposta às questões prejudiciais. Em todo o caso, não há dúvida de que o artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA apresenta uma ligação com o objeto do litígio no processo principal, que versa sobre a compatibilidade com esta disposição da recusa em isentar do IVA uma operação relativa a um meio de transporte novo.

35

Consequentemente, as questões prejudiciais são admissíveis.

Quanto à primeira questão

36

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que disposições nacionais subordinem o benefício da isenção de uma transmissão intracomunitária de um meio de transporte novo à condição de o adquirente desse meio de transporte estar estabelecido ou domiciliado no Estado‑Membro de destino do referido meio de transporte.

37

A título preliminar, há que salientar que esta questão se inscreve no âmbito do regime transitório do IVA aplicável ao comércio intracomunitário, instituído pela Diretiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de dezembro de 1991, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e altera, tendo em vista a abolição das fronteiras fiscais, a Diretiva 77/388/CEE (JO 1991, L 376, p. 1). Esse regime baseia‑se no estabelecimento de um novo facto gerador do imposto, a saber, a aquisição intracomunitária de bens, que permite transferir a receita fiscal para o Estado‑Membro onde ocorre o consumo final dos bens entregues (acórdão de 18 de novembro de 2010, X, C‑84/09, EU:C:2010:693, n.o 22 e jurisprudência referida).

38

Deste modo, o mecanismo que consiste, por um lado, numa isenção, pelo Estado‑Membro de partida, da entrega que dá lugar à expedição ou ao transporte intracomunitário, completada pelo direito à dedução ou pelo reembolso do IVA pago a montante nesse Estado‑Membro, e, por outro, numa tributação, pelo Estado‑Membro de chegada, da aquisição intracomunitária visava garantir uma delimitação clara das soberanias fiscais dos Estados‑Membros (acórdão de 18 de novembro de 2010, X, C‑84/09, EU:C:2010:693, n.o 23 e jurisprudência referida).

39

No que respeita, em especial, às regras relativas à tributação das aquisições de meios de transporte novos, resulta do considerando 11 da Diretiva IVA que estas visam, além da repartição das competências fiscais, evitar as distorções de concorrência entre os Estados‑Membros, suscetíveis de resultar da aplicação de taxas diferentes (acórdão de 18 de novembro de 2010, X, C‑84/09, EU:C:2010:693, n.o 24).

40

É à luz deste contexto e destas finalidades que deve ser interpretado o artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA.

41

Esta disposição prevê a obrigação de os Estados‑Membros isentarem as entregas de meios de transporte novos que satisfaçam as condições materiais aí enumeradas (v., por analogia, acórdão de 9 de outubro de 2014, Traum, C‑492/13, EU:C:2014:2267, n.o 46) de maneira exaustiva (v., por analogia, acórdão de 6 de setembro de 2012, Mecsek‑Gabona, C‑273/11, EU:C:2012:547, n.o 59).

42

Nos termos da referida disposição, os Estados‑Membros isentam as entregas de meios de transporte novos expedidos ou transportados para fora do respetivo território, mas na União, com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a sujeitos passivos ou a pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos, cujas aquisições intracomunitárias não estejam sujeitas ao IVA por força do disposto no n.o 1 do artigo 3.o da Diretiva IVA, ou por qualquer outra pessoa que não seja sujeito passivo.

43

Assim, como o advogado‑geral salientou nos n.os 38 e 39 das suas conclusões, a isenção da entrega intracomunitária de um meio de transporte novo só é aplicável quando o direito de dispor desse meio de transporte como proprietário tenha sido transferido para o adquirente, quando o vendedor prove que esse meio de transporte foi expedido ou transportado para outro Estado‑Membro e quando, na sequência dessa expedição ou desse transporte, esse bem saiu fisicamente do território do Estado‑Membro de entrega (v., por analogia, acórdãos de 18 de novembro de 2010, X, C‑84/09, EU:C:2010:693, n.o 27, e de 6 de setembro de 2012, Mecsek‑Gabona, C‑273/11, EU:C:2012:547, n.o 31 e jurisprudência referida).

44

Em contrapartida, à luz da redação do artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA, a isenção de uma entrega intracomunitária de um meio de transporte novo não está de forma alguma subordinada à condição de o adquirente estar estabelecido ou domiciliado no Estado‑Membro de destino.

45

Impor semelhante condição seria, além disso, contrário à sistemática dessa disposição, bem como ao contexto e às finalidades do regime transitório do IVA aplicável ao comércio intracomunitário, conforme recordados nos n.os 37 a 39 do presente acórdão. Com efeito, ao recusar a isenção de uma entrega intracomunitária pela simples razão de o adquirente do meio de transporte novo não estar estabelecido ou domiciliado no Estado de destino, independentemente mesmo de estarem preenchidas as condições materiais da isenção, o Estado‑Membro de entrega seria levado a tributar uma operação que, sob reserva do preenchimento das referidas condições, devia ser tributada como aquisição intracomunitária no Estado‑Membro de destino. Daqui resultaria uma dupla tributação, contrária ao princípio da neutralidade fiscal.

46

Esta interpretação é igualmente corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à qualificação de uma operação relativa a um meio de transporte novo como aquisição intracomunitária.

47

Com efeito, tendo em conta a especificidade de tal operação, o Tribunal de Justiça declarou que, para a poder qualificar de «aquisição intracomunitária», há que efetuar uma apreciação global de todos os elementos de facto objetivos que são pertinentes para determinar se o bem adquirido saiu efetivamente do território do Estado‑Membro de entrega e, em caso de resposta afirmativa, em que Estado‑Membro se verificará a sua utilização final. Poderão ser de importância significativa, a este respeito, além das circunstâncias do transporte do bem, nomeadamente, o lugar da matrícula e da utilização habitual deste, o lugar do domicílio do adquirente bem como a existência ou a inexistência de laços entre o adquirente e o Estado‑Membro de entrega ou outro Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão de 18 de novembro de 2010, X, C‑84/09, EU:C:2010:693, n.os 41 a 45 e 50).

48

Resulta desta jurisprudência que o lugar do domicílio do adquirente de um meio de transporte novo, embora constitua um elemento pertinente para a apreciação global destinada a determinar o lugar da utilização final do meio de transporte, não é suscetível de condicionar, por si só, a qualificação de «entrega intracomunitária» e a sua isenção nas condições previstas no artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA.

49

Acresce que uma condição relativa ao estabelecimento ou ao domicílio do adquirente no Estado‑Membro de destino também não se pode basear no artigo 131.o da Diretiva IVA.

50

Com efeito, embora seja verdade que os Estados‑Membros fixam, em conformidade com esta disposição, as condições em que isentam as entregas intracomunitárias a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso, não é menos certo que, no exercício dos seus poderes, os Estados‑Membros devem observar os princípios gerais do direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais figuram, nomeadamente, os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da neutralidade fiscal (v., neste sentido, acórdão de 18 de novembro de 2010, X, C‑84/09, EU:C:2010:693, n.os 35 e 37).

51

Ora, a recusa em conferir o benefício da isenção prevista no artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA pela simples razão de o adquirente não residir no Estado‑Membro de destino seria contrária à repartição das competências fiscais e suscetível de pôr em causa o princípio da neutralidade fiscal. Além disso, como resulta no n.o 45 do presente acórdão, tal recusa podia implicar um risco de dupla tributação.

52

À luz das considerações que antecedem, há que responder à primeira questão que o artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA se opõe a que disposições nacionais subordinem o benefício da isenção de uma entrega intracomunitária de um meio de transporte novo à condição de o adquirente desse meio de transporte estar estabelecido ou domiciliado no Estado‑Membro de destino do referido meio de transporte.

Quanto à segunda questão

53

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que a isenção de uma entrega de um meio de transporte novo pode ser recusada no Estado‑Membro de entrega quando esse meio de transporte só foi objeto de matrícula provisória no Estado‑Membro de destino.

54

Como resulta da resposta à primeira questão, os Estados‑Membros estão obrigados a isentar as entregas de meios de transporte novos quando estão satisfeitas as condições materiais exaustivamente enumeradas no artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA e recordadas nos n.os 42 e 43 do presente acórdão.

55

Ora, a matrícula do meio de transporte novo no Estado‑Membro de destino não faz parte dessas condições.

56

Por conseguinte, a isenção no Estado‑Membro de entrega não pode ser recusada pela simples razão de a matrícula emitida no Estado‑Membro de destino ser, como a matrícula turística em causa no processo principal, uma matrícula provisória atribuída por um período de doze meses.

57

Na medida em que a Comissão e o Governo português alegam que a emissão de tal matrícula no Estado‑Membro de destino não permite determinar o Estado‑Membro da utilização final do meio de transporte em causa, há que acrescentar que, como salientou o advogado‑geral no n.o 55 das suas conclusões, a atribuição de tal matrícula não significa automaticamente que o lugar da utilização final não se situa nesse Estado‑Membro de destino. Como resulta do pedido de decisão prejudicial, tal matrícula pode, com efeito, ser atribuída por um período de tempo relativamente curto, no caso em apreço doze meses, que pode ser prorrogado ou ao qual pode suceder uma matrícula ordinária.

58

Por razões análogas às expostas no n.o 51 do presente acórdão, a conclusão extraída no n.o 56 deste não pode ser posta em causa pelo facto de, nos termos do artigo 131.o da Diretiva IVA, os Estados‑Membros fixarem as condições a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.

59

Tendo em conta as considerações que antecedem, há que responder à segunda questão que o artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que a isenção de uma entrega de um meio de transporte novo não pode ser recusada no Estado‑Membro de entrega pela simples razão de esse meio de transporte só ter sido objeto de matrícula provisória no Estado‑Membro de destino.

Quanto à terceira questão

60

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA se opõe a que o vendedor de um meio de transporte novo transportado pelo adquirente para outro Estado‑Membro e matriculado nesse Estado a título provisório seja posteriormente obrigado a pagar o IVA quando não se tiver demonstrado que o regime de matrícula provisória cessou e que o IVA foi ou será liquidado no Estado‑Membro de destino.

61

A este propósito, cabe recordar, antes de mais, que, como resulta do n.o 50 do presente acórdão, os Estados‑Membros, quando fixam as condições em que isentam as entregas intracomunitárias nos termos do artigo 131.o da Diretiva IVA, devem respeitar, nomeadamente, os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da neutralidade fiscal.

62

Seguidamente, o Tribunal de Justiça declarou que cabe ao vendedor fazer prova de que as condições previstas para a aplicação da isenção de uma entrega intracomunitária, incluindo as impostas pelos Estados‑Membros para garantir a aplicação correta e simples das isenções e evitar eventuais fraudes, evasões e abusos, estão preenchidas (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C‑587/10, EU:C:2012:592, n.o 43 e jurisprudência referida).

63

Por último, as operações intracomunitárias que têm por objeto meios de transporte novos apresentam um caráter particular na medida em que, nomeadamente, o IVA sobre estas deve ser igualmente pago por um particular que não seja sujeito passivo, ao qual não se aplicam as obrigações relativas à declaração e à contabilidade, pelo que não é possível controlá‑lo a posteriori, e em que, enquanto consumidor final, o particular não tem direito à dedução do IVA, mesmo em caso de revenda de um veículo adquirido, e, por esse motivo, tem mais interesse do que um operador económico em se subtrair ao imposto (v., neste sentido, acórdão de 18 de novembro de 2010, X, C‑84/09, EU:C:2010:693, n.os 42 e 43).

64

Daqui decorre que, como recordado no n.o 47 do presente acórdão, para poder qualificar de «aquisição intracomunitária» uma operação que tem por objeto um meio de transporte novo, há que efetuar uma apreciação global de todos os elementos de facto objetivos que são pertinentes para determinar se o bem adquirido saiu efetivamente do território do Estado‑Membro de entrega e, em caso de resposta afirmativa, em que Estado‑Membro se verificará a sua utilização final.

65

No caso de o vendedor ter apresentado elementos destinados a demonstrar o transporte ou a expedição, pelo adquirente, do meio de transporte novo para outro Estado‑Membro, bem como a sua matrícula, ainda que provisória, e o começo da utilização nesse último Estado, o vendedor não está obrigado a fazer prova concludente do caráter final e definitivo da utilização desse meio de transporte no Estado‑Membro de destino e da cessação do regime de matrícula turística, se for caso disso, após o pagamento do IVA nesse último Estado‑Membro.

66

Efetivamente, por um lado, nesse contexto, a prova do movimento físico desse meio de transporte para o lugar da sua utilização final, que o vendedor pode submeter às autoridades tributárias, depende essencialmente dos elementos que, para o efeito, receber do adquirente (v., por analogia, acórdão de 16 de dezembro de 2010, Euro Tyre Holding, C‑430/09, EU:C:2010:786, n.o 37).

67

Por outro lado, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não se pode impor ao vendedor que faculte elementos de prova relativos à tributação da aquisição intracomunitária dos bens em causa, para beneficiar da correspondente isenção da entrega (acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C‑587/10, EU:C:2012:592, n.o 55). Ora, subordinar o benefício da isenção à determinação prévia do Estado‑Membro da utilização final do meio de transporte novo equivaleria, precisamente, a impor tal obrigação ao vendedor. Com efeito, isso poderia fazer recair sobre o vendedor o ónus da prova da atribuição de uma matrícula definitiva, que poderia ocorrer, eventualmente, após o pagamento do IVA pelo adquirente.

68

Nestas condições, uma obrigação como a prevista no n.o 65 do presente acórdão não levaria a uma aplicação correta e simples das isenções.

69

À luz das considerações que antecedem, há que responder à terceira questão que o artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA se opõe a que o vendedor de um meio de transporte novo transportado pelo adquirente para outro Estado‑Membro e matriculado nesse Estado a título provisório seja posteriormente obrigado a pagar o IVA quando não se tiver demonstrado que o regime de matrícula provisória cessou e que o IVA foi ou será liquidado no Estado‑Membro de destino.

Quanto à quarta questão

70

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA e os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da proteção da confiança legítima se opõem a que o vendedor de um meio de transporte novo transportado pelo adquirente para outro Estado‑Membro e matriculado nesse Estado a título provisório seja posteriormente obrigado a liquidar o IVA quando, face às circunstâncias da venda, o adquirente possa ter cometido uma fraude fiscal, sem que tenha sido provada a colaboração do vendedor nessa fraude.

71

A este respeito, há que salientar que não é contrário ao direito da União exigir que um operador aja de boa‑fé e tome todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação que efetua não o leve a participar numa fraude fiscal (acórdão de 6 de setembro de 2012, Mecsek‑Gabona, C‑273/11, EU:C:2012:547, n.o 48 e jurisprudência referida). Na hipótese de o sujeito passivo em causa saber ou dever saber que a operação que efetuou estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e não ter tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar essa fraude, devia ser‑lhe recusado o benefício da isenção (acórdão de 6 de setembro de 2012, Mecsek‑Gabona, C‑273/11, EU:C:2012:547, n.o 54).

72

Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar, com base numa apreciação global de todos os elementos e circunstâncias de facto do processo principal, se a Santogal agiu de boa‑fé e tomou todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação efetuada não a levava a participar numa fraude fiscal (v., neste sentido, acórdão de 6 de setembro de 2012, Mecsek‑Gabona, C‑273/11, EU:C:2012:547, n.o 53). Todavia, o Tribunal de Justiça pode fornecer‑lhe todos os elementos de interpretação do direito da União que lhe possam ser úteis.

73

Assim, cabe referir que, aquando de uma transação que implica a realização de uma operação intracomunitária que tem por objeto um meio de transporte novo, o vendedor não pode confiar apenas na intenção expressa pelo adquirente de transportar o bem para outro Estado‑Membro, para efeitos da sua utilização final. Pelo contrário, como o advogado‑geral salientou no n.o 63 das suas conclusões, o vendedor deve‑se assegurar de que a intenção expressa pelo adquirente se baseia em elementos objetivos (v., por analogia, acórdão de 18 de novembro de 2010, X, C‑84/09, EU:C:2010:693, n.o 47).

74

Há que salientar que, tendo em conta os elementos apresentados pelo adquirente no momento da venda, se podia razoavelmente considerar que esse adquirente residia em Espanha e tinha efetuado as diligências necessárias para aí utilizar o veículo em causa no processo principal, embora sob um regime específico. Cabe, contudo, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a Santogal demonstrou a diligência exigida para se assegurar de que a operação realizada não a levava a participar numa fraude fiscal. A este propósito, importa acrescentar que a Santogal devia fazer prova de uma diligência elevada, por um lado, atendendo ao valor do veículo em causa e, por outro, porque, no contexto de uma aquisição de um meio de transporte novo, o particular não tem direito à dedução do IVA, mesmo em caso de revenda de um veículo adquirido, e, por esse motivo, tem mais interesse do que um operador económico em se subtrair ao imposto (acórdão de 18 de novembro de 2010, X, C‑84/09, EU:C:2010:693, n.o 43). Além disso, na apreciação que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, deve‑se, em particular, verificar se, tendo em conta todos os elementos de que dispunha ou podia dispor, a Santogal tinha a possibilidade de saber que a matrícula provisória se destinava apenas aos não residentes e que o adquirente tinha fornecido vários endereços em Espanha, o que podia suscitar dúvidas quanto à sua residência efetiva.

75

Além do comportamento do vendedor, deve‑se ter igualmente em conta o comportamento das autoridades portuguesas. No caso, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, de a Santogal ter apresentado documentos para beneficiar da isenção da operação em causa e de esses documentos terem sido examinados e aceites pela autoridade competente, há que recordar que o princípio da segurança jurídica se opõe a que um Estado‑Membro que, num primeiro tempo, aceitou os documentos apresentados pelo vendedor como provas justificativas do direito à isenção possa, depois, obrigar esse vendedor a pagar o IVA relativo a essa entrega, devido a uma fraude cometida pelo adquirente da qual o referido vendedor não tinha nem podia ter conhecimento (v., por analogia, acórdão de 27 de setembro de 2007, Teleos e o., C‑409/04, EU:C:2007:548, n.o 50).

76

Na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio faz referência ao princípio da proteção da confiança legítima, há que salientar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito de invocar este princípio se estende a todos os particulares a quem uma autoridade administrativa criou expectativas fundadas devido às garantias precisas por ela fornecidas (acórdão de9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.o 44 e jurisprudência referida). Contudo, um sujeito passivo não pode invocar uma confiança legítima na manutenção de uma situação caracterizada por uma fraude (v., por analogia, acórdão de 29 de abril de 2004, Gemeente Leusden e Holin Groep, C‑487/01 e C‑7/02, EU:C:2004:263, n.o 77).

77

Face às considerações que antecedem, há que responder à quarta questão que o artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA e os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da proteção da confiança legítima se opõem a que o vendedor de um meio de transporte novo transportado pelo adquirente para outro Estado‑Membro e matriculado nesse Estado a título provisório seja posteriormente obrigado a pagar o IVA, em caso de fraude fiscal cometida pelo adquirente, salvo se se provar, à luz de elementos objetivos, que o referido vendedor sabia ou devia saber que a operação estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e não tomou todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua participação nessa fraude. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso, com base numa apreciação global de todos os elementos e circunstâncias de facto do processo principal.

Quanto às despesas

78

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

1)

O artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, opõe‑se a que disposições nacionais subordinem o benefício da isenção de uma entrega intracomunitária de um meio de transporte novo à condição de o adquirente desse meio de transporte estar estabelecido ou domiciliado no Estado‑Membro de destino do referido meio de transporte.

 

2)

O artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que a isenção de uma entrega de um meio de transporte novo não pode ser recusada no Estado‑Membro de entrega pela simples razão de esse meio de transporte só ter sido objeto de matrícula provisória no Estado‑Membro de destino.

 

3)

O artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2006/112 opõe‑se a que o vendedor de um meio de transporte novo transportado pelo adquirente para outro Estado‑Membro e matriculado nesse Estado a título provisório seja posteriormente obrigado a pagar o imposto sobre o valor acrescentado quando não se tiver demonstrado que o regime de matrícula provisória cessou e que o referido imposto foi ou será liquidado no Estado‑Membro de destino.

 

4)

O artigo 138.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2006/112 e os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da proteção da confiança legítima opõem‑se a que o vendedor de um meio de transporte novo transportado pelo adquirente para outro Estado‑Membro e matriculado nesse Estado a título provisório seja posteriormente obrigado a pagar o imposto sobre o valor acrescentado, em caso de fraude fiscal cometida pelo adquirente, salvo se se provar, à luz de elementos objetivos, que o referido vendedor sabia ou devia saber que a operação estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e não tomou todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua participação nessa fraude. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso, com base numa apreciação global de todos os elementos e circunstâncias de facto do processo principal.

 

Juhász

Vajda

Jürimäe

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de junho de 2017.

O secretário

A. Calot Escobar

O presidente da Nona Secção

E. Juhász


( 1 ) Língua do processo: português.