C-71/18 - KPC Herning

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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

4 de setembro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Venda de um terreno em que está implantado um edifício no momento da entrega — Qualificação — Artigos 12.° e 135.°— Conceito de “terreno para construção” — Conceito de “edifício” — Apreciação da realidade económica e comercial — Avaliação de elementos objetivos — Intenção das partes»

No processo C‑71/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Vestre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Oeste, Dinamarca), por decisão de 24 de janeiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de fevereiro de 2018, no processo

ØSTRE LANDSRET

contra

KPC Herning,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot (relator), presidente de secção, C. Toader, A. Rosas, L. Bay Larsen e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 30 de janeiro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de KPC Herning, por K. Bastian e T. Frøbert, advokater,

–        em representação do Governo dinamarquês, por J. Nymann‑Lindegren e M. Wolff, na qualidade de agentes, assistidos por S. Horsbøl Jensen, advokat,

–        em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e N. Gossement, na qualidade de agentes, assistidos por H. Peytz, advokat,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 19 de março de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 12.° e 135.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre o Skatteministeriet (Ministério das Finanças da Dinamarca) e a KPC Herning A/S, sociedade de direito dinamarquês, a respeito do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) devido pela entrega de um imóvel.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2006/112 dispõe:

«2. O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.

Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.

[...]»

4        O artigo 12.° desta Diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros podem considerar sujeito passivo qualquer pessoa que realize, a título ocasional, uma operação relacionada com as atividades referidas no segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 9.° e, designadamente, uma das seguintes operações:

a)      Entrega de um edifício ou de parte de um edifício e do terreno da sua implantação, efetuada antes da primeira ocupação;

b)      Entrega de um terreno para construção.

2.      Para efeitos da alínea a) do n.° 1, entende‑se por «edifício» qualquer construção incorporada no solo.

Os Estados‑Membros podem estabelecer as regras de aplicação do critério referido na alínea a) do n.° 1 às transformações de imóveis e, bem assim, à noção de terreno da sua implantação.

[…]

3.      Para efeitos da alínea b) do n.° 1, entende‑se por «terrenos para construção» os terrenos, urbanizados ou não, definidos como tal pelos Estados‑Membros.»

5        O artigo 135.° da Diretiva 2006/112 dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros isentam as seguintes operações:

[...]

j)      As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as referidas na alínea a) do n.° 1 do artigo 12.°;

k)      As entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção referidas na alínea b) do n.° 1 do artigo 12.°;

[...]»

 Direito dinamarquês

6        A Lovbekendtgørelse om merværdiafgift (Lei consolidada relativa ao imposto sobre o valor acrescentado), na versão da Lei n.°°520 de 12 de junho de 2009, consolidada com o n.° 760 de 21 de junho de 2016 (a seguir: «Lei do IVA»), prevê, no seu artigo 13.°, n.° 1, ponto 9:

«1.      Estão isentos do imposto os seguintes bens e serviços:

[...]

9)      as entregas de bens imóveis. Estão porém excluídas da referida isenção:

a)      as entregas de edifícios novos ou de edifícios novos e do terreno da sua implantação

b)      as entregas de terrenos para construção, urbanizados ou não, e, designadamente, as entregas de terrenos construídos.»

[…]

7        O artigo 13.°, n.° 3, desta lei tem a seguinte redação:

«O Ministro das Finanças pode estabelecer regras mais detalhadas relativas à definição de bens imóveis na aceção do ponto 9 do n.° 1.»

8        Com a bekendtgørelse n.° 1370 om ændring af bekendtgørelse om merværdiafgiftsloven (Regulamento n.o 1370 que altera o Regulamento do imposto sobre o valor acrescentado), de 2 de dezembro de 2010, o ministro das Finanças usou a habilitação conferida pelo artigo 13.°, n.° 3, da Lei do IVA para definir as operações sujeitas a IVA. As disposições deste regulamento, na sua versão aplicável aos factos em causa no processo principal, foram reproduzidas pelo Bekendtgørelse om merværdiafgift nr. 808 (Regulamento n.° 808, de 30 de junho de 2015, relativo ao imposto sobre o valor acrescentado, a seguir «Regulamento do IVA»). O artigo 54.°, n.° 1, deste regulamento dispõe:

«Entende‑se pelo termo “edifícios”, referido na alínea a) do ponto 9 do n.° 1 do artigo 13.° da Lei do IVA, as construções fixadas ao solo ou nele incorporadas que tenham sido concluídas para o fim a que se destinam. As entregas de partes desses edifícios também se consideram entregas de edifícios.»

9        O artigo 56.°, n.° 1, do Regulamento do IVA dispõe:

«Entende‑se pelos termos “terrenos para construção”, referidos na alínea b) do ponto 9 do n.° 1 do artigo 13.° da Lei do IVA, os terrenos não construídos que sejam designados, em conformidade com a Lei do Planeamento ou com as disposições que a regulamentam, para fins que permitam a construção de edifícios, na aceção do artigo 54.° do presente regulamento.»

10      A secção 2.2 da Skatteministeriets vejledning om moms på salg af nye bygninger og byggegrunde (Instrução do Ministério das Finanças relativa ao IVA sobre a venda de edifícios novos e de terrenos para construção) tem a seguinte redação:

«As entregas de edifícios e dos terrenos em que os edifícios estão implantados, desde que não sejam edifícios novos, não estão sujeitas a IVA.

Quando as entregas forem efetuadas com a finalidade de construção de edifícios novos, porém, as entregas devem ser consideradas entregas de terrenos para construção.

[...]

Quando se acorde que os edifícios serão demolidos pelo vendedor ou se resultar do contrato de compra e venda que os edifícios são adquiridos para demolição pelo comprador, trata‑se de uma venda de terrenos para construção.

Nos demais casos, a intenção do comprador não é decisiva para apreciar se se está na presença de entregas de terrenos para construção.

Podem ser tidos em conta, numa base individual ou combinada, como critérios para determinar se se está na presença de entregas de terrenos para construção, por exemplo, o preço fixado no contrato de compra e venda comparado com o valor normal de bens similares, a natureza da construção (“barracão”), a falta de ligação a serviços públicos/comerciais, a utilização anterior do imóvel e a natureza da construção (por exemplo, um “celeiro” de armazenamento que não satisfaça as condições muito básicas para utilização futura).

Quando se conclua que as entregas foram efetuadas com a finalidade de construção de edifícios novos, as entregas devem ser consideradas entregas de terrenos para construção.

[...]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

11      A KPC Herning é uma sociedade dinamarquesa de promoção imobiliária e de construção que desenvolve projetos imobiliários e que realiza trabalhos de construção no âmbito de contratos «chave na mão» na Dinamarca.

12      Em maio de 2013, a KPC Herning e a Boligforeningen Kristiansdal, um organismo de habitação de rendas moderadas, decidiram a elaboração de um projeto de construção de habitação social para jovens num terreno que pertencia ao Odense Havn (Porto de Odense, Dinamarca), denominado «Finlandkaj 12». O projeto foi objeto de debate com o Município de Odense e com o Porto de Odense.

13      No outono de 2013, KPC Herning comprou ao Porto de Odense o terreno denominado «Finlandkaj 12» com o armazém nele existente. O contrato de venda ficou subordinado a várias condições, designadamente a que previa que a KPC Herning celebrasse um contrato com um organismo de habitação de renda moderada com vista a executar no terreno em causa um projeto imobiliário de habitação social para jovens.

14      Em 5 de dezembro de 2013, a KPC Herning vendeu o terreno denominado «Finlandkaj 12» com o armazém à Boligforeningen Kristiansdal. Os contratos então celebrados entre as partes constituíam um quadro contratual global do qual resultava que a venda estava sujeita à condição de que a KPC Herning se obrigasse a planear, construir e entregar, chave na mão, habitações sociais para jovens nesse terreno.

15      Estava previsto, designadamente, que a Oligforeningen Kristiansdal procedesse à demolição parcial do armazém existente no terreno denominado «Finlandkaj 12», apenas mantendo a parte central da fachada e algumas partes dos seus equipamentos técnicos. Além disso, as partes acordaram em que a KPC Herning se obrigava a entregar um edifício habitacional totalmente acabado construído nesse terreno. A Boligforeningen Kristiansdal procedeu à demolição parcial do armazém por sua própria conta e risco.

16      É facto assente que, à data das sucessivas cessões do terreno e do armazém, este estava plenamente operacional.

17      Em 10 de dezembro de 2013, a KPC Herning perguntou ao Skatterådet (Conselho Nacional dos Impostos, Dinamarca) se a venda do terreno denominado «Finlandkaj 12» e do armazém realizada pelo Porto de Odense e a revenda do mesmo imóvel estavam isentas de IVA. Na sua resposta de 24 de junho de 2014, aquela autoridade respondeu pela negativa.

18      Tendo‑lhe sido apresentada uma reclamação pela KPC Herning, o Landsskatteret (Comissão Tributária Nacional, Dinamarca) considerou, por decisão de 9 de dezembro de 2015, que o terreno em questão não podia ser qualificado como terreno para construção cuja venda tivesse sido sujeita a IVA, pelo facto de, no momento em que ocorreram as duas vendas, nele existir um edifício. Além disso, decidiu que também não se podia considerar que as partes efetuaram uma operação única que incluía a demolição, como no caso do processo que deu origem ao Acórdão de 19 de novembro de 2009, Don Bosco Onroerend Goed (C‑461/08, EU:C:2009:722), uma vez que as operações de demolição foram realizadas pela Boligforeningen Kristiansdal posteriormente à venda realizada pelo Porto de Odense à KPC Herning.

19      Em 9 de março de 2016, o Ministério das Finanças interpôs recurso da decisão da Landsskatteretten (Comissão Tributária Nacional, Dinamarca) para o Retten i Herning (Tribunal de Herning, Dinamarca), o qual remeteu o processo para o Vestre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Oeste, Dinamarca).

20      No tribunal de reenvio, o Ministério das Finanças sustentou que, em conformidade com o Acórdão de 19 de novembro de 2009, Don Bosco Onroerend Goed (C‑461/08, EU:C:2009:722, n.° 43), cabe aos Estados‑Membros definir o conceito de «terreno para construção», devendo essa competência ser exercida dentro dos limites decorrentes das isenções previstas no artigo 135.°, n.° 1, alíneas j) e k), da Diretiva 2006/112 no que se refere a bens imóveis constituídos por um edifício e pelo terreno da sua implantação e aos bens imóveis não edificados que não são destinados a construção.

21      Em direito dinamarquês, o conceito de «terreno para construção» aplica‑se aos terrenos não edificados, sendo sabido que a realidade económica e, portanto, a questão de saber se o bem imóvel é destinado à construção de um novo edifício são determinantes a este respeito. Esta interpretação não priva de substância o artigo 135.°, n.° 1, alínea j), da Diretiva 2006/112, uma vez que não leva a qualificar qualquer entrega de um edifício e do terreno da sua implantação como entrega de um terreno para construção. Além disso, seria conforme com o Acórdão de 20 de fevereiro de 1997, DFDS (C‑260/95, EU:C:1997:77, n.° 23), que confirma que a consideração da realidade económica constitui um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA.

22      Por consequência, as operações realizadas pelo Porto de Odense e a KPC Herning deviam ser qualificadas como entregas de um terreno para construção. O facto de o armazém existente no terreno não ter sido inteiramente demolido não seria relevante para essa qualificação, uma vez que a parte não demolida do imóvel não pode ser qualificada de imóvel, no sentido do artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2006/112.

23      A KPC Herning em contrapartida, teria sustentado que um terreno onde está implantado um edifício não pode ser qualificado como terreno para construção, a menos que estejam preenchidas as condições específicas do Acórdão de 19 de novembro de 2009, Don Bosco Onroerend Goed (C‑461/08, EU:C:2009:722), o que não seria o caso em apreço. No processo que deu origem ao referido acórdão, o vendedor encarregou‑se da demolição do edifício existente para entregar um terreno sem construções no quadro de uma prestação complexa.

24      A KPC Herning sustentou igualmente que é preciso distinguir as entregas de edifícios e as de prédios não edificados, no sentido, respetivamente, do artigo 12.°, n.° 2, e do artigo 135.°, n.° 1, alínea k), da Diretiva 2006/112. Os termos empregues nestas disposições devem ser objeto de uma interpretação autónoma que não as esvazie dos seus efeitos, o que é confirmado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (Acórdãos de 8 de junho de 2000, Breitsohl, C‑400/98, EU:C:2000:304, n.° 48, de 11 de junho de 2009, RLRE Tellmer Property, C‑572/07, EU:C:2009:365, n.° 15, e de 17 de janeiro de 2013, Woningstichting Maasdriel, C‑543/11, EU:C:2013:20, n.° 25).

25      Nos termos do artigo 12.°, n.° 3, lido em conjugação com o artigo 135.°, n.° 1, alíneas j) e k), da Diretiva 2006/112, os terrenos para construção constituem uma subcategoria dos imóveis não edificados. Assim, segundo a Diretiva 2006/112 apenas caberia aos Estados‑Membros definir se e em que condições os prédios não edificados podem ser considerados «terrenos para construção».

26      Aliás, para efeitos de apreciação de uma operação face à Diretiva 2006/112 caberia às autoridades nacionais, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, ter em conta a natureza objetiva da operação e não a intenção subjetiva das partes (Acórdão de 27 de setembro de 2007, Teleos e o., C‑409/04, EU:C:2007:548, n.° 39).

27      No presente processo, resultaria destes princípios que as duas operações de venda em causa devem ser qualificadas como entregas de um terreno ocupado por um edifício antigo.

28      Nestas circunstâncias, o Østre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Este) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O facto de, em circunstâncias como as do processo principal, um Estado‑Membro considerar a venda de um terreno onde, no momento da entrega, existe um edifício, como venda de um terreno para construção para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), quando é intenção das partes que o edifício seja completa ou parcialmente demolido para criar espaço para a construção de um novo edifício, é compatível com o artigo 135.°, n.° 1, alínea j), cfr. artigo 12.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2, lido em conjugação com o artigo 135.°, n.° 1, alínea k), cfr. artigo 12.°, n.° 1, alínea b) e n.° 3, da Diretiva [2006/112]?»

 Quanto à questão prejudicial

29      Com a sua questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.°, n.° 1, alíneas a) e b), e n.os 2 e 3, e o artigo 135.°, n.° 1, alíneas j) e k), da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que uma operação de entrega de um terreno em que, à data da entrega, está implantado um edifício pode ser qualificada como entrega de um «terreno para construção», quando a intenção das partes é a de que o edifício seja total ou parcialmente demolido para dar origem a um novo edifício.

30      O tribunal de reenvio procura assim determinar qual o regime de IVA aplicável às duas operações de venda em causa no processo principal efetuadas, por um lado, entre o Porto de Odense e a KPC Herning e, por outro, entre a KPC Herning e a Boligforeningen Kristiansdal. Estas operações diziam ambas respeito ao memo prédio, composto por um terreno e por um edifício utilizado como armazém.

31      Como resulta da decisão de reenvio, é facto assente que o edifício de armazém fora explorado pelo Porto de Odense antes das operações de venda em causa e que estava plenamente operacional à data da entrega à KPC Herning e da ulterior entrega à Boligforeningen Kristiansdal. É igualmente facto assente que os diferentes contratos celebrados neste quadro condicionavam essas operações de venda à realização pela KPC Herning de um projeto imobiliário de construção de habitação social nesse terreno.

32      Na audiência realizada no Tribunal de Justiça a KPC Herning, o Governo dinamarquês e a Comissão Europeia consideraram que as duas operações tinham de ser apreciadas separadamente, para se proceder à qualificação das duas operações de venda sucessivas e, portanto, à determinação do regime do IVA aplicável. Em contrapartida, divergem quanto à interpretação da Diretiva 2006/112 e propõem três qualificações diferentes dessas operações. Enquanto para a KPC Herning, cada uma das operações deve ser qualificada de entrega de um edifício antigo, no sentido do artigo 135.°, n.° 1, alínea j), da Diretiva, para o Governo dinamarquês elas têm de ser qualificadas como entrega de um terreno para construção, no sentido do artigo 12.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva. A Comissão, por seu lado, distingue as duas operações em causa e considera que a primeira diz respeito à entrega de um edifício antigo; a segunda, pelo contrário, não se resumiria a uma simples venda, mas incluiria a construção de edifícios novos. Por conseguinte, a operação devia ser qualificada como entrega de um edifício e do solo da sua implantação efetuada antes da sua primeira ocupação, no sentido do artigo 12, n.° 1, alínea a), da Diretiva.

33      Estas divergências de interpretação resultam do facto de a KPC Herning, o Governo dinamarquês e a Comissão não estarem de acordo quanto à importância a conceder às cláusulas contratuais e à vontade das partes que delas decorre para qualificar uma operação do ponto de vista do IVA, numa situação em que os projetos e as obras ligadas contratualmente à venda de um imóvel não tenham ainda sido executadas no momento da entrega do bem. No caso em apreço, importa portanto determinar se e em que medida se deve ter em conta a intenção de demolir parcialmente o edifício utilizado como armazém existente no terreno designado «Finlandkaj 12», e de o substituir por um novo edifício.

34      Assim, coloca‑se em primeiro lugar a questão de saber em que circunstâncias várias prestações sucessivas, como a venda de um edifício juntamente com o terreno em que está implantado, a demolição desse edifício, e depois a construção de um novo edifício, devem ser qualificadas, do ponto de vista IVA, como operações independentes umas das outras ou como uma operação única composta por várias prestações indissociavelmente ligadas.

35      Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar se essa operação dá lugar, para efeitos do IVA, a duas ou mais prestações distintas ou a uma prestação única (Acórdão de 18 de outubro de 2018, Volkswagen Financial Services (UK), C 153/17, EU:C:2018:845, n.° 29).

36      O Tribunal de Justiça também já declarou que, por um lado, decorre do artigo 1.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA (Acórdão de 18 de outubro de 2018, Volkswagen Financial Services (UK), C 153/17, EU:C:2018:845, n.° 30).

37      Todavia, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes (v. Acórdão Part Service, acima referido, n.° 32).

38      Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que uma prestação deve ser considerada única quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo estejam tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja divisão revestiria caráter artificial (Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Sequeira Mesquita, C‑278/18, EU:C:2019:160, n.° 30). Tal acontece igualmente quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham a mesma sorte fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesma, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador (Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Mailat, C‑17/18, EU:C:2018:1038, n.° 34).

39       Com efeito, para determinar se as prestações realizadas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa. Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo para tal necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola (v. Acórdão de 17 de janeiro de 2013, BGŻ Leasing, C‑224/11, EU:C:2013:15, n.° 32).

40      Na apreciação global das circunstâncias, a intenção declarada das partes relativa à sujeição da operação a IVA deve ser tida em consideração, desde que seja baseada em elementos objetivos (Acórdão de 12 de julho de 2012, J. J. Komen en Zonen Beheer Heerhugowaard, C‑326/11, EU:C:2012:461, n.° 33).

41      No que se refere à qualificação da venda de um terreno com um edifício nele existente com a intenção de o demolir parcial ou totalmente, o Tribunal de Justiça já reiteradamente forneceu indicações quanto aos elementos objetivos que podem ser relevantes para esse efeito.

42      Assim, no Acórdão de 19 de novembro de 2009, Don Bosco Onroerend Goed (C‑461/08, EU:C:2009:722, n.os 39, 40 e 44) o Tribunal de Justiça constatou, em primeiro lugar, que o objetivo económico prosseguido pelo vendedor e pelo comprador do imóvel consistia na entrega de um terreno pronto para a construção. Para este efeito, o Tribunal de Justiça notou que o vendedor estava encarregado de demolir o edifício existente no terreno em questão e que o custo dessa demolição foi suportado, pelo menos em parte, pelo comprador. O Tribunal de Justiça salientou outrossim, que, à data da entrega do imóvel, a demolição tinha já começado. Perante estas circunstâncias, o Tribunal de Justiça qualificou a entrega do imóvel em questão e a demolição do edifício nele existente como uma operação única de entrega de um terreno não edificado.

43      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, entre os elementos objetivos relevantes a ter em consideração na qualificação de uma operação para efeitos de IVA, contam‑se também a fase de adiantamento dos trabalhos de demolição ou de transformação realizados pelo vendedor à data da entrega do imóvel composto por um terreno e de um edifício, a utilização desse edifício na mesma data, assim, como a obrigação do vendedor realizar os trabalhos de demolição para permitir uma construção futura (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2012, J. J. Komen en Zonen Beheer Heerhugowaard, C‑326/11, EU:C:2012:461, n.° 34, e de 17 de janeiro de 2013, Woningstichting Maasdriel, C‑543/11, EU:C:2013:20, n.° 33).

44      Além disso, no seu Acórdão de 8 de julho de 1986, Kerrutt (73/85, EU:C:1986:295, n.os 12 e 15), o Tribunal de Justiça, respondendo à questão de saber se a entrega de um terreno para construção e a subsequente construção de um novo edifício previstas num contrato‑quadro, deviam ser qualificados como uma operação única, teve em consideração a circunstância de, por um lado, a operação dizer respeito ao terreno, e, por outro, de as entregas de bens e as prestações de serviços constituírem operações juridicamente distintas efetuadas por empresários diferentes. Perante esses elementos, o Tribunal de Justiça declarou que, apesar da complexidade económica do conjunto das operações em causa e da sua finalidade comum, que consistia na construção de um edifício no terreno adquirido, nas circunstâncias do processo principal não havia lugar a qualificá‑las como operação única.

45      No processo principal, e no tocante à primeira operação de venda, em cujo âmbito a KPC Herning comprou ao Porto de Odense um imóvel composto por um terreno e por um edifício utilizado como armazém, foi já salientado no n.° 31 do presente acórdão que esse armazém estava, à data da sua entrega, plenamente operacional. Da decisão de reenvio resulta que nenhuma das partes nesse contrato de venda estava encarregada de demolir esse armazém, demolição que só foi realizada após a aquisição do imóvel em questão pela Boligforeningen Kristiansdal.

46      Nestas condições, deve‑se considerar que uma operação como esta primeira operação de venda é distinta e independente das operações ulteriores realizadas pela KPC Herning e pela Boligforeningen Kristiansdal, designadamente, a demolição parcial do armazém em questão.

47      O simples facto de a venda prevista no contrato celebrado entre o Porto de Odense e a KPC Herning estar sujeito à condição de que a KPC Herning celebrasse um contrato com um organismo de habitação de arrendamento a preço moderado com vista à construção de habitação social no imóvel em causa não permite ligar as diferentes operações de forma a que elas possam ser vistas como uma única prestação económica indissociável, cuja separação teria caráter artificial.

48      No quadro da segunda operação de venda em causa no processo principal, a Boligforeningen Kristiansdal comprou à KPC Herning o terreno e o armazém anteriormente vendido a esta última sociedade pelo Porto de Odense. Como resulta dos documentos dos autos à disposição do Tribunal de Justiça, quando foi entregue à Boligforeningen Kristiansdal, o armazém podia ter uma utilização efetiva. Na sequência dessa entrega, o vendedor, a KPC Herning, não estava envolvido na demolição parcial do armazém. O comprador encarregou, por sua conta e risco, uma empresa terceira para realizar os trabalhos necessários. Verifica‑se assim que, com reserva das averiguações que cabe ao tribunal de reenvio efetuar, a demolição do armazém é uma operação independente da sua venda e não forma com esta uma operação única no plano económico.

49      É verdade que a venda do terreno com o armazém estava sujeita à condição de que o vendedor procedesse à construção de um novo edifício, mantendo alguns elementos do antigo. Contudo, na sequência do declarado no n.° 47 do presente acórdão, essa simples circunstância não pode ligar as diferentes operações por forma a que constituam uma prestação económica indissociável, cuja divisão teria caráter artificial.

50      Por conseguinte, como igualmente sublinhou o advogado‑geral nos n.os 31 e 32 das suas conclusões, as operações de venda como as duas operações em causa no processo principal, não podem ser consideradas como integradoras de um único e mesmo conjunto e devem ser apreciadas separadamente do ponto de vista do IVA.

51      Nestas circunstâncias, importa ainda analisar a questão de saber se essas operações podem ser qualificadas de entrega de um terreno para construção, no sentido do artigo 12.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2006/112.

52      Nos termos do artigo 12.°, n.° 3, dessa diretiva, são considerados «terrenos para construção», para efeitos do referido n.° 1, alínea b), os terrenos, urbanizados ou não, definidos como tal pelos Estados‑Membros.

53      Os Estados‑Membros, ao definirem os terrenos que devem ser considerados «terrenos para construção», são obrigados a respeitar o objetivo prosseguido pelo artigo 135.°, n.° 1, alínea k), da Diretiva 2006/112, que visa isentar de IVA, unicamente, as entregas de terrenos não edificados que não se destinem a suportar um edifício (Acórdão de 17 de janeiro de 2013, Woningstichting Maasdriel, C‑543/11, EU:C:2013:20, n.° 30).

54      Como salientou o advogado‑geral no n.° 59 das suas conclusões, a margem de apreciação dos Estados‑Membros na definição de «terreno para construção» é igualmente limitada pelo alcance do conceito de «edifício», definido de maneira muito ampla pelo legislador da União no artigo 12.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112 como incluindo «qualquer construção incorporada no solo».

55      Além disso, o artigo 135.°, n.° 1, alínea j), da Diretiva 2006/112 prevê a isenção de IVA das entregas dos edifícios não referidas no seu artigo 12.°, n.° 1, alínea a). Esta disposição refere‑se à entrega de um edifício ou de parte de um edifício e do terreno da sua implantação, efetuada antes da primeira ocupação.

56      Assim sendo, conjugadas, estas disposições estabelecem uma distinção entre o caráter antigo e o caráter novo de um edifício, não estando a venda de um imóvel antigo, em princípio, sujeita a IVA (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2017, J. J. Komen en Zonen Beheer Heerhugowaard, C‑326/16, EU:C:2017:869, n.° 30).

57      A ratio legis destas disposições radica na falta relativa de valor acrescentado gerada pela venda de um edifício antigo. Com efeito, embora esteja abrangida pelo conceito de «atividade económica», na aceção do artigo 9.° da Diretiva IVA, a venda de um edifício consecutiva à sua primeira entrega a um consumidor final, que marca o fim do processo de produção, não gera um valor acrescentado significativo e deve, portanto, em princípio, ser isenta (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2017, Kozuba Premium Selection, C‑308/16, EU:C:2017:869, n.° 31).

58      No caso em apreço, nem a primeira nem a segunda venda do imóvel em causa no processo principal parecem ter aumentado o valor económico desse bem, de forma que as duas operações não geraram um valor acrescentado significativo para serem sujeitas a IVA, em conformidade com a jurisprudência referida nos números anteriores do presente acórdão.

59      Se a venda de um armazém plenamente operacional, como o que é objeto das vendas em causa no processo principal, pudesse ser qualificada como entrega de um terreno para construção, e não como entrega de um edifício antigo e do solo em que está implantado, apenas com base na intenção das partes do contrato de venda, tal infringiria os princípios da Diretiva 2006/112 e faria correr o risco de esvaziar o conteúdo da isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea j), dessa Diretiva.

60      Tal interpretação seria contrária à referida disposição. Com efeito, a interpretação dos termos utilizados para definir as isenções previstas no artigo 135.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 deve ser conforme com os objetivos por ela prosseguidos e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. Assim, esses termos não podem ser interpretados de uma forma que privasse de efeitos essas isenções (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2017, Kozuba Premium Selection, C‑308/16, EU:C:2017:869, n.os 39 e 40).

61      Além disso, como decorre dos Acórdãos de 19 de novembro de 2009, Don Bosco Onroerend Goed (C‑461/08, EU:C:2009:722) e de 17 de janeiro de 2013, Woningstichting Maasdriel (C‑543/11, EU:C:2013:20), a venda de um imóvel composto por um terreno e por um edifício que se pretende demolir só é considerada como uma operação única cujo objeto é a entrega de um terreno não edificado e não de um edifício e do terreno em que está implantado quando determinadas circunstâncias objetivas estão preenchidas, como as enumeradas nos n.os 42 e 43 do presente acórdão, que demonstram que a venda está tão estreitamente ligada à demolição do edifício que a sua separação teria um caráter artificial.

62      Destarte, uma operação que consiste na entrega de um terreno em que já existe um edifício plenamente operacional, como a venda do imóvel em causa no processo principal, primeiro pelo Porto de Odense à KPC Herning e, depois, a revenda desse imóvel pela KPC Herning à Boligforeningen Kristiansdal, que são economicamente independentes e não formam, com outras prestações, uma operação única, não pode ser qualificada, sob reserva das verificações que incumbem ao tribunal de reenvio, com venda de um terreno para construção.

63      Resulta das considerações precedentes que há que responder à questão submetida que o artigo 12.°, n.° 1, alíneas a) e b), e n.os 2 e 3, bem como o artigo 135.°, n.° 1, alíneas j) e k), da Diretiva 2006/112, devem ser interpretados no sentido de que uma operação de entrega de um terreno em que existe, à data dessa entrega, um edifício não pode ser qualificada de entrega de um «terreno para construção», quando essa operação é economicamente independente de outras prestações e não forma com estas uma operação única, mesmo que a intenção das partes seja a de demolir total ou parcialmente o edifício para dar lugar a um novo edifício.

 Quanto às despesas

64      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 12.°, n.° 1, alíneas a) e b), e n.os 2 e 3, bem como o artigo 135.°, n.° 1, alíneas j) e k), da Diretiva 2006/112 do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que uma operação de entrega de um terreno em que existe, à data dessa entrega, um edifício não pode ser qualificada de entrega de um «terreno para construção», quando essa operação é economicamente independente de outras prestações e não forma com estas uma operação única, mesmo que a intenção das partes seja a de demolir total ou parcialmente o edifício para dar lugar a um novo edifício.

Assinaturas


*      Língua do processo: dinamarquês.