C-695/19 - Rádio Popular

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62019CJ0695

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

8 de julho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2006/112/CE — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Isenções — Artigo 135.o, n.o 1, alínea a) — Conceitos de “operações de seguro” e de “prestações de serviços relacionadas com essas operações efetuadas por corretores e intermediários de seguros” — Artigo 174.o, n.o 2 — Direito a dedução — Pro rata de dedução — Extensão de garantia de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações — Conceito de “operações financeiras”»

No processo C‑695/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), por Decisão de 10 de setembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de setembro de 2019, no processo

Rádio Popular — Electrodomésticos, SA

contra

Autoridade Tributária e Aduaneira,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby, S. Rodin (relator) e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Rádio Popular — Electrodomésticos, SA, por A. M. Rosa da Silva Garcia, advogada,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, R. Campos Laires, A. Homem e P. Barros da Costa, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por M. Tassopoulou, I. Kotsoni e K. Georgiadis, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Afonso e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 174.o, n.o 2, alíneas b) e c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Rádio Popular — Electrodomésticos, SA (a seguir «Rádio Popular»), à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal) (a seguir «AT») a respeito da dedução, pela Rádio Popular, do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago a montante pela realização de operações de venda de extensões de garantia.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva IVA:

«Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.»

4

O artigo 135.o desta diretiva, incluído no capítulo 3, sob a epígrafe «Isenções em benefício de outras atividades», do título IX da mesma, prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros isentam as seguintes operações:

a)

As operações de seguro e de resseguro, incluindo as prestações de serviços relacionadas com essas operações efetuadas por corretores e intermediários de seguros;

b)

A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu;

c)

A negociação e a aceitação de compromissos, fianças e outras garantias, e bem assim a gestão de garantias de crédito efetuada por parte de quem concedeu o crédito;

d)

As operações, incluindo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio, com exceção da cobrança de dívidas;

e)

As operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel‑moeda e moeda com valor liberatório, com exceção das moedas e notas de coleção, nomeadamente as moedas de ouro, prata ou outro metal, e bem assim as notas que não sejam normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório ou que apresentem um interesse numismático;

f)

As operações, incluindo a negociação mas excluindo a guarda e gestão, relativas às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos direitos ou títulos referidos no n.o 2 do artigo 15.o;

g)

A gestão de fundos comuns de investimento, tal como definidos pelos Estados‑Membros;

[...]»

5

O artigo 173.o da referida diretiva dispõe:

«1.   No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.°, 169.° e 170.°, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.° e 175.°, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo.

2.   Os Estados‑Membros podem tomar as medidas seguintes:

a)

Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada setor da respetiva atividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses setores;

b)

Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada setor da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses setores;

c)

Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

[...]»

6

O artigo 174.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva prevê:

«1.   O pro rata de dedução resulta de uma fração que inclui os seguintes montantes:

a)

No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.° e 169.°;

b)

No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

[...]

2.   Em derrogação do disposto no n.o 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a)

O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b)

O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c)

O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.o 1 do artigo 135.o, se se tratar de operações acessórias.»

Direito português

7

Os artigos 9.° e 23.° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (a seguir «Código do IVA»), na sua versão aplicável ao litígio do processo principal, transpõem para o direito português as disposições da Diretiva IVA mencionadas nos n.os 3 a 6 do presente acórdão.

Litígio do processo principal e questão prejudicial

8

A Rádio Popular é uma sociedade anónima cuja atividade principal consiste na venda de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações.

9

Além disso, propõe aos adquirentes dos seus artigos outros serviços complementares tais como a extensão da garantia dos artigos comprados. Essa extensão da garantia resulta de um contrato de seguro através do qual a empresa de seguros garante ao adquirente, em caso de sinistro, a reparação do artigo comprado ou, eventualmente, a sua substituição, durante um período que vai para além do período coberto pela garantia prestada pelo fabricante. Este contrato de seguro é celebrado entre uma empresa de seguros e os adquirentes dos artigos vendidos pela Rádio Popular.

10

Enquanto intermediário na venda de produtos de seguros, a Rádio Popular fatura ao cliente, como contrapartida da extensão da garantia subscrita, um montante que acresce ao preço do artigo comprado. A atividade de venda de extensões de garantia ocorre, assim, no momento da venda de artigos e é efetuada utilizando, em princípio, os mesmos recursos materiais e humanos afetos a essa venda de artigos.

11

Considerando que as vendas de extensões de garantia constituem operações de seguro isentas de IVA, a Rádio Popular não liquidou o IVA relativo a essas vendas, mas deduziu integralmente o IVA pago a montante relativo à totalidade da sua atividade nos exercícios de 2014 a 2017.

12

Na sequência das inspeções realizadas pela AT à Rádio Popular, relativas a esses exercícios, aquela Autoridade concluiu que a referida sociedade tinha deduzido erradamente a integralidade do IVA pago nos referidos exercícios, pelo facto de as operações de venda de extensões de garantia efetuadas pela Rádio Popular estarem isentas de IVA e, por conseguinte, não conferirem direito à dedução do IVA. Considerando que o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução, a referida Autoridade procedeu, em relação à Rádio Popular, a quatro liquidações de IVA e de juros compensatórios, no montante total de 356433,05 euros.

13

A Rádio Popular pediu a constituição de um tribunal arbitral coletivo, tendo em vista a anulação dessas liquidações, tendo‑se o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal) declarado constituído em 11 de abril de 2019.

14

Segundo aquele órgão jurisdicional, há acordo entre as partes no processo principal quanto ao facto de a atividade da Rádio Popular de extensões de garantia beneficiar da isenção relativa às operações de seguro prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA, que foi transposto para o Código do IVA. Uma vez que esta parte das operações efetuadas pela Rádio Popular não confere direito a dedução, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, em princípio, há que proceder ao cálculo do pro rata de dedução, tal como previsto, para bens ou serviços de utilização mista, nos artigos 173.° e 174.° da diretiva.

15

No entanto, a Rádio Popular alega que as operações de venda de extensões de garantia são «operações financeiras» que têm caráter acessório em relação à atividade principal de venda de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações, pelo que, ao abrigo da exceção prevista no artigo 23.o, n.o 5, do Código do IVA e no artigo 174.o, n.o 2, alíneas b) e c), da Diretiva IVA, o montante relativo a estas operações não deve ser tomado em consideração no cálculo do pro rata de dedução. Com efeito, haveria que interpretar o conceito de «operações financeiras», no sentido destas disposições, de forma lata, sob pena de violação do princípio basilar da neutralidade que rege esta diretiva e do princípio da não distorção da concorrência.

16

Em contrapartida, a AT sustenta que as referidas operações não podem ser qualificadas de «operações financeiras» nem de «operações acessórias», no sentido das referidas disposições. A este respeito, indica, por um lado, que as operações de seguro como as que estão em causa no processo principal não podem ser equiparadas a «operações financeiras», uma vez que a Diretiva IVA distingue claramente estes dois conceitos. Por outro lado, à luz do Acórdão de 29 de abril de 2004, EDM (C‑77/01, EU:C:2004:243), as operações de venda de extensões de garantia não seriam «operações acessórias».

17

A este respeito, a AT salienta, designadamente, que as vendas de extensões de garantia são realizadas habitualmente pela Rádio Popular, proporcionando‑lhe um lucro de cerca de 35 % do montante pago por cada adquirente de uma extensão de garantia, lucro esse necessário para a sua sustentabilidade económica.

18

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a apreciação da AT segundo a qual estas vendas não têm natureza acessória em relação às vendas de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações enferma de erros sobre os pressupostos de facto e de direito, referindo também não ter ficado provado que a sustentabilidade económica da Rádio Popular dependesse da venda de extensões de garantia. Invocando a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça sobre prestações acessórias, o órgão jurisdicional de reenvio observa, nomeadamente, que apenas uma percentagem diminuta, estimada em 0,62 % do valor total dos bens ou dos serviços utilizados pela Rádio Popular para desenvolver a sua atividade, seria atribuível às operações de venda de extensões de garantia.

19

Em todo o caso, coloca‑se a questão de saber se essas operações podem ser qualificadas de «operações financeiras», na aceção do artigo 174.o, n.o 2, alíneas b) e c), da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 135.o, n.o 1, alíneas b) e c), da mesma diretiva. O órgão jurisdicional de reenvio considera que uma leitura conjugada das referidas disposições revelaria que os montantes relativos a operações de seguro não estão excluídos do cálculo do pro rata de dedução.

20

Nestas condições, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As operações de intermediação de venda de extensões de garantia de eletrodomésticos, efetuadas por um sujeito passivo de IVA que tenha como atividade principal a venda de eletrodomésticos ao consumidor, constituem operações financeiras, ou são a elas equiparáveis por força dos princípios da neutralidade e da não distorção da concorrência, para efeito de exclusão do seu montante do cálculo do pro rata de dedução, ao abrigo do artigo 135.o, n.o 1, alínea b) e/ou alínea c), da Diretiva [IVA]?»

Quanto à questão prejudicial

21

A título preliminar, importa salientar que, além do artigo 135.o, n.o 1, alíneas b) e c), da Diretiva IVA, referido diretamente pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão, o artigo 174.o desta diretiva, relativo ao método de cálculo do pro rata da dedução, deve igualmente ser tido em conta na resposta a dar à questão.

22

Em especial, o n.o 2 deste último artigo prevê, para certas operações, nomeadamente para as operações de natureza acessória, uma derrogação ao método do cálculo do pro rata de dedução, tal como previsto no n.o 1 deste artigo, nos termos da qual o montante do volume de negócios relativo a essas operações deve ser excluído do denominador da fração utilizada no cálculo do pro rata de dedução previsto no referido n.o 1.

23

Nestas condições, a questão submetida deve ser entendida no sentido de que visa determinar, em substância, se o artigo 174.o, n.o 2, alíneas b) e c), da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 135.o, n.o 1, da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que se aplica a operações de intermediação na venda de extensões de garantia efetuadas por um sujeito passivo no âmbito da sua atividade principal que consiste na venda de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações ao consumidor, devendo, assim, o montante do volume de negócios relativo a essas operações ser excluído do denominador da fração utilizada no cálculo do pro rata de dedução referido no artigo 174.o, n.o 1, da Diretiva IVA.

24

Para responder a esta questão, importa salientar, antes de mais, que as partes no processo principal concordam em que as operações de intermediação na venda de extensões de garantia, como as que estão em causa no processo principal, estão abrangidas pelo artigo 135.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva e, a esse título, estão isentas de IVA.

25

No entanto, há que observar que, entre as operações abrangidas pela derrogação prevista no artigo 174.o, n.o 2, da Diretiva IVA, não se contam as operações referidas no artigo 135.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva.

26

Por conseguinte, importa verificar, num primeiro momento, se operações como as que estão em causa no processo principal estão efetivamente abrangidas pelo artigo 135.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA. Se for esse o caso, haverá que determinar, num segundo momento, se essas operações podem ser abrangidas pelo n.o 2, alíneas b) ou c), do artigo 174.o desta diretiva, de forma que o montante do volume de negócios relativo a essas operações seja excluído do denominador da fração utilizada no cálculo do pro rata de dedução previsto no n.o 1 deste artigo.

27

A este respeito, importa recordar que os termos empregues para designar as isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, da referida diretiva devem ser interpretados estritamente, uma vez que constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo agindo nessa qualidade [Acórdão de 8 de outubro de 2020, United Biscuits (Pensions Trustees) e United Biscuits Pension Investments, C‑235/19, EU:C:2020:801, n.o29].

28

Nos termos do artigo 135.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA, os Estados‑Membros isentam «[a]s operações de seguro e de resseguro, incluindo as prestações de serviços relacionadas com essas operações efetuadas por corretores e intermediários de seguros».

29

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as operações de seguro caracterizam‑se, como é geralmente admitido, pelo facto de o segurador, mediante o pagamento prévio de um prémio pelo segurado, se comprometer a fornecer a este último, em caso de realização do risco coberto, a prestação acordada no momento da celebração do contrato. Tais operações implicam, pela sua própria natureza, a existência de uma relação contratual entre o prestador do serviço de seguro e a pessoa cujos riscos são cobertos pelo seguro, a saber, o segurado [Acórdãos de 17 de março de 2016, Aspiro, C‑40/15, EU:C:2016:172, n.os 22 e 23, e de 25 de março de 2021, Q‑GmbH (Seguro de riscos especiais), C‑907/19, EU:C:2021:237, n.o 32].

30

Ora, no caso em apreço, resulta das informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a Rádio Popular não está ela própria vinculada pelo contrato de seguro que prevê a extensão de garantia a favor dos adquirentes de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações enquanto segurados, agindo apenas na qualidade de intermediário entre eles e uma seguradora com quem esse contrato é celebrado, a qual se encarrega também da cobertura do risco segurado.

31

No entanto, importa examinar se operações como as que estão em causa no processo principal constituem «prestações de serviços relacionadas com essas operações efetuadas por corretores e intermediários de seguros», na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA.

32

A este respeito, como resulta da letra da referida disposição, a isenção dessas prestações está sujeita ao cumprimento de dois requisitos cumulativos: por um lado, as referidas prestações devem estar «relacionadas» com operações de seguro e, por outro, devem ser «efetuadas por corretores e intermediários de seguros» [Acórdão de 25 de março de 2021, Q‑GmbH (Seguro de riscos especiais), C‑907/19, EU:C:2021:237, n.o 34].

33

No que se refere ao primeiro destes requisitos, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou que o termo «relacionadas» é suficientemente amplo para cobrir diferentes prestações que contribuem para a realização de operações de seguro, designadamente, a regularização de sinistros, a qual é uma das partes essenciais dessas operações (Acórdão de 17 de março de 2016, Aspiro, C‑40/15, EU:C:2016:172, n.o 33).

34

Uma vez que resulta da descrição dos factos efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio que a prestação em causa no processo principal consiste, em substância, na venda de extensões de garantia relativas a artigos adquiridos, que se apresenta sob a forma de um contrato de seguro como o caracterizado no n.o 30 do presente acórdão, deve considerar‑se que essa prestação está relacionada com uma operação de seguro, na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA.

35

Quanto ao segundo dos referidos requisitos, a fim de determinar se as prestações para as quais é pedida a isenção ao abrigo do artigo 135.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA são efetuadas por um corretor ou por um intermediário de seguros, importa não se basear na qualidade formal do prestador, mas analisar o próprio conteúdo dessas prestações [v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2021, Q‑GmbH (Seguro de riscos especiais), C‑907/19, EU:C:2021:237, n.o 36 e jurisprudência referida].

36

No âmbito desta análise, importa verificar se estão preenchidos dois requisitos. Em primeiro lugar, o prestador deve manter uma relação com a seguradora e com o segurado, podendo essa relação ser apenas indireta se o prestador for um subcontratante do corretor ou do intermediário. Em segundo lugar, a sua atividade deve abranger os aspetos essenciais da função de intermediário de seguros, como a angariação de clientes e o estabelecimento de relações entre estes e a seguradora, com vista à celebração de contratos de seguro [Acórdão de 25 de março de 2021, Q‑GmbH (Seguro de riscos especiais), C‑907/19, EU:C:2021:237, n.o 37 e jurisprudência referida].

37

No caso em apreço, estes critérios estão preenchidos, por definição, por um prestador como a Rádio Popular, na medida em que, como resulta das informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, este prestador tem contacto direto quer com a seguradora, cujos produtos de seguros, que incluem a extensão de garantia, vende, quer com o segurado, ao qual vende esses produtos no momento da venda de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações, exercendo, desse modo, atividades essencialmente relacionadas com a função de intermediário de seguro, como a angariação de clientes e a colocação destes em contacto com a seguradora, com vista à celebração de contratos de seguro.

38

Daqui resulta que, sem prejuízo das verificações que incumbem, em definitivo, ao órgão jurisdicional de reenvio, operações de intermediação de venda de extensões de garantia, como as que estão em causa no processo principal, efetuadas por um sujeito passivo no âmbito da sua atividade principal que consiste na venda de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações aos consumidores, constituem prestações de serviços relacionadas com operações de seguro efetuadas por corretores e intermediários de seguros, na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA.

39

Ora, como foi assinalado no n.o 25 do presente acórdão, essas operações não estão abrangidas pela derrogação ao método de cálculo do pro rata de dedução prevista no artigo 174.o, n.o 2, desta diretiva, porque esta disposição não remete para a alínea a) do artigo 135.o, n.o 1, da referida diretiva.

40

É necessário, por isso, examinar se operações como as que estão em causa no processo principal, apesar de constituírem prestações de serviços relacionadas com operações de seguro efetuadas por um intermediário de seguros, na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA, podem ser qualificadas, nomeadamente à luz do princípio da neutralidade fiscal, de «operações financeiras acessórias», na aceção das alíneas b) e c) do artigo 174.o, n.o 2, desta diretiva.

41

Visto que o artigo 174.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva IVA remete para as operações referidas no artigo 135.o, n.o 1, alíneas b) a g), da mesma diretiva, importa sublinhar, antes de mais, que o artigo 135.o, n.o 1, dessa diretiva distingue claramente as operações de seguro referidas na alínea a) desta disposição das operações referidas nas suas alíneas b) a g), nomeadamente as operações de natureza financeira.

42

Com efeito, resulta da letra quer do artigo 135.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA, por um lado, quer do artigo 135.o, n.o 1, alíneas b) a g), da mesma diretiva, por outro, que estas disposições visam operações distintas e que não se podem equiparar as operações de seguro às operações financeiras, em especial para efeitos da aplicação da derrogação prevista no artigo 174.o, n.o 2, daquela diretiva (v., por analogia, Acórdão de 17 de março de 2016, Aspiro, C‑40/15, EU:C:2016:172, n.o 29).

43

Em seguida, esta constatação não é posta em causa pelo princípio da neutralidade fiscal. Embora seja verdade que é jurisprudência constante que este princípio se opõe a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (Acórdão de 17 de janeiro de 2013, BGŻ Leasing, C‑224/11, EU:C:2013:15, n.o 65 e jurisprudência referida), nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça permite considerar que as operações de seguro e as operações financeiras constituem operações «semelhantes», na aceção dessa jurisprudência.

44

Em todo o caso, como o Tribunal de Justiça já declarou, o referido princípio não permite alargar o âmbito de aplicação de uma isenção, na falta de uma disposição inequívoca. Com efeito, o referido princípio não é uma norma de direito primário que possa determinar a validade de uma isenção, mas sim um princípio de interpretação que deve ser aplicado paralelamente com o princípio de que as isenções são de interpretação estrita (Acórdão de 17 de março de 2016, Aspiro, C‑40/15, EU:C:2016:172, n.o 31 e jurisprudência referida).

45

Por último, mutatis mutandis, não pode ser acolhida uma interpretação segundo a qual o conceito de «operações de seguro», constante do artigo 135.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA, e o de «operações financeiras», constante do artigo 174.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva, são sinónimos.

46

Com efeito, o bom funcionamento do sistema comum do IVA e a sua interpretação uniforme implicam, em princípio, que operações semelhantes previstas pela Diretiva IVA não sejam designadas por conceitos diferentes consoante sejam referidas numa ou noutra dessas disposições da diretiva (v., por analogia, Acórdão de 22 de outubro de 2009, Swiss Re Germany Holding, C‑242/08, EU:C:2009:647, n.o 31).

47

Daqui resulta que uma operação qualificada de «operação de seguro», na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA, não pode constituir uma operação de natureza financeira e acessória, na aceção do artigo 174.o, n.o 2, alíneas b) e c), desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 135.o, n.o 1, alíneas b) a g), da referida diretiva, independentemente da questão de saber se, além disso, é «acessória» na aceção destas últimas disposições.

48

Resulta do conjunto das considerações precedentes que há que responder à questão submetida que o artigo 174.o, n.o 2, alíneas b) e c), da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 135.o, n.o 1, desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a operações de intermediação na venda de extensões de garantia efetuadas por um sujeito passivo no âmbito da sua atividade principal que consiste na venda de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações aos consumidores, pelo que o montante do volume de negócios relativo a essas operações não deve ser excluído do denominador da fração utilizada no cálculo do pro rata de dedução previsto no artigo 174.o, n.o 1, da mesma diretiva.

Quanto às despesas

49

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 174.o, n.o 2, alíneas b) e c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido em conjugação com o artigo 135.o, n.o 1, desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a operações de intermediação na venda de extensões de garantia efetuadas por um sujeito passivo no âmbito da sua atividade principal que consiste na venda de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações aos consumidores, pelo que o montante do volume de negócios relativo a essas operações não deve ser excluído do denominador da fração utilizada no cálculo do pro rata de dedução previsto no artigo 174.o, n.o 1, da mesma diretiva.

 

Vilaras

Piçarra

Šváby

Rodin

Jürimäe

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de julho de 2021.

O Secretário

A. Calot Escobar

O Presidente da Quarta Secção

M. Vilaras


( *1 ) Língua do processo: português.