C-512/21 - Aquila Part Prod Com

Printed via the EU tax law app / web

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

1 de dezembro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial – Fiscalidade – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 168.° – Direito a dedução do IVA – Princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade – Fraude – Prova – Dever de diligência do sujeito passivo – Tomada em consideração de uma violação de obrigações decorrentes das disposições nacionais e do direito da União relativas à segurança da cadeia alimentar – Mandato conferido pelo sujeito passivo a terceiro para efetuar as operações tributadas – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Artigo 47.° – Direito a um processo equitativo»

No processo C‑512/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisão de 31 de maio de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de agosto de 2021, no processo

Aquila Part Prod Com SA

contra

Nemzeti Adó és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: D. Gratsias, presidente de secção, M. Ilešič e I. Jarukaitis (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Aquila Part Prod Com SA, por L. Réti, ügyvéd,

–        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por O. Serdula, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por B. Béres e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 9.°, n.° 1, dos artigos 10.° e 167.°, do artigo 168.°, alínea a), e do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), lidos em conjugação com os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da segurança jurídica, bem como com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Aquila Part Prod Com SA à Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága (Direção de Recursos da Administração Nacional Tributária e Aduaneira, Hungria) (a seguir «Direção de Recursos»), a respeito do montante do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) devido por essa sociedade relativamente aos meses de agosto a novembro de 2012.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 dispõe:

«Entende‑se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende‑se por “atividade económica” qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.»

4        Nos termos do artigo 10.° desta diretiva:

«A condição de a atividade económica ser exercida de modo independente, tal como referido no n.° 1 do artigo 9.°, exclui da tributação os assalariados e outras pessoas na medida em que se encontrem vinculados à entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que estabeleça vínculos de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal.»

5        O artigo 167.° da referida diretiva prevê que o direito a dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

6        O artigo 168.° da Diretiva 2006/112 dispõe:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[...]»

7        Nos termos do artigo 178.° desta diretiva:

«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

a)      Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.°, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida em conformidade com os artigos 220.° a 236.°, 238.°, 239.° e 240.°;

[...]»

 Direito húngaro

8        O artigo 1.° da adózás rendjéről szóló 2003. évi XCII. törvény (Lei n.° XCII de 2003, que aprova o Código de Processo Tributário) (Magyar Közlöny 2003/131, 14 de novembro de 2003, p. 9990, a seguir «Código de Processo Tributário») prevê, no seu n.° 7:

«Os contratos, operações e outros atos similares devem ser qualificados de acordo com o seu conteúdo efetivo. Os contratos ou qualquer outra operação jurídica que sejam desprovidos de validade são fiscalmente relevantes na medida em que o seu resultado económico possa ser demonstrado.»

9        O artigo 2.° do Código de Processo Tributário dispõe, no seu n.° 1:

«Os direitos nas relações jurídicas relativas à fiscalidade devem ser exercidos em conformidade com o seu fim. Na aplicação das leis fiscais, não pode ser qualificada de exercício de direitos em conformidade com o seu fim a celebração de contratos ou a realização de outras operações cuja finalidade seja contornar as disposições das leis fiscais.»

10      Nos termos do artigo 97.°, n.os 4 e 6, do referido código:

«4.      Durante a investigação, a Administração Tributária tem a obrigação de apurar e de provar os factos, salvo nos casos em que, por lei, o ónus da prova seja do contribuinte.

[...]

6.      No apuramento dos factos, a Administração Tributária tem a obrigação de averiguar igualmente os factos que funcionem a favor do contribuinte. Um facto ou uma circunstância não provados não podem — exceto no processo de estimativa — ser apreciados em desfavor do contribuinte.»

11      O artigo 26.° da általános forgalmi adóról szóló 2007. évi CXXVII. törvény (Lei n.° CXXVII de 2007, relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado) (Magyar Közlöny 2007/155, 16 de novembro de 2007, p. 10893, a seguir «Lei do IVA») dispõe:

«Quando a expedição ou o transporte seja efetuado pelo fornecedor, pelo adquirente ou, por conta de um destes, por um terceiro, o lugar da entrega do bem é aquele onde este se encontra no momento da expedição ou da partida do transporte em que o adquirente figure como destinatário.»

12      O artigo 27.° da Lei do IVA prevê, no seu n.° 1:

«Quando um bem for objeto de várias vendas sucessivas de tal forma que é expedido ou transportado diretamente do fornecedor inicial para o adquirente final designado como destinatário, o artigo 26.° aplica‑se exclusivamente a uma única entrega do bem.»

13      Nos termos do artigo 119.°, n.° 1, da Lei do IVA:

«Sem prejuízo de disposição legal em contrário, o direito a dedução do imposto constitui‑se quando deva ser determinado o imposto devido, correspondente ao imposto calculado a montante (artigo 120.°).»

14      O artigo 120.° da Lei do IVA prevê:

«Na medida em que o sujeito passivo — agindo nessa qualidade — utilize ou explore de outra forma produtos ou serviços para efetuar entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis, terá direito a deduzir do imposto apurado o imposto que:

a)      tiver sido repercutido por outro sujeito passivo — incluindo as pessoas ou organismos sujeitos ao imposto simplificado sobre as sociedades — no que respeita à aquisição de bens ou serviços.

[...]»

15      O artigo 127.°, n.° 1, da Lei do IVA precisa:

«O exercício do direito a dedução está sujeito ao requisito substantivo de o sujeito passivo dispor pessoalmente:

a)      no caso previsto no artigo 120.°, alínea a), de uma fatura emitida em seu nome que certifique a realização da operação;

[...]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      A Aquila Part Prod Com SA é a sucessora legal da Agrirom SRL, uma sociedade romena que dispõe, desde 2 de junho de 2010, de número de registo para efeitos de IVA na Hungria. A atividade principal da Aquila Part Prod Com consiste em servir de intermediário para o comércio grossista de géneros alimentícios, bebidas e produtos do tabaco. Em 1 de abril de 2011, esta sociedade celebrou com outra sociedade um contrato de mandato, através do qual confiou a esta última o exercício da atividade de compra e venda de bens em nome do mandante.

17      Ao longo dos anos de 2012 a 2017, a Administração Tributária efetuou uma inspeção relativa ao IVA referente aos meses de agosto a novembro de 2012, realizando numerosas investigações. No final dessa inspeção, essa Administração adotou quatro decisões em que procedeu a uma liquidação adicional de IVA no montante de 86 815 000 forintes húngaros (HUF) (cerca de 206 000 euros) relativos ao mês de agosto de 2012, de 66 012 000 HUF (cerca de 157 000 euros) relativos ao mês de setembro de 2012, de 109 400 000 HUF (cerca de 260 000 euros) relativos ao mês de outubro de 2012 e de 24 607 000 HUF (cerca de 58 500 euros) relativos ao mês de novembro de 2012, correspondendo, a maior parte, a um pedido de reembolso de IVA considerado infundado e, em menor parte, a um défice de tributação. Foram ainda aplicados uma coima fiscal e juros de mora.

18      Nessas decisões, a Administração Tributária declarou que, durante os períodos analisados, o sujeito passivo tinha participado numa fraude de tipo carrossel. Esta conclusão baseia‑se, nomeadamente, na violação de disposições do direito nacional relativas à segurança da cadeia alimentar e de disposições do Regulamento (CE) n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1), demonstrando que o objetivo prosseguido era o reencaminhamento dos bens em causa da Eslováquia para a Hungria. Baseia‑se igualmente nas operações financeiras das diferentes sociedades que participaram na cadeia de entregas, na reduzida margem comercial aplicada por cada uma dessas sociedades e na atuação não razoável em matéria comercial de algumas delas, que demonstram que se tratava de uma cadeia de faturação destinada a adquirir uma vantagem fiscal ilícita e a evitar conscientemente a tributação.

19      Nas referidas decisões, a Administração Tributária considerou um grande número de elementos que demonstravam a participação ativa do sujeito passivo numa fraude, entre os quais o facto de os contratos serem celebrados com a participação deste, a existência de uma cláusula inabitual nos contratos de transporte, o facto de o cliente eslovaco ter revendido na Hungria os bens que tinha adquirido no mesmo dia na Hungria e a existência de ligações entre as pessoas envolvidas na cadeia de faturação. Apontou igualmente elementos que demonstravam que o sujeito passivo não tinha dado provas de diligência suficiente, incluindo o facto de o gestor da sociedade com a qual o sujeito passivo tinha celebrado um contrato de mandato já ter participado anteriormente numa fraude ao IVA, o facto de essa sociedade ter participado na cadeia de faturação fraudulenta e outros factos que demonstravam a participação desse gestor na fraude.

20      Tendo as quatro decisões da Administração Tributária sido confirmadas, em 8 de dezembro de 2017, por Decisão da Direção de Recursos, a Aquila Part Prod Com interpôs no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), o órgão jurisdicional de reenvio, um recurso em apoio do qual alega que o procedimento tributário foi conduzido com uma ideia preconcebida e invoca, em substância, a falta de elementos de prova que demonstrem que podia ter conhecimento da existência de fraude cometida a montante. Afirma ter dado provas da diligência adequada para evitar participar numa fraude, estabelecendo regras internas de abastecimento que impõem que os fornecedores sejam objeto de verificações antes da celebração de um contrato e que proíbem qualquer pagamento em numerário. Neste contexto, a Aquila Part Prod Com acusa, nomeadamente, a Administração Tributária de ter ignorado o contrato de mandato que celebrou com outra sociedade e de ter equiparado o conhecimento que o representante legal tinha tido dos factos constitutivos da fraude ao seu próprio conhecimento desses factos.

21      A Direção de Recursos contesta, no órgão jurisdicional de reenvio, estes argumentos, alegando, especialmente, que uma violação das regras em matéria de segurança da cadeia alimentar pode constituir um elemento entre outros que indica que o sujeito passivo sabia ou devia saber que participava numa operação envolvida numa fraude ao IVA.

22      O órgão jurisdicional de reenvio considera necessário que o Tribunal de Justiça forneça indicações sobre a questão de saber se as circunstâncias invocadas pela Direção de Recursos podem ser consideradas elementos objetivos, na aceção do Acórdão de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid (C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373), que permitem concluir que o sujeito passivo cometeu uma fraude, e se, tendo em conta a natureza da cadeia de aprovisionamento observada no processo principal, o alcance do dever de diligência exigido pela Administração Tributária no processo principal é conforme com as regras em matéria de prova interpretadas pelo Tribunal de Justiça, com as disposições da Diretiva 2006/112 e com os princípios que regem o exercício do direito a dedução do IVA.

23      Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a questão de saber se a Administração Tributária podia equiparar o conhecimento que uma pessoa singular, representante legal de uma sociedade com a qual o sujeito passivo celebrou um contrato de mandato para o exercício da sua atividade, tinha tido dos factos constitutivos da fraude ao conhecimento que esse sujeito passivo tinha dos mesmos, sem examinar o conteúdo do contrato de mandato. Em segundo lugar, interroga‑se, à luz dos factos do processo principal, sobre a diligência que pode ser exigida do sujeito passivo para evitar a participação numa fraude e, no âmbito de uma fraude de tipo carrossel, sobre as circunstâncias que podem ser tidas em conta para demonstrar que o sujeito passivo podia ter conhecimento dessa fraude. Em terceiro lugar, pergunta‑se se a Administração Tributária pode, para recusar o direito a dedução do IVA, basear‑se numa violação de regras não abrangidas pelo direito fiscal, como as relativas à segurança da cadeia alimentar.

24      Nestas condições, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com o direito da União, em especial com os artigos 9.°, n.° 1, e 10.° da Diretiva [2006/112], e com o princípio da neutralidade fiscal, uma prática da Administração Tributária segundo a qual esta, de forma automática e sem proceder a nenhuma verificação, deduz do conhecimento de uma pessoa singular que tem um vínculo jurídico com uma pessoa coletiva que atua como agente, que é independente do sujeito passivo enquanto mandante e que tem personalidade jurídica própria, sem que essa pessoa singular esteja juridicamente relacionada com o sujeito passivo, de que este último agiu também com conhecimento, ignorando as disposições do contrato celebrado entre o mandante e o agente bem como do direito estrangeiro que regula a relação jurídica de agência?

2)      Devem [o artigo 167.°, o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 178.°, alínea a), da Diretiva [2006/112], ser interpretados no sentido de que, quando a Administração Tributária constata a existência de uma cadeia de faturação circular, tal facto é suficiente, por si só, enquanto circunstância objetiva, para demonstrar a existência de fraude fiscal, ou, nesse caso, deve a Administração Tributária indicar também que participante ou participantes da cadeia cometeram fraude fiscal e qual foi o seu modus operandi?

3)      Devem os referidos artigos da Diretiva [2006/112], à luz das exigências de proporcionalidade e de racionalidade, ser interpretados no sentido de que nem mesmo quando a Administração Tributária, com base nas circunstâncias concretas do caso, considera que o sujeito passivo deveria ter sido mais diligente, se pode exigir a este último que verifique circunstâncias que a Administração Tributária só pôde detetar após uma fiscalização de cerca de cinco anos que exigiu numerosas verificações suplementares utilizando instrumentos de direito público, de tal modo que a proteção dos segredos comerciais dos sujeitos passivos não constituiu um obstáculo à verificação? Caso se exija diligência acrescida, é suficiente, para que se considere demonstrada a diligência devida, que o sujeito passivo alargue igualmente o seu controlo a circunstâncias que vão além das indicadas no Acórdão [de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid (C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373),] no que respeita aos eventuais parceiros comerciais, de modo a dispor de regras internas de abastecimento para a verificação desses parceiros, não aceite pagamentos em espécie, inclua nos contratos que celebre cláusulas relativas aos eventuais riscos e analise também outras circunstâncias no decurso da operação?

4)      Devem os referidos artigos da Diretiva [2006/112] ser interpretados no sentido de que, se a Administração Tributária verificar que o sujeito passivo participou ativamente na fraude fiscal, é suficiente, a este respeito, que os elementos de prova por ela descobertos demonstrem que o sujeito passivo, atuando com a diligência devida, poderia ter sabido que participava na fraude fiscal, sem que demonstrem que sabia que participava numa fraude fiscal devido ao seu comportamento ativo na mesma? Caso se prove a participação ativa numa fraude fiscal, ou seja, o conhecimento dessa participação, deve a Administração Tributária demonstrar o comportamento fraudulento do sujeito passivo materializado na sua atuação concertada com o participantes que o antecedem na cadeia, ou é suficiente que se baseie em provas objetivas do conhecimento recíproco dos membros da cadeia?

5)      É compatível com os referidos artigos da Diretiva [2006/112] e conforme com o direito a um processo equitativo reconhecido como princípio geral no artigo 47.° da [Carta], e com o princípio da segurança jurídica, uma prática da Administração Tributária que consiste em basear a sua decisão numa pretensa violação de disposições em matéria de segurança da cadeia alimentar sem influência no cumprimento pelo sujeito passivo das suas obrigações fiscais ou na circulação das suas faturas, que, segundo a legislação em matéria tributária, não têm nenhuma relação com o sujeito passivo, e não têm influência nas operações fiscalizadas pela Administração Tributária, nem no conhecimento do sujeito passivo examinado no procedimento tributário?

6)      Em caso de resposta afirmativa à questão prejudicial anterior:

É compatível com os referidos artigos da Diretiva [2006/112] e conforme com o direito a um processo equitativo reconhecido como princípio geral no artigo 47.° da Carta, e com o princípio da segurança jurídica, uma prática da Administração Tributária que consiste em, sem a intervenção do organismo oficial em matéria de segurança da cadeia alimentar com competência material e territorial, esta fazer, na sua decisão, apreciações relativas ao sujeito passivo que se enquadram no âmbito de competência desse organismo oficial, extraindo, com base nas infrações constatadas respeitantes à segurança da cadeia alimentar — questão não abrangida pelo seu âmbito de competência –, consequências fiscais para o sujeito passivo, sem que este tenha podido refutar a constatação da violação das normas em matéria de segurança da cadeia alimentar num procedimento independente do procedimento tributário e que respeite as garantias fundamentais e os direitos das partes?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à segunda questão

25      Com a sua segunda questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe, quando a Autoridade Tributária pretende recusar a um sujeito passivo o benefício do direito à dedução do IVA pago a montante pelo facto de esse sujeito passivo ter participado numa fraude ao IVA de tipo carrossel, a que essa Autoridade Tributária se limite a demonstrar que essa operação faz parte de uma cadeia de faturação circular, sem identificar todos os participantes nessa fraude e as respetivas atuações.

26      Como o Tribunal de Justiça declarou repetidas vezes, a luta contra a fraude, evasão fiscal e eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pela Diretiva 2006/112. A este respeito, o Tribunal de Justiça afirmou que os sujeitos de direito não podem invocar de forma fraudulenta ou abusiva as normas do direito da União e que, assim, cabe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais recusar o benefício do direito a dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:446, n.os 54 e 55, e de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 45 e jurisprudência referida).

27      No que respeita à fraude, segundo jurisprudência constante, o benefício do direito a dedução deve ser recusado não apenas quando uma fraude ao IVA seja cometida pelo próprio sujeito passivo mas igualmente quando se demonstre que o sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou devia saber que, através da aquisição desses bens ou serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:446, n.° 59; de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.° 45, e de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 46).

28      O Tribunal de Justiça precisou também reiteradamente, em situações em que estavam preenchidos os requisitos materiais do direito a dedução, que este só pode ser recusado a um sujeito passivo no caso de, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que sabia ou devia saber que, ao adquirir os bens ou os serviços que estavam na base do direito a dedução, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante ou a jusante na cadeia das entregas ou das prestações (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 48 e jurisprudência referida).

29      Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou a este respeito que não é compatível com o regime do direito a dedução previsto na Diretiva 2006/112 recusar esse direito a um sujeito passivo que não sabia nem poderia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação da cadeia de entregas, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, era constitutiva de uma fraude ao IVA, já que a instituição de um sistema de responsabilidade objetiva iria além do que é necessário para preservar os direitos da Fazenda Pública (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 49 e jurisprudência referida).

30      Além disso, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma vez que a recusa do direito a dedução é uma exceção à aplicação do princípio fundamental que constitui este direito, incumbe às autoridades tributárias fazer prova bastante de que os elementos objetivos que permitem concluir que o sujeito passivo cometeu uma fraude ao IVA ou que sabia ou devia saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução fazia parte de tal fraude. Em seguida, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se as autoridades tributárias em causa demonstraram a existência de tais elementos objetivos (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 50 e jurisprudência referida).

31      Uma vez que o direito da União não prevê regras relativas às modalidades de produção de prova em matéria de fraude ao IVA, esses elementos objetivos devem ser demonstrados pela Autoridade Tributária em conformidade com as regras em matéria de prova previstas no direito nacional. No entanto, esse regime não deve atentar contra a eficácia do direito da União (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 51 e jurisprudência referida).

32      Decorre da jurisprudência recordada nos n.os 27 a 31 do presente acórdão que o benefício do direito a dedução apenas pode ser recusado a esse sujeito passivo se, após uma apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do caso em apreço em conformidade com as regras do direito nacional em matéria de prova, for demonstrado que cometeu uma fraude ao IVA ou sabia ou devia saber que a operação invocada para basear esse direito estava envolvida nessa fraude. O benefício do direito a dedução apenas pode ser recusado se esses factos forem suficientemente demonstrados, que não através de suposições (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 52 e jurisprudência referida).

33      Daqui se deve deduzir que a Autoridade Tributária que pretende recusar o benefício do direito a dedução deve fazer prova bastante, em conformidade com as regras de prova previstas pelo direito nacional e sem prejudicar a eficácia do direito da União, tanto dos elementos objetivos que demonstram a existência da própria fraude ao IVA como os que demonstram que o sujeito passivo cometeu essa fraude ou então que sabia ou devia saber que a operação invocada para fundamentar esse direito fazia parte dessa fraude.

34      Esta exigência de prova proíbe, independentemente do tipo de fraude ou das atuações examinadas, o recurso a suposições ou a presunções que tenham por efeito, invertendo o ónus da prova, violar o princípio fundamental do sistema comum do IVA que constitui o direito a dedução e, portanto, à eficácia do direito da União.

35      Por conseguinte, embora a existência de uma cadeia de faturação circular constitua um indício sério que sugere a existência de fraude, que há que ter em conta no âmbito da apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do caso concreto, não se pode admitir que a Autoridade Tributária se possa limitar, para provar a existência de uma fraude de tipo carrossel, a demonstrar que a operação em causa faz parte de uma cadeia de faturação circular.

36      Incumbe à Autoridade Tributária, por um lado, caracterizar com precisão os elementos constitutivos da fraude e provar as atuações fraudulentas e, por outro, demonstrar que o sujeito passivo participou ativamente nessa fraude ou que sabia ou devia saber que a operação invocada para fundamentar esse direito fazia parte dessa fraude. Todavia, a prova da existência da fraude e da participação do sujeito passivo nessa fraude não implica necessariamente que todos os participantes nessa fraude, bem como as respetivas atuações, tenham sido identificados. Como foi recordado no n.° 30 do presente acórdão, é aos órgãos jurisdicionais nacionais que cabe verificar se as autoridades tributárias fizeram prova bastante.

37      Resulta destas considerações que há que responder à segunda questão que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que:

–        se opõe, quando a Autoridade Tributária pretende recusar a um sujeito passivo o benefício do direito a dedução do IVA pago a montante com o fundamento de esse sujeito passivo ter participado numa fraude ao IVA de tipo carrossel, a que essa Autoridade Tributária se limite a demonstrar que essa operação faz parte de uma cadeia de faturação circular;

–        incumbe à referida Autoridade Tributária, por um lado, caracterizar com precisão os elementos constitutivos da fraude e provar as atuações fraudulentas e, por outro, demonstrar que o sujeito passivo participou ativamente nessa fraude ou então que sabia ou devia saber que a operação invocada para fundamentar esse direito fazia parte da referida fraude, o que não implica necessariamente identificar todos os participantes na fraude e as respetivas atuações.

 Quanto à quarta questão

38      Com a sua quarta questão, que importa examinar em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe, quando a Autoridade Tributária invoca uma participação ativa do sujeito passivo numa fraude ao IVA para recusar o direito a dedução, a que essa Autoridade Tributária baseie essa recusa em elementos de prova que não demonstram essa participação mas o facto de que esse sujeito passivo poderia ter sabido, dando provas de toda a diligência devida, que a operação em causa fazia parte dessa fraude. Pergunta, além disso, se o facto de os membros da cadeia de entregas, de que essa operação faz parte, se conhecerem constitui uma circunstância suficiente para demonstrar a participação do sujeito passivo na fraude.

39      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.° 27 do presente acórdão que, em caso de fraude ao IVA, o direito a dedução deve ser recusado em três casos, a saber, em primeiro lugar, no caso de se demonstrar que o sujeito passivo cometeu, ele próprio, uma fraude ao IVA, em segundo lugar, no caso de se demonstrar que o sujeito passivo sabia que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA e, em terceiro lugar, no caso de se demonstrar que o sujeito passivo devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de tal fraude.

40      Quanto ao segundo e terceiro casos, que consistem numa participação passiva na fraude, foi considerado que um sujeito passivo que sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA deve, para efeitos da Diretiva 2006/112, ser considerado participante na fraude, independentemente da questão de saber se retira ou não benefícios da revenda dos bens ou da utilização dos serviços no âmbito das operações tributadas por si efetuadas a jusante, uma vez que, nessa situação, esse sujeito passivo colabora com os autores da referida fraude, tornando‑se cúmplice na mesma (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 47 e jurisprudência referida).

41      No caso de se demonstrar que o sujeito passivo sabia, fosse qual fosse a razão, que, com essa aquisição participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida a montante na cadeia de entregas ou de prestações, o único ato positivo determinante para justificar a recusa do direito a dedução é a aquisição dos bens ou dos serviços em causa. Para justificar essa recusa, não há, por isso, nenhuma necessidade de demonstrar que este sujeito passivo participou ativamente nessa fraude, de um modo ou de outro, nem que fosse apenas encorajando ou facilitando ativamente essa fraude (v., neste sentido, Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.° 26).

42      No caso de se demonstrar que o sujeito passivo devia ter sabido que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida a montante na cadeia de entregas ou de prestações, o que leva à recusa do direito a dedução é a omissão do cumprimento de certas diligências (v., neste sentido, Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.° 27).

43      Quando a Autoridade Tributária invoca uma participação ativa do sujeito passivo na fraude ao IVA para recusar o direito a dedução, incumbe‑lhe, por força da jurisprudência recordada no n.° 30 do presente acórdão, fazer a respetiva prova. No entanto, nada se opõe a que, em tal caso, se baseie essa recusa, a título complementar ou subsidiário, em elementos de prova que demonstrem que, em todo o caso, o sujeito passivo devia saber, se tivesse feito prova da diligência que lhe podia ser exigida, que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude. Com efeito, a prova desse facto, se for feita, é suficiente para demonstrar a participação do sujeito passivo na fraude e, portanto, para justificar essa recusa.

44      Em todos os casos, o simples facto de os membros da cadeia de entregas se conhecerem, embora deva ser tomado em consideração na apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do caso, não constitui elemento suficiente para demonstrar a participação do sujeito passivo na fraude.

45      Tendo em conta estas considerações, há que responder à quarta questão que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que:

–        não se opõe, quando a Autoridade Tributária invoca uma participação ativa do sujeito passivo numa fraude ao IVA para recusar o direito a dedução, a que essa Autoridade Tributária baseie essa recusa, a título complementar ou subsidiário, em elementos de prova que demonstrem não essa participação mas o facto de que esse sujeito poderia ter sabido, dando provas de toda a diligência exigida, que a operação em causa fazia parte dessa fraude;

–        o simples facto de os membros da cadeia de entregas, de que essa operação faz parte, se conhecerem não constitui um elemento suficiente para demonstrar a participação do sujeito passivo na fraude.

 Quanto à terceira questão

46      Com a sua terceira questão, que importa examinar em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112, lida em conjugação com o princípio da proporcionalidade, deve ser interpretada no sentido de que se opõe, quando existem indícios que permitem suspeitar da existência de irregularidades ou de fraude, a que seja exigido do sujeito passivo que dê provas de diligência acrescida para se certificar de que a operação que efetua não o leva a participar numa fraude e proceda a verificações complexas e aprofundadas, como as que podem ser efetuadas pela Administração Tributária.

47      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, a este respeito, se se pode considerar que o sujeito passivo agiu com diligência suficiente quando justifica, nomeadamente, que estabeleceu regras internas de abastecimento destinadas a verificar a situação dos seus parceiros e recusa qualquer pagamento em numerário.

48      O Tribunal de Justiça já decidiu várias vezes que não é contrário ao direito da União exigir que o operador tome todas as medidas que lhe possam ser razoavelmente exigidas para se certificar de que a operação que efetua não o leva a participar numa fraude fiscal e que a determinação das medidas que, num caso concreto, podem ser razoavelmente exigidas a um sujeito passivo que pretende exercer o direito a dedução do IVA para se certificar de que as suas operações não fazem parte de uma fraude cometida por um operador a montante depende essencialmente das circunstâncias desse caso concreto (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.os 54 e 59; de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.° 52, e Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.° 28).

49      O Tribunal de Justiça precisou que, quando existem indícios que permitem suspeitar da existência de irregularidades ou de fraude, um operador prudente pode, de acordo com as circunstâncias do caso, ver‑se obrigado a obter informações sobre outro operador a quem pretende adquirir bens ou serviços, para se certificar da fiabilidade desse operador (Acórdão de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.° 60; Despachos de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C‑610/19, EU:C:2020:673, n.° 55, e de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.° 29).

50      No entanto, a Autoridade Tributária não pode obrigar o sujeito passivo a realizar verificações complexas e aprofundadas relativamente ao seu fornecedor, transferindo, de facto, para o sujeito passivo os atos de controlo que incumbem a essa autoridade (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.° 51).

51      O Tribunal de Justiça já declarou, em especial, que a Autoridade Tributária não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretende exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício desse direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não existem irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito (Acórdão de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.° 61, e de 4 de junho de 2020, C.F. (Fiscalização tributária), C‑430/19, EU:C:2020:429, n.° 47].

52      Daqui decorre que a diligência exigida ao sujeito passivo e as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para se certificar de que, com a sua aquisição, não participa numa operação que faz parte de uma fraude cometida por um operador a montante dependem das circunstâncias do caso concreto e, em especial, da questão de saber se existem ou não indícios que permitem ao sujeito passivo, no momento da aquisição que efetua, suspeitar da existência de irregularidades ou de fraude. Assim, perante indícios de fraude, pode esperar‑se uma diligência acrescida do sujeito passivo. Todavia, não se lhe pode exigir que proceda a verificações complexas e aprofundadas, como as que a Administração Tributária tem os meios para efetuar.

53      A questão de saber se o sujeito passivo deu provas de diligência suficiente quando demonstra, nomeadamente, que estabeleceu regras internas de abastecimento destinadas a verificar a situação dos seus parceiros e que recusa qualquer pagamento em numerário pertence à apreciação dos factos do litígio no processo principal e, portanto, é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2022, DuoDecad, C‑596/20, EU:C:2022:474, n.° 37). É a esses órgãos jurisdicionais que incumbe apreciar se, tendo em conta as circunstâncias do caso, o sujeito passivo deu provas de diligência suficiente e tomou as medidas que lhe podiam razoavelmente ser exigidas nessas circunstâncias.

54      Resulta destas considerações que há que responder à terceira questão que a Diretiva 2006/112, lida em conjugação com o princípio da proporcionalidade, deve ser interpretada no sentido de que:

–        não se opõe, quando existem indícios que permitem suspeitar da existência de irregularidades ou de fraude, a que seja exigido ao sujeito passivo que dê provas de diligência acrescida para se certificar de que a operação que efetua não o leva a participar numa fraude;

–        todavia, não se lhe pode exigir que proceda a verificações complexas e aprofundadas, como as que podem ser efetuadas pela Administração Tributária;

–        é ao órgão jurisdicional nacional que incumbe apreciar se, tendo em conta todas as circunstâncias do caso em apreço, o sujeito passivo deu provas de diligência suficiente e tomou as medidas que lhe podiam razoavelmente ser exigidas nessas circunstâncias.

 Quando à quinta e sexta questões

55      Com a sua quinta e sexta questões, que importa examinar em conjunto e em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112, o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 47.° da Carta, e o princípio da segurança jurídica devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Autoridade Tributária recuse a um sujeito passivo, com o fundamento de que não respeitou as obrigações decorrentes das disposições nacionais ou do direito da União relativas à segurança da cadeia alimentar, o benefício do direito a dedução do IVA, sem uma decisão prévia do órgão administrativo competente para declarar tal violação.

56      Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não expôs as razões pelas quais interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do princípio da segurança jurídica, estas duas questões não respondem, a este respeito, às exigências do artigo 94.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, pelo que, na parte em que visam este princípio, são manifestamente inadmissíveis.

57      No que respeita à Diretiva 2006/112, o Tribunal de Justiça já declarou, no n.° 41 do Acórdão de 3 de outubro de 2019, Altic (C‑329/18, EU:C:2019:831), que o seu artigo 168.°, alínea a), deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o direito a dedução do IVA pago a montante seja recusado a um sujeito passivo que participa na cadeia alimentar pelo simples facto, admitindo que tenha sido devidamente comprovado, de esse sujeito passivo não ter cumprido as obrigações relativas à identificação dos seus fornecedores, para efeitos de rastreabilidade dos géneros alimentícios, que lhe incumbem por força do artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento n.° 178/2002. Acrescentou que o incumprimento destas obrigações pode, contudo, constituir um elemento entre outros que, em conjunto e de maneira coerente, tendem a indicar que o sujeito passivo sabia ou tinha a obrigação de saber que estava a participar numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA.

58      O mesmo se diga, por extensão, no que respeita à violação tanto das disposições nacionais como de qualquer disposição do direito da União relativas à segurança da cadeia alimentar e relativamente a demonstrar tanto a prova da existência de uma fraude ao IVA como a participação ativa e passiva do sujeito passivo nessa fraude. Com efeito, essa violação não é, em si mesma, um elemento que permita demonstrar esses factos, mas pode constituir um indício, entre outros, da existência de tal fraude, bem como um elemento que pode ser tido em conta, no âmbito da apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do caso concreto, para demonstrar que o sujeito passivo participou nessa fraude, não obstante o facto de a referida violação não ter sido previamente declarada pelo órgão administrativo competente para conhecer de tal violação.

59      Interrogando‑se o órgão jurisdicional de reenvio sobre a conformidade de uma prática da Autoridade Tributária de tomar em consideração essa violação, embora não tenha sido previamente declarada pelo órgão administrativo competente, com o direito a um processo equitativo consagrado no artigo 47.° da Carta, importa recordar que, por força deste último, qualquer pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nas condições previstas neste artigo. Por conseguinte, este último não se destina a ser aplicado para efeitos de examinar a regularidade de uma prática administrativa.

60      Na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o direito a um processo equitativo consagrado no artigo 47.° da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso da decisão da Autoridade Tributária tome em consideração, enquanto elemento de prova da existência de uma fraude ao IVA ou da participação do sujeito passivo nessa fraude, uma violação das obrigações decorrentes das disposições nacionais ou do direito da União relativas à segurança da cadeia alimentar invocada pela Autoridade Tributária, mesmo sem uma decisão prévia do órgão nacional administrativo competente para declarar tal violação, importa recordar que, para cumprir os requisitos relacionados com o direito a um processo equitativo, é necessário que as partes tomem conhecimento e possam discutir em contraditório tanto os elementos de facto como os elementos de direito que sejam determinantes à decisão da causa (Acórdão de 16 de outubro 2019, Glencore Agriculture Hungary, C‑189/18, EU:C:2019:861, n.° 62 e jurisprudência referida).

61      Por conseguinte, a possibilidade de o órgão jurisdicional chamado a conhecer do recurso da decisão da Autoridade Tributária tomar em consideração, enquanto elemento de prova da existência de uma fraude ao IVA ou da participação do sujeito passivo nessa fraude, a violação das obrigações decorrentes das disposições nacionais ou do direito da União relativas à segurança da cadeia alimentar não viola o direito a um processo equitativo, se esse elemento de prova puder ser impugnado e discutido em contraditório nesse órgão jurisdicional.

62      Em contrapartida, se o referido órgão jurisdicional não estiver habilitado a examinar a existência de uma violação das obrigações decorrentes das disposições nacionais ou do direito da União relativas à segurança da cadeia alimentar, invocada como elemento de prova da existência de uma fraude ao IVA ou da participação do sujeito passivo nessa fraude, esse elemento não pode ser tido em conta sem violar o direito a um recurso jurisdicional efetivo e deve, por conseguinte, ser ignorado (v., por analogia, Acórdãos de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses, C‑419/14, EU:C:2015:832, n.os 87 a 89, e de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C‑189/18, EU:C:2019:861, n.os 66 a 68).

63      Em face destas considerações, há que responder à quinta e sexta questões que:

–        a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que, por um lado, se opõe a que a Autoridade Tributária recuse a um sujeito passivo, pelo simples facto de não ter respeitado as obrigações decorrentes das disposições nacionais ou do direito da União relativas à segurança da cadeia alimentar, o exercício do direito a dedução do IVA e, por outro, que o incumprimento dessas obrigações pode, no entanto, constituir um elemento entre outros que pode ser tido em conta pela Autoridade Tributária para demonstrar tanto a existência de uma fraude ao IVA como a participação do referido sujeito passivo nessa fraude, mesmo sem uma decisão prévia do órgão administrativo competente para declarar tal violação;

–        o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 47.° da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o órgão jurisdicional chamado a conhecer do recurso da decisão da Autoridade Tributária tome em consideração, enquanto elemento de prova da existência de uma fraude ao IVA ou da participação do sujeito passivo nessa fraude, uma violação das referidas obrigações, se esse elemento de prova puder ser impugnado e discutido em contraditório perante si.

 Quanto à primeira questão

64      Com a sua primeira questão, que importa examinar em quinto e último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 e o princípio da neutralidade fiscal devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática fiscal que, para recusar a um sujeito passivo o benefício do direito a dedução do IVA pelo facto de ter participado numa fraude ao IVA, consiste em tomar em consideração o facto de o representante legal do mandatário do sujeito passivo ter tido conhecimento dos factos constitutivos dessa fraude, independentemente das regras nacionais aplicáveis que regem o mandato e das estipulações do contrato de mandato celebrado no caso em apreço.

65      Como foi recordado no n.° 26 do presente acórdão, a luta contra a fraude é um objetivo reconhecido e incentivado pela Diretiva 2006/112.

66      Além disso, decorre dos n.os 29 e 40 do presente acórdão, segundo os quais, por um lado, a instituição de um sistema de responsabilidade objetiva ultrapassaria o que é necessário para preservar os direitos da Fazenda Pública e, por outro, o sujeito passivo que sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude colabora com os autores dessa fraude e torna‑se cúmplice na mesma, que tal participação constitui uma falta de que esse sujeito passivo é responsável (v., neste sentido, Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.° 36).

67      Independentemente das regras nacionais que regem o mandato e das estipulações do contrato de mandato através do qual o sujeito passivo confiou a terceiro a realização de operações tributáveis, o sujeito passivo não pode, para com a Fazenda Pública, eximir‑se dessa responsabilidade invocando a existência de um contrato de mandato, das regras nacionais que o regem ou das estipulações desse contrato e alegando que ignorava os factos constitutivos de fraude ao IVA conhecidos do seu mandatário. Com efeito, admitir que o sujeito passivo possa agir desse modo facilitaria a fraude e iria contra o objetivo da luta contra a fraude ao IVA.

68      Resulta destas considerações que há que responder à primeira questão que a Diretiva 2006/112 e o princípio da neutralidade fiscal devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma prática fiscal que, para recusar a um sujeito passivo o benefício do direito a dedução pelo facto de ter participado numa fraude ao IVA, consiste em tomar em consideração o facto de o representante legal do mandatário do sujeito passivo ter tido conhecimento dos factos constitutivos dessa fraude, independentemente das regras nacionais aplicáveis que regulam o mandato e das estipulações do contrato de mandato celebrado no caso concreto.

 Quanto às despesas

69      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

1)      A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado,

deve ser interpretada no sentido de que:

–        se opõe, quando a Autoridade Tributária pretende recusar a um sujeito passivo o benefício do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago a montante com o fundamento de esse sujeito passivo ter participado numa fraude ao IVA de tipo carrossel, a que essa Autoridade Tributária se limite a demonstrar que essa operação faz parte de uma cadeia de faturação circular;

–        incumbe à referida Autoridade Tributária, por um lado, caracterizar com precisão os elementos constitutivos da fraude e provar as atuações fraudulentas e, por outro, demonstrar que o sujeito passivo participou ativamente nessa fraude ou então que sabia ou devia saber que a operação invocada para fundamentar esse direito fazia parte da referida fraude, o que não implica necessariamente identificar todos os participantes na fraude e as respetivas atuações.

2)      A Diretiva 2006/112

deve ser interpretada no sentido de que:

–        não se opõe, quando a Autoridade Tributária invoca uma participação ativa do sujeito passivo numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado para recusar o direito a dedução, a que essa Autoridade Tributária baseie essa recusa, a título complementar ou subsidiário, em elementos de prova que demonstrem não essa participação mas o facto de que esse sujeito passivo poderia ter sabido, dando provas de toda a diligência exigida, que a operação em causa fazia parte dessa fraude;

–        o simples facto de os membros da cadeia de entregas, de que essa operação faz parte, se conhecerem não constitui um elemento suficiente para demonstrar a participação do sujeito passivo na fraude.

3)      A Diretiva 2006/112, lida em conjugação com o princípio da proporcionalidade,

deve ser interpretada no sentido de que:

–        não se opõe, quando existem indícios que permitem suspeitar da existência de irregularidades ou de fraude, a que seja exigido ao sujeito passivo que dê provas de diligência acrescida para se certificar de que a operação que efetua não o leva a participar numa fraude;

–        todavia, não se lhe pode exigir que proceda a verificações complexas e aprofundadas, como as que podem ser efetuadas pela Administração Tributária;

–        é ao órgão jurisdicional nacional que incumbe apreciar se, tendo em conta todas as circunstâncias do caso em apreço, o sujeito passivo deu provas de diligência suficiente e tomou as medidas que lhe podiam razoavelmente ser exigidas nessas circunstâncias.

4)      A Diretiva 2006/112

deve ser interpretada no sentido de que:

–        se opõe a que a Autoridade Tributária recuse a um sujeito passivo, pelo simples facto de não ter respeitado as obrigações decorrentes das disposições nacionais ou do direito da União relativas à segurança da cadeia alimentar, o exercício do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA);

–        o incumprimento dessas obrigações pode, no entanto, constituir um elemento entre outros que pode ser tido em conta pela Autoridade Tributária para demonstrar tanto a existência de uma fraude ao IVA como a participação do referido sujeito passivo nessa fraude, mesmo sem uma decisão prévia do órgão administrativo competente para declarar tal violação.

5)      O direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a que o órgão jurisdicional chamado a conhecer do recurso da decisão da Autoridade Tributária tome em consideração, enquanto elemento de prova da existência de uma fraude ao imposto sobre o valor acrescentado ou da participação do sujeito passivo nessa fraude, uma violação das referidas obrigações, se esse elemento de prova puder ser impugnado e discutido em contraditório perante si.

6)      A Diretiva 2006/112 e o princípio da neutralidade fiscal

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma prática fiscal que, para recusar a um sujeito passivo o benefício do direito a dedução pelo facto de ter participado numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, consiste em tomar em consideração o facto de o representante legal do mandatário do sujeito passivo ter tido conhecimento dos factos constitutivos dessa fraude, independentemente das regras nacionais aplicáveis que regulam o mandato e das estipulações do contrato de mandato celebrado no caso concreto.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.