C-596/21 - Finanzamt M

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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

24 de novembro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial – Fiscalidade – Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigos 167.° e 168.° – Direito à dedução do IVA pago a montante – Princípio da proibição da fraude – Cadeia de entregas – Recusa do direito a dedução em caso de fraude – Sujeito passivo – Segundo adquirente de um bem – Fraude relativa a uma parte do IVA devido na primeira aquisição – Alcance da recusa do direito a dedução»

No processo C‑596/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Finanzgericht Nürnberg (Tribunal Tributário de Nuremberga, Alemanha), por Decisão de 21 de setembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de setembro de 2021, no processo

A

contra

Finanzamt M,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias (relator), M. Ilešič, I. Jarukaitis, e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por O. Serdula, M. Smolek, e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por R. Pethke e V. Uher, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 167.°, 168.° e 178.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010 (JO 2010, L 189, p. 1) (a seguir «Diretiva 2006/112»).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe A ao Finanzamt M (Serviço de Finanças M, Alemanha) (a seguir «Administração Tributária») a propósito de uma recusa do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago a montante relativamente à aquisição de um veículo realizada durante o exercício de 2011.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Segundo o artigo 14.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 2006/112, que figura no capítulo 1, intitulado «Entregas de bens», do seu título IV, ele próprio intitulado «Operações tributáveis», a transmissão de um bem efetuada nos termos de um contrato de comissão de compra ou de venda é considerada uma entrega de bens.

4        O artigo 167.° desta diretiva, que figura no capítulo I, intitulado «Origem e âmbito do direito à dedução», do seu título X, intitulado «Deduções», dispõe:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

5        O artigo 168.° da referida diretiva, que figura nesse mesmo capítulo 1, prevê:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[...]»

6        Nos termos do artigo 178.° da mesma diretiva, que figura no capítulo 4, sob a epígrafe «Disposições relativas ao exercício do direito à dedução», do referido título X:

«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

a)      Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.°, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida nos termos das secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI;

[...]»

7        O artigo 203.° da Diretiva 2006/112, que figura no capítulo 1, intitulado «Obrigação de pagamento», do título XI desta diretiva, intitulado «Obrigações dos sujeitos passivos e de determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos», enuncia:

«O IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura».

8        O artigo 273.° da referida diretiva, que figura no capítulo 7, intitulado «Disposições diversas», do título XI da mesma diretiva, tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no Capítulo 3.»

 Direito alemão

9        O § 3, n.° 3, da Umsatzsteuergesetz (Lei do Imposto sobre o Valor Acrescentado, a seguir «UStG») dispõe:

«Num contrato de comissão [§ 383 do Handelsgesetzbuch (Código Comercial)], existe uma entrega entre o comitente e o comissionista. No caso de comissão de venda, é o comissionista que é considerado como o comprador, e no caso de comissão de compra, é o comitente.»

10      O § 15, n.° 1, da UStG, na versão aplicável à data dos factos em causa no processo principal, prevê:

«A empresa pode deduzir os seguintes impostos pagos a montante:

1.      O imposto legalmente devido por entregas e outras prestações realizadas por uma outra empresa para a sua atividade. O exercício do direito à dedução pressupõe que a empresa possua uma fatura emitida em conformidade com os §§ 14 e 14a. […]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      No decurso de 2011, A, comerciante e recorrente no processo principal, comprou a C, que afirmava ser W, um veículo para a sua atividade (a seguir «veículo controvertido»). W sabia que C estava a fazer‑se passar por ele e permitiu‑o. C emitiu uma fatura a W no montante de 52 100,84 euros, acrescida de 9 899,16 euros de IVA, pela entrega do veículo controvertido, enquanto W emitiu, de seguida, ao recorrente no processo principal uma fatura no montante de 64 705,88 euros, acrescida de 12 294,12 euros a título de IVA. W entregou essa fatura a C, que, por sua vez, a transmitiu ao recorrente no processo principal.

12      A pagou a C um montante total de 77 000 euros, composto por 64 705,88 euros a título do valor do bem e de 12 294,12 euros a título de IVA correspondente. C ficou com todos estes montantes. Na sua contabilidade e nas suas declarações fiscais, C inscreveu um preço de venda no montante de 52 100,84 euros acrescido de 9 899,16 euros de IVA, conforme indicado na fatura que emitiu a W. C, por conseguinte, limitou‑se à restituição do imposto cobrado sobre este último montante, a saber, 9 899,16 euros. W, por seu turno, não inscreveu a transação na sua contabilidade nem nas suas declarações fiscais e, portanto, não pagou imposto a esse título.

13      A pede, pela compra do veículo controvertido, a dedução de 12 294,12 euros a título do IVA que pagou a montante. Por seu turno, a Administração Tributária considera que A não pode exercer o direito a dedução em relação a nenhum montante pago a montante a título de IVA, uma vez que não podia ignorar a fraude fiscal cometida por C.

14      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, tendo em conta a ocorrência de vários acontecimentos que qualifica de «anormais», A devia ter verificado a identidade do seu cocontratante. Esta verificação ter‑lhe‑ia permitido concluir, por um lado, que C tinha deliberadamente dissimulado a sua identidade, o que não podia ter outro objetivo senão cometer uma fraude ao IVA devido pela venda do veículo controvertido, e, por outro, que W não tinha a intenção de cumprir as suas obrigações fiscais.

15      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as condições previstas no § 15, n.° 1, primeiro período, ponto 1, da UStG, relativas à dedução do IVA pago a montante, estão preenchidas no que respeita ao referido valor de 12 294,12 euros, a título de IVA, na fatura que W enviou a A. O consentimento dado por W à atuação de C faz com que estes dois atores estejam vinculados por uma comissão de venda atípica, no sentido de que o comitente, ou seja, C, é também agente de W, que é o comissário. Deve, portanto, assumir‑se que num primeiro momento C entregou o veículo controvertido a W, e que este, num segundo momento, entregou o veículo a A.

16      O órgão jurisdicional de reenvio observa que, segundo a jurisprudência do Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal, Alemanha), pode ser recusada a A a dedução do montante de 12 294,12 euros, embora, em primeiro lugar, o montante da fraude ao IVA cometida por C tenha sido de apenas 2 394,96 euros e, em segundo lugar, a diferença entre o imposto efetivamente pago e o imposto devido se as transações tivessem decorrido de maneira regular ascenda precisamente a este último montante.

17      O órgão jurisdicional de reenvio considera, no entanto, que a dedução do IVA pago a montante só deve ser recusada na medida em que se revele necessária para compensar a perda de receitas fiscais causada por um comportamento fraudulento. Dito isto, o órgão jurisdicional de reenvio observa igualmente que, segundo o Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf (C‑108/20, EU:C:2021:266, n.° 35), a recusa do direito à dedução do IVA a montante não depende da questão de saber se a pessoa implicada numa fraude fiscal retirou daí uma vantagem fiscal ou económica, mas visa entravar as operações fraudulentas privando de escoamento os bens e os serviços que foram objeto de uma operação implicada numa fraude.

18      Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio inclina‑se a favor de uma limitação da recusa do direito à dedução do IVA a montante ao prejuízo fiscal sofrido pelo Estado. Este prejuízo deve ser calculado comparando o montante do imposto legalmente devido a título da totalidade das prestações com o montante do imposto efetivamente pago. De acordo com esta abordagem, A tem o direito de deduzir 9 899,16 euros a título do imposto que pagou a montante. Só deve ser‑lhe recusada a dedução relativa ao restante, a saber, o montante de 2 394,96 euros correspondente ao prejuízo fiscal sofrido pelo Estado.

19      Nestas circunstâncias, o Finanzgericht Nürnberg (Tribunal Tributário de Nuremberga, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Pode ser negada ao segundo adquirente de um bem a dedução do imposto a montante sobre a aquisição, atendendo a que não podia ignorar que o vendedor inicial tinha cometido uma fraude ao IVA na primeira venda, mesmo que o primeiro adquirente também tivesse conhecimento dessa fraude?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: a recusa da dedução que o segundo adquirente pretende efetuar está limitada ao montante do prejuízo fiscal causado pela fraude?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão: o prejuízo fiscal deve ser calculado:

a.      comparando o imposto legalmente devido na cadeia de prestações com o imposto efetivamente fixado,

b.      comparando o imposto legalmente devido na cadeia de prestações com o imposto efetivamente pago, ou

c.      de outra maneira?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

20      Embora, na formulação das suas três questões, o órgão jurisdicional de reenvio não tenha referido nenhuma disposição específica da Diretiva 2006/112, nem nenhum princípio geral de direito, resulta, no entanto, do seu pedido, que as interrogações desse órgão jurisdicional dizem respeito à interpretação dos artigos 167.° e 168.° desta diretiva, lidos à luz do princípio da proibição da fraude, que constitui um princípio geral do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, Granarolo, C‑617/19, EU:C:2021:338, n.° 63).

21      A este respeito, importa recordar, antes de mais, que o direito dos sujeitos passivos de deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos ou aos serviços que lhes foram prestados a montante e utilizados para as necessidades de uma atividade tributável constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA. O direito a dedução previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz, portanto, parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado quando os requisitos ou condições materiais e formais a que este direito está subordinado forem cumpridos pelos sujeitos passivos que pretendam exercê‑lo (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 31).

22      Em particular, o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (Acórdão de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.° 39).

23      Além disso, a questão de saber se o IVA devido sobre as vendas anteriores ou posteriores dos bens em causa foi ou não pago à Fazenda Pública é irrelevante para efeitos do direito do sujeito passivo a deduzir o IVA pago a montante. Com efeito, o IVA aplica‑se a cada transação de produção ou de distribuição, com dedução do imposto que incidiu diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço (Acórdão de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.° 40).

24      Dito isto, a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é um objetivo reconhecido e encorajado pela Diretiva 2006/112, pelo que os particulares não podem invocar de modo fraudulento ou abusivo as normas do direito da União. Cabe, portanto, às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais recusar o benefício do direito a dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.° 21, e Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 45, e jurisprudência referida).

25      O benefício do direito a dedução deve ser recusado não apenas quando o próprio sujeito passivo cometa uma fraude mas também quando se demonstre que o sujeito passivo, ao qual foram entregues os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação implicada numa fraude ao IVA ou, pelo menos, facilitava‑a. Com efeito, esse sujeito passivo deve, para efeitos da Diretiva 2006/112, ser considerado participante nessa fraude, ou seu facilitador, independentemente da questão de saber se retira ou não benefícios da revenda dos bens ou da utilização dos serviços no âmbito das operações tributadas por si efetuadas a jusante (v., neste sentido, Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.os 22 e 23, e Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.os 46 e 47, e jurisprudência referida).

26      Em contrapartida, não é compatível com o regime do direito a dedução previsto na Diretiva 2006/112 o facto de recusar o referido direito a um sujeito passivo que não sabia nem poderia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de entregas, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, era constitutiva de uma fraude ao IVA. A instituição de um sistema de responsabilidade objetiva iria, com efeito, além do que é necessário para preservar os direitos da Fazenda Pública (Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.° 25, e Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 49).

27      Ao abrigo do artigo 273.° da Diretiva 2006/112, os Estados‑Membros têm a faculdade de adotar medidas para garantir a cobrança exata do IVA e evitar a fraude. Em especial, na falta de disposições do direito da União sobre este ponto, os Estados‑Membros são competentes para escolher as sanções que considerem adequadas em caso de inobservância das condições previstas na legislação da União para o exercício do direito à dedução do IVA (Acórdão de 15 de abril de 2021, Grupa Warzywna, C‑935/19, EU:C:2021:287, n.° 25).

28      É à luz destas considerações que importa examinar as diferentes questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto à primeira questão

29      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 167.° e 168.° da Diretiva 2006/112, lidos à luz do princípio da proibição da fraude, devem ser interpretados no sentido de que pode ser recusado ao segundo adquirente de um bem o benefício da dedução do IVA pago a montante, quando este sabia ou devia saber que essa aquisição estava ligada a uma fraude ao IVA cometida pelo vendedor inicial no momento da primeira venda, mesmo que o primeiro adquirente tivesse também ele conhecimento dessa fraude.

30      Como resulta do n.° 26 do presente acórdão, o simples facto de um sujeito passivo ter adquirido bens ou serviços quando sabia ou devia saber que, com essa aquisição, participava numa operação implicada numa fraude ao IVA, cometida a montante na cadeia de entregas ou de prestações, é considerado, para efeitos da Diretiva 2006/112, uma participação nessa fraude. O único ato positivo determinante para justificar a recusa do direito a dedução numa tal situação é a aquisição desses bens ou desses serviços. Essa aquisição facilita a fraude ao permitir o escoamento dos produtos em causa, que é suficiente para acarretar a recusa do direito a dedução do IVA pago (v., neste sentido, Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.os 26 e 34).

31      Daqui resulta que quando está devidamente demonstrado que o segundo adquirente sabia ou devia ter conhecimento da existência de uma fraude ao IVA cometida pelo vendedor inicial, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar no processo principal, o facto de o primeiro adquirente de um bem também estar ao corrente e facilitar a fraude cometida pelo vendedor inicial não obsta a que se possa recusar a este segundo adquirente o benefício da dedução do IVA pago por ocasião de uma operação abrangida por essa fraude ou realizada a jusante desta.

32      Há, portanto, que responder à primeira questão que os artigos 167.° e 168.° da Diretiva 2006/112, lidos à luz do princípio da proibição da fraude, devem ser interpretados no sentido de que pode ser recusado ao segundo adquirente de um bem o benefício da dedução do IVA pago a montante, com o fundamento de que sabia ou devia ter conhecimento da existência de uma fraude ao IVA cometida pelo vendedor inicial no momento da primeira venda, mesmo que o primeiro adquirente tivesse também ele conhecimento dessa fraude.

 Quanto à segunda questão

33      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 167.° e 168.° da Diretiva 2006/112, lidos à luz do princípio da proibição da fraude, devem ser interpretados no sentido de que pode ser recusado ao segundo adquirente de um bem que, numa fase anterior a essa aquisição, foi objeto de uma operação fraudulenta relativa apenas a uma parte do IVA que o Estado tem o direito de cobrar, o direito à dedução do IVA pago a título dessa operação, na sua totalidade ou apenas até ao montante objeto da fraude cometida que acarretou o prejuízo fiscal, quando sabia ou devia saber que essa aquisição estava ligada a uma fraude.

34      A este respeito, há que recordar, por um lado, que a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é um objetivo reconhecido e encorajado pela Diretiva 2006/112, pelo que os particulares não podem invocar de forma fraudulenta ou abusiva as normas do direito da União. Cabe, portanto, às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais recusar o benefício do direito a dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.° 21, e Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 45, e jurisprudência referida).

35      No que respeita à fraude, segundo jurisprudência constante, o benefício do direito a dedução deve ser recusado não apenas quando o próprio sujeito passivo cometa uma fraude mas também quando se demonstre que o sujeito passivo, ao qual foram entregues os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação implicada numa fraude ao IVA ou, pelo menos, facilitava‑a. Com efeito, esse sujeito passivo deve, para efeitos da Diretiva 2006/112, ser considerado participante nessa fraude, ou seu facilitador, independentemente da questão de saber se retira ou não benefícios da revenda dos bens ou da utilização dos serviços no âmbito das operações tributadas por si efetuadas a jusante, uma vez que este sujeito passivo, nessa situação, colabora com os autores dessa fraude, tornando‑se cúmplice na mesma (Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.os 22 e 23, e Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.os 46 e 47, e jurisprudência referida).

36      Além disso, importa sublinhar que a recusa do direito à dedução do IVA pago a montante pelo recorrente no processo principal deve ser dissociada das sanções que o Estado‑Membro pode prever em conformidade com o artigo 273.° da Diretiva 2006/112. É certamente no âmbito da aplicação das sanções definidas pelos Estados‑Membros para dissuadir os comportamentos fiscais ilegais que as fraudes devem ser reprimidas (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2021, Tribunal Económico Administrativo Regional de Galicia, C‑521/19, EU:C:2021:527, n.os 26 e 38).

37      Todavia, em conformidade com o regime harmonizado do IVA, cabe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais recusar o benefício do direito a dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulentamente ou que o sujeito passivo, ao qual foram entregues os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou devia saber, se tinha procedido às verificações que podiam ser razoavelmente exigidas a qualquer operador económico, que a operação em que participava estava ligada a uma fraude (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdão de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C 142/11, EU:C:2012:373, n.os 53, 54 e 59).

38      Uma vez que a ignorância da existência de uma fraude que viciou a operação tributada que confere direito a dedução, apesar da realização das verificações que podem ser razoavelmente exigidas a qualquer operador económico, constitui assim uma condição material implícita do direito a dedução, deve, por conseguinte, recusar‑se o exercício do direito a dedução na sua totalidade a um sujeito passivo que não preencha essa condição (v., neste sentido, Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.os 24, 31 e 33).

39      Esta conclusão é confirmada pelos objetivos prosseguidos pela obrigação que impende sobre as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais de recusarem o direito a dedução quando um sujeito passivo sabia ou devia saber que a operação fazia parte de uma fraude. Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta exigência tem nomeadamente por objetivo obrigar os sujeitos passivos a cumprirem as diligências que podem ser razoavelmente exigidas em qualquer operação económica para garantir que as operações que realizam não os levam a participar numa fraude fiscal (v., neste sentido, Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.° 28).

40      Ora, esse objetivo não poderia ser eficazmente alcançado se a recusa do direito a dedução se limitasse ao pro rata apenas da parte dos valores pagos a título do IVA devido correspondente ao montante objeto da fraude, na medida em que, ao fazê‑lo, os sujeitos passivos seriam unicamente incitados a tomar as medidas adequadas para limitar as consequências de uma eventual fraude, mas não necessariamente as que permitem garantir que as operações que efetuam não os levam a participar numa fraude fiscal ou a facilitá‑la.

41      De resto, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar que o facto de um sujeito passivo ter adquirido bens ou serviços quando sabia ou devia saber que, com essa aquisição, participava numa operação implicada numa fraude ao IVA cometida a montante basta para considerar que esse sujeito passivo participou nessa fraude e para o privar do benefício do direito a dedução, sem que seja sequer necessário demonstrar a existência de um risco de perda de receitas fiscais (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.° 56).

42      Há, portanto, que responder à segunda questão que os artigos 167.° e 168.° da Diretiva 2006/112, lidos à luz do princípio da proibição da fraude, devem ser interpretados no sentido de que pode ser recusado ao segundo adquirente de um bem que, numa fase anterior a essa aquisição, tenha sifo objeto de uma operação fraudulenta relativa apenas a uma parte do IVA que o Estado tem o direito de cobrar, o direito à dedução do IVA pago a montante na totalidade, quando sabia ou devia saber que essa aquisição estava ligada a uma fraude.

 Quanto à terceira questão

43      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à terceira questão.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

1)      Os artigos 167.° e 168.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010, lidos à luz do princípio da proibição da fraude,

devem ser interpretados no sentido de que:

pode ser recusado ao segundo adquirente de um bem o benefício da dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago a montante, com o fundamento de que sabia ou devia ter conhecimento da existência de uma fraude ao IVA cometida pelo vendedor inicial no momento da primeira venda, mesmo que o primeiro adquirente tivesse também ele conhecimento dessa fraude.

2)      Os artigos 167.° e 168.° da Diretiva 2006/112/CE, conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE, lidos à luz do princípio da proibição da fraude,

devem ser interpretados no sentido de que:

pode ser recusado ao segundo adquirente de um bem que, numa fase anterior a essa aquisição, tenha sido objeto de uma operação fraudulenta relativa apenas a uma parte do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que o Estado tem o direito de cobrar, o direito à dedução do IVA pago a montante na totalidade, quando sabia ou devia saber que essa aquisição estava ligada a uma fraude.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão