C-621/10 - Balkan and Sea Properties e Provadinvest

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CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 26 de janeiro de 2012 (1)

Processos apensos C‑621/10 e C‑129/11

ADSITS Balkan and Sea Properties

e

OOD Provadinvest

contra

Direktor na Direktsia ‘Obzhalvane I upravlenie na izpalnenieto’ ― Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen Sad Varna (Bulgária)]

«IVA ― Transações entre pessoas estreitamente relacionadas ― Âmbito de aplicação da faculdade de os Estados Membros tributarem com base no valor normal, nos termos da Diretiva 2006/112/CE ― Possibilidade de aplicação direta da diretiva caso a legislação nacional ultrapasse o âmbito de aplicação da faculdade»





1.        Nos presentes pedidos de decisão prejudicial, o Administrativen sad Varna (tribunal administrativo, Varna) (Bulgária) pretende uma orientação sobre os limites da faculdade prevista no artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 (2), nos termos do qual os Estados‑Membros podem, em determinadas circunstâncias, afastar‑se da regra geral segundo a qual o valor tributável é a contraprestação efetivamente recebida pelo prestador, e apurar, pelo contrário, o imposto sobre o valor acrescentado («IVA») com base no valor normal da prestação. Pretende igualmente saber se a legislação búlgara que faz uso dessa faculdade num vasto número de circunstâncias é compatível com a Diretiva 2006/112 e, caso o não seja, se o artigo 80.°, n.° 1, tem efeito direto e pode ser diretamente aplicado pelo tribunal nacional.

 Legislação da UE em matéria de IVA

2.        O princípio geral do sistema do IVA encontra‑se enunciado no artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2006/112:

«O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.

Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.

O sistema comum do IVA é aplicável até ao estádio do comércio a retalho, inclusive.»

3.        O artigo 73.° da Diretiva 2006/112 (3) estabelece a regra geral para a determinação do valor tributável para efeitos de IVA:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.° (4), o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

4.        O artigo 80.° da Diretiva 2006/112 prevê outra possível exceção a essa regra geral:

«1.      A fim de evitar a fraude ou evasão fiscais, os Estados‑Membros podem tomar medidas para que, relativamente às entregas de bens e prestações de serviços que envolvam laços familiares ou outros laços pessoais próximos, laços organizacionais, patrimoniais, associativos, financeiros ou jurídicos, definidos pelo Estado‑Membro, o valor tributável seja o valor normal, nos seguintes casos:

a)      Quando a contraprestação seja inferior ao valor normal e o destinatário da operação não tenha direito a deduzir totalmente o IVA ao abrigo dos artigos 167.° a 171.° e 173.° a 177.° (5);

b)      Quando a contraprestação seja inferior ao valor normal e o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços não tenha direito a deduzir totalmente o IVA ao abrigo dos artigos 167.° a 171.° e 173.° a 177.° e a operação esteja isenta ao abrigo dos artigos 132.°, 135.°, 136.°, 371.°, 375.°, 376.°, 377.°, do n.° 2 do artigo 378.°, do n.° 2 do artigo 379.° ou dos artigos 380.° a 390.°‑B (6);

c)      Quando a contraprestação seja superior ao valor normal e o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços não tenha direito a deduzir totalmente o IVA ao abrigo dos artigos 167.° a 171.° e 173.° a 177.°

Para efeitos do primeiro parágrafo, os laços jurídicos podem abranger as relações estabelecidas entre um empregador e um empregado ou a família deste ou quaisquer outras pessoas com ele estreitamente relacionadas.

2.      Quando exerçam a faculdade prevista no n.° 1, os Estados‑Membros podem especificar as categorias de fornecedores, prestadores, adquirentes ou destinatários às quais são aplicáveis as medidas.

[…]»

5.        Convém compreender por que motivo foi introduzida a faculdade de derrogação (7).

6.        Em geral, os operadores económicos não têm interesse em fixar os preços com base no montante de IVA que os seus bens ou serviços irão incorporar, em especial quando ambas as partes são sujeitos passivos com direito à dedução total do IVA a montante (8). Quando não é o caso, podem verificar‑se situações em que, se o fornecedor e o adquirente acordarem num preço artificialmente inflacionado ou reduzido, o peso total do IVA é reduzido e é cobrado menos IVA. Há dois tipos de situação com particular relevância.

7.        O primeiro é quando o adquirente não goza do direito à dedução total do IVA (pode tratar‑se do consumidor final ou de um sujeito passivo cujas operações a montante são utilizadas para os seus fornecimentos isentos ou de um fornecedor «misto» que apenas goza de um direito de dedução pro rata (9)). É do interesse deste adquirente pagar menos IVA sobre os bens e serviços que recebe, adquirindo‑os a um preço artificialmente baixo. Esta é a situação visada pelo artigo 80.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112.

8.        O segundo é quando o fornecedor é um sujeito passivo «misto», cujo direito à dedução do imposto a montante depende da proporção das operações tributadas em relação à totalidade das suas operações. A proporção de imposto a montante que pode deduzir aumentará se o valor das suas operações isentas for artificialmente reduzido ou se o das suas operações tributadas for artificialmente aumentado [situações previstas no artigo 80.°, n.° 1, alíneas b) e c), respetivamente (10)].

9.        Expedientes desta natureza são, no entanto, raros, a não ser que as duas partes estejam tão estreitamente relacionadas que o preço efetivamente cobrado, sem o IVA, não tenha para elas uma importância significativa ― em circunstâncias normais, não faz sentido, do ponto de vista comercial, que um fornecedor aceite reduzir artificialmente o preço ou que o cliente aceite um aumento artificial do preço. No artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, a faculdade de tributar com base no valor normal é assim limitada às entregas de bens e prestações de serviços «que envolvam laços familiares ou outros laços pessoais próximos, laços organizacionais, patrimoniais, associativos, financeiros ou jurídicos».

10.      O «valor normal» é definido no artigo 72.° da Diretiva 2006/112 como «o montante total que, a fim de obter os bens ou serviços em questão no momento dessa operação, o adquirente ou destinatário no mesmo estádio de comercialização em que se realiza a entrega de bens ou a prestação de serviços teria de pagar, em condições de livre concorrência, a um fornecedor ou prestador independente no Estado‑Membro em que a operação é tributável».

 Legislação da Bulgária em matéria de IVA

11.      O tribunal de reenvio refere algumas disposições da Zakon za danak varhu dobavena stoynost (lei do imposto sobre o valor acrescentado, a seguir «ZDDS») de 2006. Nomeadamente, as seguintes:

¾        nos termos do artigo 27.°, n.° 3, ponto 1, em qualquer operação entre pessoas relacionadas, o valor tributável é o valor normal;

¾        nos termos do artigo 45.°, n.° 1, as transferências de propriedade ou de direitos reais limitados sobre bens imóveis são operações isentas;

¾        por força do disposto no artigo 45.°, n.° 5, ponto 2, o artigo 45.°, n.° 1, não se aplica à transferência de propriedade ou de outros direitos reais sobre equipamento, máquinas, acessórios ou edifícios que estejam firmemente implantados no solo ou instalados no subsolo, nem à sua locação;

¾        nos termos do artigo 70.°, n.° 5, não há direito à dedução do IVA pago a montante no caso de o imposto ter sido cobrado ilegalmente.

12.      Outras disposições relevantes encontram‑se nas «disposições adicionais» do Danachno‑osiguritelen protsesualen kodeks (Código de Processo Tributário e da Segurança Social, «a seguir DOPK»). Nomeadamente, as seguintes:

¾        o § 1, ponto 3, define «pessoas relacionadas» para efeitos do artigo 27.°, n.° 3, ponto 1, da ZDDS (de forma mais detalhada do que no artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, mas dentro dos limites permitidos por esta disposição);

¾        nos termos do § 1, ponto 8, o «valor normal» é o montante, sem IVA e impostos sobre o consumo, que deveria ser pago, nas mesmas condições, por bens ou serviços iguais ou semelhantes numa transação legal entre pessoas não relacionadas;

¾        o § 1, ponto 10, enumera cinco métodos para determinação do valor normal, que devem ser aplicados de acordo com as instruções emitidas pelo Ministério das Finanças.

 Matéria de fato, tramitação processual e questões prejudiciais

 Processo C‑621/10 Balkan and Sea Properties

13.      Em 2009, a АDSITS Balkan and Sea Prоperties (a seguir «Balkan and Sea»), um fundo de investimento imobiliário, adquiriu vários imóveis na cidade de Ravda ao Ravda tur EOOD, por um preço total de 21 318 852 BGN (11). Esta última era uma sociedade unipessoal de responsabilidade limitada relacionada com a Balkan and Sea, na aceção do § 1, ponto 3, das disposições adicionais da DOPK. Foi cobrado IVA sobre o preço (12) e a Balkan and Sea procurou deduzir esse imposto do seu IVA a jusante.

14.      Uma avaliação ordenada pela autoridade fiscal concluiu que o valor normal dos imóveis era de 21 216 300 BGN. A autoridade entendeu assim que o valor da transação tinha sido inflacionado em 102 552 BG, que o IVA cobrado sobre este último montante era um imposto ilegal, na aceção do artigo 70.°, n.° 5, da ZDDS e que, dessa forma, não decorria nenhum direito de dedução relativamente a essa parte do imposto, que totalizava 20 510,42 BGN (13).

15.      A impugnação dessa avaliação pela Balkan and Sea encontra‑se agora pendente no tribunal de reenvio, o qual pretende saber:

«1.      Deve o artigo 80.°, n.° 1, alínea c), da [Diretiva 2006/112] ser interpretado no sentido de que, no caso de entregas entre pessoas relacionadas, quando a contraprestação é superior ao valor normal, o valor tributável só é o valor normal da transação se o fornecedor não tiver o direito de deduzir totalmente o IVA pago sobre a compra/venda das mercadorias fornecidas?

2.      Deve o artigo 80.°, n.° 1, alínea c), da [Diretiva 2006/112] ser interpretado no sentido de que, quando o fornecedor exerceu o direito a dedução plena do IVA pago sobre bens e prestações de serviços que são objeto de uma entrega posterior entre pessoas relacionadas com um valor superior ao valor normal, e este direito à dedução não foi corrigido nos termos dos artigos 173.° a 177.° da diretiva (14), o Estado‑Membro não pode tomar medidas que estabeleçam como valor tributável exclusivamente o valor normal?

3.      O artigo 80.°, n.° 1, da [Diretiva 2006/112] enumera taxativamente os casos em que estão preenchidos os requisitos que permitem ao Estado‑Membro tomar medidas por força das quais o valor tributável é o valor normal da transação?

4.      Uma norma de direito nacional como o artigo 27.°, n.° 3, ponto 1, da ZDDS é admissível em circunstâncias diferentes das enumeradas no artigo 80.°, n.° 1), alíneas a), b) e c), da [Diretiva 2006/112]?

5.      Num caso como o que está em causa no presente processo, a disposição do artigo 80.°, n.° 1, alínea c), da [Diretiva 2006/112] tem efeito direto, e pode ser aplicada diretamente pelo órgão jurisdicional nacional?».

 Processo C‑129/11 Provadinvest

16.      A ODD Provadinvest («Provadinvest») é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada que arrenda lotes de terrenos agrícolas para a instalação de estufas que consistem em estruturas metálicas cobertas de folha de polietileno (ou em estruturas de polietileno ― não decorre de forma clara do despacho de reenvio a natureza exata das estruturas). Em 2009, vendeu três desses lotes, cada qual com a área de cerca de seis hectares, juntamente com as estruturas das estufas montadas nesses lotes e todas as benfeitorias e culturas permanentes. Dois desses lotes foram vendidos a um dos seus sócios e o terceiro ao representante da sociedade. O preço pago em cada caso foi de 25 000 BGN, não tendo sido mencionado o IVA nas faturas.

17.      Os lotes, as estruturas das estufas, as benfeitorias e as culturas foram avaliados por um avaliador, que calculou o valor normal das estruturas das estufas nos três lotes no total de 392 700 BGN.

18.      Com base nisso, a autoridade fiscal entendeu que as transações incluíam tanto entregas isentas (lotes de terreno), como entregas sujeitas a imposto (acessórios, benfeitorias e culturas). Relativamente a estas últimas, visto que as partes estavam relacionadas, na aceção do § 1, ponto 3, das disposições adicionais da DOPK, o valor tributável era o valor normal determinado pelo avaliador. A autoridade fiscal calculou assim o valor do IVA devido em 78 540 BGN.

19.      A impugnação dessa avaliação pela Provadinvest encontra‑se agora pendente no tribunal de reenvio, o qual pretende saber:

«1.      Deve o artigo 80.°, n.° 1, alíneas a) e b), [da Diretiva 2006/112] ser interpretado no sentido de que, no caso de entregas entre pessoas relacionadas entre si, quando a contraprestação é inferior ao valor normal, o valor tributável só é o valor normal da operação se o fornecedor ou o comprador não tiverem o direito de deduzir totalmente o IVA pago a montante sobre a compra/venda dos bens que são objeto da entrega?

2.      Deve o artigo 80.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [Diretiva 2006/112], ser interpretado no sentido de que, quando o fornecedor tiver exercido o direito à dedução total do IVA pago a montante sobre os bens e os serviços que são objeto de uma entrega posterior entre pessoas relacionadas entre si por um valor inferior ao valor normal, e este direito a dedução não tiver sido corrigido nos termos dos artigos 173.° a 177.° da Diretiva (15) e a entrega não beneficiar de isenção nos termos dos artigos 132.°, 135.°, 136.°, 371.°, 375.°, 376.°, 377.°, 378.°, n.° 2, 379.°, n.° 2, ou 380.° a 390.° da diretiva, o Estado‑Membro não pode tomar medidas que prevejam que o valor tributável é exclusivamente o valor normal?

3.      Deve o artigo 80.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [Diretiva 2006/112], ser interpretado no sentido de que, quando o comprador tiver exercido o direito à dedução total do IVA pago a montante sobre os bens e os serviços que são objeto de uma entrega posterior entre pessoas relacionadas entre si por um valor inferior ao valor normal, e esse direito a deduzir o imposto pago a montante não tiver sido corrigido nos termos dos artigos 173.° a 177.° da diretiva, o Estado‑Membro não pode tomar medidas que prevejam que o valor tributável é exclusivamente o valor normal?

4.      O artigo 80.°, n.° 1, da [Diretiva 2006/112], enumera taxativamente os casos em que estão preenchidos os requisitos que permitem ao Estado‑Membro tomar medidas para que o valor tributável seja o valor normal?

5.      Uma norma de direito nacional como o artigo 27.°, n.° 3, ponto 1, [da ZDDS] é admissível em circunstâncias diferentes das enumeradas no artigo 80.°, n.° 1, alíneas a), b) e c), da [Diretiva 2006/112]?

6.      Num caso como o dos autos, a disposição do artigo 80.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [Diretiva 2006/112], tem efeito direto e pode o órgão jurisdicional nacional aplicá‑la diretamente?»

20.      O Governo búlgaro apresentou observações escritas ao Tribunal de Justiça no processo C‑621/10, o que a Comissão fez em ambos os processos. Nem a Balkan and Sea nem a Provadinvest apresentaram observações. Não foi requerida nem realizada qualquer audiência.

 Apreciação

 Observações preliminares

21.      Não foi suscitada qualquer questão relativamente à admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial, mas deve reconhecer‑se que os despachos de reenvio não expõem as circunstâncias do processo principal de uma forma tão detalhada quão desejável. Em especial, teria sido preferível que o tribunal de reenvio tivesse, em cada caso, referido de forma mais explícita em que medida cada uma das partes nas transações beneficiou e/ou exerceu de facto o direito à dedução do IVA pago a montante.

22.      Parece, no entanto, decorrer dos despachos de reenvio que a disposição relevante de direito nacional, o artigo 27.°, n.° 3, ponto 1, da ZDDS, não estabelece qualquer condição quanto à medida em que as partes relacionadas devem dispor de um direito à dedução para que este se aplique. Além disso, a redação das próprias questões indica que o tribunal de reenvio considera que as circunstâncias do processo principal, ainda que se enquadrem no âmbito de aplicação do artigo 27.°, n.° 3, ponto 1, da ZDDS, caem fora do âmbito de aplicação do artigo 80.°, n.° 1, alíneas a), b) ou c), da Diretiva 2006/112, pelo menos numa interpretação estrita e literal dos seus termos ― por outras palavras, que as partes relevantes nas transações dispunham em ambos os casos do direito à dedução na totalidade.

23.      A primeira questão submetida em ambos os processos pergunta, no essencial, se a faculdade prevista no artigo 80.°, n.°1, da Diretiva 2006/112 está limitada aos casos em que o fornecedor ou o cliente, conforme o caso, não dispõem de um direito à dedução integral. A segunda questão no processo C‑621/10 e a segunda e a terceira questões no processo C‑129/11 perguntam se, nos casos em que o fornecedor ou o cliente, conforme o caso, tenha exercido o direito à dedução na íntegra, os Estados‑Membros estão impedidos de tomar o valor normal como o valor tributável. A terceira questão no processo C‑621/10 e a quarta questão no processo C‑129/11 pretendem saber se o artigo 80.°, n.° 1, contém uma lista exaustiva das circunstâncias em que um Estado‑Membro pode tomar o valor normal como o valor tributável. A quarta questão no processo C‑621/10 e a quinta no processo C‑129/11 perguntam se uma disposição nacional nos termos da qual o valor normal deve ser tomado como o valor tributável em todas as transações entre partes relacionadas entre si pode ser aplicada em casos diferentes dos que se encontram enumerados no artigo 80.°, n.° 1.

24.      Visando todas essas questões avaliar o alcance da faculdade prevista no artigo 80.°, n.° 1, abordá‑las‑ei em conjunto.

25.      A última questão submetida em cada processo pergunta se as disposições do artigo 80.°, n.° 1 têm efeito direto, e se podem ser aplicadas diretamente pelos tribunais nacionais. Uma vez que suscita diferentes problemas, abordá‑la‑ei em separado.

26.      Por último, debruçar‑me‑ei sobre dois pontos que, mesmo sem terem sido suscitados no despacho de reenvio, podem auxiliar o tribunal de reenvio a tomar uma decisão final: no processo C‑621/10, a avaliação do valor normal e, no processo C‑129/11, em que medida as transações devem ser adequadamente consideradas isentas ou tributáveis.

 Âmbito de aplicação da faculdade prevista no artigo 80.°, n.° 1

27.      Parece‑me claro ― e ao Governo da Bulgária e à Comissão também ― que a faculdade prevista no artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 se limita às circunstâncias previstas de forma inequívoca nesta disposição. Assim, um Estado‑Membro pode não adotar legislação nos termos da qual o valor tributável será o valor normal em todas as transações entre pessoas relacionadas, independentemente de essas circunstâncias estarem ou não preenchidas.

28.      Em primeiro lugar, o artigo 73.° da Diretiva 2006/112 enuncia uma regra geral clara, no sentido de que o valor tributável deverá ser a contraprestação efetivamente recebida na transação. Esta contraprestação constitui o valor subjetivo, ou seja o valor realmente recebido, e não um valor calculado segundo critérios objetivos (16). Qualquer disposição que se desvie de uma regra geral ― como é o caso do artigo 80.° da Diretiva 2006/112 ― deve ser interpretada de forma estrita (17).

29.      Em segundo lugar, o artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 refere que a faculdade de derrogação tem como finalidade «evitar a fraude ou evasão fiscais». Esta finalidade é ainda esclarecida no terceiro considerando no preâmbulo da Diretiva 2006/69 ― «de modo a garantir que não exista nenhuma perda de receitas fiscais através do recurso a partes associadas tendo em vista a obtenção de vantagens fiscais» ― e do considerando vigésimo sexto do preâmbulo da Diretiva 2006/112 ― «[d]e modo a garantir que não exista perda de receitas fiscais através do recurso a partes associadas tendo em vista a obtenção de vantagens fiscais».

30.      Quando os bens ou serviços são prestados a um preço artificialmente baixo ou alto entre partes que gozam do direito de dedução total nessa transação ― ou seja, quando quer o fornecedor quer o adquirente efetuam unicamente operações tributáveis ― não há fraude ou evasão fiscais nesta fase. No que à transação em apreço diz respeito, o imposto é totalmente neutro para ambas as partes, e assim permanecerá independentemente do preço cobrado. Também não se «perderá» qualquer imposto nesta fase. Só quando a cadeia de abastecimento chega ao fim com o consumidor final ― ou termina parcialmente num sujeito passivo «misto» que goza de um direito à dedução pro rata ― é que um preço artificialmente baixo ou alto pode conduzir a uma perda de receita fiscal. É apenas nesse momento que o valor total de IVA devido em toda a cadeia de abastecimento se «cristaliza» ― e esse valor é proporcional apenas ao preço final, independentemente dos valores cobrados em fases anteriores desta cadeia (18).

31.      Em terceiro lugar, o terceiro considerando do preâmbulo da Diretiva 2006/69 e o considerando vigésimo sexto do preâmbulo da Diretiva 2006/112 referem que os Estados‑Membros devem poder intervir «em circunstâncias específicas limitadas». Esta limitação foi clarificada pelo artigo 11.°, A, n.° 6, da Sexta Diretiva, o qual refere que o âmbito de aplicação desta faculdade «é limitado aos seguintes casos». Apesar de a palavra «limitado» já não constar do artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, decorre claramente do terceiro considerando desta última que não foram efetuadas alterações substanciais na reformulação do texto.

32.      Por último, o artigo 80.°, n.° 2, da Diretiva 2006/112 autoriza expressamente os Estados‑Membros que exerçam a referida faculdade a especificar as categorias de fornecedores ou destinatários às quais são aplicáveis as medidas. Consequentemente, não há autorização para alargar essas categorias a, por exemplo, sujeitos passivos que têm direito a dedução total.

33.      Por conseguinte, o artigo 80.°, n.° 1, alíneas a), b) e c), contém uma enumeração exaustiva das circunstâncias em que um Estado Membro pode cobrar IVA sobre uma transação com base no preço normal e não na contraprestação efetivamente paga. Estas disposições não autorizam um Estado‑Membro a adotar essa abordagem se o fornecedor ou o adquirente, consoante o caso, tiverem direito a dedução total.

34.      Daí decorre que uma disposição nacional que exija a cobrança de IVA com base no valor normal em todos os casos em que as partes estejam relacionadas não é autorizada pela faculdade prevista no artigo 80.°, n.° 1, pelo menos na medida em que abranja casos em que a parte relevante na transação tenha direito à dedução total.

35.      Realço a esse respeito que, em 2010, o Governo búlgaro recebeu da Comissão uma notificação para cumprir indicando que o artigo 27.°, n.° 3, da ZDDS era incompatível com os artigos 73.° a 80.° da Diretiva 2006/112. O referido governo aceitou a posição da Comissão e comprometeu‑se a alterar a disposição até 1 de janeiro de 2012.

 Consequências da incompatibilidade da legislação nacional

36.      Na sua última questão em cada um dos processos, o tribunal de reenvio pergunta se o artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 tem efeito direto e se os órgãos jurisdicionais nacionais podem aplicá‑lo diretamente. O Governo búlgaro e a Comissão abordaram, de facto, essa questão como sendo a de saber em que medida a Balkan and Sea e/ou a Provadinvest se podem basear no artigo 80.°, n.° 1, para impugnar as conclusões da autoridade fiscal. Esse, no entanto, não me parece ser o melhor ponto de partida.

37.      Da minha análise das questões supra, concluí que uma disposição nacional que exija a cobrança de IVA com base no valor normal em todos os casos em que as partes estejam relacionadas não é autorizada pela faculdade prevista no artigo 80.°, n.° 1, pelo menos na medida em que abranja os casos em que a parte relevante para a transação tenha direito à dedução total (19).

38.      Nos termos de jurisprudência assente, cabe ao órgão jurisdicional nacional, dentro da margem de apreciação que lhe é concedida pelo direito nacional, interpretar e aplicar as disposições de direito interno em conformidade com o direito da União (20). Esta obrigação aplica‑se mesmo na ausência de outras condições que permitam a um particular invocar o efeito direto de uma diretiva (21). Se essa interpretação não for possível, o órgão jurisdicional não deve aplicar qualquer disposição de direito interno que seja incompatível com o direito da União (22).

39.      Assim, em primeiro lugar, cabe ao tribunal nacional interpretar o artigo 27.°, n.° 3, da ZDDS por forma a compatibilizá‑lo com o correto exercício da faculdade prevista no artigo 80.° da Diretiva 2006/112. Se tal for possível, não se colocará então a questão da compatibilidade com a diretiva ou com a atribuição de efeito direto a qualquer dessas disposições. Se não for possível, então não deverão ser aplicadas as disposições nacionais.

40.      No último caso, devem considerar‑se duas possibilidades. Ou as partes em causa nas transações nos processos principais dispunham do direito de dedução total, não caindo esses casos em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 80.°, n.° 1, ou não dispunham desse direito de dedução total, e os casos são abrangidos por essas hipóteses.

41.      Se as partes em causa dispunham do direito de dedução total, então não há razão para o artigo 80.°, n.° 1, ter efeito direto ou para ser aplicado diretamente a casos em que, nos seus próprios termos, não se aplica. Pelo contrário, o artigo 73.° da Diretiva 2006/112, que tem efeito direto (23), pode ser relevante. O artigo 80.°, n.° 1, permite aos Estados‑Membros introduzirem derrogações à regra geral no que respeita à determinação do valor tributável. Na ausência de tal norma derrogatória, deve aplicar‑se a regra geral prevista no artigo 73.° da Diretiva 2006/112 (24). Pode assim ser invocada por sujeitos passivos e aplicada diretamente pelos tribunais nacionais para garantir que, com exceção dos casos em que a diretiva prevê uma derrogação, o valor tributável seja a contraprestação efetivamente recebida.

42.      Se, por outro lado, as partes em causa não dispunham do direito de dedução total, levanta‑se a questão de saber se é o Estado ou o particular quem procura invocar o efeito direto do artigo 80.°, n.° 1.

43.      No primeiro caso, deve recordar‑se que um Estado‑Membro não pode invocar, contra um particular, as disposições de uma diretiva nem a circunstância de não ter validamente exercido uma faculdade prevista numa diretiva (25).

44.      Caso, no entanto, um particular pretenda invocar o efeito direto de uma disposição de uma diretiva contra um Estado‑Membro que não tenha transposto corretamente essa disposição, constitui jurisprudência assente que essa invocação é, em princípio, possível se as disposições da diretiva forem suficientemente claras, precisas e incondicionais (26).

45.      A este respeito, pode questionar‑se se os termos de uma disposição meramente facultativa que foi incorretamente transposta por um Estado‑Membro pode ser descrita como «suficientemente clara, precisa e incondicional» para esse efeito.

46.      No entanto, não julgo que seja necessário, ou mesmo adequado, abordar essa questão no âmbito dos presentes processos.

47.      É verdade que, em teoria, o adquirente numa transação que se enquadre nas hipóteses previstas no artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, ainda que tenha concordado em pagar um preço artificialmente inflacionado, pode ainda invocar, contra a autoridade fiscal, o disposto nesse número para que o IVA seja aplicado com base no valor normal. Se esse adquirente não tiver ele mesmo direito à dedução total, terá vantagem em pagar menos IVA sobre essa transação.

48.      Tal não é, no entanto, o caso em nenhum dos litígios que deram origem aos pedidos de decisão prejudicial. Segundo jurisprudência assente, a justificação do reenvio prejudicial não é a emissão de pareceres de natureza consultiva sobre questões gerais ou hipotéticas, mas sim a necessidade inerente à resolução efetiva de um litígio (27). Assim sendo, a questão não apenas é meramente hipotética em relação ao processo principal, mas também dificilmente surgirá no normal decurso dos factos, porquanto tal significaria que uma das partes relacionadas que acordou num preço artificial, tendo em vista a obtenção de um benefício global conjunto, teria recuado no acordo.

49.      Nessas circunstâncias, proponho que não seja analisada essa hipótese, mas antes duas últimas questões que, apesar de não terem sido suscitadas pelo tribunal de reenvio, podem ser relevantes para os processos principais.

 Avaliação do valor normal

50.      Em qualquer das circunstâncias previstas no artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, os Estados‑Membros podem tomar medidas para assegurar que o valor tributável seja o valor normal. Uma das condições para o fazer é que a contraprestação efetivamente recebida seja inferior ou superior ao valor normal ― nomeadamente «o montante total que, a fim de obter os bens ou serviços em questão no momento dessa operação, o adquirente ou destinatário no mesmo estádio de comercialização em que se realiza a entrega de bens ou a prestação de serviços teria de pagar, em condições de livre concorrência, a um fornecedor ou prestador independente no Estado‑Membro em que a operação é tributável».

51.      Atenta esta definição e o facto de, no processo C‑621/10, a Balkan and Sea ter adquirido o imóvel em causa por um preço que excedia a avaliação do avaliador oficial em menos de 0,5%, sendo certo que a legislação búlgara prevê cinco métodos para determinar o valor normal, pode ainda ser necessário que o tribunal nacional aprecie se, feita uma interpretação adequada das normas nacionais, se pode efetivamente afirmar que o preço em questão é superior ao preço normal.

 Natureza tributável ou isenta das transações

52.      A Comissão questiona o aviso de liquidação emitido pelas autoridades fiscais em causa no processo C‑129/11, que abrange simultaneamente prestações isentas e tributáveis. Concordo que o tribunal de reenvio deveria analisar o referido aviso à luz das disposições aplicáveis da Diretiva 2006/112 e, sendo esse o caso, não aplicar quaisquer disposições nacionais que conduzam a um resultado não compatível com a diretiva. As disposições relevantes da diretiva são as seguintes.

53.      O artigo 12.° dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros podem considerar sujeito passivo qualquer pessoa que realize, a título ocasional […], designadamente, uma das seguintes operações:

a)      Entrega de um edifício ou de parte de um edifício e do terreno da sua implantação, efetuada antes da primeira ocupação;

b)      Entrega de um terreno para construção.

2.      Para efeitos da alínea a) do n.° 1, entende‑se por «edifício» qualquer construção incorporada no solo.

Os Estados‑Membros podem estabelecer as regras de aplicação do critério referido na alínea a) do n.° 1 às transformações de imóveis e, bem assim, à noção de terreno da sua implantação.

Os Estados‑Membros podem aplicar outros critérios para além do critério da primeira ocupação, tais como o do prazo decorrido entre a data de conclusão do imóvel e a da primeira entrega, ou o do prazo decorrido entre a data da primeira ocupação e a da entrega posterior, desde que tais prazos não ultrapassem, respetivamente, cinco e dois anos.

3.      Para efeitos da alínea b) do n.° 1, entende‑se por «terrenos para construção» os terrenos, urbanizados ou não, definidos como tal pelos Estados‑Membros.»

54.      O artigo 135.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 exige que os Estados‑Membros isentem de IVA determinadas transações, incluindo, em particular:

«j)      As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as referidas na alínea a) do n.° 1 do artigo 12.°;

k)      As entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção referidas na alínea b) do n.° 1 do artigo 12.°;

l)      A locação de bens imóveis. (28

55.      A primeira questão que se levanta é a de saber se as estufas eram edifícios na aceção do artigo 12.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112, ou seja, se correspondiam à definição de «qualquer construção incorporada no solo», constante do primeiro parágrafo do n.° 2 do artigo 2.° Esta é, naturalmente, uma questão da competência do tribunal nacional, podendo a resposta depender da natureza exata da construção. No entanto, não é improvável que as estufas pudessem corresponder a essa definição, pelo menos se tivessem estrutura metálica.

56.      Se as estufas forem edifícios, cada transação deve ser tratada como uma única entrega, porquanto, para efeitos de IVA, os edifícios ou partes de edifícios e do terreno da sua implantação não podem ser dissociados (29).

57.      Nesse caso, a questão seguinte é a de saber se as entregas de terrenos e de edifícios foram efetuadas «antes da primeira ocupação» ou preenchem outros critérios que tenham sido prescritos pela legislação nacional, dentro do respetivo limite de dois ou cinco anos previsto no terceiro parágrafo do artigo 12.°, n.° 2. A esse respeito, parece relevante o facto de a Provadinvest ter alegado no tribunal nacional que as estufas estavam a ser utilizadas há mais de 30 anos.

58.      Se a entrega aconteceu «antes da primeira ocupação» ou preencheu outros critérios validamente aplicáveis, pode ser considerada tributável, na aceção do artigo 12.°, n.° 1, alínea a). Caso contrário, deve ser isenta nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea j), sem prejuízo do exercício de qualquer eventual direito de opção pela tributação.

59.      Se as estufas não forem edifícios na aceção do artigo 12.°, n.° 1, alínea a), há ainda que analisar se as transações devem ser consideradas como transações distintas cujo tratamento em sede de IVA deve ser avaliado separadamente ou como transações complexas únicas que englobam um conjunto de elementos.

60.      De acordo com jurisprudência assente, quando uma transação é constituída por um conjunto de elementos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias para determinar se se está em presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única. Ainda que cada transação deva normalmente ser considerada como distinta e independente, a transação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. Há que considerar que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos fornecidos estejam tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição teria caráter artificial, ou quando um ou vários elementos devam ser considerados a prestação principal, ao passo que outros elementos devem ser considerados prestações acessórias. Cabe ao tribunal nacional determinar se tal sucede no processo principal (30).

61.      Se o tribunal nacional decidir, a essa luz, que houve entregas separadas de terrenos e de outros elementos, a abordagem da autoridade fiscal parece estar correta.

62.      Se, no entanto, decidir que cada transação constituiu uma transação complexa única englobando a prestação principal e elementos acessórios, parece provável que a prestação principal seja a entrega de terrenos e que o tratamento em sede de IVA seja baseado nessa entrega.

63.      Em qualquer dos casos, pode ser necessário determinar se o terreno era destinado a construção, definido como tal pelo Estado‑Membro em conformidade com o artigo 12.°, n.° 3, da Diretiva 2006/112. Se for esse o caso, a entrega deve ser tributada nos termos do artigo 12.°, n.° 1, alínea b). Se o não for, deve ser isenta nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea k), sempre sem prejuízo do exercício de qualquer eventual direito de opção pela tributação.

 Conclusão

64.      Por conseguinte, sou de parecer que o Tribunal de Justiça deve responder às questões submetidas pelo Administrativen Sad Varna do seguinte modo:

«O artigo 80.°, n.° 1, alíneas a), b) e c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, enumera taxativamente as hipóteses em que um Estado‑Membro pode cobrar IVA sobre uma transação com base no preço normal e não na contraprestação efetivamente paga.

Essas disposições não autorizam um Estado‑Membro a adotar essa solução no caso de o fornecedor ou o adquirente, conforme o caso, ter direito à dedução total do IVA.

Uma disposição nacional que imponha a cobrança de IVA com base no valor normal em todos os casos em que as partes estejam relacionadas é incompatível com o artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, pelo menos na medida em que abranja casos em que a parte relevante para a transação tenha direito à dedução total.

Cabe ao órgão jurisdicional nacional, dentro da margem de apreciação que lhe é concedida pelo direito nacional, interpretar e aplicar essa disposição nacional em conformidade com o artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112. Se essa interpretação não for possível, o órgão jurisdicional não deve aplicar a disposição na medida em que a mesma seja incompatível com o referido número.

O artigo 73.° da Diretiva 2006/112 tem efeito direto e pode ser invocado pelos sujeitos passivos, e aplicado diretamente pelos tribunais nacionais, para garantir que, com exceção dos casos em que a diretiva prevê uma derrogação, o valor tributável seja a contraprestação efetivamente recebida.

Se um Estado‑Membro não exerceu de forma válida a faculdade prevista no artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, não pode invocar as disposições desse número contra um sujeito passivo a fim de tributar uma transação com base no seu valor normal.»

ANEXO I


V. n.os 38 e segs. das presentes conclusões

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ANEXO II


V. n.os 55 e segs. das presentes conclusões

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1 ―      Língua original: inglês.


2 ―      Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).


3 ―      Anteriormente artigo 11.°A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ― Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, alterada por várias vezes, a seguir «Sexta Diretiva»).


4 ―      Estes artigos estabelecem regras específicas para determinar o valor tributável nos casos de, respetivamente, desafetação ou afetação de bens da empresa, uso privado de bens da empresa, transferências de bens com destino a outro Estado‑Membro e prestação, efetuada por um sujeito passivo, de um serviço para os fins da sua empresa.


5 ―      Os artigos 167.° a 169.° dizem respeito ao direito de os sujeitos passivos deduzirem o IVA a montante em relação a entregas de bens ou a prestações de serviços utilizadas para as suas operações tributáveis; os artigos 170.° e 171.° dizem respeito ao reembolso do IVA em determinadas operações transfronteiriças; os artigos 173.° a 175.° estabelecem o sistema pro rata de dedução nos casos em que as operações a montante tributadas são utilizadas tanto para operações a jusante tributadas como para operações a jusante isentas; os artigos 176.° e 177.° preveem a possibilidade de determinadas categorias de IVA a montante poderem não ser dedutíveis.


6 ―      Os artigos 132.°, 135.° e 136.° preveem que determinadas categorias de operações estejam isentas de IVA (sem dedução de IVA a montante) em todos os Estados‑Membros (v. igualmente n.° 54, infra); os outros artigos referidos permitem que alguns Estados‑Membros continuem a aplicar outras isenções, através de derrogações.


7 ―      Em 2006, como artigo 11.° A, n.° 6, da Sexta Diretiva; v. artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 2006/69/CE do Conselho, de 24 de julho de 2006, que altera a Diretiva 77/388/CEE no que se refere a certas medidas destinadas a simplificar o procedimento de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado e a lutar contra a fraude ou evasão fiscais e que revoga certas decisões que concedem derrogações (JO L 221, p. 9). O primeiro e o terceiro considerandos do preâmbulo da Diretiva 2006/69 definem o seu objetivo de substituir um certo número de derrogações concedidas a determinados Estados‑Membros por uma disposição geral de atribuição de competência; os Estados‑Membros deverão poder intervir relativamente ao valor das operações e aquisições em determinadas condições, para garantir que não há perda de receitas fiscais através do recurso a partes associadas tendo em vista a obtenção de vantagens fiscais. V. igualmente memorando explanatório que acompanha a proposta dessa diretiva [COM(2005) 89 final), em particular pp. 5 e 6.


8 ―      Nos termos dos artigos 167.° e 168.° da Diretiva 2006/112, os sujeitos passivos têm, no essencial, direito a deduzir, no momento em que é exigível, qualquer IVA devido ou pago por bens ou serviços que lhes são prestados, sob condição de esses bens ou serviços serem usados para efeitos das suas operações a jusante tributáveis. Dessa forma, o IVA é fiscalmente neutro para os operadores em questão (v. igualmente acórdão de 29 de outubro de 2009, NCC Construction Danmark, C‑174/08, Colet., p. I‑10567, n.os 39 e segs. e jurisprudência aí referida).


9 ―      Atento o facto de o direito à dedução, previsto nos artigos 167.° e 168.° da Diretiva 2006/112, estar limitado aos casos em que os fornecimentos são usados para efeitos de operações a jusante tributáveis, os fornecimentos usados para efeitos de operações isentas não dão origem a isenção. Quando a utilização de prestações tributáveis a montante não pode ser afetada a determinadas operações tributáveis a jusante efetuadas por um sujeito passivo cujas prestações são simultaneamente tributadas e isentas, os artigos 173.° e segs. da Diretiva 2006/112 preveem que o pro rata de dedução seja determinado pela ratio entre prestações tributadas e isentas.


10 ―      Note‑se que as transações sobre imóveis (venda e locação) podem ser tributáveis ou estar isentas, nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alíneas j) a l), ou do artigo 137.°, n.° 1, alíneas b) a d) ― v. n.° 54, infra.


11 ―      O valor do lev búlgaro era, na altura, de aproximadamente metade de um euro.


12 ―      De onde se pode deduzir que a transação não estava isenta nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alíneas j) ou k), ou que tinha sido exercida uma faculdade de tributação nos termos do artigo 137.°, n.° 1, alíneas b) ou c).


13 ―      A taxa de IVA aplicável era de 20%.


14 ―      A referência a uma «correção» no âmbito destes artigos talvez não seja o melhor termo, no sentido de que os artigos referidos respeitam a deduções pro rata e a restrições do direito à dedução ― v. nota n.° 5, supra.


15 ―      V. nota n.° 14, supra.


16 ―      V. acórdão de 28 de outubro de 2004, Hotel Scandic Gåsabäck, C‑421/03, Colet., p. I‑743, n.° 21, e jurisprudência aí referida; acórdão de 9 de junho de 2011, Campsa Estaciones de Servicio, C‑285/10, Colet., p. I‑5059, n.° 28.


17 ―      V., a título de exemplo, acórdão de 3 de março de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑41/09, Colet., p. I‑831, n.° 58, e jurisprudência aí referida.


18 ―      V. artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2006/112.


19 ―      Para um breve resumo, sob a forma de quadro, do raciocínio que se segue, v. anexo I das presentes conclusões.


20 ―      V., por exemplo, acórdão de 10 de junho de 2010, Bruno e o., C‑395/08 e C‑396/08, Colet., p. I‑5119, n.° 74.


21 ―      V., para esse efeito, acórdão de 10 de abril de 1984, von Colson e Kamann, 14/83, Recueil, p. 1891, n.os 26 e 27.


22 ―      V., por exemplo, acórdão Bruno e o., já referido na nota 20, supra, n.° 74.


23 ―      V. acórdão de 11 de julho de 2002, Marks & Spencer, C‑62/00, Colet., p. I‑6325, n.° 47.


24 ―      V. acórdão Campsa Estaciones de Servicio, já referido na nota 16, supra, n.° 40.


25 ―      V., por exemplo, acórdão de 21 de outubro de 2010, Accardo e o., C‑227/09, Colet., p. I‑10273, n.os 44 a 47, e jurisprudência aí referida. Para beneficiarem dessa faculdade, os Estados‑Membros devem optar por exercê‑la (v. acórdão de 15 de setembro de 2011, Słaby e Kuć, C‑180/10 e C‑181/10, Colet., p. I‑8461, n.° 33).


26 ―      V., por exemplo, acórdão de 18 de janeiro de 2001, Stockholm Lindöpark, C‑150/99, Colet., p. I‑493, n.os 30 e 31 e jurisprudência aí referida.


27 ―      V., por exemplo, Despacho do Tribunal de Justiça de 10 de junho de 2011 no processo PPU Mohammed Imran, C‑155/11, Colet., p. I‑5095, n.° 21, e jurisprudência aí referida.


28 ―      A exigência de isenção não é absoluta nestes casos, porquanto, nos termos do artigo 137.°, n.° 1, alíneas b) a d), os Estados‑Membros podem conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação em cada um desses casos. Para um breve resumo, sob a forma de quadro, do raciocínio que se segue, v. anexo II das presentes conclusões.


29 ―      Acórdão de 8 de junho de 2000, Breitsohl, C‑400/98, Colet., p. I‑4321, n.° 50.


30 ―      V., por exemplo, acórdão de 10 de março de 2011, Bog e o., C‑497/09, C‑499/09, C‑501/09 e C‑502/09, Colet., p. I‑1457, n.° 51 e segs. e jurisprudência aí referida.