C-353/85 - Comissão/Reino Unido

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EUR-Lex - 61985C0353 - PT

61985C0353

Conclusões do advogado-geral Mancini apresentadas em 7 de Julho de 1987. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REINO UNIDO DA GRA-BRETANHA E DA IRLANDA DO NORTE. - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO - BENS FORNECIDOS NO AMBITO DO EXERCICIO DAS PROFISSOES MEDICAS OU PARAMEDICAS. - PROCESSO 353/85.

Colectânea da Jurisprudência 1988 página 00817


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. A sexta Directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes ao imposto sobre o valor acrescentado (JO L 145, p. 1; EE 9 F1 p. 54), enumera no artigo 13.°, alínea A), n.° 1, "certas actividades de interesse geral" que, precisamente devido a esta sua qualidade, não estão sujeitas àquele imposto. As isenções é atribuído carácter obrigatório, pois é óbvio que só assim a Comunidade pode assegurar "que os recursos próprios sejam cobrados de modo uniforme em todos os Estados-membros" (décimo primeiro considerando do preâmbulo). Daquela enumeração constam, em particular, "as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício das actividades médicas e paramédicas" ((alínea c) )).

Na Grã-Bretanha, o n.° 1 do grupo 7 (saúde) do anexo 6 do Value Added Tax Act de 1983 isenta de IVA "as prestações de serviços e, em relação com estes, o fornecimento de bens", por uma pessoa inscrita em determinados registos profissionais, como os médicos, dentistas, oculistas e todos aqueles que desempenhem uma actividade paramédica, na acepção do Professions Supplementary to Medicine Act de 1960. Istosignifica, por exemplo, que, se um médico ou um oculista britânico receitarem aos seus clientes um par de óculos e depois lho venderem, tanto a consulta como os óculos são facturados sem IVA.

Ora, na presente acção, a Comissão das Comunidades Europeias pede-vos que declareis que, ao isentar do pagamento do IVA os produtos ministrados no âmbito de uma prestação médica/paramédica ou com base nela, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da alínea c) da norma citada no início.

2. O Governo de Londres começou por suscitar a questão prévia da inadmissibilidade da acção. Em seu entender, na notificação de incumprimento e no parecer fundamentado a Comissão não lhe indicou, de forma suficientemente clara, o objecto e os limites da própria acusação, nem fez luz sobre as medidas que o Reino Unido deveria ter tomado para dar cumprimento à disposição comunitária e sobre os motivos que justificavam a exigência em causa. Em suma, a demandante não dera ao Reino Unido a possibilidade de entender exactamente onde residia a ilicitude, pondo assim em causa o direito de defesa, desde o início do litígio.

É evidente que a questão prévia não tem razão de ser. Recordo que, no sistema do processo instituído pelo artigo 169.° do Tratado CEE, a notificação de incumprimento tem um objectivo preciso: obrigar a Comissão a dar a conhecer ao Estado interessado os elementos essenciais do incumprimento que lhe imputa, convidando-o a pronunciar-se sobre os seus aspectos de facto e de direito. Se a notificação, por si só, não bastar para resolver o litígio, a instituição, tendo em conta as observações apresentadas pelo seu interlocutor, emite um parecer fundamentado que serve para fixar definitivamente o objecto do litígio (ver acórdãos de 27 de Maio de 1981, processos apensos 142 e 143/80, Amministrazione finanze dello Stato/Essevi e Salengo, Recueil, p. 1413; de 15 de Dezembro de 1982, processo 211/81, Comissão/Dinamarca, Recueil, p. 4547; de 31 de Janeiro de 1984, processo 74/82, Comissão/Irlanda, Recueil, p. 317; e de 18 de Março de 1986, processo 85/85, Comissão/Bélgica, Colectânea, p. 1149).

Por outro lado, o parecer deve considerar-se adequadamente fundamentado quando a Comissão, depois de ter resumido a argumentação da autoridade nacional, define com suficiente precisão os factos e as razões que a levaram a denunciar o incumprimento do Estado (ver acórdãos de 14 de Fevereiro de 1984, processo 325/82, Comissão/Alemanha, Recueil, p. 777, e de 15 de Dezembro de 1982, processo 211/81, já citado).

Dito isto, as respostas à notificação e ao parecer demonstram com clareza que o Governo britânico entendeu perfeitamente a natureza do incumprimento de que era acusado; isto é, sabia que a Comissão o acusava de isentar do IVA todos os fornecimentos de bens relacionados com uma prestação de serviços médicos e que a isenção referente ao fornecimento de óculos era desta acusação apenas um exemplo, ainda que desse particularmente nas vistas. Além disso, nas mesmas respostas, a tese da demandante, segundo a qual a isenção do imposto apenas diz respeito às prestações médicas, é contestada ponto por ponto. Finalmente, não é verdade, como afirma o Reino Unido, que a acusaçãose tivesse tornado incerta e contraditória pelo facto de a demandante ter admitido, na sequência das observações britânicas, que a referida isenção também abrange os pequenos fornecimentos indissociáveis das próprias prestações: esse reconhecimento, pelo contrário, prova que ambas as partes identificaram com precisão o objecto e os limites do litígio. Logo, a acção é admissível.

3. Quanto ao mérito, o Governo de Londres sustenta que uma leitura sistemática do artigo 13.°, na sua totalidade, e o princípio da igualdade tornam indefensável a interpretação da alínea c) propugnada pela Comissão. Se se confrontar - afirma - o texto desta disposição com o da alínea b), tendo em conta que na versão inglesa ambas contêm a expressão "medical care", verificar-se-á que a isenção da alínea c) inclui também os bens fornecidos em conexão com o serviço prestado. A alínea b), com efeito, isenta do IVA "a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com ela estreitamente conexas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos" (sublinhado meu).

Ora, nestas hipóteses, a Comissão não duvida de que os bens fornecidos conjuntamente com a assistência médica estejam isentos do imposto. Mas - e aqui é que bate o ponto - será que no nosso caso também não se trata de uma assistência do mesmo género? E, se é verdade que a assistência médica tanto pode ser prestada num hospital como num consultório privado, será que, para efeitos tributários, conta mais o local da prestação do que a natureza desta? As respostas são óbvias, como é óbvio que o legislador comunitário não pode ter pretendido impor um tratamento diferente para a mesma actividade. Assim, deve concluir-se que a interpretação da alínea c) em que a demandante baseia a acusação é erradamente restritiva e que, pelo contrário, o Value Added Tax Act de 1983 respeita as exigências da Comunidade.

A tese está exposta com habilidade, mas, em minha opinião, não pode ser acolhida. Recordo que, para evitar abusos e assimilações fáceis, a sexta directiva distingue entre entrega de bens e prestação de serviços (sétimo considerando). A primeira consiste na "transferência (a um terceiro) do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário" (artigo 5.°, n.° 1). A segunda é definida pela negativa, isto é, compreende "qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens" (artigo 6.°, n.° 1).

No plano prático, como se sabe, a distinção não é fácil, especialmente quando as duas operações têm lugar no âmbito da mesma actividade económica; e, enquanto noutros sectores do direito o problema se resolve recorrendo ao critério da prevalência (ou seja, averiguando se, no que respeita ao objectivo da actividade em causa, conta mais o trabalho a desenvolver ou o bem a fornecer), no plano fiscal, em que se trata de aplicar imposições pecuniárias, as situações dúbias tendem a ser reguladas com precisão. Por exemplo, o artigo 5.°, n.° 5, alínea a), do diploma ora em questão permite considerar fornecimento "a entrega ao cliente, pelo empreiteiro, de um bem móvel por ele fabricado ou montado com materiais ou objectos que ocliente lhe confiou para o efeito, quer o empreiteiro tenha fornecido ou não uma parte dos produtos utilizados".

Com estas premissas, examinemos o regime das isenções. Parece-me significativo que os únicos fornecimentos de bens isentos enquanto tal

pelo artigo 13.° sejam "as entregas de órgãos, sangue e leite humanos" ((alínea d) )). Todas as outras entregas, pelo contrário, só são tomadas em consideração quando sejam "estreitamente conexas" ou "acessórias" de prestações de serviços destinadas, pela sua natureza, a prosseguir um interesse de carácter geral ou, de qualquer modo, público. É o caso dos fornecimentos relacionados com a assistência social e com a segurança social ((alínea g) )) ou com a protecção e a educação da infância e da juventude ((alíneas h) e i) )).

Pode afirmar-se, portanto, que, salvo expressa disposição em contrário, os fornecimentos de bens não estão isentos, mesmo quando relacionados com prestações de serviços isentas. Neste sentido, é paradigmático o caso da alínea e), que isenta "as prestações de serviços efectuadas no âmbito da sua actividade pelos mecânicos dentistas, e bem assim o fornecimento de próteses dentárias efectuado pelos dentistas e mecânicos dentistas". Prima facie, dir-se-ia que as prestações dos dentistas não estão isentas; mas não é assim. Tal como no caso dos médicos, a actividade destes profissionais inclui-se entre as prestações abrangidas pela alínea c) e é por isso que está isenta. Pelo contrário, o fornecimento de próteses estava excluído pela própria directiva, que impõe uma distinção entre os fornecimentos debens e as prestações de serviços; logo, para o isentar, era necessária uma norma ad hoc.

Na sequência da análise assim efectuada, é pois lícito concluir que, para os fins do artigo 13.°, os conceitos de prestação de serviços e de fornecimento de bens devem ser entendidos com rigor. A consequência é que a isenção da actividade prevista na alínea c) - isto é, a efectuada no exercício da profissão médica - só diz respeito ao fornecimento dos bens indispensáveis ao cumprimento material da prestação. Por outras palavras, ficam excluídos desta vantagem os aparelhos que, embora só sendo fornecidos mediante receita, possam vir a ser escolhidos e comprados depois da consulta e, portanto, são instrumentais, não no que respeita à prestação do médico mas à recuperação da funcionalidade do órgão doente.

Em suma, o erro do Governo britânico reside precisamente em ter assimilado a transferência comercial dos bens necessários para o efeito terapêutico final à utilização dos instrumentos de que o médico não pode prescindir para a correcta execução da sua própria função. Na terminologia da civil law, isto significa transformar a actividade do médico de uma obrigação de meios numa obrigação de resultado; ou seja, considerar que o médico não deve prestar apenas a sua arte, mas também os bens, normalmente adquiríveis em estabelecimentos especializados, de cuja utilização depende a cura do paciente. Contudo, além de contrária à realidade jurídica, esta maneira de ver é incompatível com o sistema da directiva que, para efeitos do IVA, estabelece uma nítida diferença entre a actividade prosseguida no exercício de uma profissão e a venda de um bem.

Como vimos, a esta conclusão responde o Governo de Londres que a isenção prevista na alínea b), referente à "assistência médica" prestada nos hospitais, inclui o fornecimento dos acessórios; o princípio da igualdade de tratamento e a coerência do sistema imporiam, então, que a mesma inclusão se verificasse no que respeita aos bens fornecidos em conexão com as prestações previstas na alínea c).

O argumento, como disse, é sugestivo. Esquece, no entanto, que a alínea b) isenta a assistência médica só quando seja assegurada por organismos de direito público ou por outros estabelecimentos hospitalares que "não devem ter como objectivo a obtenção sistemática de lucro" ((artigo 13.°, alínea A), n.° 2, alínea a), primeiro travessão) )). Pelo contrário, as actividades enumeradas no n.° 1, alínea c), são desenvolvidas "no... exercício das actividades médicas..." e, portanto, com fim lucrativo. Creio que basta esta diferença para justificar o distinto tratamento fiscal de que são objecto os dois tipos de prestações e para explicar por que razão, com excepção do Reino Unido e da Irlanda, nenhum Estado-membro isenta do IVA os óculos e outros acessórios fornecidos no âmbito de uma prestação profissional.

4. Com base nas considerações até aqui desenvolvidas, proponho que o Tribunal julgue procedente a acção intentada em 19 de Novembro de 1985 pela Comissão das Comunidades Europeias contra o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e declare que, ao isentar, nos termos do artigo 1.°, anexo 6, grupo 7 (saúde), do Value Added Tax Actde 1983, os fornecimentos de bens efectuados em conexão com o exercício das profissões médicas e paramédicas, aquele Estado não deu cumprimento às obrigações que lhe são impostas pelo artigo 13.°, alínea A), n.° 1, alínea c), da sexta Directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977.

O Reino Unido deverá ser condenado nas despesas do processo, nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento Processual.

(*) Tradução do italiano.