C-165/86 - Intiem/Staatssecretaris van Financiën

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EUR-Lex - 61986C0165 - PT

61986C0165

Conclusões do advogado-geral Vilaça apresentadas em 8 de Outubro de 1987. - LEESPORTEFEUILLE INTIEM CV CONTRA SECRETARIO DE ESTADO DAS FINANCAS. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELA TERCEIRA SECCAO DO HOGE RAAD DOS PAISES BAIXOS. - SEGUNDA E SEXTA DIRECTIVAS AO IVA - TRIBUTACAO DE PRESTACOES FORNECIDAS AOS EMPREGADOS DO SUJEITO PASSIVO. - PROCESSO 165/86.

Colectânea da Jurisprudência 1988 página 01471


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. I - A Terceira Secção do Hoge Raad dos Países Baixos submeteu ao Tribunal uma questão prejudicial tendo em vista fixar a interpretação da alínea a) do n.°s 1 e 4 do artigo 11.° da segunda directiva do Conselho (67/228), de 11 de Abril de 1967 (1), relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, bem como a interpretação da alínea a) do n.°s 2 e 6 do artigo 17.° da sexta Directiva do Conselho (77/388), de 17 de Maio de 1977 (2), relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado : matéria colectável uniforme.

2. A questão prejudicial tem origem num contencioso que se estabeleceu entre a sociedade Leesportefeuille "Intiem" e o fisco neerlandês.

3. A referida sociedade explora um catálogo de livros distribuído ao domicílio dos clientes por um certo número de empregados assalariados. Estes utilizam as suas viaturas pessoais para efectuar a distribuição, atribuindo-lhes a sociedade empregadora um subsídio para as despesas de deslocação suportadas pela utilização do veículo.

4. O referido subsídio não tem qualquer relação com a gasolina gasta pelos empregados no quadro da actividade de distribuição. Quanto a esta, o sistema é o seguinte: antes de iniciarem a distribuição, os empregados da Intiem enchem, por sua conta, o depósito de gasolina da respectiva viatura; no final de cada dia de trabalho, a sociedade empregadora manda encher o depósito das viaturas num posto de abastecimento situado em frente da empresa, sendo o respectivo encargo de sua conta. A sociedade que explora o posto de abastecimento factura então à Intiem a gasolina fornecida, por conta desta, aos empregados de distribuição.

5. O contencioso surgiu quando foi exigida à Intiem uma rectificação do imposto sobre o volume de negócios ("IVA"), uma vez que o fisco neerlandês não aceitou a dedução total do imposto efectuada por esta sociedade em relação à gasolina fornecida aos seus empregados.

6. Com efeito, nos termos da legislação neerlandesa - artigo 23.° do "Uitvoeringsbesluit Omzetbelasting" de 1968 (decreto adoptado em execução da lei de 1968 relativa ao imposto sobre o volume de negócios), conjugado com o artigo 16.° do "Uitvoeringsbeschikking Omzetbelasting" de 1968 (despacho de execução da lei de 1968) - uma empresa pode deduzir no imposto por ela devido uma certa percentagem da indemnização paga aos seus empregados pela utilização dos seus próprios veículos ao serviço da empresa, percentagem essa a fixar pelo ministro competente.

7. O inspector de Finanças considerou, em reclamação, que estas disposições deveriam ser aplicadas tanto aos subsídios concedidos aos empregados como às somas pagas pela gasolina por eles utilizada.

8. Em recurso, o Gerechtshof de Amesterdão deu razão ao inspector, considerando que a gasolina era fornecida aos empregados e não à sociedade, pelo que esta não poderia efectuar a dedução do IVA que fora imputado nesses fornecimentos.

9. Entendendo que a gasolina utilizada pelos seus empregados era fornecida à própria empresa no âmbito das suas actividades, pelo que seriam aplicáveis os artigos 3.°, n.° 1, alínea a) e 15.°, n.° 1, da lei de 1968, que lhe dariam direito à dedução total do IVA facturado com esse fundamento, a Intiem interpôs recurso de revista para o Hoge Raad. Este considerou então necessário, para solução do litígio, solicitar ao Tribunal de Justiça a interpretação das disposições de direito comunitário a que já nos referimos no início destas conclusões.

10. Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, a Comissão, o Governo neerlandês e o Governo da República Federal da Alemanha apresentaram ao Tribunal observações escritas, que se encontram sintetizadas no relatório para audiência.

11. II - Como decorre da exposição precedente, o problema suscitado pelo tribunal de reenvio centra-se na análise do mecanismo das deduções previstas no âmbito do sistema do IVA.

12. O princípio da dedução do imposto pago a montante é um elemento fundamental do sistema comum de IVA: em cada estádio do circuito de produção e comercialização das mercadorias (incluindo cada passagem da fronteira no país de consumo), o sujeito passivo entrega ao fisco a importância do imposto incidente sobre as suas vendas, deduzindo-lhe o montante do imposto pago, no estádio anterior, pelos seus fornecedores.

13. É esse mecanismo que permite realizar na prática a noção de imposto sobre o valor acrescentado, definido no artigo 2.° da primeira Directiva (67/227) do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (3), como "um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação".

14. Pela dedução do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço, consegue-se, como ainda recentemente recordou o Tribunal no acórdão Rompelman (4), "libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas actividades económicas". Segundo as palavras do mesmo acórdão, "o sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado garante, por consequência, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados destas actividades, sob condição de que as referidas actividades sejam, elas próprias, submetidas ao IVA".

15. O mecanismo de dedução foi organizado em termos idênticos na segunda e na sexta directivas, citadas na decisão do Hoge Raad, tendo o artigo 17.° desta última vindo precisar e desenvolver os princípios que já constavam do artigo 11.° da segunda directiva.

16. Para todos os efeitos úteis, pode, portanto, a nossa análise incidir, preferentemente, sobre as disposições pertinentes da sexta directiva, a qual, desde a respectiva data de aplicação, substituiu, de resto, a segunda directiva.

17. Dispõe o artigo 17.°, n.° 2, alíneas a) a c), e n.° 6 da sexta directiva:

"2) Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a) o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

b) o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens importados;

c) o imposto sobre o valor acrescentado devido nos termos do n.° 7, alínea a), do artigo 5.° e do n.° 3 do artigo 6.°

...

6) O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva."

18. Esta disposição permite-nos decompor o mecanismo das deduções da seguinte forma: o sujeito passivo do IVA pode proceder à dedução, no montante do imposto que lhe incumbe pagar, do imposto devido ou pago: a) sobre os bens transmitidos ou os serviços prestados por um outro sujeito passivo, b) sobre os bens importados (nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da sexta directiva, as importações estão sujeitas ao IVA) e c) sobre os bens fornecidos e os serviços prestados a si próprio.

19. O princípio geral de que o imposto só é dedutível "desde que os bens e serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis", isto é, no quadro da actividade económica da empresa, implica:

a) a dedução integral do imposto incidente sobre os bens ou serviços que respeitem inteiramente aquela condição geral;

b) a aplicação de um sistema de dedução proporcional em relação aos bens e serviços utilizados tanto para operações tributáveis como para operações não tributáveis (artigo 17.°, n.° 5), de acordo com os sistemas fixados por cada Estado-membro no quadro estabelecido pelas diversas alíneas do n.° 5 do artigo 17.°;

c)a exclusão do direito à dedução das despesas que, embora realizadas no quadro do funcionamento normal da empresa, devam ser consideradas como destinadas a satisfazer necessidades privadas.

Por falta de acordo no Conselho, a sexta directiva não consagrou uma lista comunitária de excepções, referindo apenas, em termos gerais, no n.° 6 do artigo 17.°, as despesas sumptuárias, recreativas ou de representação, e prevendo a elaboração daquela lista até ao fim de um período transitório de quatro anos.

Até que isso aconteça, o mesmo artigo 17.°, n.° 6, permite que os Estados-membros mantenham as excepções previstas nas respectivas legislações nacionais (cláusula de standstill), mas não que estabeleçam novas excepções.

20. III - Cremos que, com a questão posta a este Tribunal, o Hoge Raad dos Países Baixos pretende saber se, para o efeito da dedução integral do IVA a efectuar nos termos do n.° 2, alínea a), do artigo 17.° da sexta directiva, deve ser considerada como um bem fornecido ao sujeito passivo a gasolina fornecida directamente aos seus empregados para estes usarem, nas próprias viaturas, ao serviço da empresa e no quadro da actividade desta, sendo as respectivas facturas liquidadas pela empresa empregadora directamente à empresa fornecedora.

21. A nosso ver, a esta pergunta é de responder, resolutamente, pela positiva.

22. Se a gasolina for utilizada para fins exclusivamente profissionais no quadro da actividade da empresa ("para os fins das próprias operações tributáveis") e paga por esta última à sociedade fornecedora mediante a apresentação de facturas emitidas nos termos do n.° 3 do artigo 22.°, a dedução deve ser autorizada para evitar que a mesma matéria colectável seja onerada duas vezes pelo mesmo imposto, na medida do resíduo de IVA subsistente sobre um dos elementos do custo da empresa (a gasolina utilizada).

23. O facto de a gasolina ser introduzida directamente no depósito dos automóveis dos empregados que a vão gastar por conta da empresa não altera em nada a realidade jurídica e económica da operação.

24. Por um lado, a entrega é feita em execução de um contrato celebrado entre dois sujeitos passivos - agindo um como comprador, o outro como vendedor -, o qual produz os seus efeitos jurídicos nas relações entre ambos. Através desse contrato, operou-se a transferência, para a empresa adquirente, "do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário", que o n.° 1 do artigo 5.° da sexta directiva considerou ser o elemento definidor da "entrega de um bem" para efeitos de delimitação do âmbito de aplicação do IVA (artigo 2.°, n.° 1). É esta transferência do poder jurídico de disposição (e não a operação material de entrega) que constitui a base da noção de "operação tributável" e o ponto essencial de suporte da nossa análise.

25. As modalidades de utilização do bem no quadro da actividade da empresa relevam, por seu turno, seja do poder de organização próprio do empresário, seja de um outro contrato (contrato de trabalho) celebrado entre este e os seus empregados. Em qualquer caso, constituindo a gasolina um input da empresa, a sua entrega aos empregados para estes a utilizarem nas suas viaturas, ao serviço da empresa, não constitui uma "entrega de bens", nos termos dos artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da sexta directiva, pelo que não faz sentido conceber a hipótese de nova aplicação do IVA, com eventual dedução total ou parcial do respectivo montante, tanto mais que não se trataria de transferência "entre sujeitos passivos".

26. Do ponto de vista económico, a gasolina facturada à Intiem e que esta deverá pagar constitui um elemento do seu custo de produção, que vem onerado pelo IVA que sobre ele incidiu no estádio anterior.

27. A natureza jurídica e económica da situação é essencialmente a mesma quer o empresário vá ele próprio receber a mercadoria (a gasolina), quer envie um empregado com um camião carregado de bidões ou um camião cisterna pertencentes à firma, quer recorra aos serviços de uma firma transportadora, quer mande (por acordo com a firma fornecedora) introduzir directamente a gasolina nas viaturas dos empregados que a vão utilizar.

28. Não se vê por que haveria de admitir-se uma distorção no sistema do IVA em resultado, por exemplo, do facto de umas empresas de distribuição de livros disporem de camiões cisterna ou de depósitos próprios de gasolina e outras não.

29. Ponto é que esteja devidamente assegurado que a gasolina é usada exclusivamente para fins profissionais e não também para fins privados dos próprios empregados, altura em que seriam aplicáveis as disposições referentes à dedução proporcional com uma percentagem máxima.

30. Ora, a este propósito, a recorrente no processo perante o Hoge Raad alega que o sistema por ela usado ao abrigo de contratos celebrados quer com os seus empregados quer com o fornecedor de gasolina (sistema que já atrás descrevemos) é de molde a assegurar que só a gasolina utilizada nas deslocações no exercício da actividade de distribuição fica sujeita a dedução da totalidade do imposto incorporado no respectivo preço.

31. A alegação é plausível, dado o mecanismo de controlo usado.

32. Em todo o caso, trata-se aí de uma mera questão de facto a apreciar pelas jurisdições competentes segundo os meios de prova admissíveis pela legislação de cada Estado-membro, no quadro da sexta directiva. A possibilidade de desvios existe, de resto, igualmente, quando os empregados de distribuição usam viaturas pertencentes à firma, com gasolina por ela fornecida, as quais - na falta de um controlo eficaz - poderiam ser usadas para fins privados, à revelia do empresário.

33. Diferente é o caso dos subsídios pagos pela empresa aos seus empregados pela utilização dos seus veículos pessoais no quadro da respectiva actividade profissional. Sendo certo que as viaturas tanto podem ser usadas para fins profissionais, como para fins privados, a legislação neerlandesa prevê - tal como estabelece a directiva - a imposição de um limite global à dedução.

34. Ao mesmo regime deveria também ficar sujeita a gasolina entregue aos empregados e paga pela sociedade se se concluisse que ela era, regularmente, usada também para fins não profissionais.

35. IV - Dispomos assim dos elementos suficientes para vos propor que deis a seguinte resposta ao Hoge Raad dos Países Baixos:

"A entrega de um bem por um sujeito passivo directamente aos empregados de um outro sujeito passivo, em execução de um contrato celebrado entre os dois, confere a este último o direito à dedução integral do IVA, nos termos do n.° 2, alínea a), do artigo 17.° da sexta directiva, mesmo que o bem se destine a ser consumido nos veículos pertencentes aos referidos empregados, desde que os fornecimentos sejam facturados ao adquirente nos termos do disposto nos artigos 18.°, n.° 1, alínea a) e 22.°, n.° 3, da sexta directiva e o bem em questão seja utilizado unicamente, no quadro da actividade da empresa, para os fins das suas operações tributáveis."

(1) JO 71 de 14.4.1967, p. 1303.

(2) JO L 145 de 13.6.1977, p. 1.

(3) JO de 14.4.1967, p. 1301.

(4) Acórdão de 14 de Fevereiro de 1985, processo 268/83, Rompelman/Minister van Financiën, Recueil, p. 655, 664, n.° 19.