C-230/87 - Naturally Yours Cosmetics Ltd/Commissioners of Customs and Excise

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EUR-Lex - 61987C0230 - PT

61987C0230

Conclusões do advogado-geral Vilaça apresentadas em 14 de Julho de 1988. - NATURALLY YOURS COSMETICS LTD CONTRA COMMISSIONERS OF CUSTOMS AND EXCISE. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO VALUE ADDED TAX TRIBUNAL DE LONDRES. - SISTEMA COMUM DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO - MATERIA COLECTAVEL - FORNECIMENTO DE BENS E SERVICOS. - PROCESSO 230/87.

Colectânea da Jurisprudência 1988 página 06365


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juizes,

1. A questão prejudicial que nos coloca o "London Value Added Tax Tribunal" e, mais ainda, o longo e detalhado despacho de reenvio são sintomáticos do embaraço suscitado pela aplicação do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a) da sexta directiva IVA (1) no contexto dos factos que são objecto do processo principal.

2. A sociedade "Naturally Yours Cosmetics Ltd" (a seguir "NYC") dedica-se ao negócio de venda por grosso de cosméticos através de retalhistas designadas por "consultoras de beleza", as quais recorrem a pessoas das suas relações ("anfitriãs") para a organização de reuniões-convívio, durante as quais os produtos de NYC são oferecidos para venda às senhoras presentes.

3. As consultoras de beleza - que exercem, segundo parece, a sua actividade de maneira independente - compram os produtos à sociedade fornecedora por um preço determinado e vendem-nos às clientes ao preço de retalho recomendado, constituindo a diferença entre os dois preços o lucro a que têm direito.

4. Entram, pois, as consultoras de beleza na categoria de "sujeitos passivos", na acepção do artigo 4.°, n.° 1, da sexta directiva, mas estão isentas de IVA, nos termos do artigo 24.° da mesma directiva, dado o seu volume de negócios ser inferior ao limite mínimo fixado na legislação britânica.

5. Em cada reunião, a consultora de beleza oferece à anfitriã, como bónus por ter assegurado a sua organização, um boião de creme de beleza. O boião é adquirido pela consultora à sociedade NYC por 1,5 UKL, em vez do seu preço por grosso normal de 10,14 UKL.

6. Os "Commissioners of Customs and Excise" liquidaram, porém, o IVA relativo a 1984 com base nesta última importância, invocando, para isso, o disposto no artigo 10.°, n.° 3, do "Value Added Tax Act 1983", segundo o qual, "quando o fornecimento não tiver contrapartida ou tiver uma contrapartida não inteiramente constituida por dinheiro, o valor do fornecimento a tomar em consideração é o seu valor normal".

7. Considerando esta disposição contrária ao artigo 11.°, parte A), n.° 1, alínea a) da sexta directiva, cujo efeito directo invocou, a sociedade NYC impugnou perante o London Value Added Tax Tribunal a liquidação efectuada, alegando que o imposto incidia apenas sobre 1,50 UKL, preço pago pela consultora de beleza pelo boião de creme destinado a ser usado como oferta.

8. Para resolver o litígio, o juiz nacional considerou necessário perguntar ao Tribunal qual a matéria colectável a ter em conta num caso como este.

9. Trata-se, no fundo, de saber qual é, nos termos do artigo 11.°, parte A), n.° 1, alínea a) da sexta directiva, a "contrapartida" recebida em troca do boião-oferta fornecido pela empresa às consultoras de beleza: será apenas o preço efectivamente pago por estas? Ou incluirá ela algo mais? E em caso afirmativo, em que consistirá esse algo mais?

10. O problema surge porque a noção de "contrapartida" do referido artigo 11.°, parte n.° 1, A), alínea a) não se acha definida com precisão, tornando-se difícil aplicá-la numa situação como a que é objecto da questão prejudicial.

11. A segunda directiva IVA (2) faz referência, no seu artigo 8.°, alínea a), à noção equivalente de "contravalor", sobre a qual o Tribunal já foi chamado a pronunciar-se em acórdão de 5 de Fevereiro de 1981 (3).

12. Como, em acórdão posterior (4), o Tribunal já esclareceu que, atenta a "finalidade legislativa comum" das duas directivas, há que ter em conta, na interpretação da sexta directiva, a jurisprudência relativa à segunda directiva, convém ter presente, a propósito do esclarecimento da noção de "contrapartida", os princípios já definidos no citado acórdão de 5 de Fevereiro de 1981.

13. Podem extrair-se desse acórdão (pontos 8 a 14) os elementos de interpretação seguintes:

a) A noção a interpretar ("contravalor" ou "contrapartida") consta de uma disposição de direito comunitário que não remete para o direito dos Estados-membros a determinação do seu sentido e alcance, pelo que a sua interpretação não pode ser deixada à discrição de cada Estado-membro;

b) Como se acha explicitado no ponto 13 do Anexo A da segunda directiva (que dela faz parte integrante por força do artigo 20.°), deve entender-se por "contravalor" (e, portanto, também por "contrapartida"), "tudo aquilo que é recebido como contrapartida da entrega do bem ou da prestação de serviços, incluindo as despesas acessórias (embalagem, transporte, seguro, etc.), isto é, não só a importância dos valores cobrados mas também, por exemplo, o valor dos bens recebidos em troca..." (sublinhado nosso);

c) Como resulta das disposições combinadas dos artigos 8.°, alínea a), e 2.°, alínea a), da segunda directiva (a cujos comandos correspondem, respectivamente, os artigos 11.°, parte A), n.° 1, alínea a) e 2.°, n.° 1, da sexta directiva), só estão, como regra, sujeitas a imposto as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso;

d) Para que possam considerar-se verificadas as condições mencionadas, é necessário que exista uma relação directa de sinalagma entre o bem entregue (ou o serviço prestado) e a contrapartida recebida;

e) Resulta da utilização dos termos "a título oneroso" e "tudo aquilo que é recebido como contrapartida" - bem como do disposto no artigo 9.° da segunda directiva (artigo 12.°, n.° 3, da sexta directiva), quanto à taxa normal do imposto - que o contra-valor (ou a contrapartida) da entrega de um bem (ou da prestação de um serviço) deve poder exprimir-se em dinheiro; resulta também que essa contrapartida é um "valor subjectivo", dado que a matéria colectável é a contrapartida realmente recebida e não um valor calculado segundo critérios objectivos.

14. Como aplicar estes princípios ao caso vertente?

15. Comecemos pelo conteúdo da contrapartida.

16. O artigo 11.°, parte A), n.° 1, alínea a) é muito claro ao esclarecer que a contrapartida não se limita às entregas em dinheiro, antes é formada "por tudo o que (5) constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações" (entrega de bens ou prestação de serviços) do adquirente, do destinatário ou de um terceiro. Não especificando o que cabe nessa expressão, a directiva pretendeu, naturalmente, que lhe fosse dada toda a amplitude possível. É isso, de resto, que corresponde aos objectivos do sistema do IVA: um sistema geral de tributação do consumo, neutral relativamente à estrutura das transacções, assegurando, por isso, a cobertura mais completa possível das transacções em todas as fases da produção e da distribuição (ver o quinto considerando da primeira directiva (6)).

17. Todas as transacções (entregas de bens e prestações de serviços, bem como importações de bens) efectuadas a título oneroso estão pois abrangidas no âmbito de aplicação do imposto (artigo 2.° da sexta directiva).

18. A preocupação do legislador de apreender (de modo aliás uniforme em toda a Comunidade) a totalidade da matéria colectável está, de resto, presente também na própria definição das operações tributáveis (artigos 5.° e 6.°), incluindo as várias equiparações aí feitas de certas operações a entregas de bens ou a prestações de serviços a título oneroso.

19. Se devesse excluir-se da contrapartida alguma forma de pagamento - como, por exemplo, os serviços prestados em troca do bem fornecido - abrir-se-ia a porta a uma evasão fiscal legítima, frustrando os objectivos da sexta directiva e permitindo que uma parte da matéria colectável escapasse à tributação, criando, eventualmente, distorções no tratamento fiscal de situações que são, no plano económico ou comercial, substancialmente idênticas.

20. As prestações de serviços não estão pois, a priori, excluídas da noção de contrapartida, sem o que não seria difícil fugir ao âmbito da tributação.

21. É certo que, ao esclarecer a noção de "contravalor", o n.° 13 do Anexo A da segunda directiva se refere apenas ao "valor dos bens recebidos em troca" e não, também, ao valor dos serviços prestados.

22. Trata-se, contudo, de uma indicação feita a título exemplificativo, que não deve - até por isso - ser entendida de forma restritiva ou literal.

23. A referência aos bens justifica-se, certamente, por ser caso mais frequente; mas sempre poderá reconhecer-se que o facto de o legislador não ter mencionado os serviços talvez exprima as dificuldades práticas que a consideração destes em certos casos suscita (7).

24. Diga-se, ainda, que, para efeito da determinação da matéria colectável, não interessa toda e qualquer vantagem que o fornecedor possa retirar da operação, mas apenas a que obtém em contrapartida da sua prestação, o que retira pertinência ao exemplo, invocado por NYC, da venda a baixo preço dos produtos de uma fábrica para escoar os stocks" desactualizados.

25. É preciso, no entanto - segunda condição - que, entre o serviço prestado e o bem fornecido, exista um vínculo directo que permita considerar aquele serviço como contrapartida deste fornecimento.

26. Tudo depende do contrato celebrado.

27. No caso presente, os autos - designadamente o despacho do juiz de reenvio - dão-nos a entender que é esse o caso.

28. O boião de creme rejuvenescedor é fornecido por 1,5 UKL à consultora de beleza mediante o compromisso de esta o utilizar para oferta a uma anfitriã pela organização de uma reunião destinada a promover a venda dos produtos de NYC.

29. O boião não pode ser desviado dessa finalidade, designadamente não pode ser vendido ao público por um preço superior àquele por que foi fornecido à consultora.

30. Este pode considerar-se uma parte apenas do pagamento do boião; se a empresa o fornece à consultora por um preço tão baixo é porque, em contrapartida, recebe também da consultora de beleza o serviço que consiste em procurar uma anfitriã e promover a realização da reunião.

31. Dir-se-á, contra este entendimento, que a tarefa de encontrar uma anfitriã para organizar a reunião não constitui um serviço prestado a NYC, mas antes um serviço que a consultora leva a cabo no seu próprio interesse. Com efeito, se a reunião-convívio não se realizar, a consultora de beleza - que pagou os produtos ao grossista - fica com eles invendidos ou, pelo menos, vê as vendas retardadas, ao passo que a sociedade NYC já recebeu o pagamento da consultora-retalhista, devendo ser-lhe indiferente que esta recupere ou não as importâncias pagas.

32. Não é assim.

33. NYC tem interesse em que a reunião se realize porque, sendo - segundo parece - esse o seu método exclusivo de venda, o escoamento regular dos seus produtos depende da multiplicação das reuniões-convívio e, portanto, da intervenção das consultoras na promoção dessas reuniões.

34. Por isso - e, certamente, só por isso - é que NYC aceita fornecer o boião destinado a brinde por um preço tão baixo. Se o interesse fosse apenas da consultora de beleza, seria lógico que o grossista lhe cobrasse então o preço normal do produto, suportando ela o encargo total do brinde gratuito (eventualmente com um qualquer desconto), a recuperar através do lucro das vendas efectuadas por um preço de retalho superior ao preço por grosso.

35. Conforme resulta dos autos, se a consultora de beleza não prestar ao grossista o serviço combinado - isto é, se não encontrar a dona de casa que lhe organize a reunião - o boião deve ser devolvido ou pago pelo seu preço normal de venda por grosso, o que constitui o teste suficiente da afirmação de que a contrapartida não é, por isso, apenas constituída por 1,5 UKL.

36. A recorrente no processo principal (a sociedade NYC) utilizou, para ilustrar a sua demonstração da inconsistência da posição atrás referida, o exemplo da venda de uma dada mercadoria por um preço muito inferior ao corrente (eventualmente simbólico), com o compromisso, por parte do comprador, de adquirir no futuro quantidades mais importantes dessa mercadoria. Para a recorrente NYC, este compromisso constitui - como no caso que é objecto do presente processo - um mero elemento do acordo de conjunto concluído entre as duas partes, o qual, não obstante o valor que possa efectivamente ter para o fornecedor não deveria ser incluído na contrapartida para efeitos de determinação da base de tributação do IVA. Na audiência, o agente do Governo português referiu-se a este mesmo exemplo, considerando que ele não seria comparável à situação que está em causa no presente processo, uma vez que não haveria relação directa entre a redução de preço e a promessa de adquirir mais tarde quantidades suplementares ao preço corrente.

37. A nós parece que do exemplo apresentado não é possível retirar argumento decisivo.

38. Porque, das duas uma: ou as situações em confronto são, como sustentou o Governo português, inteiramente distintas porque, no exemplo dado por NYC, estamos perante operações tributáveis feitas em condições diferentes e que se estendem no tempo sem suficiente relação umas com as outras; ou, então, há elementos objectivos que permitem considerá-las idênticas, conduzindo, eventualmente, ao mesmo resultado. A este último propósito, poderia pensar-se, por exemplo, na hipótese de as partes haverem convencionado que o comprador reembolsasse o fornecedor pela diferença entre o preço normal e o preço reduzido, no caso de não cumprir o seu compromisso de adquirir posteriormente quantidades suplementares da mercadoria. Pareceria, então, poder discernir-se um vínculo directo entre a redução de preço e o compromisso assumido, com possibilidade de avaliação "subjectiva" precisa do serviço prometido e não prestado em contrapartida do bem fornecido. Mas, ainda assim, seria preciso demonstrar que, dada a importância da redução, não se estaria perante um mero desconto ou abatimento, em princípio não incluído na matéria colectável ((artigo 11.°, parte A), n.° 3, alínea b) )) da sexta directiva), posteriormente rectificado ou anulado.

39. No caso que é objecto do presente processo, a existência de um vínculo específico entre a entrega do boião à consultora de beleza (por um preço inferior ao normal) e o compromisso daquela de promover a organização de uma determinada reunião-convívio permite ainda distinguir esta situação da que consistiria na entrega de um ou mais boiões por aquele preço com o compromisso, não especificado, de organizar, em geral, reuniões para venda dos produtos de NYC. Com efeito, neste último caso, seria, certamente, muito mais difícil falar numa contrapartida específica pelo fornecimento do produto a um preço inferior ao corrente.

40. Num caso como no outro, a parcela do custo dos boiões não reembolsada por um pagamento em dinheiro da parte do retalhista será, naturalmente, contabilizada pela empresa entre os seus encargos gerais de funcionamento e, consoante os casos, deduzida dos lucros ou incluída no cálculo do preço das mercadorias por ela normalmente vendidas. Estamos então perante simples práticas contabilísticas ligadas às opções financeiras ou de tesouraria da firma, que não alteram em nada a natureza das transacções em causa, quaisquer que sejam as contrapartidas que elas comportam.

41. O que precede justifica ainda (juntamente com o elevado valor da redução relativamente ao preço de venda por grosso: cerca de 86%) que não seja aplicável, pura e simplesmente, o regime dos descontos e abatimentos da alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A) da sexta directiva. Na verdade, a tais noções é estranha a ideia de sinalagma, que está presente no caso sub judice.

42. Quanto ao serviço que a anfitriã presta, por sua vez, ao ceder a sua casa e colaborar na organização da reunião, é ele estranho ao âmbito das relações entre a consultora de beleza e a grossista NYC, não tendo, pois, que ser tomado em conta para a definição da contrapartida na venda de NYC à consultora. As relações entre a consultora e a anfitriã situam-se, por conseguinte, numa outra fase do processo de distribuição dos produtos.

43. Nessa fase, e caso as consultoras estivessem sujeitas a imposto, a oferta gratuita do boião à dona de casa estaria, ela própria, - independentemente da consideração, como contrapartida, do serviço prestado pela anfitriã - sujeita, em princípio, à tributação. Como lembrou o agente do Governo português na audiência, o n.° 6 do artigo 5.° da sexta directiva considera a disposição de bens da empresa a título gratuito como uma entrega efectuada a título oneroso, sendo a matéria colectável determinada então nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A).

44. Só assim não seria se a entrega pudesse considerar-se como uma "oferta de pequeno valor" ou uma "amostra", excluídas pelo n.° 6 do artigo 5.° da equiparação a entregas efectuadas a título oneroso. Dado o custo do produto em questão parece, todavia, pelo menos duvidoso que pudesse aplicar-se tal regime no caso presente.

45. O preço de custo, para efeitos de determinação de matéria colectável, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A), seria, na realidade de 10,14 UKL, correspondente ao preço normal de venda por grosso do produto, base de tributação do imposto na fase anterior do circuito de distribuição.

46. É isso que está, ao fim e ao cabo, de acordo com o facto de se poder dizer que a anfitriã recebe, pela organização da reunião, uma prenda que vale 10,14 UKL (ou 12,95 UKL, preço de venda a retalho do produto), e não apenas 1,5 UKL, como seria lógico pensar-se se se considerasse ser esta importância a única contrapartida recebida por NYC, como tal sujeita a tributação.

47. Para que o serviço prestado deva considerar-se como uma parcela da contrapartida correspondente ao bem fornecido e portanto incluído na base tributável do IVA, é necessário ainda - terceira condição - que seja susceptível de avaliação e passível de uma expressão pecuniária. Como o Tribunal também esclareceu, este "contra-valor" há-de ser um "valor subjectivo" e não um valor calculado segundo critérios objectivos.

48. Num caso como o que agora nos ocupa, não pode excluir-se a priori que estes requisitos estejam verificados.

49. As partes no contrato (NYC e consultoras de beleza) reduziram o preço de venda por grosso do bem entregue (o boião de brinde), em troca da prestação de um serviço consistente na promoção de uma reunião-convívio.

50. O facto de a redução de preço só ter lugar em caso de efectiva realização da reunião, com oferta do boião à anfitriã, demonstra que as partes atribuíram, subjectivamente, ao serviço prestado um valor correspondente a tal redução de preço. Devendo a parte do preço do bem que não foi paga logo de início ser reembolsada se a reunião não chegar a efectuar-se, isso significa que, nessa parte, o bem ou é pago com o serviço prestado ou com uma determinada importância em dinheiro em substituição desse serviço.

51. É assim legítimo, a nosso ver, aplicar o imposto a esse valor, na medida em que ele faz igualmente parte da contraprestação num contrato bilateral em que uma das partes entrega um bem e a outra o paga parcialmente em dinheiro e parcialmente com um serviço que se compromete a prestar.

52. No caso de uma operação de troca, o valor de cada prestação vale, ao fim e ao cabo, como contrapartida (ou contra-valor) da outra prestação.

53. O que torna a questão menos clara é o facto de a legislação britânica se referir ao valor normal ("open market value") do bem entregue ou do serviço prestado como base da tributação.

54. A aplicação desta noção no caso presente é equívoca.

55. Com efeito, o que se pretende é apurar o valor efectivamente atribuído pelas partes à contraprestação, para sobre ele fazer incidir o imposto.

56. É certo que o apuramento desse valor implica, nas circunstâncias do caso, uma referência ao preço de venda por grosso normalmente praticado para aquele tipo de bens quando fornecidos para venda ao público.

57. Mas, tal como os "Commissioners" fizeram aplicação da norma britânica, não está rigorosamente em causa a utilização, para avaliar a contrapartida, de uma verdadeira e própria noção de valor normal, como algo de fictício e desligado dos termos da transacção feita e da relação sinalagmática estabelecida entre as duas partes no contrato.

58. Com efeito, num caso como o presente, há uma relação tal entre as contraprestações que se torna possível reconhecer o valor que os co-contratantes atribuíram ao serviço que constitui uma parte da contrapartida. O apuramento desse valor é feito, indirectamente, por referéncia ao preço normal de venda por grosso do produto; ainda aí, porém, não se trata de um valor abstracto, mas de um preço concreto, praticado entre aqueles mesmos co-contratantes nas operações "normais", preço esse que será, de resto, aplicado ao mesmo bem caso não seja prestado o serviço prometido.

59. Não gostaríamos, de todo o modo, que daqui se concluisse - como preferiria a recorrente NYC e foi também preferência revelada pela Comissão nas suas observações escritas - pela completa impossibilidade de recorrer à noção de valor normal ou de valor corrente de mercado para determinar a contrapartida, no quadro do artigo 11.°, parte A), n.° 1, alínea a) da sexta directiva.

60. Com efeito, em certas circunstâncias, essa será a única forma de apurar efectivamente o valor da contrapartida e de a sujeitar a imposto, de modo a evitar distorções ou evasões fiscais que ocorreriam, forçosamente, se devesse então desprezar-se a parte da contraprestação não consistente na entrega de uma determinada soma em dinheiro.

61. Como salientámos durante a audiência, não podem merecer tratamento fiscal diferente dois contratos de venda de uma determinada mercadoria em que o pagamento é feito parte em dinheiro e parte em bens ou serviços, pelo simples facto de, num desses contratos, as partes terem fixado o valor do bem entregue ou do serviço prestado em troca e, no outro, o terem omitido. Só o recurso ao valor normal ou ao valor corrente de mercado permitirá então evitar a distorção que resultaria de se tratar diferentemente transacções com um conteúdo económico rigorosamente idêntico.

62. Contra esta conclusão não pode prevalecer o facto de o artigo 11.°, parte A), n.° 1, alínea a) da sexta directiva - ao contrário do que sucede nos casos particulares da alínea d) da mesma disposição ou do artigo 11.°, parte B), n.° 1, alínea b) (importações) - não contemplar em geral, o recurso à noção de "valor normal".

63. Nem mesmo o facto de a referência a tal noção ter sido eliminada da versão final da directiva, relativamente ao projecto inicial (8). Se esta eliminação tem um sentido (e tem-no, certamente) ele é, na parte que nos interessa, o de que se pretendeu substituir - como base de tributação - neste tipo de transacções - a referência ao valor normal da operação em causa (entendido como valor normal do bem ou do serviço fornecido) pela referência à contrapartida, cujo valor é necessário determinar por forma que a directiva deixou por esclarecer.

64. Com efeito, - ao estabelecer que, no caso geral das entregas de bens e das prestações de serviços, a matéria colectável é composta "por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber" - o legislador deixou em aberto o modo de determinação ou de avaliação dessa contrapartida quando não consistente numa entrega em dinheiro (9).

65. Esse "modo" há-de ser o que se revelar mais directo e menos distorsor e o que melhor respeitar o sistema geral da sexta directiva, tal como o Tribunal o tem interpretado (designadamente no já citado acórdão de 5 de Fevereiro de 1981).

66. Em certos casos, o recurso à noção de valor normal será, como se disse, a única forma de apurar a contrapartida e de evitar as distorções ou as vantagens fiscais injustificadas que resultariam da sua omissão.

67. Assim parece ter sido aceite pela Comissão nas observações que apresentou no processo n.° 154/80 (10) e assim foi reconhecido, na audiência do presente processo, pelo advogado de NYC e pelo próprio agente da Comissão.

68. Mas, como observámos nas nossas conclusões Direct Cosmetics (11), o valor normal só deverá ser tido em conta na ausência de um preço pago pelo adquirente e quando for impossível (ou pelo menos, excessivamente difícil) atribuir, por outra forma, à contraprestação o seu valor efectivo na transacção ou, ao menos, o seu valor real de mercado. Neste ponto, deve dizer-se que a expressão da legislação britânica e da versão inglesa da sexta directiva - "open market value", que poderiamos fazer corresponder a "valor corrente de mercado" - nos parece mais feliz que a expressão "valor normal", usada nas versões latinas da directiva. Só na falta de um mercado é que será necessário recorrer a um valor não real ou meramente presumido.

69. Em qualquer caso, como imposto de consumo, o IVA deve tributar tão exactamente quanto possível a despesa efectiva do consumidor e, por isso, a passagem de valores reais a valores normais só deverá admitir-se (afora os casos em que isso está expressamente previsto) quando não for possível outro processo que constitua uma melhor aproximação daquilo a que o Tribunal chamou o "valor subjectivo" da contraprestação.

70. Assim acaba o Tribunal de o confirmar no acórdão muito recentemente adoptado (12 de Julho de 1988) no referido processo Direct Cosmetics, ao declarar (ponto 53) que "o valor normal na acepção do regime derrogatório em questão deve ser entendido como o valor mais próximo possível do valor de mercado na venda a retalho, isto é do preço real pago pelo consumidor final".

71. As circunstâncias do caso presente fazem com que essa aproximação seja possível, permitindo atribuir com rigor (ainda que indirectamente), nas relações entre as partes, um valor ao serviço prestado em contrapartida do bem fornecido, sem necessidade sequer de recorrer à noção de valor normal ou valor corrente de mercado, ao contrário do que poderiam inculcar os termos da disposição interna (e, em especial, os da sua tradução corrente nas diversas línguas latinas), em aplicação da qual foi tomada a decisão dos Commissioners.

72. Não estando agora em causa julgar da compatibilidade dessa norma com o direito comunitário, não faz sentido fazer juízos de carácter geral sobre os termos em que ela se acha redigida. Por isso nos limitamos, na resposta que de seguida proporemos, a indicar quais nos parecem ser os princípios de interpretação do artigo 11.°, parte A), n.° 1, alínea a) da sexta directiva, que permitem decidir o caso sub specie.

73. Acrescentaremos apenas que a determinação do valor do serviço incluído na contraprestação não deve ser feita por referência à sua produtividade, mas ao seu valor subjectivo nas relações entre as partes, sendo, portanto, independente do maior ou menor sucesso, isto é, do maior ou menor lucro, das reuniões-convívio organizadas. Da mesma forma, tem um preço o projecto de um arquitecto, independentemente de ganhar ou não um concurso, ou a consulta de um professor universitário, independentemente de o seu consulente obter ou não ganho de causa em juizo.

74. Em conformidade com o que precede, propomo-vos que declareis que, num caso como aquele que nos é posto pelo "London Value Added Tax Tribunal" - um fornecedor (grossista) entrega certos bens (bónus) a outrém (retalhista) por um preço sensivelmente inferior àquele por que fornece bens idênticos ao mesmo retalhista para revenda ao público, com o compromisso, por parte do retalhista, de utilizar aquele bónus para recompensar outra pessoa pela organização de uma reunião durante a qual o conjunto dos produtos do grossista são oferecidos para venda ao público pelo retalhista, sem o que o bónus é devolvido ao fornecedor ou deverá ser pago pelo seu preço de venda por grosso - a matéria colectável é constituída, nos termos do artigo 11.°, parte A), n.° 1, alínea a) da sexta directiva, pela soma do preço pago ao grossista com o valor da prestação de serviço do retalhista, consistente na angariação de outra pessoa para organizar a reunião, podendo o valor deste serviço considerar-se igual à diferença entre o preço que o retalhista paga para revenda ao público e o preço que ele efectivamente pagou pelo referido bónus.

(1) Sexta directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (77/388/CEE) JO L 145, de 13.6.1977, p. 1.

(2) - Segunda directiva do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado - (67/228/CEE), JO 713, de 14.4.1967, p. 1303.

(3) Acórdão de 5 de Fevereiro de 1981, processo n.° 154/80, Staatssecretaris van Financiën/Cooperative Aardappelenbewaarplaats, Recueil 1981, p. 445 e seguintes.

(4) Acórdão de 8 de Março de 1988, processo n.° 102/86, Apple and Pear Development Council, Colect. p. 1443, ponto 10.

(5) Sublinhado nosso.

(6) Primeira directiva do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, JO 71, de 14.4.1967, p. 1301/67.

(7) É curioso referir que a própria Comissão, no documento, citado pelo Governo português, COM(74)795 final, de 26 de Julho de 1974, "Modifications à la proposition de sixième directive du Conseil...", menciona expressamente, como fazendo parte do "contra-valor" e devendo portanto ser incluído na base de tributação, o valor dos serviços obtidos ou a obter, ao lado dos bens recebidos em troca.

(8) Ver proposta da Comissão para a sexta directiva do Conselho em matéria de harmonização das legislações dos Estados-membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum de impostos sobre o valor acrescentado: base de tributação uniforme - apresentada pela Comissão ao Conselho em 29 de Junho de 1973, JO C 80, de 5.10.1973, p. 1; acta da Sessão do Parlamento Europeu, de 14 de Março de 1974, JO C 40, de 8.4.1974, p. 34 e seguintes.

(9) Deve aproximar-se esta conclusão da que o Tribunal adoptou no acórdão de 1 de Fevereiro de 1977, processo n.° 51/76, Nederlandse Ondernemingen/Inspecteur der Invoerrechten en Accijnzen, Recueil 1977, p. 113, 125 e 126, considerandos 14 a 18, relativamente à interpretação correcta do termo "bens de investimento", constante do terceiro travessão do artigo 17.°, primeiro parágrafo, da segunda directiva. O Tribunal considerou aí que, não contendo a directiva todas as indicações necessárias para definir de maneira uniforme e precisa as exigências que devem ser satisfeitas (no que respeita à durabilidade, ao valor e às regras de amortização aplicáveis) para que um bem possa ser classificado como bem de investimento, os Estados-membros gozam de uma certa margem de apreciação na definição dessas exigências.

(10) Rec.ueil 1981, p. 449 e 450.

(11) Conclusões nos processos apensos n.os 138 e 139/86, Direct Cosmetics e Laughtons Photographs, apresentadas na audiência de 27 de Janeiro de 1988.