C-281/91 - Muys' en De Winter's Bouw- en Aannemingsbedrijf/Staatssecretaris van Financiën

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EUR-Lex - 61991C0281 - PT

61991C0281

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 3 de Março de 1993. - MUYS'EN DE WINTER'S BOUW- EN AANNEMINGSBEDRIJF BV CONTRA STAATSSECRETARIS VAN FINANCIEN. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HOGE RAAD - PAISES BAIXOS. - LIQUIDACAO ADICIONAL DO IMPOSTO SOBRE O VOLUME DE NEGOCIOS - SEXTA DIRECTIVA IVA. - PROCESSO C-281/91.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-05405


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. No presente processo, o Hoge Raad der Nederlanden pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a interpretação da Sexta Directiva em matéria do imposto sobre o valor acrescentado (Directiva 77/388/CEE do Conselho; JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54). A questão, no presente caso consiste em saber se, quando uma empresa de construção celebra um contrato com um cliente para a entrega de um terreno e a construção de um edifício, os juros devidos pelo cliente pelo diferimento do pagamento do preço de compra do terreno até à data da transmissão da propriedade fazem parte da contrapartida pela entrega do terreno que é tributável ou constituem a contrapartida de uma operação distinta de concessão de crédito, que está isenta de imposto sobre o valor acrescentado nos termos do artigo 13. , parte B, alínea d), n. 1, da Sexta Directiva.

2. O artigo 13. , parte B, da Sexta Directiva, determina:

"Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

...

d) ...

1. A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efectuada por parte de quem os concedeu."

3. A recorrente na causa principal, Muys' en De Winter' s Bouw- en Aannemingsbedrijf BV, é uma empresa de construção de Roterdão que, no âmbito da sua actividade, celebra "contratos de compra e venda e de empreitada" com os seus clientes. Resulta do despacho de reenvio que estes contratos prevêem:

ou a entrega de uma parcela de terreno e a construção de uma habitação (ou, em alguns casos, o acabamento da construção de uma habitação parcialmente construída), ou

a construção de um edifício dividido em apartamentos e a entrega ao cliente de uma fracção do edifício e do terreno correspondente, bem como o direito de utilização exclusiva de uma parte do imóvel para habitação.

4. Por força dos contratos, o preço da construção do imóvel é pago em prestações, em função do adiantamento da construção. O preço do terreno é devido, por norma, na altura da celebração do contrato ou pouco depois desta, apesar de por vezes poder ser pago em prestações juntamente com o preço da construção. Os contratos permitem que o cliente difira o pagamento da quantia devida pelo terreno, ou das prestações que perfaçam essa quantia, até à data da transmissão para o cliente da propriedade do terreno e do imóvel, desde que, em termos gerais, o cliente efectue um depósito de 10% do preço total da compra e da construção. Neste caso, o comprador tem que pagar juros sobre o montante do pagamento diferido. As cláusulas relativas ao pagamento diferido e aos juros também se aplicam às prestações periódicas devidas no que toca ao preço da construção.

5. As autoridades fiscais neerlandesas entendem que, embora os juros devidos relativamente às prestações vencidas no que toca ao preço da construção estejam isentos de imposto nos termos das disposições neerlandesas que executam o artigo 13. , parte B, alínea d), n. 1, os juros devidos no que respeita ao preço de aquisição do terreno não estão isentos. Segundo a explicação apresentada na audiência pelo agente do Governo neerlandês, parece que a distinção que foi feita se baseia no facto de o trabalho de construção implicar a prestação de serviços durante todo o período de duração do contrato, ao passo que a entrega do terreno é uma operação única que se realiza no momento do acabamento do imóvel. A opinião das autoridades fiscais foi confirmada na primeira instância, com o fundamento de que, nas circunstâncias concretas deste caso, os juros cobrados entre a celebração do contrato e a transmissão da propriedade sobre o terreno fazem parte da remuneração exigida pela entrega do terreno. No âmbito do recurso nele interposto, o Hoge Raad submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:

"Quando um contrato de compra e venda e de empreitada, celebrado entre uma empresa de construção e um comprador/dono da obra, prevê que o pagamento do terreno que deve ser entregue em cumprimento desse contrato deve ser efectuado aquando da celebração do contrato ou pouco depois desta, mas prevê igualmente que o comprador/dono da obra pode, mediante o pagamento de juros, diferir o pagamento até ao momento da entrega, devem esses juros ser considerados como uma remuneração pela concessão de um crédito, na acepção do artigo 13. , parte B, alínea d), n. 1, da Sexta Directiva IVA, ou o montante facturado a título de juros faz parte do pagamento pela entrega do terreno?"

6. A questão do Hoge Raad levanta dois problemas fundamentais:

1) Como regra, quando um fornecedor de bens autoriza o seu cliente a diferir o pagamento do preço de compra dos bens mediante o pagamento de juros, pode considerar-se que ele efectua uma prestação distinta, que consiste na concessão de créditos isenta nos termos do artigo 13. , parte B, alínea d), n. 1, da Sexta Directiva?

2) Se assim for, tem alguma importância que, como acontece no presente caso, o fornecedor se proponha conceder o crédito antes de entregar os bens ao cliente?

Quanto ao primeiro ponto

7. Relativamente ao primeiro ponto, a recorrente e os Governos dinamarquês, alemão e neerlandês consideram que o artigo 13. , parte B, alínea d), n. 1, se aplica, em princípio, à concessão de créditos por um fornecedor ao seu cliente no que toca a uma entrega de um bem como um terreno (que, como coisa corpórea, cabe no elenco dos bens, na acepção do artigo 5. da directiva). Os Governos dinamarquês e alemão salientam que tem de ser estabelecida uma distinção clara, de natureza contratual, entre a prestação principal e a operação de crédito se esta última não deva ser considerada acessória em relação à prestação principal nem parte integrante desta; assim, as regras do direito alemão exigem que as remunerações relativas às duas operações sejam convencionadas e calculadas separadamente e que a taxa de juro anual seja especificada; as regras do direito dinamarquês exigem, de modo análogo, que os juros sejam claramente indicados no próprio contrato de compra e venda ou num instrumento separado relativo ao pagamento.

8. A Comissão e o Governo grego consideram, pelo contrário, que o artigo 13. , parte B, alínea d), n. 1, não se aplica à concessão de créditos ligada a um contrato de entrega de bens ou de prestação de serviços. A Comissão considera que o artigo 13. , parte B, alínea d), n. 1, só abrange os juros relativos a empréstimos stricto sensu e não os juros relativos a um crédito que é acessório da entrega de bens ou da prestação de serviços; em sua opinião, esta disposição tem por objectivo isentar o sector bancário. O Governo grego considera que, para a isenção ser aplicada, tem de haver um contrato de empréstimo separado.

9. Como excepções ao regime geral da Sexta Directiva,as isenções constantes do artigo 13. devem ser interpretadas restritivamente: v., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Justiça no processo 348/87, Stichting Uitvoering Financiële Acties/Staatssecretaris van Financiën, Colect. 1989, p. 1737, em especial o n. 13. As isenções mencionadas no artigo 13. são, na sua maior parte, exactamente definidas em função da natureza das entregas de bens ou das prestações de serviços e muitas vezes em função da identidade do fornecedor ou do prestador e do adquirente ou do destinatário. O Tribunal de Justiça prestou uma atenção especial a isto. Assim, por exemplo, no processo 107/84, Comissão/Alemanha (Recueil 1985, p. 2655), o Tribunal de Justiça declarou que a isenção constante do artigo 13. , parte A, n. 1, alínea a), no que respeita às prestações de serviços efectuadas pelos "serviços públicos postais" só se aplicava aos serviços prestados directamente pelo organismo público postal e não se estendia às prestações efectuadas, por força da lei, por empresas de transporte em nome deste organismo.

10. No entanto, o artigo 13. , parte B, alínea d), n. 1, que isenta "a concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efectuada por parte de quem os concedeu" não especifica a identidade do mutuante ou do mutuário. Define simplesmente a natureza da operação isenta. Embora pareça provável que, como a Comissão sugere, a isenção se destinava essencialmente a aplicar-se à concessão de empréstimos e de créditos por organismos bancários e financeiros, o seu teor literal não dá qualquer base de apoio para restringir o seu alcance unicamente a operações desse tipo. Concordo, por conseguinte, com a recorrente e com os Governos dinamarquês, alemão e neerlandês que a expressão "concessão de créditos" é suficientemente ampla para abranger um crédito concedido por um fornecedor de bens sob a forma de um diferimento do pagamento. Além disso, não há qualquer justificação económica para excluir o crédito concedido pelos fornecedores do âmbito de aplicação da isenção. Tornou-se prática corrente estabelecerem os fornecedores os seus próprios regimes de financiamento e uma limitação da isenção redundaria numa distorção das trocas comerciais e da concorrência. Não há qualquer razão para que um cliente seja tributado relativamente ao crédito concedido pelo seu fornecedor quando pode beneficiar de uma concessão de crédito isenta se, pelo contrário, recorrer ao financiamento através de um banco ou de outro mutuante. Do ponto de vista do comprador, ambas as soluções implicam a concessão de um crédito; não é provável que um comprador considere que os juros que paga ao seu fornecedor façam mais parte integrante do preço dos bens ou serviços do que se ele financiar a sua aquisição por meio de um empréstimo bancário.

11. Não vejo qual o interesse de exigir que o crédito tenha de ser concedido no âmbito de um contrato de empréstimo especial, independente de qualquer contrato para a entrega de bens, ou por uma pessoa que não seja o fornecedor dos bens. A fragilidade dessas exigências é demonstrada pelo facto de um fornecedor poder, em qualquer caso, sem alterar a substância de uma operação, estabelecer um contrato de empréstimo separado ou conceder um crédito através de uma sociedade financeira distinta criada para esse efeito. Uma consequência disto seria a introdução de uma discriminação injusta entre empresas que dispõem de recursos ou de clientela suficientes para criarem uma sociedade de financiamento independente e as que não dispõem de tais meios. Isto seria dificilmente compatível com o princípio fundamental da neutralidade fiscal.

12. Tenho que concordar, no entanto, com os Governos dinamarquês e alemão que as convenções e cláusulas contratuais devem ser de molde a permitir dissociar claramente a operação de crédito da prestação principal de entrega de bens. Embora pareça desnecessário examinar esta questão em pormenor no presente caso, penso que essa exigência fica satisfeita, por via de regra, quando, por exemplo, um contrato de fornecimento de bens contenha uma ou mais cláusulas específicas oferecendo ao comprador possibilidades de crédito e expondo integralmente as condições em que o crédito foi concedido, incluindo uma taxa de juro especificada. Como é salientado pelo Governo alemão, por força das palavras introdutórias do artigo 13. , parte B, os Estados-membros podem fixar quaisquer condições suplementares que sejam necessárias para assegurar a aplicação correcta e simples da isenção e para evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso. Isto pode revestir uma importância especial no caso de transacções entre partes ligadas por determinadas relações de confiança, que poderiam esforçar-se, inflacionando a taxa de juro, por transformar artificialmente a contrapartida da operação tributável da entrega de bens ou da prestação de serviços na contrapartida de uma concessão de crédito isenta de imposto; é muito menos provável que isto possa vir a acontecer no caso de uma transacção feita em condiçoes de plena concorrrência. Tal como o Governo alemão, considero que o risco de fraude ou de abuso pode ser neutralizado de modo satisfatório por meio de medidas adequadas adoptadas pelos Estados-membros e não justifica uma inclusão geral dos juros de créditos na matéria colectável, como a Comissão sugere.

13. Nas suas observações escritas, a Comissão referiu dois acórdãos do Tribunal de Justiça em apoio do seu entendimento de que os juros pagos por um crédito concedido por um fornecedor de bens fazem parte da remuneração tributável relativa aos bens. O primeiro acórdão é o que foi proferido no processo 222/81, Bausystem/Finanzamt Muenchen fuer Koerperschaften (Recueil 1982, p. 2527). Neste processo, o Tribunal de Justiça decidiu que os juros legais concedidos a uma empresa por uma decisão judicial relativamente a uma dívida não paga, respeitante a prestações de serviços, não constituíam o contravalor dessas prestações de serviços, na acepção da segunda directiva do Conselho em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (Directiva 67/228/CEE; JO 1967, p. 1303; EE 09 F1 p. 6). A Comissão faz notar que, no corpo do acórdão, o Tribunal de Justiça salientou que a empresa em questão foi obrigada a conceder uma moratória não prevista no contrato e que os juros não constituíam a retribuição de uma transacção comercial, mas foram fixados por um órgão jurisdicional, nos termos das disposições relevantes do direito comercial alemão e só tinham uma conexão remota com a prestação de serviços principal. A Comissão conclui, recorrendo a um argumento a contrario, que os juros pagos por força de um contrato para a entrega de bens fazem parte da contrapartida desses bens. Parece-me, no entanto, que as considerações do Tribunal de Justiça tinham em vista explicar por que é que os juros legais em questão não podiam fazer parte da matéria colectável das prestações de serviços; o Tribunal de Justiça não excluiu a possibilidade de um sujeito passivo que efectue entregas de bens e prestações de serviços poder, se assim o desejar, prestar aos seus clientes um serviço inteiramente distinto, que consiste na concessão de créditos mediante o pagamento de juros.

14. A Comissão refere, em segundo lugar, o acórdão proferido no processo 126/78, Nederlandse Spoorwegen/Staatssecretaris van Financiën (Recueil 1979, p. 2041). Neste processo, o Tribunal de Justiça decidiu que um serviço de cobrança efectuado por uma sociedade de transportes, por ocasião da entrega do bem transportado ao seu destinatário, era uma prestação acessória em relação ao transporte, na acepção do anexo B, ponto 5, da segunda directiva e que, como a prestação de transporte, era, por conseguinte, obrigatoriamente tributável, nos termos do artigo 6. dessa directiva. A relevância deste acórdão para o presente caso é, porém, meramente aparente. A questão de que se tratava não era a de saber se devia considerar-se que a contrapartida do serviço de cobrança fazia parte da contrapartida da prestação de transporte. A questão de que se tratava era a de saber se o serviço de cobrança, que era reconhecido como uma prestação de serviço distinta, estava tão intimamente ligado à prestação de transporte que devia ser considerado "acessório" em relação a ela, na acepção do anexo B, ponto 5, da segunda directiva, e, portanto, como incluído nas prestações de serviços que eram obrigatoriamente tributáveis.

15. A Comissão defende, além disso, que pode deduzir-se do artigo 11. , parte A, n. 3, alínea a) ° que determina que a matéria colectável não inclui "as reduções de preço resultantes de desconto por pagamento antecipado" °, que os aumentos de preço por pagamento diferido devem ser incluídos na matéria colectável. Parece-me que o artigo 11. , parte A, n. 3, alínea a), nada mais faz do que clarificar a aplicação da regra geral do artigo 11. , parte A, n. 1, alínea a), segundo a qual a matéria colectável é constituída pela contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a entregas de bens ou a prestações de serviços. Suponhamos, por exemplo, que um sujeito passivo efectua uma entrega de bens a um cliente em condições segundo as quais será concedido um desconto ao cliente se ele pagar os bens num prazo de trinta dias a contar da data da factura. Se o cliente aproveitar o desconto, a matéria colectável é constituída pelo preço de compra menos o desconto. Se, pelo contrário, ele não efectuar o pagamento durante o período de trinta dias e for obrigado a pagar o preço total dos bens facturado, a contrapartida que o fornecedor recebeu ou deve receber, tal como é avaliada no momento em que o facto gerador do imposto ocorre, nos termos do artigo 10. , n. 2, é o preço total dos bens. Todavia, esta situação é inteiramente diferente daquela em que um sujeito passivo que efectue entregas de bens ou prestações de serviços celebra um contrato distinto de concessão de crédito relativo à totalidade ou a uma parte do preço de compra, durante um certo período e a uma taxa de juro especificada. Os juros constituem então a contrapartida de uma prestação distinta de concessão de crédito.

16. Finalmente, no que respeita a esta primeira questão, não considero que os juros devidos em virtude da concessão de um crédito caibam no âmbito da noção de "despesas acessórias", que estão incluídas na matéria colectável, por força do artigo 11. , parte A, n. 2, alínea b), da Sexta Directiva. As despesas mencionadas nesta disposição, tais como as despesas de comissão, embalagem, transporte e seguro, são despesas intimamente ligadas à venda e ao transporte de bens ao cliente. Não existe tal ligação no caso dos juros devidos por um crédito concedido por um fornecedor, que constitui uma prestação facultativa oferecida para além da entrega de bens.

Quanto ao segundo ponto

17. Reporto-me agora ao segundo ponto, isto é, à questão de saber se é possível haver uma concessão de crédito que consista no diferimento do pagamento do preço de compra dos bens antes de estes terem sido entregues.

18. Antes de examinar este problema, quero fazer notar que a questão do Hoge Raad foi submetida ao Tribunal de Justiça no pressuposto de que não há qualquer entrega de bens (isto é, do terreno), na acepção do artigo 5. , n. 1, da directiva, que ocorra no momento em que a empresa da construção celebra os contratos de empreitada com os seus clientes. Por conseguinte, proponho que se responda à questão com base no facto de a entrega se realizar no momento em que a construção estiver concluída e tiver sido operada a transmissão de propriedade a favor do comprador.

19. A recorrente é de opinião que as partes num contrato para a entrega de bens têm o direito de convencionar que o preço de compra seja total ou parcialmente exigível numa data anterior à entrega dos bens. É nessa data que nasce o direito de exigir o pagamento, nos termos do direito civil neerlandês. Ao permitir que o comprador difira o pagamento até à data da entrega, o fornecedor efectua, por conseguinte, uma concessão de crédito ao comprador.

20. O Governo neerlandês considera, pelo contrário, que não há verdadeira concessão de crédito numa situação como a do presente caso, em que o preço de compra é exigível antes de se efectuar a entrega, mas em que o pagamento pode ser diferido ° e é-o invariavelmente, na prática ° até ao momento em que a entrega for realmente efectuada. O Governo espanhol é da mesma opinão que o Governo neerlandês. Faz notar que o facto gerador do imposto ocorre e que o imposto se torna exigível no momento em que a entrega do terreno e do edifício é finalmente efectuada e em que o comprador paga o preço de compra. É nesse momento que o facto gerador do imposto ocorre, nos termos do artigo 10. , n. 2, e que a matéria colectável deve ser determinada, em conformidade com o artigo 11. , parte A, n. 1, alínea a). Como os juros são uma componente do preço total exigível nessa altura, fazem parte da contrapartida pela entrega do terreno e do edifício que é tributável.

21. Na minha opinião, a solução proposta pelos Governos neerlandês e espanhol é correcta. Se, em princípio, o momento em que o crédito é concedido por um fornecedor de bens deve ser determinado com referência à data em que o preço de compra seria, de outro modo, exigível, segundo o direito nacional, ou seja, regra geral, à data estipulada no contrato, seria, no entanto, incompatível com o teor e o sistema da Sexta Directiva estender esta regra ao crédito que um fornecedor se propõe conceder antes de a entrega dos bens em questão se realizar.

22. O artigo 10. , n. 2, primeiro parágrafo, da directiva determina, designadamente, que:

"O facto gerador do imposto ocorre, e o imposto é exigível, no momento em que se efectuam a entrega do bem ou a prestação de serviços."

É neste momento, por conseguinte, que a matéria colectável deve ser determinada, nos termos do artigo 11. , parte A, n. 1, alínea a), da directiva. Por força desta disposição, a matéria colectável é constituída:

"por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro...".

A directiva garante assim que o imposto sobre o valor acrescentado incida sobre o valor total dos bens ou dos serviços que é determinado no momento da entrega ou da prestação.

23. No caso de uma venda a crédito normal, em que, por exemplo, um sujeito passivo entrega bens a um comprador em condições que permitem que o pagamento do preço de compra seja diferido até seis meses após a data da entrega, mediante o pagamento de juros, a matéria colectável, determinada no momento da entrega dos bens, é constituída pelo preço de compra dos bens. É nesse momento que o imposto se torna exigível relativamente à entrega dos bens. Se o comprador aproveitar a oferta de crédito do fornecedor, os juros recebidos pelo fornecedor constituem a contrapartida de uma prestação distinta, de concessão de crédito, que se realiza posteriormente à entrega dos bens e que deve ser excluída da matéria colectável relativa aos bens, como foi determinada no momento da respectiva entrega.

24. A característica peculiar do presente caso reside no facto de o construtor se propor conceder um crédito em relação a uma parte do preço de compra (correspondente ao preço do terreno) que é exigível antes de se proceder à entrega e, por conseguinte, antes de o facto gerador do imposto ocorrer, na acepção do artigo 10. , n. 2, primeiro parágrafo. Parece-me que, nestas circunstâncias, o valor total dos bens no momento da respectiva entrega deve ser analisado de modo a incluir quaisquer despesas de financiamento feitas pelo fornecedor até ao momento em que a prestação for efectuada e que o fornecedor repercuta sobre o cliente, ainda que se proponha no contrato repercuti-las como encargos de juros, distintos do preço de compra dos bens. A este propósito, as despesas de financiamento não são diferentes de quaisquer outras despesas gerais feitas pelo fornecedor até ao momento da entrega e que são repercutidas no preço dos bens.

25. A situação no presente caso não difere, no essencial, daquela em que um construtor renunciasse a exigir quaisquer pagamentos por conta e financiasse a construção ele próprio ou mediante um empréstimo bancário. Nesse caso, ele seria obrigado a tomar em consideração as suas despesas de financiamento ao fixar o preço de compra tributável do edifício concluído.

26. A recorrente e o Governo alemão alegaram que, no presente caso, o comprador poderia ter obtido um empréstimo isento de imposto num banco para efectuar o pagamento por conta relativo ao terreno. Embora, em termos económicos, o comprador atribuísse, assim, um benefício ao construtor sob a forma de um empréstimo sem juros, nos termos da Sexta Directiva essa vantagem não seria considerada como uma remuneração adicional e não seria incluída na matéria colectável. Todavia ° e é aqui que reside a diferença essencial °, o momento da tributação seria antecipado para a data em que o pagamento por conta fosse efectuado. Assim, o artigo 10. , n. 2, segundo parágrafo, determina:

"Todavia, em caso de pagamentos por conta antes da entrega de bens ou da prestação de serviços, o imposto torna-se exigível no momento da cobrança e em relação ao montante recebido."

Se o comprador obtivesse um empréstimo de um terceiro, a parte da operação representada pelo pagamento por conta (isto é, o terreno) seria assim avaliada e tributada imediatamente. Não é, por consequinte, pertinente comparar este caso com aquele em que o construtor permite que o comprador difira o pagamento por conta, visto que, neste último caso, não há tributação imediata e a parte relevante da operação tem de ser avaliada e tributada de maneira normal no momento em que a entrega seja efectuada. O seu valor deve, por conseguinte, ser calculado de modo a incluir as despesas de financiamento repercutidas sobre o comprador nessa fase. Para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado, não pode haver um pagamento por conta teórico anterior a uma entrega de bens. Ou existe um pagamento real, que acarreta uma tributação imediata, nos termos do artigo 10. , n. 2, segundo parágrafo, ou não existe pagamento por conta e o facto gerador ocorre quando os bens forem finalmente entregues, caso em que o valor total dos bens, incluindo quaisquer despesas de financiamento, deve ser tributado nesse momento. Não pode haver meio termo pelo qual o sujeito passivo beneficie não só da isenção, nos termos do artigo 13. , parte B, alínea d), n. 1, mas também do adiamento da tributação até ao momento em que a entrega seja efectuada.

27. A opinião contrária permitiria aos comerciantes e aos seus clientes, por meio de uma concessão de crédito fictícia, evitar o pagamento do imposto sobre o valor acrescentado quanto a uma parte do preço dos bens ou das prestações de serviços nas transacções em que existe um prazo entre a celebração do contrato e a entrega ou a prestação. Este aspecto talvez se torne mais fácil de apreciar se se tiver em mente uma entrega de bens mais típica. Suponhamos, por exemplo, que um carpinteiro convenciona entregar a alguém móveis feitos por medida, num prazo de doze meses, por um preço de 11 000 ecus. Suponhamos, no entanto, que as partes estipulam no contrato que o preço dos bens é de 10 000 ecus que devem ser pagos imediatamente, mas que esse pagamento pode ser diferido até à data da entrega, mediante um encargo de juros de 10% ao ano. Quando os móveis são entregues doze meses mais tarde, o cliente paga 11 000 ecus. É difícil ver qualquer razão para que a matéria colectável devesse ser outra que não os 11 000 ecus. Afirmar que a contrapartida paga pelos móveis é de 10 000 ecus e que os 1 000 ecus restantes representam os juros de uma concessão de crédito isenta de impostos equivaleria negar a realidade evidente da transacção.

28. Finalmente, não me parece convincente a explicação que foi apresentada, na audiência, pelo Governo neerlandês em relação à distinção estabelecida pelas autoridades fiscais entre o preço de aquisição do terreno e as prestações respeitantes ao preço de construção. Se, como admiti (ponto 18, supra), o terreno não foi entregue ao comprador antes de o edifício estar concluído, então não houve qualquer prestação de serviços que tivesse sido prestada ao cliente durante o período do contrato. Só houve uma única entrega de bens, ou seja, o terreno e o edifício, após o acabamento da construção. Segundo esta análise, os juros pagos relativamente ao crédito pretensamente concedido em relação às prestações respeitantes ao preço de construção deveriam ser incluídos na matéria colectável atinente ao terreno e ao edifício. A situação seria diferente se o terreno fosse entregue ao comprador na altura da celebração do contrato. A menos que o Estado-membro interessado tenha decidido equiparar o trabalho de construção a uma entrega de bens, nos termos do artigo 5. , n. 5, alínea b), da directiva, o construtor prestaria serviços de construção ao comprador no terreno deste último. Seria, assim, possível considerar que, após a entrega tributável do terreno na altura da celebração do contrato, uma série de prestações de serviços tributáveis se realizou durante todo o período de adiantamento das obras de construção. Os juros relativos ao crédito concedido pelo construtor relativamento ao preço do terreno e da construção poderiam, assim, ser considerados como a contrapartida de uma série de operações distintas de concessão de créditos após cada entrega de bens ou prestação de serviços.

Conclusão

29. Por conseguinte, sou de opinião que a questão submetida pelo Hoge Raad deve ser respondida do seguinte modo:

"1) Quando um sujeito passivo que fornece bens ou presta serviços a um comprador efectua, separadamente, uma concessão de crédito a esse comprador, em condições que estabelecem uma distinção clara entre a entrega dos bens ou a prestação de serviços e a operação de crédito, a concessão de crédito constitui uma operação distinta que é, em princípio, isenta de imposto, nos termos do artigo 13. , parte B, alínea d), n. 1, da Sexta Directiva.

2) Todavia, quando um contrato de compra e venda e de empreitada, celebrado entre uma empresa de construção e um comprador/dono da obra, prevê que o pagamento do terreno deve ser efectuado aquando da celebração do contrato ou pouco depois desta, mas prevê igualmente que o comprador/dono da obra pode, mediante o pagamento de juros, diferir o pagamento até ao momento da entrega, esses juros não constituem a remuneração de uma prestação distinta de concessão de créditos mas deve considerar-se que fazem parte da contrapartida pela entrega do terreno, para efeitos do artigo 11. , parte A, n. 1, alínea a), da directiva."

(*) Língua original: inglês.