C-111/92 - Lange/Finanzamt Fürstenfeldbruck

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EUR-Lex - 61992C0111 - PT

61992C0111

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 1 de Abril de 1993. - WILFRIED LANGE CONTRA FINANZAMT FUERSTENFELDBRUCK. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: FINANZGERICHT MUENCHEN - ALEMANHA. - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO - SEXTA DIRECTIVA - EXONERACAO DAS OPERACOES DE EXPORTACAO PROIBIDAS. - PROCESSO C-111/92.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-04677


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. No presente processo, o Finanzgericht Muenchen pretende obter uma interpretação da Sexta Directiva sobre o imposto sobre o valor acrescentado (Directiva 77/388/CEE do Conselho, JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54). O Finanzgericht colocou duas questões relativas à sujeição ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA) de exportações ilegais feitas em violação de um embargo imposto em todos os Estados-membros. As questões colocadas são as seguintes:

"1) O artigo 15. , n. 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ° sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que a isenção para as operações de exportação nele prevista deve ser recusada quando, em violação de disposições nacionais relativas à autorização de exportação, sejam efectuadas exportações com destino a Estados para os quais não seria possível obter qualquer autorização em nenhum Estado-membro das Comunidades Europeias devido às disposições nacionais de embargo?

2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

Para recusar a isenção é suficiente a violação objectiva das disposições nacionais relativas à autorização de exportação ou é necessário fazer prova, em relação a cada entrega, de que o empresário tinha conhecimento da violação?"

2. Resulta dos autos que o recorrente no processo principal exportou, nos anos de 1985 e 1986, sistemas informáticos a partir da Alemanha. Requereu licenças de exportação ao abrigo do artigo 17. , n. 1, do Aussenwirtschaftsverordnung (regulamento relativo ao comércio externo, a seguir "AWV"), indicando quer o Paquistão quer Israel como destinos finais dessas exportações. Na sequência dos referidos pedidos, o Serviço Federal alemão para o Comércio Externo concedeu-lhe as licenças de exportação requeridas. As mercadorias foram exportadas para Belgrado ou para Viena, mas foram em seguida desviadas para a Bulgária, para a Hungria, para a União Soviética e para a Checoslováquia, em vez de serem enviadas para os destinos declarados. A decisão de reenvio não esclarece se o recorrente tinha conhecimento destas mudanças de destino.

3. Na época em causa, as exportações para os países do antigo Bloco de Leste de sistemas informáticos como os aqui em causa eram proibidas em todos os Estados-membros em aplicação de acordos concluídos no quadro do COCOM (Coordinating Committee for Multilateral Export Controls) (1). Todos os Estados-membros pertencem ao COCOM, com a excepção da Irlanda que, no entanto, tem como política seguir as regras acordadas no quadro do COCOM. Na Alemanha, as proibições pertinentes foram postas em prática pelo artigo 5. e pelo anexo AL do AWV, que submete as exportações das mercadorias que enumera a autorização. Na falta dessa autorização, a exportação dessas mercadorias para os destinos indicados é proibida e é considerada delito penal pelos artigos 33. , primeiro parágrafo, 34. , primeiro parágrafo e 70. , primeiro parágrafo, n. 1, do AWV.

4. O recorrente invocou que as operações em causa estavam isentas do IVA em virtude do artigo 4. , n. 1, da lei alemã de 1980 sobre o volume de negócios (Umsatzsteuergesetz, a seguir "UStG"), que aplica o artigo 15. , n.os 1 e 2, da Sexta Directiva, e requereu o direito à dedução do imposto pago a montante, em virtude do artigo 15. , n. 1 e n. 3, primeiro parágrafo, alínea a), da UStG, disposições que aplicam o artigo 17. , n 2, e o artigo 17. , n. 3, alínea b), da Sexta Directiva. O Finanzamt considerou que, sendo as exportações ilegais, o requerente não poderia beneficiar desta isenção e concluiu pela sujeição destas operações ao IVA. O requerente recorreu desta decisão para o Finanzgericht.

5. Passarei agora, em primeiro lugar, a referir as disposições pertinentes da Sexta Directiva e, seguidamente, examinarei as questões colocadas. Contudo, deve destacar-se, desde já, que o presente processo suscita três questões distintas. A primeira, que não é colocada pelo tribunal nacional, diz respeito à questão de saber se as exportações ilegais, como as aqui em causa, se inserem no âmbito de aplicação da directiva. Em segundo lugar, caso estas exportações se devam considerar abrangidas pelo âmbito de aplicação da directiva, suscita-se a questão de saber se podem beneficiar da isenção do IVA em aplicação das disposições da directiva. Finalmente, e segundo as respostas que forem dadas às duas primeiras questões, poder-se-á colocar a questão de saber se o conhecimento subjectivo, por parte do exportador, da violação das proibições de exportação constitui um elemento relevante para efeitos da possibilidade de beneficiar de uma isenção.

As disposições do direito comunitário

6. Nos termos do artigo 2. da Sexta Directiva:

"Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

1. As entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

2. As importações de bens."

O artigo 3. define a expressão "território do país". O artigo 15. estabelece:

"Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

1. As entregas de bens expedidos ou transportados pelo vendedor ou por sua conta, para fora do território referido no artigo 3.

2. As entregas de bens expedidos ou transportados pelo adquirente não estabelecido no território do país, ou por sua conta, para fora do território referido no artigo 3. , com excepção dos bens transportados pelo próprio adquirente e destinados ao equipamento ou ao abastecimento de barcos de recreio, aviões de turismo ou qualquer outro meio de transporte para uso privado.

..."

Nos termos do artigo 17. , n. 2, da Directiva:

"Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

b) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens importados;

..."

Nos termos do artigo 17. , n. 3:

"Os Estados-membros concedem igualmente a todos os sujeitos passivos a dedução ou o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado, previsto no n. 2, na medida em que os bens e os serviços sejam utilizados para efeitos:

...

b) Das operações isentas nos termos... do artigo 15. ...

..."

O âmbito de aplicação da Sexta Directiva

7. A questão de saber se as operações ilegais são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva foi já examinada pelo Tribunal em várias ocasiões. No processo Einberger/Hauptzollamt Freiburg (294/82, Recueil 1984, p. 1177), o Tribunal considerou que o artigo 2. da directiva deve ser interpretado no sentido de que o IVA não incide sobre a importação ilegal de estupefacientes que não façam parte "do circuito económico estritamente vigiado pelas autoridades competentes com vista à sua utilização para fins médicos e científicos" (v. n. 22 do acórdão). Também nos processos Mol/Inspecteur der Invoerrechten en Accijnzen (269/86, Colect. 1988, p. 3627), e Happy family/Inspecteur der Omzetbelasting (289/86, Colect. 1988, p. 3655), o Tribunal considerou que o fornecimento ilegal de estupefacientes no mercado interno de um Estado-membro, para outros fins que não sejam médicos e científicos, não está sujeito ao IVA. Mais recentemente, no processo Witzemann (C-343/89, Colect. 1990, p. I-4477), o Tribunal declarou que as considerações que desenvolveu no processo Einberger se aplicam, por maioria de razão, no caso das importações de moeda falsa, visto que o fabrico, a detenção, a importação e a comercialização dessa moeda são absolutamente proibidos em todos os Estados-membros: v. os n.os 14 e 20 do acórdão.

8. O raciocínio seguido pelo Tribunal nos processos Einberger, Mol, Happy Family e Witzemann tinha essencialmente por base a consideração de que a directiva não podia aplicar-se a operações que, pela própria natureza dos produtos em causa, eram ilegais em todos os Estados-membros. Como o Tribunal afirmou no n. 20 do acórdão proferido no processo Einberger:

"... como o Tribunal já declarou relativamente aos direitos aduaneiros na importação, as importações ilegais de estupefacientes para a Comunidade, que apenas dão origem à aplicação de penas criminais, são totalmente alheias às disposições da Sexta Directiva...".

No processo Horvath/Hauptzollamt Hamburg-Jonas (50/80, Recueil 1981, p. 385), o Tribunal declarou que não podem ser cobrados os direitos aduaneiros previstos na pauta aduaneira comum relativamente ao tráfico de uma substância prejudicial para a saúde, como a heroína, destinada a um uso ilegal. O Tribunal observou, nos n.os 9 a 11 do acórdão:

"É importante realçar, em primeiro lugar, que a... questão colocada... não diz respeito simplesmente à importação ilegal de qualquer produto, mas relaciona-se com o tráfico de uma substância prejudicial destinada a um uso ilegal, que foi destruída logo após ter sido descoberta.

Deve, seguidamente, recordar-se que um produto como a heroína não é apreendida e destruída apenas porque o importador não cumpriu as formalidades aduaneiras, mas sobretudo porque é um narcótico cuja perigosidade é reconhecida e cuja importação e comercialização são proibidas em todos os Estados-membros, excepto no caso do comércio estritamente controlado e limitado à utilização autorizada para fins farmacêuticos e médicos.

(A pauta aduaneira comum)... apenas pode respeitar à importação com vista a uma utilização autorizada. Com efeito, os direitos aduaneiros ad valorem não podem ser determinados quanto a bens que não podem ser colocados em circulação em nenhum Estado-membro e, pelo contrário, devem ser apreendidos e retirados de circulação pelas autoridades competentes logo que sejam descobertos."

É claro que o raciocínio do Tribunal relativamente ao âmbito de aplicação da pauta aduaneira comum se aplica igualmente ao âmbito de aplicação da Sexta Directiva: v. os acórdãos, já referidos, Einberger, n.os 17 a 20, e Witzemann, n. 18. Assim, tanto no caso dos direitos aduaneiros como no caso do IVA, a ilegalidade pode não ser suficiente, por si só, para afastar a operação do âmbito de aplicação da legislação comunitária em causa. No que diz respeito às importações e ao comércio interno, verifica-se que uma operação só não cairá no âmbito de aplicação da Sexta Directiva caso pertença a uma categoria de operações sistematicamente proibidas em todos os Estados-membros por razões relacionadas com as características particulares dos produtos: v. acórdão Mol, já referido, n. 18.

9. Os casos precedentes diziam respeito a proibições das importações ou do comércio interno, ao passo que o caso em apreço diz respeito às exportações. A questão que se coloca é, portanto, a de saber se deve ser feita alguma distinção entre os dois tipos de casos. É verdade que as consequências práticas da exclusão de uma exportação do âmbito de aplicação da directiva são diferentes. Ao contrário das importações e das operações internas, as exportações estão genericamente isentas do IVA: v. o artigo 15. , n.os 1 e 2, da Sexta Directiva, já referido no ponto 6, supra. Observar-se-á que existe uma importante diferença entre, por um lado, uma exportação isenta ao abrigo do artigo 15. e, por outro, uma operação não tributável por não cair no âmbito de aplicação da directiva. Como vimos, o artigo 17. , n. 3, alínea b), estabelece que certas categorias de operações que são isentas do IVA conferem, apesar disso, o direito à dedução do imposto pago a montante, ou seja, o direito à dedução do IVA pago pelos bens e serviços utilizados para efeitos das operações. Concretamente, as isenções previstas no artigo 15. , n.os 1 e 2, da directiva conferem o direito a essa dedução. Por conseguinte, uma importação ou uma comercialização interna ilegais que não estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da directiva gozam de uma não sujeição ao IVA que normalmente não é concedida às importações ou comercializações legais. Pelo contrário, uma exportação ilegal que caia fora do âmbito de aplicação da directiva não beneficia de nenhuma vantagem em comparação com a exportação legal: sofrerá, pelo contrário, uma desvantagem, pois, ao contrário daquela, não conferirá ao exportador o direito de fazer a correspondente dedução do imposto pago a montante (não obstante as exportações não serem, em si mesmas, tributadas).

10. É claro, segundo creio, que o princípio estabelecido nos casos precedentes relativos às operações ilegais não se confina às importações ou ao comércio interno: a exportação ilegal de bens que não têm utilização legítima fora de certos circuitos estritamente controlados será tão estranha às disposições da Sexta Directiva como o são a importação ilegal ou o comércio interno dos mesmos produtos. Como vimos, embora as exportações não estejam submetidas, regra geral, ao IVA, as exportações abrangidas pelo âmbito de aplicação da directiva dão lugar ao direito de deduzir o imposto pago a montante. Semelhante direito não existirá, portanto, no caso da exportação ilegal de produtos, como a moeda falsa ou as drogas proibidas, que, pela sua própria natureza, não podem ser legalmente comercializados em nenhum dos Estados-membros.

11. Na minha opinião, contudo, não há razão imperativa para alargar o leque de operações que podem ficar de fora do âmbito de aplicação da Sexta Directiva, mesmo quando essas operações envolvam exportações, e não importações ou o comércio interno. Parece-me que, em ambos os casos, o princípio fundamental é o da neutralidade fiscal, nos termos do qual o comércio, legal ou ilegal, deverá, na medida do possível, ser tratado do mesmo modo para efeitos do IVA. Este princípio só admite excepções limitadas em casos em que, em virtude da natureza dos produtos envolvidos, não há concorrência entre sectores legais e ilegais: v. o acórdão do Tribunal no processo Mol, já referido, n.os 17 e 18.

12. Como sugere a Comissão, a proibição em causa no presente processo pode distinguir-se das que estavam em causa nos processos anteriores relativos a operações ilegais, pois esses casos diziam respeito a produtos cujo comércio era intrinsecamente ilegal, ao passo que o presente processo diz respeito a produtos, concretamente a hardware e software de computadores, que são, em princípio, objecto de operações legais. Portanto, não existe uma proibição absoluta da exportação destes produtos para países terceiros, embora, como no presente caso, possa existir uma proibição de exportação para certos destinos precisos. Na minha opinião, não há razão para estender a excepção estabelecida pela jurisprudência anteriormente referida ao caso da proibição da exportação de um produto para certos destinos específicos, mesmo quando a proibição em causa seja imposta por todos os Estados-membros, actuando concertadamente. Assim, quando produtos podem ser, em regra geral, legalmente transaccionados quer no interior quer no exterior da Comunidade, a exportação de tais produtos para um destino proibido não é, em si mesma, uma operação que deva ser considerada estranha ao sistema da directiva.

13. Como já referi, a consequência de se admitir que as operações em causa entram no âmbito de aplicação da Sexta Directiva é a de que o exportador pode deduzir a importância correspondente ao imposto pago a montante do total do IVA por si devido. À primeira vista, pode parecer anómalo que o operador que exportou em contravenção ao embargo às exportações possa ainda beneficiar desse direito à dedução. No entanto, como a isenção do IVA de que beneficiam as exportações, esse direito pode ser explicado pela vontade do legislador comunitário de não fazer suportar o IVA aos consumidores não comunitários, por se tratar de um imposto concebido para ser suportado apenas pelos consumidores da Comunidade. Caso o imposto pago a montante não possa ser deduzido no que toca a determinada operação, será normalmente transmitido aos consumidores como elemento do preço de compra. O direito de deduzir o imposto pago a montante não deve ser visto como um benefício concedido ao exportador, mas simplesmente como uma consequência do princípio de que o Estado não deve tributar bens cujo destino se situa no exterior do seu território. É certo que ao não se permitir a dedução do imposto pago a montante, no caso de uma exportação ilegal, a sua carga pode, na prática, vir a ser suportada pelo exportador. No entanto, continua válido o princípio de que o IVA não foi concebido para incidir sobre os bens que abandonam a Comunidade. Um exportador que tenha violado as restrições impostas por um Estado-membro pode, em todo o caso, ser adequadamente punido através das sanções previstas nas disposições nacionais aplicáveis, sem ser necessário impor sanções adicionais através de uma acrescida imposição do IVA.

14. Concluo, portanto, que as operações em causa no presente processo estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva. Devo, pois, analisar a questão de saber se a isenção prevista no artigo 15. , n. 1, da directiva também se aplica às exportações efectuadas em violação de um embargo de âmbito comunitário.

A isenção do IVA nas exportações

15. Como já referi, o Finanzamt recorrido considerou que as operações em causa deviam ser sujeitas ao IVA, apesar da isenção na exportação prevista no artigo 15. , n. 1, da directiva. Pelo contrário, a Comissão considera que a isenção deve ser aplicada a essas operações. Este último entendimento parece-me correcto. A partir do momento em que se aceite que as operações não podem deixar de estar abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva, torna-se extremamente difícil sustentar que não podem ser isentas do IVA face ao claro enunciado do artigo 15. , n. 1. Como salienta a Comissão, o facto de conceder a isenção é conforme ao princípio da neutralidade fiscal, que, como vimos, é um princípio que só admite excepções muito limitadas: v. ponto 11, supra. Considerar isentas as operações ilegais em causa no presente processo será, claro está, considerá-las exactamente do mesmo modo que as exportações legais. Não há, aliás, qualquer fundamento com base no teor literal ou nos objectivos da directiva para um tratamento diferente das exportações ilegais.

16. Creio, portanto, que recusar a isenção a estas operações seria fazer uso do sistema do IVA para fins que lhe são estranhos, designadamente, para a imposição de sanções pela violação das proibições nacionais de exportação. O princípio é de que é incorrecto fazer uso do sistema fiscal, harmonizado pela Comunidade, para impor semelhantes sanções, que são primariamente matéria da competência da lei penal do Estado-membro em questão. O Tribunal de Justiça tem repetidas vezes sublinhado na sua jurisprudência que as suas decisões em matéria da aplicação das disposições fiscais às operações ilegais em nada afectam a competência dos Estados-membros para reprimirem ou punirem as infracções à sua legislação interna: v, por exemplo, o acórdão proferido no processo Witzemann, já referido, n. 22. Fazer uso do sistema fiscal para impor sanções é não apenas uma subversão da correcta aplicação da lei fiscal, mas pode ainda conduzir a uma distorção da aplicação da lei penal, na medida em que daí pode resultar uma aplicação de penas adicionais às aplicadas pelos tribunais penais. Além do mais, isso constituiria uma violação do princípio que proíbe a aplicação de penas na ausência de uma clara e inequívoca base legal: v. o acórdão proferido no processo Koenecke/Balm (117/83, Recueil 1984, p. 3291, n. 11).

17. Mesmo que a tributação não fosse considerada como a imposição de uma pena, existe um princípio equivalente do direito fiscal que proíbe a cobrança de impostos sem uma base legislativa específica. Como vimos, não existe na Sexta Directiva qualquer base para a tributação dos bens exportados para fora do território da Comunidade; pelo contrário, a directiva estabelece claramente que esses bens devem ser isentos do IVA.

18. As entregas de bens abrangidas pelo artigo 15. , n.os 1 ou 2, da directiva estão isentas do IVA, ainda que essas entregas sejam efectuadas em violação das proibições nacionais de exportação. Creio ser irrelevante que a ilegalidade, no caso em apreço, tenha consistido na violação de proibições de exportação que são impostas por todos os Estados-membros agindo concertadamente, pelo que essas exportações seriam ilegais em qualquer Estado-membro. Mesmo que a proibição se baseasse no direito comunitário, isso não seria, por si só, razão suficiente para recusar a isenção das exportações efectuadas em violação da proibição, na falta de uma disposição comunitária que previsse essa recusa nessas circunstâncias. Donde resulta que a primeira questão suscitada pelo Finanzgericht deve ser respondida pela negativa.

A consciência da violação

19. Face à conclusão a que cheguei, não é necessário examinar a questão de saber se é necessário demonstrar que o exportador estava consciente da violação da proibição em causa. Com efeito, mesmo que o conhecimento por parte do exportador fosse suficiente para que a existência da violação da proibição de exportação fosse qualificada como um crime pela lei nacional, isso não seria suficiente, em minha opinião, para recusar à operação a isenção prevista no artigo 15. da Directiva.

20. Caso, todavia, a primeira questão suscitada venha a ser respondida pela afirmativa, será então necessário examinar a questão de saber se a isenção poderia ainda ser recusada quando a violação da proibição de exportação tivesse sido cometida sem o conhecimento do exportador. Semelhante situação poderia surgir, por exemplo, se os bens fossem despachados para um destino permitido pela lei nacional aplicável, mas viessem a ser desviados por um terceiro durante o transporte. Qualquer violação da lei nacional teria então sido cometida por este último e não pelo exportador devedor de um qualquer montante do IVA.

21. Parece-me difícil de entender como poderia a isenção do IVA ser recusada num caso como este. Como salienta a Comissão, a recusa da isenção teria o efeito da aplicação de uma pena pela violação da proibição de exportação. Já defendi que semelhante utilização do sistema do IVA não é admissível: v. pontos 15 e 16, supra. Ainda que as isenções estabelecidas na Sexta Directiva pudessem ser usadas para essa finalidade, creio que, em todo o caso, qualquer pena desse tipo teria de ser conforme ao princípio da proporcionalidade definido pelo Direito Comunitário.

22. Tratando-se das restrições quantitativas impostas por um Estado-membro ao comércio intracomunitário ou ao trânsito comunitário com base no artigo 36. do Tratado, não cabe dúvida de que tanto a medida de restrição como quaisquer sanções que sejam impostas pela sua violação devem ser proporcionadas em relação à finalidade prosseguida: v. o acórdão proferido no processo Richardt (C-367/89, Colect. 1991, p. I-4621, n.os 22 a 24). É verdade que o acórdão proferido no processo Richardt dizia respeito às normas relativas ao trânsito comunitário e não às relativas às exportações a partir da Comunidade para países terceiros (2). Essas exportações são reguladas pela política comercial comum da Comunidade e, especificamente, pelo Regulamento (CEE) n. 2603/69 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1969, que estabelece um regime comum aplicável às exportações (JO L 324, p. 25; EE 11 F1 p. 60), com a redacção que lhe foi dada em último lugar pelo Regulamento (CEE) n. 3918/91 do Conselho (JO L 372, p. 31). O artigo 1 do Regulamento n. 2603/69 estabelece que as exportações de produtos da Comunidade com destino a países terceiros não estão submetidas a quaisquer restrições quantitativas com excepção das aplicáveis nos termos das disposições do próprio regulamento. No n. 3.1. das suas observações escritas, a Comissão parece sugerir que os Estados-membros podem, apesar de tudo e em determinadas circunstâncias, proibirem com base no artigo 36. do Tratado as exportações com destino a países terceiros. Porém, é claro que o artigo 36. do Tratado só pode ser invocado no que concerne às restrições ao comércio intracomunitário ou ao trânsito comunitário. Em contrapartida, o artigo 11. do Regulamento n. 2603/69 permite aos Estados-membros submeter as exportações com destino a países terceiros a restrições quantitativas justificadas por razões idênticas às indicadas no artigo 36. do Tratado, especificamente por razões de ordem pública ou de segurança pública.

23. Tendo em conta o acórdão proferido no processo Grécia/Conselho (C-62/88, Colect. 1990, p. I-1527), não há, em minha opinião, qualquer dúvida de que o âmbito da política comercial comum da Comunidade abrange todas as medidas de regulação do comércio entre a Comunidade e os Estados não membros (com excepção das matérias excluídas pelos artigos 223. e 224. do Tratado), mesmo quando essas medidas visem finalidades que não são, em si mesmas, comerciais, como a protecção da saúde pública ou a salvaguarda da segurança pública: v. os n.os 16 a 18 do acórdão e ainda o Regulamento (CEE) n. 428/89 do Conselho, de 20 de Fevereiro de 1989, relativo à exportação de certos produtos químicos (JO L 50, p. 1), medida baseada no artigo 113. do Tratado tomada para o controlo das exportações de produtos susceptíveis de serem utilizados na produção de armas químicas.

24. Donde resulta que, ao regularem as exportações com destino a países terceiros com fundamento nessas razões, se deve entender que os Estados-membros exercem os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 11. do Regulamento n. 2603/69 e que, ao adoptar as proibições de exportação de equipamento informático para os países do ex-Bloco de Leste em causa no presente processo, a Alemanha actuou nos termos dessa disposição. Portanto, como no caso de uma proibição adoptada nos termos do artigo 36. do Tratado, qualquer sanção imposta como consequência da violação das proibições instituídas deve ser proporcionada às finalidades prosseguidas (muito embora, como defendi nas conclusões que apresentei no processo Richardt, não se deva presumir que o princípio da proporcionalidade produz os mesmos efeitos tanto relativamente ao artigo 36. do Tratado como em relação ao artigo 11. do regulamento: v. o ponto 29 das conclusões). Nestas circunstâncias, qualquer decisão sobre a concessão ou a recusa da isenção do IVA prevista no artigo 15. , n. 1, da Sexta Directiva deve ter em conta todos os factores relevantes, incluindo o grau de responsabilidade pela violação da proibição por parte do exportador devedor do imposto: v. o n. 25 do acórdão Richardt, já referido. Todavia e de acordo com a posição que defendo, a questão não se coloca, pois creio não ser possível derrogar à isenção prevista no artigo 15. , n. 1, para os efeitos da aplicação das restrições nacionais às exportações de produtos com destino a países terceiros.

Conclusões

25. Concluo, portanto, no sentido de que as questões submetidas pelo Finanzgericht Muenchen devem ser respondidas do seguinte modo:

"O artigo 15. , n. 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho deve ser interpretado no sentido de que o imposto sobre o valor acrescentado não pode ser cobrado na exportação pelo vendedor de bens com destino a países terceiros, ainda que a exportação seja efectuada em violação de uma proibição de exportação desses bens para esse destino e ainda que uma idêntica proibição seja imposta pelo direito interno de todos os Estados-membros."

(*) Língua original: inglês.

(1) ° No que respeita às proibições do COCOM e o direito comunitário, v. Inge Govaere e Piet Eeckhout On dual use goods and dualist case law: the Aimé Richardt judgement on export controls , em Common Market Law Review 29 (1992), pp. 941-965.

(2) ° Sobre a relação entre o regime de trânsito comunitário e o regime das exportações a partir da Comunidade, v. Govaere e Eeckhout, obra referida na nota 1, supra, pp. 944 a 953.