Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

Share

Highlight in text

Go

Advertência jurídica importante

|

61997C0294

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 26 de Janeiro de 1999. - Eurowings Luftverkehrs AG contra Finanzamt Dortmund-Unna. - Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht Münster - Alemanha. - Livre prestação de serviços - Imposto comercial sobre o capital e lucro da exploração - Reintegração na matéria colectável do imposto - Derrogação inaplicável ao locatário de um bem cujo proprietário está estabelecido noutro Estado-Membro e, portanto, não sujeito ao imposto. - Processo C-294/97.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-07447


Conclusões do Advogado-Geral


1 No quadro de um litígio que opõe a sociedade de aviação Eurowings Luftverkehrs AG, sociedade de direito alemão (a seguir «Eurowings»), ao Finanzamt Dortmund-Unna, relativo ao pagamento do «Gewerbesteuer» (imposto industrial e comercial), o Finanzgericht Münster pede-nos, a título prejudicial, uma interpretação do artigo 59._ do Tratado CE, tendo presentes certos aspectos da Gewerbesteuergesetz (lei alemã relativa ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, a seguir «GewStG»).

A regulamentação nacional

2 Em conformidade com o artigo 2._ da GewStG de 21 de Março de 1991 (1), qualquer estabelecimento industrial ou comercial fixo está sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, na medida em que aquele seja explorado no território nacional.

3 O imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração é um imposto real que incide sobre o estabelecimento industrial ou comercial enquanto tal, independentemente da capacidade contributiva e da situação pessoal do contribuinte proprietário do estabelecimento.

4 Em conformidade com o disposto no artigo 6._ da GewStG, a matéria colectável do imposto é constituída pelo resultado da actividade industrial e comercial, bem como pelo capital de exploração industrial e comercial (2).

5 O resultado da actividade industrial e comercial corresponde ao lucro do estabelecimento industrial ou comercial, determinado em conformidade com as disposições da lei relativa ao imposto sobre o rendimento ou da lei relativa ao imposto sobre as sociedades, lucro ao qual há que juntar os elementos que devam ser reintegrados por força do artigo 8._ da GewStG e fazer as deduções previstas no artigo 9._ da mesma lei. O objectivo das reintegrações e das deduções é a determinação do resultado objectivo do estabelecimento industrial ou comercial, independentemente da questão de saber se este assenta no investimento de capitais próprios ou pertencentes a terceiros.

6 Assim, o artigo 8._ da GewStg, intitulado «Reintegração na matéria colectável», determina, no seu n._ 7, que é reintegrada no lucro do estabelecimento industrial ou comercial

«metade das retribuições [rendas ou alugueres] pagas pela utilização e fruição de bens económicos fazendo parte do capital imobilizado do estabelecimento sem lhe pertencerem em propriedade e pertencendo a um terceiro. Isto não se aplica se as retribuições forem tributadas no rendimento da actividade industrial ou comercial do locador ou senhorio, submetido a imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, salvo se um estabelecimento ou uma parte de um estabelecimento forem arrendados e o montante da retribuição ultrapassar 250 000 DEM. Há que tomar em consideração o montante que o locatário deva pagar a um locador ou senhorio pela utilização de bens económicos pertencentes a terceiros, afectos à unidade de exploração situada no município».

7 A GewStG supõe, portanto, de maneira geral, que o produto líquido retirado do objecto locado corresponde a metade das retribuições pagas.

8 O capital de exploração industrial e comercial corresponde ao valor fiscal do capital de exploração determinado em conformidade com a lei que regula as formas de cálculo da matéria colectável por avaliação administrativa, valor ao qual se acrescentam os elementos reintegrados por força do artigo 12._, n._ 2, da GewStG e do qual se fazem as deduções previstas no artigo 12._, n._ 3, da GewStG. Essas reintegrações e deduções têm por objectivo determinar os fundos próprios e alheios objectivamente utilizados no estabelecimento industrial ou comercial.

9 O artigo 12._ da GewStG, intitulado «Capital de exploração industrial e comercial», dispõe assim, no seu n._ 2, ponto 2, que deve integrar-se no valor fiscal da unidade económica tributável

«o valor (funcional) dos bens económicos que não pertençam em propriedade ao estabelecimento industrial e comercial e afectos a este, sendo propriedade de um co-explorador ou de um terceiro, se o mesmo não estiver compreendido no valor da unidade tributável do estabelecimento industrial e comercial. Isto não se aplica se os bens económicos fizerem parte do capital da exploração do locador ou senhorio, salvo se um estabelecimento ou uma parte de um estabelecimento forem arrendados e os valores (funcionais) dos bens económicos locados no quadro do estabelecimento (ou da parte do estabelecimento) incluídos no capital de exploração do locador ou senhorio excederem 2,5 milhões de DEM. As somas a tomar em consideração são o total dos valores dos bens económicos que um locador ou senhorio puser à disposição do locatário para efeitos de utilização num estabelecimento industrial e comercial situado num município».

10 Tal como o artigo 8._, ponto 7, segunda frase, no que toca aos arrendamentos, o artigo 12._, n._ 2., ponto 2, segunda frase, da GewStG prevê, portanto, no que toca aos bens económicos pertencentes a terceiros, a ausência de reintegração do seu valor, na medida em que esses bens estejam já sujeitos ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração ao nível do locador.

11 Resulta das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça pela Eurowings que o imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração se calcula em duas etapas: em primeiro lugar, o capital da exploração e o lucro da exploração são afectados de um «coeficiente fiscal» fixado uniformemente para a totalidade do território alemão em 0,2% para o capital de exploração e em 5% para o lucro de exploração; o «montante tributável ponderado» assim obtido é, em seguida, multiplicado por uma «taxa» fixada por cada comuna individualmente. Essa taxa variava, em 1993, entre 0%, nomeadamente na comuna de Norderfriedrichskoog (no Schleswig-Holstein), e 515% em Francoforte do Meno. Em Dortmund, lugar de estabelecimento da Eurowings, a taxa aplicável em 1993 era de 450%.

Os antecedentes do litígio no processo a título principal

12 A Eurowings assegura voos regulares e voos charter na Alemanha e na Europa. Em 1993, locou, mediante um aluguer de 467 914 DEM, uma aeronave à Air Tara Ltd, sociedade anónima de direito irlandês que tem a sua sede em Shannon. O valor funcional da aeronave, calculado segundo a utilização da aeronave no território alemão, era de 1 320 000 DEM. Por decisão de 21 de Maio de 1996, o Finanzamt Dortmund-Unna estabeleceu o imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração devido em relação a 1993 reintegrando, em conformidade com o disposto no artigo 8._, ponto 7, da GewStG, metade das retribuições efectivamente pagas, ou seja, 233 947 DEM, no resultado da actividade industrial e comercial. Por força do artigo 12._, n._ 2, da GewStG, foi igualmente reintegrado o valor funcional da aeronave locada, ou seja, 1 320 000 DEM, no capital de exploração.

13 Em 13 de Junho de 1996, a Eurowings apresentou reclamação contra a decisão do Finanzamt Dortmund-Unna. Por decisão de 8 de Julho de 1996, o Finanzamt Dortmund-Unna indeferiu esta reclamação. A Eurowings interpôs, então, em 11 de Julho seguinte, recurso para o Finanzgericht Münster, alegando que os artigos 8._, ponto 7, e 12._, n._ 2, da GewStG são incompatíveis com os artigos 59._ e seguintes do Tratado CE.

14 O Finanzgericht observa que o direito comunitário permite à Eurowings invocar uma discriminação proibida pelo artigo 59._ do Tratado, mesmo quando tal discriminação não a afecte directamente mas afecte a sociedade locadora de direito irlandês.

15 Salienta igualmente que as sociedades «Limited» de direito irlandês são equiparáveis às sociedades de capitais de direito alemão na acepção do artigo 1._ da lei alemã relativa ao imposto sobre as sociedades e que, se tais sociedades locavam aeronaves na Alemanha, seriam consideradas como exercendo uma actividade industrial e comercial por inteiro, por virtude do artigo 2._, n._ 2, da GewStG.

16 O Finanzgericht sublinha que o mecanismo de reintegração na matéria colectável do imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração tem por origem a vontade do legislador de assegurar que os meios de produção de que o estabelecimento industrial e comercial estabelecido no solo nacional dispõe sejam tributados, independentemente da questão de saber se esses meios foram objecto de financiamentos próprios ou externos e se o capital de exploração é detido a título de propriedade na acepção do direito civil, e o sejam apenas uma só vez. Esta vontade traduz-se na reintegração das retribuições e do valor dos bens económicos no resultado do estabelecimento industrial e comercial. É, por isso, inerente a tal sistema que seja prevista uma excepção para o caso de as retribuições ou os bens em questão estarem já sujeitos ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração a nível do locador.

17 O órgão jurisdicional a quo reconhece, todavia, que o tratamento fiscal do locatário que aluga um bem a um locador estabelecido noutro Estado-Membro é menos favorável que se o locatário alugar tal bem a um locador estabelecido na Alemanha, o que pode constituir uma discriminação disfarçada contrária ao artigo 59._ do Tratado.

18 O órgão jurisdicional de reenvio duvida igualmente que o objectivo de coerência fiscal possa justificar as disposições em causa da GewStG. Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (3), o objectivo que consiste em assegurar a coerência do regime fiscal só pode justificar uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes apenas na condição de o inconveniente fiscal imposto ao nacional de um Estado-Membro ser compensado por uma vantagem fiscal correspondente ao nível desse mesmo nacional, de tal sorte que não haja, na realidade, discriminação em relação a ele. Uma simples ligação indirecta entre a vantagem fiscal concedida a um contribuinte e o tratamento fiscal desfavorável imposto a um outro contribuinte não pode justificar uma discriminação entre residentes e não residentes. O órgão jurisdicional nacional indica, a esse propósito, que, no acórdão de 30 de Dezembro de 1996 (4), o Bundesfinanzhof considerou que era duvidoso que as disposições em matéria de reintegração na base tributável, que figuram nos artigos 8._, n._ 7, segunda frase, e 12._, n._ 2, ponto 2, segunda frase, da GewStG, sejam compatíveis com a proibição de discriminações enunciada no artigo 59._ e seguintes do Tratado, se bem que esse mesmo órgão jurisdicional tenha admitido que o eram numa decisão mais antiga (5).

19 Finalmente, o Finanzgericht interroga-se sobre a questão de saber se é necessário ter em conta o facto de a sociedade locadora de direito irlandês não pagar qualquer imposto comparável ao imposto alemão sobre os lucros industriais e comerciais e beneficiar dos «privilégios de Shannon» sob a forma de um imposto sobre as sociedades de 10%. Tais vantagens fiscais poderiam, no caso em apreço, neutralizar o atentado teórico à livre prestação de serviços e ter por consequência que se a sociedade locadora beneficiasse das mesmas derrogações em matéria de reintegração que os locadores estabelecidos na Alemanha, seriam estes últimos que seriam vítima de discriminação. O Finanzgericht, todavia, não está seguro de que tal argumentação possa ser admitida, pois o Tribunal de Justiça entendeu igualmente que não se pode admitir a compensação de um tratamento fiscal desfavorável por outras vantagens fiscais para justificar discriminações (6).

20 Nestas condições, o Finanzgericht Münster decidiu submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições relativas à reintegração na matéria colectável, constantes dos artigos 8._, n._ 7, segundo período, e 12._, n._ 2, ponto 2, segundo período, da Gewerbesteuergesetz (lei alemã relativa ao imposto sobre os rendimentos industriais e comerciais), são compatíveis com o imperativo da livre prestação de serviços que resulta do artigo 59._ do Tratado da União Europeia de 7 de Fevereiro de 1992?»

Observação preliminar

21 Como observa, com razão, a Comissão, a questão prejudicial, tal como está formulada, é inadmissível, pois nela se pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a compatibilidade com o direito comunitário de disposições do direito alemão.

22 No entanto, é de jurisprudência constante que, embora o Tribunal de Justiça não possa, pela via do artigo 177._ do Tratado, pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma medida de direito interno com o direito comunitário, como lhe seria possível fazer no quadro do artigo 169._ do Tratado, é, todavia, competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito comunitário que possam permitir-lhe apreciar essa compatibilidade com vista ao julgamento da causa que tem de decidir (7).

23 A questão que o Finanzgericht Münster nos submete deve, por isso, ser compreendida como tendo em vista, em substância, saber se o artigo 59._ do Tratado se opõe a uma regulamentação nacional tal como a prevista pelos artigos 8._, ponto 7, segunda frase, e 12._, n._ 2, ponto 2, segunda frase, da GewStG.

Análise

Os princípios que se extraem da jurisprudência do Tribunal de Justiça

24 Examinemos, em primeiro lugar, os princípios extraídos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, à luz dos quais o problema que nos é submetido deve ser analisado. O litígio no processo principal faz parte do domínio da fiscalidade directa. Ora, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, «embora, no estado actual do direito comunitário, a matéria dos impostos directos não se encontre enquanto tal incluída na esfera de competências da Comunidade, não é menos certo que os Estados-Membros devem exercer as competências que detêm respeitando o direito comunitário» (8). Os Estados-Membros devem portanto, neste domínio, respeitar igualmente as liberdades fundamentais decorrentes do Tratado, entre as quais a livre prestação de serviços.

25 Em segundo lugar, deve dizer-se que as disposições em causa estão redigidas em termos neutros, no sentido de que não pretendem de forma nenhuma aplicar-se especificamente aos prestadores de serviços de outra nacionalidade ou àqueles que querem exercer a sua actividade na Alemanha a partir de um outro Estado-Membro. No caso em apreço, é, aliás, a aplicação dessa disposição a uma sociedade alemã que exerce a sua actividade no território alemão que é contestada.

26 Portanto, está-se em presença de uma hipótese em que se dá conta de uma restrição que seria indirecta, no sentido de a aplicação da lei alemã a uma empresa alemã ter por efeito dissuadir esta de recorrer aos serviços oferecidos por um prestador estabelecido noutro Estado-Membro.

27 Ora, tal como o Finanzgericht Münster, a Eurowings e a Comissão observaram, com razão, resulta da jurisprudência (9) que o artigo 59._ do Tratado confere direitos subjectivos não somente ao próprio prestador de serviços, mas igualmente ao destinatário.

28 Finalmente, quanto ao que o artigo 59._ do Tratado proíbe, é de jurisprudência constante que este pode ser violado não somente quanto se esteja em presença de uma discriminação directa baseada na nacionalidade ou de uma discriminação indirecta baseada na residência do prestador de serviços, mas também quando se trate de uma regulamentação nacional indistintamente aplicável a todos os operadores económicos, que tenha por efeito tornar a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil que a prestação de serviços puramente interna a um Estado-Membro (10).

A incidência da regulamentação em causa

29 Assim recordados os parâmetros estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, podemos passar ao exame da regulamentação em litígio.

30 Notemos, para começar, que o objectivo prosseguido pelo legislador alemão, tal como recordado pelo Finanzgericht (v. n._ 16 supra), não pode ser contestado.

31 Da mesma forma, o princípio da sujeição do locatário alemão ao Gewerbesteuer, qualquer que seja o Estado de estabelecimento do locador, não é, em si mesmo, de forma nenhuma contestável. Trata-se de uma manifestação da soberania fiscal da República Federal da Alemanha.

32 Onde o problema surge, em contrapartida, é ao nível das modalidades segundo as quais os locatários são tributados consoante o locador se encontre na Alemanha ou noutro Estado-Membro.

33 O legislador alemão, com efeito, previu que o locatário seja exonerado da reintegração se os valores que deveriam ter sido reintegrados tiverem já sido tributados, a título do Gewerbesteuer, na esfera do locador, o que, por definição, nunca pode ser o caso quando o locador estiver estabelecido noutro Estado-Membro.

34 O Finanzgericht Münster, no seu despacho de reenvio (11), tirou, desde logo, a seguinte conclusão:

«Da comparação entre locadores nacionais e estrangeiros resulta que os pagamentos efectuados a locadores estrangeiros situam os sujeitos passivos do imposto sobre rendimentos industriais e comerciais residentes no território nacional numa posição desfavorável do ponto de vista fiscal, que pode ser contrária à proibição de discriminação estabelecida no Tratado CE se a nacionalidade do locador estrangeiro for a de outro Estado-Membro da União Europeia ou se o locador tiver a sua sede social ou a sua administração central nalgum destes Estados». Todavia, segundo a análise do Finanzgericht, este sistema constitui, para o prestador de serviços estabelecido noutro Estado-Membro, um obstáculo à concorrência, pois «pode induzir o locatário alemão - em circunstâncias idênticas quanto ao resto - a contratar com um locador nacional».

35 A descrição da regulamentação alemã e dos seus efeitos, que nos fornece, assim, o órgão jurisdicional nacional, leva efectivamente a pensar que estamos em presença de uma restrição à livre prestação de serviços.

36 Todavia, isto é contestado pelo Finanzamt Dortmund-Unna e pelo Governo alemão que apresentam, a este propósito, quatro argumentos.

Os argumentos apresentados para defender a regulamentação em causa

37 O Governo alemão sustenta, em primeiro lugar, que as disposições em litígio não somente não implicam qualquer discriminação directa, como não implicam «discriminação indirecta disfarçada» em relação aos prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-Membros, porque os locatários devem igualmente proceder às reintegrações em questão em relação aos bens locados a locadores estabelecidos na Alemanha quando estes últimos não estejam sujeitos à GewStG.

38 Esse é o caso do farmacêutico que, após ter abandonado a sua actividade, conclui um contrato de cessão da exploração da sua farmácia sita na Alemanha. Não tendo já actividade industrial ou comercial, o farmacêutico não está sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração. Em contrapartida, a actividade do cessionário da exploração da farmácia está sujeita ao referido imposto e, por conseguinte, devem reintegrar-se no resultado desta actividade metade das rendas pagas pelas instalações da farmácia, em conformidade com o disposto no artigo 8._, ponto 7, primeira frase, da GewStG.

39 É esse igualmente o caso quando o locador é exonerado do imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração ou quando, a exemplo do Bund, dos Länder ou das comunas, não está a ele sujeito na sua qualidade de detentor da soberania. Assim, na hipótese de uma cidade portuária tomar de locação uma grua a uma sociedade que tem uma actividade portuária, devem, em conformidade com o disposto no artigo 8._, ponto 7, primeira frase, da GewStG, adicionar-se de novo metade das retribuições ao resultado dessa sociedade.

40 A Eurowings e a Comissão sublinham, no entanto, que os casos em que os locadores nacionais não estão sujeitos à GewStG são muito raros. As entidades que não estão sujeitas à GewStG procedem, segundo o seu tipo de actividades, no máximo apenas acessória e ocasionalmente a operações de aluguer e de arrendamento.

41 Tendo em conta as explicações fornecidas no decurso da audiência, este facto pode ser tido por adquirido.

42 Ora, uma regulamentação de um Estado-Membro que reserva uma vantagem fiscal à maior parte das operações de carácter nacional, quando priva delas sempre as operações de carácter transfronteiriço, constitui incontestavelmente uma restrição à livre prestação de serviços.

43 Recordemos, a este propósito, que, no acórdão Safir (12), o Tribunal de Justiça considerou, contra a imposição em causa nesse processo, que ela era susceptível de ser, na maioria dos casos, mais elevada do que a que incide sobre as operações puramente nacionais.

44 O Governo alemão tenta - em segundo lugar - justificar o regime fiscal em questão pela necessidade de assegurar a coerência do sistema fiscal, admitida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Bachmann (13).

45 A isto a Comissão objecta que a situação em causa neste acórdão não era comparável, porque o inconveniente sofrido pelo contribuinte (não dedução dos prémios de seguro) era compensado na pessoa do referido contribuinte por uma vantagem posterior (não tributação do montante segurado).

46 O órgão jurisdicional de reenvio e a Eurowings lembram, por outro lado, e com razão, que, nos acórdãos recentes Wielockx e Svensson e Gustavsson, já referidos, o Tribunal de Justiça exigiu uma ligação directa entre a dedução concedida e a consequência fiscal desfavorável. Tal ligação falta no caso em apreço, sendo o tratamento fiscal privilegiado de um sujeito passivo, isto é, o locatário, motivado pela cobrança de uma receita a outro sujeito passivo, isto é, o locador alemão. Citam igualmente, a esse propósito, uma decisão do Bundesfinanzhof de 30 de Dezembro de 1996 (14), segundo a qual:

«Tal ligação directa falta, de qualquer forma, quando o regime fiscal preferencial é reservado a um sujeito passivo, ao passo que o inconveniente fiscal imposto pela coerência atinge outro sujeito passivo; a relação entre as duas regras de tributação é então apenas indirecta.

Acontece assim com as regras previstas pelo imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração: a possibilidade de o sujeito passivo, na sua qualidade de locatário, deduzir as retribuições e o valor do bem locado, tem por única justificação, segundo o princípio de tributação única inerente ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, o facto de as somas correspondentes serem tributadas na pessoa de um outro sujeito passivo, o locador. A proibição de proceder a uma tal dedução quando a locação é concluída com um locador estabelecido noutro Estado-Membro da Comunidade é, por conseguinte, susceptível de restringir a livre prestação de serviços. O facto de tal não fazer diferença no final, porque o montante das retribuições por cessão de exploração é influenciado quer pelo encargo fiscal que pesa a título do imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração sobre o locador, quer sobre o que incide sobre o locatário, não tem importância. O que é determinante, é que o locatário pode ser incentivado a dirigir-se a cedentes de exploração residentes e não a cedentes de exploração estabelecidos no estrangeiro, a fim de não suportar ele próprio o encargo fiscal que resulta das regras de reintegração prevista nos artigos 8._, n._ 7, e 12._, n._ 2, ponto 2, da GewStG. As possibilidades no mercado para o concorrente estrangeiro são, por esse facto, reduzidas em comparação às de um residente, por ofertas iguais quanto ao resto.

... É muito duvidoso que as regras de reintegração previstas nos artigos 8._, n._ 7, segunda frase, e 12._, n._ 2, ponto 2, segunda frase, da GewStG sejam compatíveis com a proibição de discriminações decorrente do artigo 59._ do Tratado CE.»

47 Tendo sido solicitado a intervir não quanto ao fundo do litígio mas unicamente quanto a uma questão de forma, isto é, um pedido de suspensão de execução da decisão fiscal, o próprio Bundesfinanzhof não pôde ele próprio submeter a questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, explica-nos a Eurowings.

48 A análise do Bundesfinanzhof está, de qualquer forma, em perfeita harmonia com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, incluindo no que toca à questão da coerência fiscal. Uma exigência imperativa atinente à necessidade de salvaguardar a coerência desse regime fiscal não pode, portanto, admitir-se no caso.

49 Em terceiro lugar, o Governo alemão alega que a reintegração na base tributável do locatário já não se justifica quando o locador (alemão) está ele também sujeito ao imposto sobre os lucros industriais e comerciais, pois que tal reintegração implicaria uma dupla tributação das retribuições e do valor dos elementos do património locados. Com efeito, quando uma prestação é fornecida por um locador sujeito à GewStG, este integra esse encargo fiscal no montante da retribuição e repercute-o, portanto, no locatário. Visto do ângulo económico, é, por conseguinte, o locatário que, em definitivo, suporta o encargo fiscal.

50 Esta argumentação tem em vista, em substância, demonstrar que, em todos os casos de figura, é o locatário que suporta o encargo fiscal. Se o locador não estiver sujeito à GewStG, o locatário suporta directamente o encargo fiscal pela via das reintegrações, quando, se o locador estiver sujeito à GewStG, o locatário suporta o encargo fiscal indirectamente pelo facto de o locador o repercutir no seu preço.

51 Esta explicação não é convincente.

52 Com efeito, como observou a Eurowings sem ser contrariada quanto a este ponto pelo Governo alemão, o locatário, no quadro de um contrato de leasing alemão, está sempre isento devido à sujeição do locador à GewStG, sem qualquer consideração das possibilidades que tem este último de escapar a uma tributação efectiva. Este, contrariamente ao locatário no quadro de um contrato transfronteiriço, dispõe, com efeito, de vários meios para reduzir o nível da tributação tais como, nomeadamente, a tomada em conta do valor contabilístico e não do valor mercantil dos bens, a reintegração da metade e não da totalidade das dívidas a longo prazo, o recurso ao financiamento pré-fixado da compra de bens com vista a reduzir o capital de exploração, bem como a tomada em conta apenas do ganho real efectuado a partir dos bens locados na Alemanha e não da metade das retribuições. Por outro lado, os bancos alemães propõem «fundos de leasing» cujos prospectos salientam que o imposto sobre o lucro de exploração não é devido e que o imposto sobre o capital de exploração é apenas devido em relação a uma fracção da duração do contrato. Finalmente, o locador de aeronaves, não estando ligado a uma cidade com aeroporto, pode estabelecer-se numa comuna que tenha fixado uma taxa muito fraca ou mesmo uma taxa zero para a GewStG.

53 Pode, portanto, muito bem acontecer que, na realidade, os bens locados não sejam efectivamente tributados na esfera do locador alemão a título da GewStG sem que, com isso, o locatário sofra as reintegrações. Assim, a vantagem de que beneficia o locatário pelo facto da isenção de reintegração não está de forma nenhuma ligada ao montante pago pelo locador a título da GewStG.

54 Entendo, por outro lado, que, mesmo que os bens sejam objecto de tributação na esfera do locador alemão, não se pode ainda deduzir daí que esse encargo fiscal seja automática e integralmente repercutido na retribuição por forma a que o locatário suporte o respectivo encargo.

55 É, com efeito, sempre arriscado considerar, fora do sistema do IVA, que foi especificamente organizado para fazer suportar o encargo efectivo de um imposto ao consumidor final, que um encargo fiscal é idêntico para o consumidor consoante ele mesmo é obrigado a pagar enquanto sujeito passivo ou consoante o seu fornecedor sujeito passivo o incorpora no seu preço.

56 Num sistema de concorrência, a repercussão de um encargo fiscal no preço de um bem ou de um serviço não pode presumir-se nem como integral nem como automática, antes é inteiramente condicionada, na sua existência e amplitude, pelas condições de concorrência prevalecentes no mercado num dado momento. É necessário desde já um acordo, de legalidade duvidosa, entre locadores alemães para garantir que o encargo fiscal seja automática e integralmente repercutido. Mesmo que, porventura, tal fosse o caso, não concebo que o carácter ilícito de uma regulamentação nacional possa desaparecer pelo facto de o comportamento dos operadores económicos neutralizar os seus efeitos.

57 O sistema alemão não pode, portanto, ser considerado como neutro do ponto de vista da concorrência entre locadores alemães e locadores estabelecidos noutros Estados-Membros. Ele incita, efectivamente, os locatários alemães de bens mobiliários de exploração a dirigirem-se a um locador estabelecido na Alemanha, pois que este pode oferecer aos seus clientes um serviço cujo valor não será tomado em conta para a determinação do rendimento colectável da GewStG na esfera dos seus clientes, sem que necessariamente o preço do serviço compreenda um encargo fiscal a título desse imposto.

58 Em quarto lugar, resta analisar um argumento suscitado pelo recorrido no processo principal, isto é, o Finanzamt, segundo o qual «a fim de determinar se há entrave à livre circulação de serviços, deve proceder-se a uma comparação da integralidade das circunstâncias fiscais (isto é, no caso em apreço, a tomada em conta dos encargos menos elevados na Irlanda)». O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, por seu lado, se não será necessário ter em conta o facto de a sociedade locadora de direito irlandês não pagar qualquer imposto comparável ao Gewerbesteuer alemão. Duvida, no entanto, de que tal regulamentação possa ser admitida, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça (15).

59 As dúvidas do Finanzgericht são justificadas. Não se pode deixar de concordar com a opinião da Comissão segundo a qual a admissão de tal justificação «afectaria os fundamentos do mercado interno. Com efeito, se diferenças na tributação directa das empresas pudessem ser `neutralizadas' por imposições suplementares compensatórias dos Estados-Membros sobre a circulação intracomunitária de mercadorias, de serviços e de capitais, não restaria grande coisa dessas liberdades fundamentais. A quase totalidade de mercadorias e de serviços que circulam entre os Estados-Membros estaria sujeita a uma ou a outra imposição suplementar compensatória. ... Os Estados-Membros e as empresas devem, em princípio, aceitar as diferenças de encargos fiscais pela mesma razão que as diferenças de encargos sociais ou do custo da mão-de-obra».

60 No decurso da audiência, o representante da República Federal da Alemanha, também ele, admitiu que a existência ou não de uma imposição análoga nos outros Estados-Membros não tinha de ser tomada em consideração.

61 Finalmente, resta-nos examinar se o regime fiscal em causa é o único que pode permitir à República Federal da Alemanha atingir o objectivo prosseguido ou se existem outros métodos para atingir esse objectivo.

62 Um primeiro método a considerar poderia consistir em reduzir a carga que pesa sobre as prestações de serviços «transnacionais» a título do Gewerbesteuer para o nível daquela que incide sobre as prestações «nacionais». Esse método está, todavia, condenado a continuar puramente teórico enquanto as taxas da GewStG puderem variar, segundo as comunas, entre 0% e 515% e que, por outro lado, a repercussão do Gewerbesteuer do locador no locatário continua totalmente aleatória.

63 Um outro método para realizar a igualdade de tratamento consistiria em obrigar os locatários a efectuar as reintegrações igualmente no caso de os contratos de leasing serem celebrados com os locadores alemães, e a isentar, em contrapartida, estes do Gewerbesteuer.

64 Fazendo isto, as autoridades alemãs poderiam inspirar-se no regime doravante aplicável quando um estabelecimento comercial (Betrieb) ou uma parte do estabelecimento comercial são locados e o montante da retribuição ou dos preços de cessão de exploração excede 250 000 DEM (v. «a excepção à excepção» prevista no artigo 8._, ponto 7, segunda frase, in fine).

65 A lei prevê que, no caso de as retribuições terem, assim, sido objecto de reintegração no lucro industrial ou comercial do locatário ou do cessionário de exploração, a base do imposto é diminuída de uma maneira correspondente na esfera do locador ou do proprietário do estabelecimento cedido para exploração (artigo 9._, n._ 4, do GewStG).

66 Para os contratos de locação deste tipo, as mesmas regras aplicavam-se à determinação do capital de exploração (artigo 12._, n._ 2, ponto 2, e n._ 3, ponto 3) até 31 de Dezembro de 1997, data em que esse capital cessou de ser tomado em conta na determinação do Gewerbesteuer.

67 O regime em litígio também não preenche, portanto, a condição de ser «objectivamente necessário» para atingir o fim prosseguido.

68 Chegado ao termo do meu raciocínio, devo, por conseguinte, reconhecer que um regime tal como o que está em causa no litígio do processo principal cria uma restrição à livre prestação de serviços pelo facto de o destinatário de um serviço transfronteiriço ser sempre tributado, ao passo que não é de forma nenhuma garantido que o destinatário de um serviço com carácter interno suporte, de uma forma ou de outra, um encargo comparável ou mesmo qualquer encargo.

Conclusão

69 Proponho, por conseguinte, que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Finanzgericht Münster nos termos propostos pela Comissão, ou seja:

«O artigo 59._ do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que proíbe um Estado-Membro de sujeitar o destinatário de um serviço a um imposto sobre o seu estabelecimento industrial mais elevado se o prestador do serviço em questão estiver estabelecido noutro Estado-Membro que se o prestador do serviço estiver estabelecido no seu território, e isto por meio de disposições relativas à reintegração na base de tributação de certos elementos relativos ao lucro e ao capital de exploração das empresas industriais e comerciais.»

(1) - BGBl. I, p. 814.

(2) - Desde 1 de Janeiro de 1998, a matéria colectável do imposto limita-se ao resultado da actividade industrial e comercial.

(3) - Acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx (C-80/94, Colect., p. I-2493), e de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson (C-484/93, Colect., p. I-3955).

(4) - BStBl. II, 1997, p. 466.

(5) - Acórdão de 15 de Junho de 1983 (BStBl. II, 1984, p. 17).

(6) - Acórdãos de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França (270/83, Colect., p. 273, n._ 21), e de 27 de Junho de 1996, Asscher (C-107/94, Colect., p. I-3089).

(7) - V., nomeadamente, o acórdão de 25 de Junho de 1997, Tombesi e o. (C-304/94, C-330/94, C-342/94 e C-224/95, Colect., p. I-3561).

(8) - V., nomeadamente, o acórdão de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, Colect., p. I-225, n._ 21).

(9) - V., nomeadamente, o acórdão de 31 de Janeiro de 1984, Luisi e Carbone (286/82 e 26/83, Recueil, p. 377), bem como o acórdão Svensson e Gustavsson, já referido.

(10) - V., nomeadamente, acórdão de 5 de Outubro de 1994, Comissão/França (C-381/93, Colect., p. I-5145, n._ 17).

(11) - Ponto II, 5 a, terceiro parágrafo.

(12) - Acórdão de 28 de Abril de 1998 (C-118/96, Colect., p. I-1897).

(13) - Acórdão de 28 de Janeiro de 1992 (C-204/90, Colect., p. I-249).

(14) - Já referida.

(15) - V. supra, n._ 19.