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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 6 de Novembro de 2008 1(1)

Processo C-285/07

A.T.

contra

Finanzamt Stuttgart-Körperschaften

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«Regime fiscal comum aplicável às permutas de acções – Contabilização de acções pelo seu valor de mercado em vez do valor contabilístico – Tributação da mais-valia daí resultante»





1.        Quando os activos de uma sociedade são transferidos para outra no quadro de uma operação de reestruturação de sociedades, isso pode dar lugar a uma operação tributável. A transferência constitui uma alienação para efeitos de imposto sobre as mais-valias e, se aqueles activos aumentaram de valor depois do momento em que os adquiriu a sociedade contribuidora, pode daí resultar uma mais-valia tributável. Alguns Estados-Membros concedem benefícios permitindo o adiamento da tributação imediata até que os activos estejam efectivamente realizados. Contudo, este benefício raramente é concedido se a transferência for efectuada para uma sociedade não residente, por receio de que o pagamento do imposto possa ser objecto de evasão total em vez de simplesmente adiado.

2.        O presente caso tem por objecto uma operação de reestruturação pela qual uma sociedade alemã (A.T.) transferiu a sua participação maioritária numa GmbH alemã para uma sociedade francesa em troca de títulos cedidos pela sociedade francesa. As disposições da lei nacional na Alemanha impõem uma condição especial que as permutas de acções têm de preencher para permitir o adiamento de qualquer tributação do imposto sobre o rendimento de capital. A operação em causa não preenche esta condição. Por consequência, as autoridades alemãs procuraram tributar as mais-valias obtidas. O tribunal de reenvio pergunta, em primeiro lugar, se o artigo 8.°, n.os 1 e 2, da directiva relativa às fusões (2) e, em segundo lugar, se os artigos 43.° CE e 56.° CE devem ser interpretados no sentido de que obstam a esta tributação.

 A directiva relativa às fusões

3.        A directiva relativa às fusões impõe um regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entrada de activos e permuta de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes. Procura evitar a exigência de impostos relacionados com aquelas operações, salvaguardando ao mesmo tempo os interesses fiscais do Estado-Membro no qual surge a obrigação fiscal. No contexto da permuta de acções, isto é feito dispondo que a atribuição de títulos representativos do capital da sociedade adquirente a um sócio da sociedade adquirida «não deve, por si mesma, implicar qualquer tributação sobre o rendimento, os lucros ou as mais-valias do referido sócio» (3), permitindo ao mesmo tempo que os Estados-Membros tributem «o ganho resultante da alienação ulterior dos títulos recebidos, do mesmo modo que o ganho resultante da alienação de títulos existentes antes da aquisição» (4).

4.        O preâmbulo da directiva contém os seguintes considerandos:

«(1)      […] as fusões, as cisões, as entradas de activos e as permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes podem ser necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e assegurar deste modo a realização e o bom funcionamento do mercado comum; […] essas operações não devem ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções especiais resultantes das disposições fiscais dos Estados-Membros; […] importa, por conseguinte, instaurar, para essas operações, regras fiscais neutras relativamente à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado comum, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional;

(2)      […] [algumas] disposições de ordem fiscal penalizam actualmente essas operações em relação às realizadas entre sociedades do mesmo Estado-Membro; […] é necessário eliminar essa penalização;

(3)      […] não é possível atingir este objectivo através do alargamento dos regimes internos em vigor nos Estados-Membros ao plano comunitário, uma vez que as diferenças entre esses regimes são susceptíveis de provocar distorções; […] apenas um regime fiscal comum poderá constituir uma solução satisfatória a este respeito;

(4)      […] o regime fiscal comum deve evitar a tributação das fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções, salvaguardando os interesses financeiros do Estado da sociedade contribuidora ou adquirida;

(5)      […] o resultado das operações de fusão, cisão e entradas de activos será normalmente quer a transformação da sociedade contribuidora em estabelecimento estável da sociedade beneficiária da entrada quer a afectação dos activos a um estabelecimento estável desta última sociedade;

(6)      […] o regime de adiamento, até à sua realização efectiva, da tributação das mais-valias relativas aos bens transferidos, aplicado aos bens que estejam afectos a esse estabelecimento estável, permite evitar a tributação das mais-valias correspondentes, garantindo ao mesmo tempo a sua tributação posterior pelo Estado da sociedade contribuidora, no momento da sua realização».

5.        O artigo 2.° contém as seguintes definições relevantes.

«Para efeitos da presente directiva, entende-se por

a)      ‘Fusão’: a operação pela qual:

–        uma ou mais sociedades transferem, na sequência e por ocasião da sua dissolução sem liquidação, o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para outra sociedade já existente, mediante atribuição aos respectivos sócios de títulos representativos do capital social da outra sociedade, e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na ausência de valor nominal, do valor contabilístico desses títulos,

–        duas ou mais sociedades transferem, na sequência e por ocasião da sua dissolução sem liquidação, o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para uma sociedade que constituam, mediante a atribuição aos respectivos sócios de títulos representativos do capital social da sociedade nova, e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na ausência de valor nominal, do valor contabilístico desses títulos,

–        uma sociedade transfere, na sequência e por ocasião da sua dissolução sem liquidação, o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade detentora da totalidade dos títulos representativos do seu capital social;

b)      ‘Cisão’: a operação pela qual uma sociedade transfere, na sequência e por ocasião da sua dissolução sem liquidação, o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para duas ou mais sociedades já existentes ou novas, mediante a atribuição aos seus sócios, de acordo com uma regra de proporcionalidade, de títulos representativos do capital social das sociedades beneficiárias da entrada, e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na ausência de valor nominal, do valor contabilístico desses títulos;

c)      ‘Entrada de activos’: a operação pela qual uma sociedade transfere, sem que seja dissolvida, o conjunto ou um ou mais ramos da sua actividade para outra sociedade, mediante entrega de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária da entrada;

d)      ‘Permuta de acções’: a operação pela qual uma sociedade adquire uma participação no capital social de outra sociedade, que tem por efeito conferir-lhe a maioria dos direitos de voto desta sociedade, mediante a atribuição aos sócios da outra sociedade, em troca dos seus títulos, de títulos representativos do capital social da primeira sociedade, e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na ausência de valor nominal, do valor contabilístico dos títulos entregues em troca;

e)      ‘Sociedade contribuidora’: a sociedade que transfere o activo e passivo que integram o seu património ou que entrega o conjunto ou um ou mais ramos da sua actividade;

f)      ‘Sociedade beneficiária’: a sociedade que recebe o activo e passivo que integram o património da sociedade contribuidora ou o conjunto ou um ou mais ramos de actividade desta sociedade;

g)      ‘Sociedade adquirida’: a sociedade na qual outra sociedade adquire uma participação mediante permuta de títulos;

h)      ‘Sociedade adquirente’: a sociedade que adquire uma participação mediante permuta de títulos.»

6.        As definições do artigo 2.° estão interligadas da seguinte forma. Relativamente a cada fusão, cisão ou entrada de activos [a), b) e c)], existe uma sociedade contribuidora e uma sociedade beneficiária [e) e f)], enquanto relativamente à permuta de acções [d)] existe uma sociedade adquirida e uma sociedade adquirente [g) e h)].

7.        Os n.os 1 e 2 do artigo 8.° dispõem:

«1.      Em caso de fusão, cisão ou permuta de acções, a atribuição de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária ou adquirente a um sócio da sociedade contribuidora ou adquirida, em troca de títulos representativos do capital social desta última, não deve, por si mesma, implicar qualquer tributação sobre o rendimento, os lucros ou as mais-valias do referido sócio.

2.      Os Estados-Membros subordinarão a aplicação do disposto no n.° 1 à condição de o sócio não atribuir aos títulos recebidos por permuta um valor fiscal mais elevado que aquele que os títulos permutados tinham imediatamente antes da fusão, cisão ou permuta de acções.

A aplicação do n.° 1 não impede que os Estados-Membros tributem o ganho resultante da alienação ulterior dos títulos recebidos, do mesmo modo que o ganho resultante da alienação dos títulos existentes antes da aquisição.

Por ‘valor fiscal’ entende-se a valor que serviria de base para o eventual cálculo de um ganho ou de uma perda a considerar para efeitos de determinação da matéria colectável de um imposto sobre o rendimento, os lucros ou as mais-valias do sócio da sociedade.»

8.        Assim, o artigo 8.°, n.os 1 e 2, diz respeito a um sócio de uma sociedade contribuidora (no caso de fusões e cisões) ou de uma sociedade adquirida (no caso de permuta de acções).

9.        O artigo 11.°, n.° 1, alínea a), dispõe que qualquer Estado-Membro poderá recusar aplicar, no todo ou em parte, ou retirar o benefício da directiva sempre que a operação «tenha como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais; o facto de uma das operações referidas no artigo 1° não ser realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das actividades das sociedades que participam na operação, pode constituir presunção de que essa operação tem como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais».

 Legislação nacional relevante

10.      No contexto das permutas de acções de âmbito nacional, o § 20 da Umwandlungssteuergesetz (lei relativa à tributação das reestruturações de empresas, a seguir «UmwStG») (5) dispõe, na parte que aqui interessa:

«1.      Se a actividade de uma empresa […] for transferida para uma sociedade de capitais […] e a empresa contribuidora receber como retribuição novas acções naquela sociedade (retribuição em espécie), os activos transferidos e as novas acções devem ser avaliados em conformidade com os parágrafos seguintes. O primeiro período é igualmente aplicável à transferência de acções para uma sociedade de capitais se a sociedade adquirente (6), graças à sua participação, calculada tendo em conta as partes sociais adquiridas, passar a deter directa e manifestamente a maioria dos direitos de voto na sociedade cujas partes sociais foram transferidas.

2.      A sociedade [adquirente] (7) pode atribuir aos activos transferidos o seu valor contabilístico ou um valor mais elevado. Pode também ser atribuído o valor contabilístico mesmo que, nos termos das disposições de direito comercial, deva ser inscrito no balanço um valor mais elevado. O valor contabilístico é o valor pelo qual a sociedade contribuidora, no momento da contribuição em espécie, avaliou os activos transferidos, em conformidade com o disposto na lei fiscal relativamente à determinação dos lucros. […]

[…]

4.      O valor que a sociedade [adquirente] atribui aos activos transferidos é entendido, no que se refere à sociedade contribuidora, como o preço de alienação e o custo de aquisição das partes sociais.»

11.      O § 23, n.° 4, da UmwStG dispõe:

«Se as acções, na acepção do § 20, n.° 1, segundo período, de uma sociedade de capitais da UE forem transferidas para outra sociedade de capitais da EU, os [primeiro e segundo] períodos do § 20, n.° 2, são aplicáveis à avaliação das acções recebidas pela sociedade adquirente, e o primeiro período do § 20, n.° 4, é aplicável reciprocamente à avaliação das novas acções da sociedade adquirente recebidas pela sociedade contribuidora.»

12.      Finalmente, a Alemanha transpôs o artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da directiva relativa às fusões através do primeiro período do § 26, n.° 2, da UmwStG, o qual dispõe:

«O § 23, n.° 4, não é aplicável se as acções recebidas forem alienadas durante um período de sete anos após a entrada de capitais, excepto se o devedor do imposto provar que as acções recebidas foram objecto de uma posterior retribuição em espécie pelo valor contabilístico com base nas disposições legais de outro Estado-Membro da União Europeia correspondentes ao § 23, n.° 4.»

13.      O despacho de reenvio explica que o primeiro período do § 20, n.° 4, da UmwStG impõe uma «dupla correspondência de registos contabilísticos». O que se entende por esta expressão é que numa permuta de acções que envolve a transferência de uma participação maioritária, a sociedade contribuidora só pode registar na contabilidade o valor das acções transferidas pelo qual a própria sociedade adquirente as avaliou.

14.      O tribunal de reenvio observa também que a legislação acima referida trata as permutas de acções da mesma forma quer a sociedade adquirente seja uma sociedade alemã ou uma sociedade de outro Estado-Membro (8).

 Matéria de facto

15.      A recorrente A.T. é uma sociedade alemã (9). Tinha uma participação maioritária (89,5%) numa GmbH (a seguir «GmbH»). As regras dos mercados financeiros exigiam-lhe a alienação desta participação. Nesta conformidade, a recorrente transferiu as suas quotas na GmbH, no decurso do ano de 2000, para uma sociedade francesa (10), em permuta com novas acções do valor correspondente a 1,47% do capital emitido por esta sociedade.

16.      A sociedade francesa inscreveu as quotas da GmbH (as quotas da sociedade adquirida) no seu balanço comercial e fiscal (elaborado em conformidade com a lei francesa), com o seu valor de mercado, estabelecido no contrato de transferência (11), e não com o seu valor contabilístico, embora se verifique que a lei francesa teria permitido que fosse inscrito o valor contabilístico. A A.T. procurou avaliar as acções que lhe tinham sido cedidas pela sociedade francesa pelo valor contabilístico das quotas da GmbH pelas quais haviam sido permutadas as acções da sociedade francesa. O Finanzamt considerou, no entanto, que a A.T. estava obrigada a atribuir o valor de mercado inscrito pela sociedade francesa ao avaliar as quotas da GmbH, em conformidade com os §§ 23, n.° 4, e 20, n.° 4, da UmwStG 1995. Por consequência, o Finanzamt considerou que a permuta de acções entre a A.T. e a sociedade francesa gerou uma mais-valia sujeita a imposto. Desta forma, o Finanzamt procurou tributar a diferença entre o custo de aquisição das quotas da GmbH e o valor de mercado das acções da sociedade francesa [que as autoridades alemãs consideraram que representava o valor da alienação dos activos transferidos (isto é, as quotas da GmbH)].

 O processo principal e as questões submetidas

17.      A.T. impugnou com êxito a liquidação do imposto no Finanzgericht Baden-Württtemberg. O Finanzamt recorreu para o Bundesfinanzhof. Este órgão jurisdicional tem dúvidas sobre se o primeiro período do § 23, n.° 4, conjugado com o primeiro período do § 20, n.° 4, da UmwStG, e a «dupla correspondência dos registos contabilísticos», condição aplicável nos termos daquelas disposições, são contrários ao artigo 8.°, n.os 1 e 2, da directiva relativa às fusões e aos artigos 43.° CE e 56.° CE.

18.      Consequentemente, o Bundesfinanzhof submeteu as seguintes questões:

«a)      O artigo 8.°, n.os 1 e 2, da [directiva relativa às fusões] opõe-se a um regime fiscal de um Estado-Membro segundo o qual, ao efectuar uma entrada de capital, representada por partes sociais de uma sociedade de capitais da União Europeia, noutra sociedade de capitais da União Europeia, a sociedade que efectua a entrada apenas pode manter o valor contabilístico das partes sociais se a sociedade de capitais beneficiária (12) tiver, por sua vez, inscrito as referidas partes sociais pelo seu valor contabilístico («dupla correspondência dos registos contabilísticos»)?

b)      Em caso de resposta negativa à primeira questão: O regime jurídico acima mencionado é contrário aos artigos 43.° CE e 56.° CE, apesar de também se exigir a referida dupla correspondência dos registos contabilísticos no caso de entradas de capital numa sociedade de capitais que seja tributada pela totalidade dos seus rendimentos?»

19.      Foram apresentadas alegações escritas pela A.T, pelo Governo alemão e pela Comissão, e todas estas partes estiveram representadas na audiência.

 A primeira questão

20.      Através da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 8.°, n.os 1 e 2, da directiva se opõe à aplicação de disposições fiscais nacionais que, na sequência de uma permuta de acções, permitem que o sócio da sociedade adquirida inscreva o valor contabilístico das quotas da sociedade adquirida unicamente se a sociedade adquirente também avaliou as quotas daquela pelo seu valor contabilístico (a dupla correspondência dos registos contabilísticos).

21.      A A.T. e a Comissão alegam que deve ser dada resposta afirmativa à questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio. O Governo alemão sustenta o ponto de vista contrário. No essencial, concordo com a Comissão e com a A.T.

 Análise

22.      Tal como a Comissão, considero que o ponto de partida adequado é o texto da directiva.

23.      O Tribunal de Justiça já declarou que o regime fiscal comum estabelecido na directiva, que inclui diferentes benefícios fiscais, se aplica indistintamente a todas as operações de fusão, de cisão, de entrada de activos e de permuta de acções, independentemente dos seus fundamentos (13).

24.      O artigo 8.°, n.° 1, determina que uma permuta de acções abrangida pelo seu âmbito de aplicação deve ser tratada incondicionalmente em termos de neutralidade fiscal. A letra desta disposição é inequívoca e imperativa: «a atribuição […] não deve, por si mesma, implicar qualquer tributação […]». Dela resulta evidente que os Estados-Membros não dispõem de qualquer poder discricionário para impor condições adicionais que devam ser preenchidas para ser concedido o tratamento fiscal neutro. O Tribunal de Justiça declarou que uma permuta de acções abrangida pelo artigo 8.°, n.° 1, implica que, em princípio, é proibida a sua tributação (14).

25.      O efeito do artigo 8.°, n.° 1, é que uma permuta de acções abrangida pelo âmbito de aplicação da directiva deve ser tratada como um evento fiscal neutro. Na ausência desta disposição, tal operação implicaria normalmente consequências fiscais. Assim, por exemplo, haverá mais-valia na diferença entre o preço de aquisição e a retribuição pela alienação dos activos transferidos, se estes últimos aumentarem de valor após a aquisição. Esta mais-valia poderia originar a obrigação de imposto.

26.      A aplicação do artigo 8.°, n.° 1, está dependente da condição (imperativa) prevista no n.° 2 do mesmo artigo, ou seja, de «o sócio não atribuir aos títulos recebidos na permuta um valor fiscal mais elevado que aquele que os títulos permutados tinham imediatamente antes da fusão, cisão ou permuta de acções».

27.      «O sócio» referido no artigo 8.°, n.° 2, só pode significar o sócio da sociedade adquirida (A.T.), pois a disposição remete para o n.° 1 do mesmo artigo, no qual se esclarece a identidade do «sócio».

28.      Nesta conformidade, o argumento alternativo da Alemanha, segundo o qual o artigo 8.°, n.° 2, da directiva diz respeito à avaliação das quotas no registo contabilístico da sociedade (estrangeira) adquirente, não merece acolhimento, em minha opinião.

29.      O Governo alemão alega (baseado numa interpretação literal do artigo 8.°, n.° 2, com referência à expressão «aos títulos recebidos») que a directiva exige simplesmente que a sociedade adquirente avalie as quotas pelo seu valor contabilístico. Sugere que esta frase se refere às quotas recebidas pela sociedade estrangeira à qual foram atribuídos os títulos por via da permuta.

30.      Contudo, resulta claro do texto da directiva que o artigo 8.°, n.os 1 e 2, se refere às consequências fiscais que resultam para o sócio da sociedade adquirida (A.T.). Só o valor atribuído aos títulos representativos do capital da sociedade adquirente («os títulos recebidos») é relevante nos termos do artigo 8.°, n.° 2. Este valor determina o preço de aquisição para efeitos de cálculo da mais-valia tributável no momento de uma subsequente alienação das acções pelo sócio da sociedade adquirida. Não posso, portanto, aceitar o argumento da Alemanha segundo o qual a condição prevista no artigo 8.°, n.° 2, primeiro parágrafo, se refere ao valor atribuído às quotas da sociedade adquirida (a GmbH) recebidas pela sociedade francesa.

31.      Em minha opinião, o artigo 8.°, n.os 1 e 2, não pode ser lido de forma não conjugada, pois o segundo parágrafo do n.° 2 determina as consequências derivadas da aplicação do n.° 1.

32.      Se o sócio da sociedade adquirida fosse obrigado a substituir o valor de mercado pelo valor contabilístico, como alega a Alemanha, seria criado um encargo fiscal em circunstâncias em que a directiva expressamente prevê o adiamento do imposto. A directiva concretiza a neutralidade fiscal ao permitir que o sócio da sociedade adquirida (A.T.) atribua o valor dos activos que foram alienados (nomeadamente da sociedade adquirida) aos títulos cedidos pela sociedade adquirente. Não obstante, isto também salvaguarda o direito de tributação dos Estados-Membros se os títulos representativos do capital da sociedade adquirente forem subsequentemente alienados com lucro.

33.      A Alemanha realça que a permuta de acções poderia ter ficado isenta de imposto apesar do disposto na UmwStG, porque a lei francesa permite que as quotas transferidas sejam avaliadas pelo seu valor contabilístico. Se a sociedade francesa tivesse optado por avaliar dessa forma as quotas que recebeu (em vez de as avaliar, como fez, pelo seu valor de mercado), não surgiria aí qualquer obrigação fiscal sobre as mais-valias, nos termos da lei alemã. Na audiência, a Alemanha alegou que a A.T., ao negociar os termos da permuta de acções, tinha a faculdade de estabelecer como condição para a operação que a sociedade francesa avaliasse as quotas pelo seu valor contabilístico.

34.      Este argumento não me convence. Tal significaria que as consequências fiscais de uma dada operação estariam dependentes (a) do regime fiscal do Estado-Membro da sociedade adquirente e (b) do acordo específico entre as partes (que provavelmente reflectiria o poder negocial de cada uma nessa altura). Isso seria não apenas contrário ao texto da directiva mas enfraqueceria a segurança jurídica que a mesma proporciona. Além disso, a formulação do artigo 8.°, n.° 1, é exaustiva e incondicional. Não faz depender o adiamento da tributação das especificidades do regime fiscal do Estado-Membro no qual está situada a sociedade adquirente nem do acordo entre as partes na operação.

35.      O efeito do § 20, n.° 4, da UmwStG é que o sócio da sociedade adquirida (a A.T.) está obrigado a inscrever o valor que a sociedade adquirente (a sociedade francesa) atribuiu às quotas para determinar o valor de alienação das quotas da GmbH. Não encontro no texto do artigo 8.°, n.° 1, lido em conjugação com o seu n.° 2, qualquer base para incluir uma condição adicional.

36.      Esta leitura do artigo 8.°, n.os 1 e 2, é alicerçada pela tomada em consideração da base jurídica e dos objectivos da directiva.

37.      A directiva relativa às fusões, como legislação fiscal, baseia-se no artigo 100.° do Tratado CEE (actual artigo 94.° CE). O seu objectivo declarado é estabelecer um regime fiscal que seja neutro do ponto de vista da concorrência para permitir a adaptação da actividade económica às exigências do mercado comum. Os quarto e sexto considerandos indicam que enquanto um objectivo da directiva é adiar o encargo fiscal sobre o sócio da sociedade adquirida quando existe uma permuta de acções, os Estados-Membros mantêm o direito de tributar as mais-valias que daí resultaram, mas apenas quando essas mais-valias forem definitivamente realizadas. Assim, não é necessário ir além da formulação expressa do texto da directiva, introduzindo condições adicionais com vista a proteger os interesses fiscais legítimos dos Estados-Membros.

38.      Todavia, é evidente que da aplicação do § 20, n.° 4, da UmwStG resulta a imposição de um encargo fiscal numa situação em que a directiva prevê que tal encargo deveria ser adiado. Este resultado contraria os objectivos expressos da directiva e prejudica a ponderação prudente por esta conseguida entre os interesses da actividade económica e os dos Estados-Membros.

39.      A Alemanha alega que uma alienação de quotas pelo sócio da sociedade adquirida não implica necessariamente um rendimento tributável. As novas acções da sociedade adquirente, que o sócio da sociedade adquirida recebe em permuta, podem sofrer uma depreciação significativa como resultado das flutuações do mercado (como sucedeu de facto com as acções da sociedade francesa no caso presente). Na audiência, a Comissão contestou a relevância deste argumento, salientando que uma potencial descida do valor das acções é um risco de investimento inerente a qualquer permuta de acções, ao qual as autoridades fiscais estão indirectamente expostas. Isto não pode, contudo, justificar a tributação do sócio da sociedade adquirida sobre reservas não realizadas.

40.      Em meu entender, o argumento da Alemanha baseia-se numa concepção errada. O objectivo do artigo 8.°, n.° 1, da directiva é simplesmente adiar o encargo fiscal para outra altura, quando o activo esteja realizado. Não é garantir que haverá sempre um encargo fiscal nessa altura. Se haverá ou não depende do valor do activo quando o mesmo é alienado.

41.      Finalmente, o Governo alemão alegou que os §§ 20, n.° 4, e 23, n.° 4, da UmwStG têm como alvo declarado um tipo específico de abuso. A Comissão avançou o exemplo seguinte para ilustrar esta asserção. Suponha-se que a sociedade X troca a sua participação numa filial por acções de uma sociedade adquirente. Existe uma operação neutra para efeitos fiscais (em conformidade com o artigo 8.°, n.os 1 e 2, da directiva). Suponha-se que a sociedade adquirente avalia as acções que adquiriu pelo seu valor de mercado e as vende imediatamente (por definição, sem realizar quaisquer mais-valias). Se o produto da venda puder ser devolvido à sociedade X isento de imposto, o efeito é proporcionar à sociedade X a realização de reservas ocultas sem pagar imposto.

42.      A Comissão reconheceu que, em princípio, uma situação como a descrita pode ser considerada abusiva e, portanto, não merecedora da protecção prevista no artigo 8.°, n.os 1 e 2, da directiva. Contudo, a Comissão chamou a atenção para o facto de a preservação dos interesses fiscais dos Estados-Membros estar garantida pelo artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da directiva, o qual prevê que se a operação tiver como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais, os Estados-Membros poderão recusar aplicar o benefício do adiamento da tributação. Resulta assim evidente da formulação dos artigos 8.° e 11.° da directiva que o interesse dos Estados-Membros em proceder à tributação quando o lucro estiver realizado é tomado em consideração e protegido.

43.      No caso presente, nada sugere que a operação de permuta de acções foi efectuada com o objectivo de fraude ou evasão fiscais. Em vez disso, foi exigido à A.T. que alienasse ela própria as quotas, por força das normas (imperativas) do mercado financeiro. Nesta conformidade, não se coloca de modo algum a questão de aplicação do artigo 11.°, n.° 1, alínea a), a este caso concreto.

44.      Não obstante, para completar a análise, acrescento que, mesmo quando existe prova de abuso, a reacção dos Estados-Membros deve ser proporcionada e cada caso deve ser apreciado com base nos seus factos próprios. O Tribunal de Justiça já declarou que uma regra geral que exclua automaticamente certas categorias de operações das disposições que prevêem benefícios fiscais ultrapassa o que é permitido pela directiva (15).

 A segunda questão

45.      Através da segunda questão, que é suscitada unicamente para o caso de a resposta à primeira questão ser negativa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 43.° CE e 56.° CE se opõem à aplicação de disposições nacionais como as contidas nos §§ 20 e 23 da UmwStG, mesmo que a «dupla correspondência dos registos contabilísticos» seja exigida também no caso de entradas numa sociedade de capitais que seja tributada pela totalidade dos seus rendimentos.

46.      Dado que, em minha opinião, a resposta à primeira questão submetida deve ser claramente afirmativa, não considero necessário responder à segunda questão.

 Conclusão

47.      Considero, portanto, que se deve responder à primeira questão submetida da forma seguinte:

O artigo 8.°, n.os 1 e 2, da Directiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes, opõe-se à aplicação de uma norma tributária nacional que prevê que, numa permuta de acções entre duas sociedades de capitais da UE, o sócio da sociedade adquirida só pode manter o valor contabilístico dos títulos permutados se a sociedade adquirente tiver ela própria avaliado esses títulos pelo seu valor contabilístico.


1 – Língua original: inglês.


2 – Directiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes (JO 1990, L 225, p. 1). Esta directiva foi alterada, mas ao processo principal aplica-se apenas a versão originária, para a qual remeto nas presentes conclusões.


3 – Artigo 8.°, n.° 1, reproduzido adiante no n.° 7.


4 – Segundo parágrafo do n.° 2 do artigo 8.°, ibid.


5 – Lei de 28 de Outubro de 1994, Bundesgesetzblatt 1994, I, p. 3267.


6 –      O § 20, n.° 1, e o § 23, n.° 4, da UmwStG remetem ambos para uma «ubernehmende Kapitalgesellschaft», pois enquanto o significado primordial comum de «ubernehmen» é «adquirir», o adjectivo «ubernehmende» é usado especificamente no artigo 2.°, alínea f), da directiva para referir uma sociedade «beneficiária» – expressão que é reservada pela directiva às fusões, cisões e entradas de activos. O texto alemão do artigo 2.°, alínea h), da directiva usa «erwerbende Gesellschaft» para «sociedade adquirente». Dado que o presente reenvio diz respeito a uma sociedade adquirente no contexto de uma permuta de acções [artigo 2.°, alíneas d) e h), da directiva], por razões de clareza usarei nas presentes conclusões simplesmente a expressão «sociedade adquirente».


7 –      O Governo alemão, para facilitar, acrescentou «[übernehmende)» antes do substantivo Kapitalgesellschaft» aqui e no n.° 4, ao reproduzir as disposições nas suas alegações.


8 – Segundo a demandante, ora recorrida, a legislação alemã foi alterada com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007, de modo que a dupla correspondência dos regimes contabilísticos só é aplicável actualmente no contexto de uma permuta de acções entre sociedades alemãs.


9 – O Tribunal de Justiça deferiu o pedido da recorrente para manter o anonimato no presente processo.


10 – Assim, a A.T. é o «sócio da […] sociedade adquirida» (artigo 8.°, n.° 1, da directiva). A GmbH é a «sociedade adquirida» [artigo 2.°, alínea g)] e a sociedade francesa é a «sociedade adquirente» [artigo 2.°, alínea h)].


11 – O valor contabilístico é o valor pelo qual a sociedade contribuidora, na altura da retribuição em espécie (a permuta de acções) avaliou os activos em conformidade com as disposições fiscais respeitantes à determinação dos lucros; v. n.° 10, supra.


12 –      Não interessa à versão portuguesa.


13 – Acórdãos de 17 de Julho de 1997, Leur-Bloem (C-28/95, Colect., p. I-4161, n.° 36), e de 5 de Julho de 2007, Kofoed (C-321/05, Colect., p. I-5795, n.° 30).


14 – V. acórdão Kofoed, já referido na nota 13, n.os 24 e 35.


15 – V. acórdão Leur-Bloem, já referido na nota 13, n.os 43 a 48.