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62000J0324

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 12 de Dezembro de 2002. - Lankhorst-Hohorst GmbH contra Finanzamt Steinfurt. - Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht Münster - Alemanha. - Liberdade de estabelecimento - Fiscalidade - Imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas - Distribuição encoberta de lucros - Dedução fiscal - Coerência do regime fiscal - Evasão fiscal. - Processo C-324/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-11779


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Livre circulação de pessoas - Liberdade de estabelecimento - Legislação fiscal - Imposto sobre os lucros das sociedades - Tributação enquanto dividendos ocultos dos juros pagos por uma sociedade como remuneração de capitais emprestados por um accionista que detém uma importante participação no seu capital e que não beneficia de um crédito de imposto - Disposição que atinge principalmente as sociedades-mãe estrangeiras entre as sociedades accionistas - Inadmissibilidade - Justificação - Inexistência

(Artigo 43.° CE)

Sumário


$$O artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a legislação de um Estado-Membro, que prevê que a remuneração do capital externo que uma sociedade tenha recebido de um sócio, como a sociedade-mãe, que detém uma participação substancial no seu capital deve, em certos casos, ser considerada uma distribuição encoberta de dividendos, apenas se aplica à remuneração do capital recebido de um sócio sem direito a crédito de imposto, dado que as sociedades-mãe residentes beneficiam, na grande maioria dos casos, do crédito de imposto, ao passo que, regra geral, as sociedades-mãe estrangeiras não beneficiam.

Esta diferença de tratamento entre filiais residentes em função da sede da sua sociedade-mãe torna menos atraente o exercício da liberdade de estabelecimento pelas sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros, as quais poderiam, consequentemente, renunciar à aquisição, à criação ou à manutenção de uma filial no Estado-Membro que promulga esta medida e constitui um obstáculo à liberdade de estabelecimento, em princípio proibida pelo artigo 43.° CE.

A referida legislação não se pode justificar nem por razões ligadas ao risco de evasão fiscal, visto que não tem por objecto específico excluir os expedientes puramente artificiais cuja finalidade é fugir à alçada da legislação fiscal nacional, mas visa, de maneira geral, qualquer situação na qual a sociedade-mãe tem a sua sede, qualquer que seja a razão, fora do Estado-Membro, não implicando tal situação, em si, um risco de evasão fiscal, nem pela necessidade de assegurar a coerência do regime fiscal, não existindo um nexo directo entre o tratamento fiscal desfavorável sofrido pela filial de uma sociedade-mãe não residente e qualquer vantagem fiscal susceptível de compensar este tratamento.

( cf. n.os 27-28, 32, 36-37, 40, 42, 45, disp. )

Partes


No processo C-324/00,

que tem por objecto um pedido submetido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Finanzgericht Münster (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Lankhorst-Hohorst GmbH

e

Finanzamt Steinfurt,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 43.° CE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: M. Wathelet (relator), presidente de secção, C. W. A. Timmermans, D. A. O. Edward, P. Jann e A. Rosas, juízes,

advogado-geral: J. Mischo,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação do Governo alemão, por W.-D. Plessing e T. Jürgensen, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, na qualidade de agente,

- em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, na qualidade de agente, assistido por R. Singh, barrister,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal, na qualidade de agente, assistido por R. Bierwagen, Rechtsanwalt,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Lankhorst-Hohorst GmbH, representada por J. Schirmer e J. A. Schirmer, Steuerberater, do Governo alemão, representado por W.-D. Plessing e G. Müller-Gatermann, na qualidade de agente, do Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins, assistido por R. Singh, e da Comissão, representada por R. Lyal, assistido por R. Bierwagen, na audiência de 30 de Maio de 2002,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 26 de Setembro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 21 de Agosto de 2000, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de Setembro seguinte, o Finanzgericht Münster submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 43.° CE.

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Lankhorst-Hohorst GmbH (a seguir «Lankhorst-Hohorst»), com sede em Reine (Alemanha), ao Finanzamt Steinfurt, uma administração fiscal alemã, a respeito da liquidação do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas correspondente ao exercício 1997 e 1998.

Quadro jurídico nacional

3 A Körperschaftsteuergesetz (lei relativa ao imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas), na versão vigente no período de 1996 a 1998 (a seguir «KStG»), tem um § 8a, intitulado «Financiamento pelos sócios», que dispõe o seguinte no seu n.° 1:

«A remuneração do capital externo que uma sociedade de capitais, sujeita a tributação sem qualquer limitação, tenha recebido de um sócio sem direito a crédito de imposto que, no decurso do exercício em causa, tenha detido uma participação substancial no capital social inicial da sociedade, será considerada uma distribuição encoberta de dividendos quando:

[...]

2. haja sido acordada uma remuneração por referência a uma fracção do capital e o capital externo seja mais de três vezes superior ao capital próprio correspondente à participação do referido sócio no decurso do exercício, a menos que a sociedade tivesse podido obter o referido capital externo de outra entidade terceira em igualdade de condições ou se o capital externo constituir um empréstimo destinado a financiar operações bancárias habituais. [...]»

4 Resulta do despacho de reenvio que, de forma geral, não têm direito ao crédito de imposto, por um lado, os sócios não residentes e, por outro lado, as pessoas colectivas de direito alemão isentas do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas, ou seja, as pessoas colectivas de direito público e as pessoas colectivas que exercem uma actividade económica num sector específico ou que assumem missões que devem ser incentivadas.

O litígio no processo principal e a questão prejudicial

5 A Lankhorst-Hohorst tem como actividade o comércio de acessórios náuticos, artigos de desportos náuticos, artigos de tempos livres e bricolage, roupa de lazer e de trabalho, objectos decorativos bem como ferragens e outros produtos similares. O seu capital social foi aumentado, em Agosto de 1996, para 2 000 000 DEM.

6 A Lankhorst-Hohorst tem como único sócio a sociedade Lankhorst-Hohorst BV (a seguir «LH BV»), com sede nos Países Baixos, em Sneek. O único sócio desta última sociedade é a sociedade Lankhorst Taselaar BV (a seguir «LT BV») com sede igualmente nos Países Baixos, em Lelystad.

7 Por contrato de 1 de Dezembro de 1996, a LT BV concedeu à demandante no processo principal um empréstimo de 3 000 000 DEM, reembolsável em dez prestações anuais de 300 000 DEM, com início em 1 de Outubro de 1998 (a seguir «empréstimo»). A taxa de juro variável era de 4,5% até ao final de 1997. Os juros deveriam ser pagos no final de cada ano. Assim, foram pagos à LT BV, a título de juros, 135 000 DEM em 1997 e 109 695 DEM em 1998.

8 O empréstimo, que devia desempenhar a função de capital de substituição, foi acompanhado da emissão de uma «Patronatserklärung» (carta de garantia da sociedade-mãe) na qual a LT BV renunciava ao reembolso se a demandante no processo principal fosse demandada por terceiros credores.

9 O empréstimo permitiu à Lankhorst-Hohorst reduzir de 3 702 453,59 para 911 174,70 DEM o empréstimo concedido por uma instituição de crédito e diminuir assim o montante dos juros que suportava.

10 Nos exercícios de 1996 a 1998, o balanço da demandante no processo principal apresentou um prejuízo não coberto por capitais próprios, que ascendeu a 1 503 165 DEM no exercício de 1998.

11 Nos seus avisos de liquidação do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas correspondentes aos exercícios de 1997 e 1998, datados de 28 de Junho de 1999, o Finanzamt Steinfurt considerou que os juros pagos à LT BV eram equiparáveis a uma distribuição de lucros ocultos na acepção do § 8a da KStG e, como tal, tributou-os à Lankhorst-Hohorst à taxa de 30%.

12 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a excepção prevista no § 8a, n.° 1, segundo parágrafo, da KStG, no caso de a sociedade em causa ter podido obter igualmente capitais externos junto de terceiros em condições idênticas, não podia colher no caso em apreço no processo principal. Tendo em conta a situação de sobreendividamento da Lankhorst-Hohorst e a sua incapacidade de oferecer garantias, a mesma não poderia, efectivamente, ter obtido um empréstimo semelhante de terceiros, concedido sem garantia e coberto por uma carta de garantia da sociedade-mãe.

13 Por decisão de 14 de Fevereiro de 2000, o Finanzamt Steinfurt indeferiu a reclamação apresentada pela demandante no processo principal contra os avisos de liquidação do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas.

14 Em apoio do recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, a Lankhorst-Hohorst alegou que a concessão do empréstimo pela LT BV constituía uma tentativa de salvamento da sua situação e que os juros pagos àquela não podiam ser qualificados de distribuição encoberta de lucros. Além disso, sustentou que o § 8a da KStG era discriminatório, tendo em conta o tratamento dado aos sócios alemães, que beneficiam do crédito de imposto, diferentemente de sociedades como a LH BV e a LT BV que têm a sua sede nos Países Baixos e, assim, contrário ao direito comunitário, em particular ao artigo 43.° CE.

15 A Lankhorst-Hohorst acrescenta que há que tomar em consideração a finalidade do § 8a da KStG, que é impedir os casos de fraude no imposto devido pelas sociedades de capitais. Ora, no caso do processo principal, o empréstimo foi concedido com o único objectivo de minimizar os encargos da Lankhorst-Hohorst e permitir realizar consideráveis economias em termos de juros bancários. A demandante no processo principal alegou a este respeito que, antes da modificação do empréstimo bancário, os juros representavam o dobro dos juros devidos daí em diante à LT BV. Portanto, não se tratava de um caso em que um sócio que não tem direito ao crédito de imposto procura evitar a tributação devida por uma efectiva distribuição de lucros através do pagamento de juros.

16 Segundo o Finanzamt Steinfurt, a aplicação do § 8a da KStG pode ter, é certo, como resultado agravar a situação de sociedades em dificuldade, mas o legislador alemão teve em conta esta circunstância ao prever no § 8a, n.° 2, terceiro período, da KStG uma derrogação que não é, contudo, aplicável no processo principal. O Finanzamt Steinfurt sustentou também que a redacção do § 8a não permite concluir que a fraude constitui uma das condições da aplicação deste artigo, o que o órgão jurisdicional de reenvio confirma.

17 Apesar disto, o Finanzamt Steinfurt alega que o § 8a da KStG não é contrário ao princípio comunitário da não discriminação. Existem muitos países com disposições com um objectivo semelhante, designadamente para lutar contra os abusos.

18 O Finanzamt Steinfurt alegou também que a distinção constante do § 8a da KStG entre as pessoas que beneficiam e as que não beneficiam do crédito de imposto não comporta uma discriminação encoberta em razão da nacionalidade, dado que da conjugação do § 5, relativo à isenção de impostos sobre os rendimentos das sociedades, e do § 51 da KStG resulta igualmente a exclusão de diversos grupos de contribuintes alemães que não têm direito ao crédito de imposto.

19 Além disso, o princípio da tributação nacional única e a coerência do sistema fiscal alemão justificariam a aplicação do § 8a da KStG nas circunstâncias do processo principal.

20 O Finanzgericht Münster, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, suscita dúvidas quanto à compatibilidade do § 8a da KStG com o artigo 43.° CE (v. designadamente, acórdãos de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, Colect., p. 273; de 29 de Abril de 1999, Royal Bank of Scotland, C-311/97, Colect., p. I-2651, e de 26 de Outubro de 1999, Eurowings Luftverkehr, C-294/97, Colect., p. I-7447). Recorda, a este respeito, que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, o nacional de um Estado-Membro que detém no capital de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro uma participação que lhe confere uma influência inequívoca sobre as decisões dessa sociedade exerce o seu direito de estabelecimento (acórdão de 13 de Abril de 2000, Baars, C-251/98, Colect., p. I-2787).

21 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, existe uma violação da liberdade de estabelecimento quando uma filial tem um tratamento menos favorável em termos fiscais pelo simples facto de a sociedade-mãe ter a sua sede num Estado-Membro diferente daquele onde a filial está estabelecida, sem que exista qualquer justificação objectiva.

22 A este respeito, o Finanzgericht observa que a regra constante do § 8a da KStG não está directamente ligada à nacionalidade, mas à possibilidade de o sujeito passivo beneficiar do crédito de imposto.

23 O órgão jurisdicional de reenvio refere que, nestas condições, um sócio que tem a sua sede fora da Alemanha está sempre sujeito à regra do § 8a da KStG ao passo que, entre os sócios residentes na Alemanha, só uma categoria bem determinada de sujeitos passivos está isenta do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas e não tem, consequentemente, direito ao crédito de imposto. Ora, esta última categoria de pessoas colectivas não se encontra numa situação comparável à da sociedade-mãe da demandante no processo principal.

24 Quanto à justificação do § 8a da KStG, o órgão jurisdicional de reenvio observa que as razões que se prendem com a coerência do regime fiscal só podem ser invocadas quando existe uma conexão directa entre o benefício fiscal concedido a um contribuinte e a tributação do mesmo contribuinte (acórdão do Bundesfinanzhof de 30 de Dezembro de 1996, I B 61/96, BStBl. II 1997, 466, e acórdão Eurowings Luftverkehr, já referido, n.° 42). No caso vertente, não se verifica uma conexão deste tipo.

25 Tendo em conta o que antecede, o Finanzgericht Münster decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O princípio da liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro, previsto no artigo 43.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia, na versão de 10 de Novembro de 1997, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regra constante do § 8a da Körperschaftsteuergesetz (lei relativa ao imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas)?»

Resposta do Tribunal de Justiça

26 A título liminar, deve recordar-se que, segundo jurisprudência assente, embora a fiscalidade directa releve da competência dos Estados-Membros, estes últimos devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário e abster-se, em particular, de qualquer discriminação em razão da nacionalidade (acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect., p. I-2493, n.° 16; de 27 de Junho de 1996, Asscher, C-107/94, Colect., p. I-3089, n.° 36; Royal Bank of Scotland, já referido, n.° 19; Baars, já referido, n.° 17, e de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colect., p. I-1727, n.° 37).

Quanto à existência de um obstáculo à liberdade de estabelecimento

27 Importa referir que o § 8a, n.° 1, segundo parágrafo, da KStG apenas se aplica à «remuneração do capital externo que uma sociedade de capitais, sujeita sem qualquer limitação a tributação, tenha recebido de um sócio sem direito a crédito de imposto». Esta restrição introduz, no que respeita à tributação dos juros pagos por filiais às suas sociedades-mãe como remuneração de capitais externos, uma diferença de tratamento entre filiais residentes consoante a sua sociedade-mãe tenha ou não sede na Alemanha.

28 Com efeito, as sociedades-mãe residentes beneficiam, na grande maioria dos casos, do crédito de imposto, ao passo que, regra geral, as sociedades-mães estrangeiras não beneficiam. Como referido no n.° 4 do presente acórdão, as pessoas colectivas de direito alemão isentas do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas e, portanto, excluídas do direito ao crédito de imposto são essencialmente pessoas colectivas de direito público e pessoas colectivas que exercem uma actividade económica num sector específico ou que assumam missões de interesse geral. A situação de uma sociedade, como a sociedade-mãe da demandante no processo principal, que exerce uma actividade económica com fins lucrativos e sujeita a imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas não pode validamente ser comparada à situação desta última categoria de pessoas colectivas.

29 Resulta assim que, ao abrigo do § 8a, n.° 1, segundo parágrafo, da KStG, os juros pagos por uma filial residente como remuneração de capitais externos provenientes de uma sociedade-mãe não residente são tributados como dividendos ocultos à taxa de 30%, ao passo que, no caso de uma filial residente cuja sociedade-mãe, beneficiária do crédito de imposto, também é residente, os juros pagos são tratados como despesas e não como dividendos ocultos.

30 Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, o Governo alemão explicou que os juros pagos por uma filial residente à sociedade-mãe igualmente residente, como remuneração de capitais externos recebidos desta última, são igualmente tratados do ponto de vista fiscal como lucros ocultos no caso de a sociedade-mãe ter fornecido uma carta de garantia.

31 Esta circunstância não é, contudo, susceptível de pôr em causa a existência de um tratamento diferenciado em função da sede da sociedade-mãe. Com efeito, a qualificação de um pagamento de juros como distribuição oculta de lucros decorre, tratando-se de uma filial residente que tenha beneficiado de um empréstimo de uma sociedade-mãe não residente, directa e unicamente da aplicação do § 8a, n.° 1, segundo parágrafo, da KStG, independentemente da existência ou não de uma carta de garantia.

32 Esta diferença de tratamento entre filiais residentes em função da sede da sua sociedade-mãe constitui um obstáculo à liberdade de estabelecimento, em princípio proibida pelo artigo 43.° CE. A medida fiscal em causa no processo principal torna menos atraente o exercício da liberdade de estabelecimento pelas sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros, as quais poderiam, consequentemente, renunciar à aquisição, à criação ou à manutenção de uma filial no Estado-Membro que promulga esta medida.

Quanto à justificação do obstáculo à liberdade de estabelecimento

33 Importa ainda verificar se uma medida nacional como a que consta do § 8a, n.° 1, segundo parágrafo, da KStG prossegue um objectivo legítimo compatível com o Tratado e se se justifica por razões imperativas de interesse geral. De qualquer modo, ainda seria necessário, em tal hipótese, que fosse adequada para garantir a realização do objectivo que prossegue e não ultrapassasse o que é necessário para atingir esse objectivo (v., designadamente, acórdãos de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer, C-250/95, Colect., p. I-2471, n.° 26, e de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. I-4071, n.° 43).

34 Em primeiro lugar, os Governos alemão, dinamarquês e do Reino Unido bem como a Comissão sustentam que a medida nacional em causa no processo principal se destina a lutar contra a evasão fiscal à qual levaria o recurso ao mecanismo dito «da subcapitalização» ou da «capitalização dissimulada». Admitindo que todas as outras condições fossem iguais, seria fiscalmente mais vantajoso assegurar o financiamento de uma filial por empréstimos do que por entradas de capital. Neste caso, com efeito, os lucros da filial são transferidos para a sociedade-mãe sob a forma de juros dedutíveis no momento do cálculo dos lucros tributáveis da filial, e não sob a forma de dividendos não dedutíveis. Na medida em que a filial e a sociedade-mãe têm a sua sede em diferentes países, a dívida fiscal é, então, susceptível de ser transferida de um país para o outro.

35 A Comissão acrescenta que o § 8a, n.° 1, segundo parágrafo, da KStG prevê, é certo, uma excepção no caso de a sociedade demonstrar que poderia ter obtido os capitais externos de terceiros em condições idênticas e fixar a proporção admissível de capitais externos em relação aos capitais próprios. Contudo, a Comissão refere que, no caso em apreço, existe um risco de dupla tributação na medida em que a filial alemã está sujeita ao imposto alemão em relação aos juros pagos, enquanto a sociedade-mãe não residente deve ainda declarar nos Países Baixos, como receitas, os juros que recebeu. O princípio da proporcionalidade exigiria que os dois Estados-Membros em causa se concertassem para evitar uma dupla tributação.

36 A título liminar, importa recordar a jurisprudência constante segundo a qual a redução de receitas fiscais não constitui uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de justificar uma medida em princípio contrária a uma liberdade fundamental (v. acórdãos de 16 de Julho de 1998, ICI, C-264/96, Colect., p. I-4695, n.° 28; Verkooijen, n.° 59; Metallgesellschaft e o., já referido, n.° 59, e de 21 de Setembro de 1999, Saint-Gobain ZN, C-307/97, Colect., p. I-6161, n.° 51).

37 No que toca, mais concretamente, à justificação baseada no risco de evasão fiscal, importa sublinhar que a legislação em causa no processo principal não tem por objectivo específico excluir de um benefício fiscal os expedientes puramente artificiais cuja finalidade é fugir à alçada da legislação fiscal alemã, mas visa, de maneira geral, qualquer situação na qual a sociedade-mãe tem a sua sede, qualquer que seja a razão, fora da República Federal da Alemanha. Ora, tal situação não implica, em si, um risco de evasão fiscal, pois a sociedade em questão fica de qualquer forma sujeita à legislação fiscal do Estado de estabelecimento (v., neste sentido, acórdão ICI, já referido, n.° 26).

38 Quanto ao restante, segundo o que o próprio órgão jurisdicional de reenvio apurou, não se provou a existência de qualquer abuso no caso em apreço, tendo efectivamente o empréstimo sido contraído para reduzir, a favor da demandante no processo principal, o encargo dos juros financeiros resultantes do seu crédito bancário. Além disso, resulta dos autos que a Lankhorst-Hohorst, em relação aos exercícios de 1996 a 1998, tinha prejuízos que eram muito superiores aos juros pagos à LT BV.

39 Em segundo lugar, os Governos alemão e do Reino Unido sustentam que o § 8a, n.° 1, segundo parágrafo, da KStG se justifica também pela necessidade de garantir a coerência dos regimes fiscais aplicáveis. Mais concretamente, esta disposição está em conformidade com o princípio da plena concorrência, internacionalmente reconhecido, nos termos do qual as condições em que os capitais externos são colocados à disposição de uma sociedade devem ser comparadas com as condições com que a sociedade depararia se obtivesse estes capitais de terceiros. O artigo 9.° da convenção-tipo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE) traduz esta preocupação, ao prever a reintegração de lucros para fins fiscais quando as transacções são efectuadas entre empresas associadas em condições diferentes das do mercado.

40 A este respeito, há que referir que, nos acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann (C-204/90, Colect., p. I-249), e de 28 de Janeiro de 1992, Comissão/Bélgica (C-300/90, Colect., p. I-305), o Tribunal de Justiça considerou, efectivamente, que a necessidade de assegurar a coerência do regime fiscal pode justificar uma regulamentação susceptível de restringir a livre circulação de pessoas.

41 Contudo, não é este o caso da regulamentação em causa no processo principal.

42 Com efeito, ao passo que, nos processos na origem dos acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica, já referidos, existia um nexo directo, uma vez que estava em causa um único e mesmo contribuinte, entre a dedutibilidade das cotizações pagas no quadro dos contratos de seguro de velhice e de morte e a tributação dos montantes recebidos em cumprimento dos mesmos contratos, nexo que interessava preservar para salvaguarda da coerência do sistema fiscal em causa, nenhum nexo directo desta natureza existe quando, como no caso em apreço no processo principal, a filial de uma sociedade-mãe não residente fica sujeita a um tratamento fiscal desfavorável, sem que, em relação à referida filial, o Governo alemão tenha invocado qualquer vantagem fiscal susceptível de compensar este tratamento (v., neste sentido, acórdãos Wielockx, já referido, n.° 24; de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C-484/93, Colect., p. I-3955, n.° 18; Eurowings Luftverkehr, já referido, n.° 42; Verkooijen, já referido, n.os 56 a 58, e Baars, já referido, n.° 40).

43 Em terceiro lugar, o Governo do Reino Unido, referindo-se ao n.° 31 do acórdão Futura Participations e Singer, já referido, alega que a medida nacional em causa no processo principal poderia ser justificada pela preocupação de garantir a eficácia dos controlos fiscais.

44 Basta referir, a este respeito, que não foi invocado perante o Tribunal de Justiça qualquer argumento destinado a demonstrar em que medida a regra de qualificação constante do § 8a, n.° 1, segundo parágrafo, da KStG é susceptível de permitir às autoridades fiscais alemães controlar o montante dos rendimentos tributáveis.

45 Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma medida como a constante do § 8a, n.° 1, segundo parágrafo, da KStG.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

46 As despesas efectuadas pelos Governos alemão, dinamarquês e do Reino Unido e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Finanzgericht Münster, por despacho de 21 de Agosto de 2000, declara:

O artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma medida como a constante do § 8a, n.° 1, segundo parágrafo, da Körperschaftsteuergesetz (lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas).