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Processo C-349/03

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte

«Incumprimento de Estado − Directiva 77/799/CEE – Assistência mútua das autoridades competentes – Domínios do IVA e dos impostos especiais de consumo – Transposição incompleta – Território de Gibraltar»

Conclusões do advogado-geral A. Tizzano apresentadas em 10 de Março de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 21 de Julho de 2005 

Sumário do acórdão

Aproximação das legislações – Assistência mútua das autoridades dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e indirectos – Directiva 77/799 – Domínios do imposto sobre o valor acrescentado e dos impostos especiais de consumo – Aplicabilidade no território de Gibraltar – Incumprimento

(Acto de adesão de 1972, artigos 28.° e 29.°; Directiva 77/799 do Conselho)

Por força do artigo 28.° do Acto de Adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, os actos das instituições da Comunidade em matéria de harmonização das legislações dos Estados-Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios não são aplicáveis a Gibraltar, a não ser que o Conselho deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, disponha em contrário. Não podem ser consideradas como tais as disposições que se limitem a prever uma colaboração entre Estados-Membros, deixando que cada um utilize os seus próprios métodos de investigação e de comunicação da informação.

É o caso da Directiva 77/799, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e indirectos, na redacção dada pela Directiva 79/1070 e pela Directiva 92/12, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, de modo que, na parte em que respeita ao imposto sobre o valor acrescentado, esta directiva não se integra nos «actos em matéria de harmonização das legislações dos Estados-Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios» na acepção do referido artigo 28.° do Acto de Adesão e é, portanto, aplicável a Gibraltar.

Na parte em que diz respeito aos impostos especiais de consumo, a Directiva 77/799 alterada é também aplicável a Gibraltar. Com efeito, a eventual não aplicação a esse território das disposições que exigem a harmonização desses impostos enquanto tais, nos termos do artigo 29.° do Acto de Adesão, conjugado com o anexo I, parte I, n.° 4, deste último, segundo o qual Gibraltar é excluído do território aduaneiro comunitário, não implica, de qualquer modo, que Gibraltar escape à obrigação de assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros prevista pela Directiva 77/799 alterada no domínio dos impostos especiais de consumo.

Conclui-se que, ao não aplicar, nos domínios do imposto sobre o valor acrescentado e dos impostos especiais de consumo, a Directiva 77/799 alterada, no território de Gibraltar, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

(cf. n.os 42, 44-46, 50, 51, 53, 54, 56, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de Julho de 2005 (*)

«Incumprimento de Estado − Directiva 77/799/CEE – Assistência mútua das autoridades competentes – Domínios do IVA e dos impostos especiais de consumo – Transposição incompleta – Território de Gibraltar»

No processo C-349/03,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 7 de Agosto de 2003,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Lyal, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

apoiada por:

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

contra

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por K. Manji e R. Caudwell, na qualidade de agentes, assistidos por D. Wyatt, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, A. Rosas, R. Silva de Lapuerta e A. Borg Barthet, presidentes de secção, R. Schintgen, N. Colneric (relator), S. von Bahr, J. N. Cunha Rodrigues, G. Arestis, M. Ilešič, J. Malenovský e J. Klučka, juízes,

advogado-geral: A. Tizzano,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 10 de Março de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não aplicar a Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e indirectos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), na redacção dada pelas Directivas 79/1070/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1979 (JO L 331, p. 8; EE 09 F1 p. 114), e 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1, a seguir «Directiva 77/799 alterada»), no território de Gibraltar, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE.

2       Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2003, o Reino de Espanha foi autorizado a intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

3       O Reino Unido pede o indeferimento da petição da Comissão e a sua condenação nas despesas.

 Quadro jurídico

 Exclusão parcial do território de Gibraltar do âmbito de aplicação do direito comunitário

4       O artigo 28.° do Acto relativo às condições de adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte às adaptações dos Tratados (JO 1972, L 73, p. 14, a seguir «acto de adesão») dispõe:

«Os actos das instituições da Comunidade relativos aos produtos abrangidos pelo anexo II do Tratado CEE e aos produtos cuja importação na Comunidade esteja submetida a uma regulamentação específica em consequência da execução da política agrícola comum, bem como os actos em matéria de harmonização das legislações dos Estados-Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios não são aplicáveis a Gibraltar, a não ser que o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, disponha em contrário.»

5       Nos termos do artigo 29.° do acto de adesão, conjugado com seu o anexo I, parte I, n.° 4, Gibraltar é excluído do território aduaneiro comunitário.

 Directiva 77/799 e respectivas alterações

6       Na sua versão original, a Directiva 77/799 respeitava à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos. Foi adoptada com base no artigo 100.° do Tratado CEE (que passou, após alteração, a artigo 100.° do Tratado CE, que passou, por sua vez, a artigo 94.° CE).

7       A Directiva 79/1070 alargou o âmbito de aplicação da Directiva 77/799, estendendo-a ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»). Foi adoptada com base nos artigos 99.° do Tratado CEE (alterado pelo Acto Único Europeu, que passou, após alteração, a artigo 99.° do Tratado CE, que passou, por sua vez, a artigo 93.° CE) e 100.° do Tratado CEE.

8       Nos termos do primeiro considerando da Directiva 79/1070, «a prática da fraude e da evasão fiscais conduz a perdas orçamentais e a violações do princípio de justiça fiscal, com prejuízo de uma concorrência sã; […] afecta, consequentemente, o bom funcionamento do mercado comum».

9       O segundo considerando da referida directiva dispõe:

«[…] para combater de modo mais eficaz esta prática, convém reforçar a colaboração entre as administrações fiscais na Comunidade, de harmonia com princípios e regras comuns».

10     Nos termos do terceiro considerando dessa mesma directiva:

«[…] convém estender a […] assistência mútua [das autoridades competentes dos Estados-Membros] ao domínio dos impostos indirectos, no sentido de assegurar o correcto estabelecimento e cobrança destes».

11     O quarto considerando da Directiva 79/1070 dispõe:

«[…] a extensão da assistência mútua […] revela[-se] particularmente necessária e urgente no que respeita ao imposto sobre o valor acrescentado, em consequência, simultaneamente, da sua natureza de imposto geral sobre o consumo e do papel que desempenha no regime dos recursos próprios da Comunidade».

12     Nos termos do artigo 2.° da Directiva 79/1070, os Estados-Membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para darem cumprimento a essa directiva, o mais tardar em 1 de Janeiro de 1981.

13     A Directiva 92/12 alargou novamente o âmbito de aplicação da Directiva 77/799 estendendo-a ao imposto especial sobre o consumo de óleos minerais, de álcool e de bebidas alcoólicas e de tabacos manufacturados. A Directiva 92/12 baseou-se no artigo 99.° do Tratado CEE na versão resultante do Acto Único Europeu.

14     Nos termos do primeiro considerando da Directiva 92/12:

«[…] o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno implicam a livre circulação das mercadorias, incluindo as sujeitas a impostos especiais de consumo».

15     O quarto considerando desta directiva dispõe que, para garantir o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, a exigibilidade dos impostos especiais de consumo deve ser idêntica em todos os Estados-Membros.

16     O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 77/799 alterada prevê:

«As autoridades competentes dos Estados-Membros trocarão entre si, em conformidade com a presente directiva, todas as informações susceptíveis de lhes permitirem determinar correctamente os impostos sobre o rendimento e sobre a fortuna, bem como todas as informações relativas à determinação dos seguintes impostos indirectos:

–       imposto sobre o valor acrescentado,

–       imposto especial sobre o consumo de óleos minerais,

–       imposto especial sobre o consumo de álcool e de bebidas alcoólicas,

–       imposto especial sobre o consumo de tabacos manufacturados.»

17     O artigo 8.°, n.° 1, desta directiva dispõe:

«A presente directiva não impõe a obrigação de promover investigações ou de transmitir informações quando a legislação ou a prática administrativa do Estado-Membro que deve fornecer as informações não autorizem a autoridade competente a efectuar essas investigações, nem a obter ou utilizar tais informações no próprio interesse desse Estado.»

18     Nos termos do artigo 31.°, n.° 1, da Directiva 92/12, os Estados-Membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva em 1 de Janeiro de 1993.

 Procedimento pré-contencioso

19     Por considerar não ter sido informada pelo Reino Unido das medidas adoptadas para garantir a transposição da Directiva 77/799 alterada na ordem jurídica interna relativa ao território de Gibraltar, a Comissão deu início ao procedimento por incumprimento previsto no artigo 226.° CE e deu a esse Estado-Membro a oportunidade de apresentar as suas observações. As autoridades britânicas comunicaram então à Comissão as medidas que tinham adoptado relativamente aos impostos indirectos através do Despacho n.° 26 de 1997, que altera o despacho relativo ao imposto sobre os rendimentos [Income Tax (Amendment) (N.° 2) Ordinance 1997], entrado em vigor em 1 de Outubro de 1997. O Reino Unido considerou, no entanto, que, não estando Gibraltar sujeito ao sistema comum do IVA nem às regras harmonizadas em matéria de impostos especiais de consumo, as disposições da referida directiva relativas a estes impostos não se aplicam a esse território. Em 27 de Junho de 2002, na sequência de uma notificação para cumprir complementar, a Comissão emitiu um parecer fundamentado convidando o referido Estado a adoptar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento no prazo de dois meses a contar da sua notificação. Por entender que as observações apresentadas pelo Governo do Reino Unido depois desse parecer revelavam que o incumprimento invocado no parecer fundamentado subsistia, a Comissão decidiu intentar a presente acção.

 Quanto à acção

 Argumentos das partes

20     A Comissão admite que o território de Gibraltar se encontra excluído, ao abrigo do artigo 28.° do acto de adesão, do âmbito de aplicação das regras de harmonização dos impostos sobre o volume de negócios e está disposta, para efeitos do presente processo, a presumir que as disposições do direito comunitário relativas à harmonização dos impostos especiais sobre o consumo também não se aplicam a esse território.

21     No entanto, defende que a Directiva 77/799 alterada faz parte das disposições do direito comunitário aplicáveis a Gibraltar, no que respeita à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros nos domínios do IVA e dos impostos especiais de consumo.

22     Esta directiva introduz um mecanismo para a troca de informações entre as autoridades fiscais dos Estados-Membros a fim de lhes facilitar a tarefa de fazer respeitar a legislação nacional. O seu objectivo consiste unicamente em facilitar a troca de informações necessárias à liquidação e à colecta dos impostos de acordo com o sistema fiscal de cada Estado-Membro, em lutar, deste modo, contra a fraude fiscal, em evitar as distorções nos movimentos de capitais e em preservar uma concorrência sã. As alterações da Directiva 77/799 introduzidas pelas Directivas 79/1070 e 92/12 não têm qualquer incidência no direito fiscal, enquanto tal, dos Estados-Membros. Não se trata de uma medida de harmonização das legislações relativas ao IVA ou aos impostos especiais de consumo.

23     As informações provenientes das autoridades fiscais de Gibraltar podem ser úteis, e mesmo indispensáveis para a correcta liquidação do IVA ou dos impostos especiais de consumo noutras regiões da Comunidade Europeia, ainda que estes impostos não sejam aplicados a Gibraltar.

24     Em última análise, pode arguir-se que o artigo 10.° CE exige a extensão do sistema mútuo de informação a Gibraltar.

25     Uma vez que diz respeito, quase exclusivamente, à harmonização das legislações materiais em matéria de impostos especiais de consumo, a Directiva 92/12 baseia-se necessariamente no artigo 99.° do Tratado CEE. O simples facto de uma disposição figurar numa medida relativa, essencialmente, a uma harmonização material não lhe confere o carácter de disposição de harmonização. Quanto à Directiva 79/1070, deveria ter sido baseada no artigo 100.° do Tratado CEE. A base jurídica invocada para alargar o âmbito de aplicação da Directiva 77/799 ao IVA e aos impostos especiais de consumo, respectivamente, não pode, de modo nenhum, determinar o tratamento das medidas de assistência mútua sob o ângulo do artigo 28.° do acto de adesão.

26     O Governo espanhol considera que, embora a Comunidade tenha querido e aceitado que certos territórios sejam excluídos da harmonização dos impostos directos, e isto por diversas razões, não pretende que estes territórios se tornem locais de fraude em prejuízo dos outros Estados-Membros, pelo facto de um deles se recusar a dar a outro informações sobre um desses territórios. Tal situação constitui provavelmente um obstáculo a uma harmonização material nos outros territórios, eles sim sujeitos à harmonização.

27     A realidade económica de Gibraltar transformou-se, incluindo a sua influência em diversos aspectos do funcionamento do mercado interno. Sendo o Reino de Espanha uma parte especialmente lesada pela falta de transposição, há provas suficientes para demonstrar que a não aplicação da Directiva 77/799 alterada a Gibraltar causa prejuízo aos Estados-Membros. Levado ao extremo, este argumento conduziria ao dever de cooperação entre os Estados-Membros que resulta do artigo 10.° CE.

28     Verifica-se, de alguma maneira, uma evolução da concepção e da importância a conceder à cooperação que as administrações fiscais devem prestar entre si, pela troca de informações, a fim de combater mais eficazmente a fraude e a evasão fiscal. Depois, é possível distinguir consoante uma medida de cooperação diga respeito a um objectivo de harmonização fiscal ou simplesmente a uma medida que não atinge essa dimensão e se limita a fixar as regras de cooperação entre os Estados-Membros.

29     Embora existam em Espanha territórios em que o IVA não se aplica ou que não fazem parte da união aduaneira, o Reino de Espanha não considera que a Directiva 77/799, na redacção dada pela Directiva 79/1070 ou pela Directiva 92/12, não se deva aplicar nesses territórios.

30     Em suma, o Governo espanhol considera que o facto de certos territórios estarem excluídos do âmbito de aplicação do IVA e dos impostos especiais de consumo harmonizados não significa que sejam automaticamente excluídos do âmbito de aplicação da Directiva 77/799 alterada. Esta directiva tem um objectivo de aplicação geográfica geral.

31     O Governo do Reino Unido contesta a procedência da acção. As extensões do regime da Directiva 77/799, por um lado, ao IVA através da Directiva 79/1070, e, por outro, aos impostos especiais de consumo através da Directiva 92/12, não são aplicáveis a Gibraltar.

32     Na medida em que a Directiva 77/799 alterada diz respeito à assistência mútua em matéria de IVA, inclui uma «harmonização das legislações dos Estados-Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios» na acepção do artigo 28.° do acto de adesão e, consequentemente, não se aplica a Gibraltar. Os termos desta disposição devem ser interpretados no seu sentido mais coerente.

33     Na medida em que a referida directiva diz respeito à assistência mútua em matéria de impostos especiais de consumo, também não se aplica a Gibraltar. Isto resulta da exclusão de Gibraltar do território aduaneiro da Comunidade e do facto de as disposições do Tratado CE destinadas a garantir a livre circulação de mercadorias no mercado interno não serem aí aplicáveis. O primeiro considerando da Directiva 92/12 assim como outros considerandos demonstram que a finalidade desta directiva é garantir a livre circulação de mercadorias.

34     É impossível distinguir os objectivos da assistência mútua em matéria de liquidação e cobrança do IVA e dos impostos especiais de consumo dos objectivos de harmonização das disposições relativas ao IVA e aos próprios impostos especiais de consumo. A liquidação e a cobrança do IVA, estreitamente relacionadas com a assistência mútua prevista pela referida directiva, estão inextrincavelmente ligadas às taxas e aos direitos subjacentes a fixar e a cobrar. A eficácia com que um sistema fiscal é gerido constitui um factor importante na determinação da taxa efectiva do imposto e, em termos práticos, não pode ser separada da capacidade dos Estados-Membros cobrarem impostos.

35     Os alargamentos do âmbito de aplicação da Directiva 77/799, pelas Directivas 79/1070 e 92/12, foram adoptados com base no artigo 99.° do Tratado CEE, relativo à harmonização das legislações em matéria de tributação indirecta, na medida necessária para garantir o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno. Os fundamentos jurídicos utilizados a fim de estender o regime da assistência mútua ao IVA e aos impostos especiais de consumo não podem ser determinantes para as questões em causa no presente processo, mas funcionam como pano de fundo do presente litígio e devem ser tidos em conta.

36     O Governo do Reino Unido recorda que, no n.° 67 do acórdão de 29 de Abril de 2004, Comissão/Conselho (C-338/01, Colect., p. I-4829), o Tribunal de Justiça declarou que há que interpretar os termos «disposições fiscais», que constam do artigo 95.°, n.° 2, CE, no sentido de que abrangem não apenas as disposições que determinam os sujeitos passivos, as operações tributáveis, a matéria colectável do imposto, as taxas e as isenções dos impostos directos e indirectos, mas também as disposições relativas às modalidades de cobrança destes. Considerações análogas aplicam-se ao presente processo.

37     A abordagem do Reino Unido está de acordo com a que foi adoptada na legislação fiscal comunitária recente, que trata as medidas de cooperação em matéria de IVA como medidas de harmonização fiscal [v. terceiro considerando do Regulamento (CE) n.° 1798/2003 do Conselho, de 7 de Outubro de 2003, relativo à cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 218/92 (JO L 264, p. 1)].

38     O recurso ao artigo 10.° CE como fundamento do raciocínio, a fim de evitar uma consequência que, de outro modo, resultaria da aplicação do artigo 28.° do acto de adesão, não está de acordo nem com a letra nem com o espírito do referido artigo 10.° CE.

39     As afirmações do Reino de Espanha relativamente à situação jurídica dos territórios espanhóis em questão não são relevantes para a causa objecto do presente processo.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

 Observação prévia

40     À luz do procedimento pré-contencioso e da fundamentação da petição, a presente acção deve ser entendida no sentido de que apenas diz respeito à não aplicação da Directiva 77/799 alterada no que concerne ao IVA e aos impostos especiais de consumo.

 Assistência mútua das autoridades competentes no domínio do IVA

41     Por força do artigo 299.°, n.° 4, CE, o Tratado é aplicável a Gibraltar, uma vez que este é uma colónia da Coroa cujas relações externas são asseguradas pelo Reino Unido. No entanto, por força do acto de adesão, algumas disposições do Tratado não se aplicam a Gibraltar (v. acórdão de 23 de Setembro de 2003, Comissão/Reino Unido, C-30/01, Colect., p. I-9481, n.° 47), excepções estas introduzidas em consideração da situação jurídica especial, designadamente, do estatuto de porto franco desse território.

42     Resulta do artigo 28.° do acto de adesão que os actos das instituições da Comunidade em matéria de harmonização das legislações dos Estados-Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios não são aplicáveis a Gibraltar, a não ser que o Conselho da União Europeia, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, disponha em contrário.

43     Enquanto excepção à aplicação do direito comunitário no território da Comunidade, a referida disposição deve ser objecto de uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que permite que Gibraltar preserve. Deve, além disso, ser lida à luz do artigo 10.°, primeiro parágrafo, segundo período, CE, nos termos do qual os Estados-Membros devem facilitar à Comunidade o cumprimento da sua missão (v., neste sentido, acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Grécia, 194/85 e 241/85, Colect., p. 1037, n.° 20).

44     Assim, não podem ser considerados «actos […] em matéria de harmonização das legislações dos Estados-Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios», na acepção do referido artigo 28.°, disposições que se limitem a prever uma colaboração entre Estados-Membros, deixando que cada um utilize os seus próprios métodos de investigação e de comunicação da informação.

45     Ora, a Directiva 77/799 alterada não vai mais além, como resulta, designadamente, do seu artigo 8.°, n.° 1, que remete para os limites da troca de informações resultantes da legislação ou da prática administrativa do Estado-Membro em causa.

46     Importa, portanto, concluir que, na parte em que respeita ao IVA, a Directiva 77/799 alterada não se integra nos «actos […] em matéria de harmonização das legislações dos Estados-Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios» na acepção do referido artigo 28.° do acto de adesão.

47     Esta apreciação não é contrariada pela que o Tribunal de Justiça efectuou no seu acórdão Comissão/Conselho, já referido, que interpreta o conceito de «disposições fiscais» na acepção do artigo 95.°, n.° 2, CE, e não o conceito de «actos […] em matéria de harmonização» na acepção do artigo 28.° do acto de adesão.

48     Por outro lado, é certo que o terceiro considerando do Regulamento n.° 1798/2003, invocado pelo Governo do Reino Unido, dispõe que «[a]s medidas de harmonização fiscal tomadas para a plena realização do mercado interno devem, por conseguinte, incluir a criação de um sistema comum de intercâmbio de informações entre os Estados-Membros segundo o qual as autoridades administrativas dos Estados-Membros devem prestar-se assistência mútua e colaborar com a Comissão por forma a assegurar a boa aplicação do IVA sobre fornecimentos de bens e prestações de serviços, aquisições intracomunitárias e importações de mercadorias».

49     No entanto, uma disposição de direito primário como o artigo 28.° do acto de adesão não pode ser interpretada à luz de um considerando de um acto de direito derivado. Além disso, o referido terceiro considerando constitui um elemento da fundamentação de um regulamento adoptado pelo legislador comunitário com base no artigo 93.° CE, que, designadamente, não tem, ao contrário do artigo 28.° do acto de adesão, carácter de uma disposição derrogatória. Este considerando não é, portanto, susceptível de pôr em causa a apreciação do Tribunal de Justiça no n.° 46 do presente acórdão.

50     Resulta do exposto que, na parte em que respeita ao IVA, a Directiva 77/799 alterada é aplicável a Gibraltar.

 Assistência mútua das autoridades competentes no domínio dos impostos especiais de consumo

51     A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 29.° do acto de adesão, conjugado com o anexo I, parte I, n.° 4, deste último, Gibraltar é excluído do território aduaneiro comunitário. Como o artigo 28.° do acto de adesão, esta excepção deve ser interpretada restritivamente.

52     Para efeitos do presente processo, não é necessário determinar se a exclusão de Gibraltar do território aduaneiro comunitário implica que as disposições da Directiva 92/12 relativas à harmonização das legislações materiais em matéria de impostos especiais de consumo não se aplicam a Gibraltar.

53     Com efeito, admitindo que essas disposições não são aplicáveis nesse território, a referida exclusão não implica, de qualquer modo, que Gibraltar escape à obrigação de assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros prevista pela Directiva 77/799 alterada no domínio dos impostos especiais de consumo. O facto de as autoridades de Gibraltar estarem sujeitas a esta obrigação é, efectivamente, irrelevante para a eventual não aplicação a esse território das disposições que exigem a harmonização desses impostos enquanto tais.

54     Consequentemente, na parte em que diz respeito aos impostos especiais de consumo, a Directiva 77/799 alterada é aplicável a Gibraltar.

55     Perante o exposto, a acção da Comissão deve ser considerada procedente.

56     Importa, pois, declarar que, ao não aplicar, nos domínios do IVA e dos impostos especiais de consumo, a Directiva 77/799 alterada, no território de Gibraltar, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE.

 Quanto às despesas

57     Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino Unido e tendo este sido vencido, há que condená-lo nas despesas. Segundo o artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, o Reino de Espanha, que interveio no processo, suportará as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      Ao não aplicar, nos domínios do imposto sobre o valor acrescentado e dos impostos especiais de consumo, a Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e indirectos, na redacção dada pelas Directivas 79/1070/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1979, e 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, no território de Gibraltar, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE.

2)      O Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte é condenado nas despesas.

3)      O Reino de Espanha suportará as suas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.