Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

References to this case

Share

Highlight in text

Go

Processo C-452/03

RAL (Channel Islands) Ltd e o.

contra

Commissioners of Customs & Excise

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela

High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division]

«IVA – Sexta Directiva – Artigo 9.°, n.os 1 e 2 – Máquinas de jogo a dinheiro – Actividades recreativas ou similares – Prestador de serviços com sede fora do território da Comunidade – Determinação do lugar da prestação de serviços»

Conclusões do advogado-geral M. Poiares Maduro apresentadas em 27 de Janeiro de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 12 de Maio de 2005 

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado –Prestações de serviços – Determinação do lugar de conexão para efeitos fiscais – Actividades recreativas ou similares – Conceito – Colocação à disposição do público, contra remuneração, de máquinas de jogo a dinheiro em salas de jogos – Inclusão

[Directiva 77/388 do Conselho, artigo 9.°, n.° 2, alínea c)]

A prestação de serviços que consiste em permitir ao público utilizar, contra remuneração, máquinas de jogo a dinheiro instaladas em salas de jogos situadas no território de um Estado-Membro deve ser considerada uma das actividades recreativas ou similares na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea c), primeiro travessão, da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, de modo que o lugar dessa prestação de serviços é o local em que ela é materialmente executada.

Com efeito, o objectivo principal prosseguido pela referida actividade é a recreação dos utilizadores de máquinas de jogo a dinheiro e não a concessão de um ganho financeiro aos mesmos, dado que a incerteza quanto ao ganho financeiro constitui precisamente um elemento essencial da recreação procurada pelos referidos utilizadores. Por outro lado, a aplicação da regra de conexão da disposição prevista no artigo 9.°, n.° 2, alínea c), primeiro travessão, não pode ser afastada pelo facto de os destinatários dos serviços serem consumidores finais, porque o âmbito de aplicação desta disposição não está limitado às prestações de serviços entre sujeitos passivos.

(cf. n.os 31, 33, 34, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

12 de Maio de 2005 (*)

«IVA – Sexta Directiva – Artigo 9.°, n.os 1 e 2 – Máquinas de jogo a dinheiro – Actividades recreativas ou similares – Prestador de serviços com sede fora do território da Comunidade – Determinação do lugar da prestação de serviços»

No processo C-452/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido), por decisão de 17 de Outubro de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 27 de Outubro de 2003, no processo

RAL (Channel Islands) Ltd,

RAL Ltd,

RAL Services Ltd,

RAL Machines Ltd

contra

Commissioners of Customs & Excise,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Lenaerts (relator), N. Colneric, K. Schiemann e E. Juhász, juízes,

advogado-geral: M. Poiares Maduro,

secretário: K. Sztranc, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Novembro de 2004,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da RAL (Channel Islands) Ltd, da RAL Ltd, da RAL Services Ltd e da RAL Machines Ltd, por K. Lasok, QC, e V. Sloane, barrister,

–       em representação do Governo do Reino Unido, por K. Manji, na qualidade de agente, assistido por C. Vajda, QC, e M. Angiolini, barrister,

–       em representação do Governo irlandês, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por G. Clohessy, BL, e por D. McDonald, SC,

–       em representação do Governo português, por L. Fernandes e Â. Seiça Neves, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 27 de Janeiro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial incide sobre a interpretação dos artigos 2.°, 4.° e 9.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»), bem como dos artigos 1.° e 2.° da Décima Terceira Directiva 86/560/CEE do Conselho, de 17 de Novembro de 1986, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Modalidades de reembolso do imposto sobre o valor acrescentado aos sujeitos passivos não estabelecidos no território da Comunidade (JO L 326, p. 40, a seguir «Décima Terceira Directiva»).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a RAL (Channel Islands) Ltd (a seguir «CI»), a RAL Ltd (a seguir «RAL»), a RAL Services Ltd (a seguir «Services») e a RAL Machines Ltd (a seguir «Machines») aos Commissioners of Customs & Excise (a seguir «Commissioners»), autoridade competente no Reino Unido em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), relativamente à determinação do lugar onde se consideram situados os serviços de exploração de máquinas de jogo a dinheiro.

 Quadro jurídico

3       Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva, estão sujeitas a IVA «[a]s entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

4       O artigo 3.°, n.° 1, da Sexta Directiva dispõe:

«Para efeitos do disposto na presente directiva, o ‘território do país’ corresponde ao âmbito de aplicação do Tratado [CE], tal como é definido, relativamente a cada Estado-Membro, no artigo [299.°].»

5       Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva, «[p]or ‘sujeito passivo’ entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade».

6       Quanto à determinação do lugar onde se considera situada uma prestação de serviços, o artigo 9.° da Sexta Directiva prevê:

«1.      Por ‘lugar da prestação de serviços’ entende-se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual.

2.      Todavia:

[…]

c)      Por lugar das prestações de serviços que tenham como objecto:

–       actividades culturais, artísticas, desportivas, científicas, docentes, recreativas ou similares, incluindo as dos organizadores das mesmas, bem como eventualmente, prestações de serviços acessórias das referidas actividades,

–       […]

entende-se o lugar onde as referidas prestações de serviços são materialmente executadas;

[…]»

7       O artigo 1.° da Décima Terceira Directiva tem a seguinte redacção:

«Na acepção da presente directiva, entende-se por:

1.      ‘Sujeito passivo não estabelecido no território da Comunidade’, o sujeito passivo referido no n.° 1 do artigo 4.° da [Sexta ] Directiva […] que, durante o período referido no n.° 1 do artigo 3.° da presente directiva, não teve nesse território nem a sede da sua actividade económica nem um estabelecimento estável a partir do qual fossem efectuadas as operações, nem, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o seu domicílio ou a sua residência habitual e que, durante esse mesmo período não efectuou qualquer entrega de bens ou prestação de serviços que se considere ter sido realizada no Estado-Membro referido no artigo 2.° […]»

8       O artigo 2.°, n.° 1, da Décima Terceira Directiva dispõe:

«[…] cada Estado-Membro reembolsará os sujeitos passivos não estabelecidos no território da Comunidade, nos termos a seguir indicados, do [IVA] que tenha incidido sobre as prestações de serviços ou as entregas de bens móveis que lhe tenham sido efectuadas no território do país por outros, ou que tenha incidido sobre a importação de bens no país, desde que esses bens e serviços sejam utilizados devido às operações referidas no n.° 3, alíneas a) e b), do artigo 17.° da [Sexta] Directiva […] ou das prestações de serviços referidas no ponto 1, alínea b), do artigo 1.° da presente directiva.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9       A CI é uma sociedade constituída em Guernsey (Ilhas Anglo-Normandas). A RAL, a Services e a Machines são sociedades constituídas no Reino Unido. Estas quatro sociedades são filiais da RAL Holdings Ltd (a seguir «Holdings»), que é uma sociedade igualmente constituída no Reino Unido. A CI, a RAL, a Services, a Machines e a Holdings formam em conjunto o grupo RAL.

10     Até ao fim do ano de 2000, a RAL explorava máquinas de jogo a dinheiro no Reino Unido em instalações que possuía ou que arrendava. Era proprietária das máquinas instaladas nestes locais e empregava o seu próprio pessoal. Detinha as licenças necessárias para a exploração quer das salas quer das máquinas.

11     A Holdings, enquanto membro característico do grupo de sujeitos passivos de IVA, estava sujeita a esse imposto pelas receitas obtidas da exploração de máquinas de jogo a dinheiro.

12     Posteriormente, surgiu um plano de reestruturação do grupo RAL. Segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, este plano visava isentar o grupo RAL da sujeição ao IVA sobre os serviços de máquinas de jogo a dinheiro e dar-lhe a possibilidade de recuperar o imposto pago a montante, mediante a criação de uma filial offshore para a exploração das máquinas de jogo a dinheiro e separando esta função da propriedade das máquinas e da exploração das instalações.

13     Assim, a CI foi constituída em Guernsey, que faz parte das Ilhas Anglo-Normandas, que se situam fora do território da Comunidade. No âmbito do mesmo plano, a Machines e a Services foram constituídas no Reino Unido.

14     A RAL é titular dos contratos de arrendamento das instalações onde estão instaladas as máquinas de jogo a dinheiro e das licenças que permitem a exploração das salas de jogo. Esta sociedade concede à CI uma licença para instalar e explorar as máquinas nas referidas instalações.

15     A Machines possui a totalidade das máquinas de jogo a dinheiro utilizadas pelo grupo RAL e é titular das respectivas licenças. Nos termos de um contrato de locação celebrado com a CI, a Machines é obrigada a fornecer máquinas de jogo a dinheiro à CI e a assegurar o seu bom funcionamento.

16     A actividade da CI consiste em permitir ao público a utilização das máquinas de jogo a dinheiro, fornecidas pela Machines, nas instalações colocadas à disposição pela RAL. Contudo, a CI exerce esta actividade através da subcontratação da Services para a gestão quotidiana das máquinas. Esta última sociedade emprega a quase totalidade do pessoal do grupo RAL, ou seja, cerca de 600 pessoas. A CI não tem pessoal próprio no Reino Unido.

17     Após a referida reestruturação do grupo RAL, a CI, baseando-se nos artigos 2.°, 4.° e 9.° da Sexta Directiva, entendeu que os serviços de exploração das máquinas de jogo a dinheiro se consideravam situados em Guernsey. Uma vez que, por este facto, os serviços eram, segundo ela, prestados fora do território da Comunidade, alegou que não tinha que pagar IVA sobre os serviços fornecidos aos seus clientes no Reino Unido. Em conformidade com os artigos 1.° e 2.° da Décima Terceira Directiva, pediu igualmente o reembolso do IVA pago a montante.

18     Por decisão de 28 de Agosto de 2001, os Commissioners indeferiram os pedidos da CI. Consideraram que a CI é um sujeito passivo de IVA no Reino Unido. A título subsidiário, consideraram que não se devia ter em conta a reestruturação do grupo RAL, pois, como no decurso do período anterior, os serviços em causa continuavam a ser prestados pela Holdings no Reino Unido. De qualquer das formas, segundo os Commissioners, os pedidos da CI deviam ser indeferidos uma vez que constituíam um abuso de direito.

19     A CI, a RAL, a Machines e a Services impugnaram esta decisão de indeferimento no VAT and Duties Tribunal, London. Na sua decisão de 3 de Dezembro de 2002, este último considerou que os serviços em causa eram prestados pela CI a partir de estabelecimentos estáveis no Reino Unido, na acepção do artigo 9.°, n.° 1 da Sexta Directiva. Este tribunal declarou, assim, que a CI fornece serviços de máquinas de jogo a dinheiro no Reino Unido e que as suas actividades estão sujeitas a IVA nesse Estado-Membro. Admitiu, contudo, o recurso das referidas sociedades na medida em que se dirigia contra as conclusões subsidiárias dos Commissioners, porque os serviços eram de facto fornecidos pela CI, e não pela Holdings, e porque o princípio do abuso de direito não se aplicava neste caso.

20     A CI recorreu dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio. Os Commissioners interpuseram um recurso subordinado da mesma decisão na parte em que esta julgou improcedentes as suas conclusões subsidiárias.

21     Neste contexto, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Nas circunstâncias do presente processo e tendo em atenção a Sexta Directiva […], nomeadamente os seus artigos 2.°, 4.° e 9.°, a Décima Terceira Directiva […], nomeadamente os seus artigos 1.° e 2.°, e os princípios gerais do direito comunitário:

1)      Como deve ser interpretada a expressão ‘estabelecimento estável’ que figura no artigo 9.° da Sexta Directiva?

2)      Quais os factores a ter em conta para determinar se o fornecimento de serviços relativos a máquinas de jogo é efectuado a partir do estabelecimento estável de uma empresa como a CI ou a partir de qualquer estabelecimento estável que uma empresa como a CI possa possuir?

3)      Em particular:

a)      Quando a actividade de uma empresa (A) esteja estruturada em moldes como os que se verificam no presente caso, de tal forma que uma empresa a ela ligada (B), cujo local de estabelecimento se situa fora do território da Comunidade, forneça serviços relativos a máquinas de jogo e o único objectivo da estrutura seja subtrair A ao pagamento de IVA no Estado-Membro em que se encontra estabelecida:

i)      pode considerar-se que os serviços relativos a máquinas de jogo são fornecidos a partir de um estabelecimento estável nesse Estado-Membro; e, na afirmativa,

ii)      deve presumir-se que os serviços relativos a máquinas de jogo são fornecidos a partir do estabelecimento estável ou a partir do local onde B estabeleceu a sua actividade?

b)      Quando a actividade de uma empresa (A) esteja estruturada de tal forma que, para efeitos das regras do local da prestação dos serviços, uma empresa a ela ligada (B), em circunstâncias como as que se verificam no presente caso, surge como fornecedora de serviços relativos a máquinas de jogo a partir de um estabelecimento situado fora do território da Comunidade e não possui, no Estado-Membro onde A se encontra estabelecida, um estabelecimento estável a partir do qual esses serviços sejam fornecidos, sendo o único objectivo da estrutura subtrair A ao pagamento de IVA sobre tais serviços neste Estado:

i)      as transacções entre B e empresas a ela ligadas (A, C e D), dentro do território do Estado-Membro, estão sujeitas a IVA como fornecimentos efectuados por ou a essas empresas no âmbito das suas actividades económicas; em caso de resposta negativa,

ii)      quais os factores a ter em conta para determinar a identidade do fornecedor dos serviços relativos a máquinas de jogo?

4)      a)     Aplica-se no presente caso um princípio do abuso do direito (independentemente da interpretação dada às directivas IVA) susceptível de suprimir o benefício pretendido?

b)      Em caso afirmativo, como opera tal princípio em circunstâncias idênticas às do presente caso?

5)      a)     Qual a eventual importância do facto de A, C e D não serem filiais de B e de esta última não controlar A, C ou D, quer do ponto de vista jurídico quer económico?

b)      As respostas a dar às questões anteriores são diferentes se o tipo de actividades efectuadas por B no seu estabelecimento situado fora do território da Comunidade for necessário ao fornecimento dos serviços relativos a máquinas de jogo e nem A, C ou D exercerem tais actividades?»

 Quanto às perguntas prejudiciais

 Observações liminares

22     A actividade referida na decisão de reenvio, a saber, a colocação à disposição do público, contra remuneração, de máquinas de jogo a dinheiro em salas de jogos, constitui uma prestação na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva. Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio procura, no essencial, determinar o lugar onde se considera situada esta prestação de serviços.

23     A este respeito, o artigo 9.° da Sexta Directiva contém regras que determinam o lugar de conexão para efeitos fiscais. Enquanto o n.° 1 desta disposição estabelece sobre esta matéria uma regra de carácter geral, o n.° 2 indica uma série de conexões específicas. O objectivo destas disposições é o de evitar, por um lado, os conflitos de competência susceptíveis de conduzir a duplas tributações e, por outro, a não tributação de receitas (v. acórdãos de 4 de Julho de 1985, Berkholz, 168/84, Recueil, p. 2251, n.° 14; de 26 de Setembro de 1996, Dudda, C-327/94, Colect., p. I-4595, n.° 20, e de 6 de Março de 1997, Linthorst, Pouwels en Scheres, C-167/95, Colect, p. I-1195, n.° 10).

24     Quanto à relação entre os dois primeiros números do artigo 9.° da Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça já decidiu que não existe qualquer primado do n.° 1 sobre o n.° 2 desta disposição. A questão que se coloca em cada situação concreta é a de saber se ela é regida por um dos casos mencionados no artigo 9.°, n.° 2; se o não for, cai no âmbito do n.° 1 (acórdãos, já referidos, Dudda, n.° 21, e Linthorst, Pouwels en Scheres, n.° 11).

25     Deve, assim, verificar-se previamente se uma actividade como a referida pela decisão de reenvio está abrangida, como invocaram os Governos irlandês e português, pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva, que determina o lugar de conexão fiscal para as «actividades recreativas ou similares». Com efeito, há que recordar, a este respeito, que compete ao Tribunal de Justiça fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito comunitário que podem ser úteis para a decisão do processo que lhe está submetido, tenha-lhe este feito ou não referência no enunciado das suas questões (v. acórdãos de 12 de Dezembro de 1990, SARPP, C-241/89, Colect., p. I-4695, n.° 8; de 2 de Fevereiro de 1994, Verband Sozialer Wettbewerb, dito «Clinique», C-315/92, Colect., p. I-317, n.° 7; de 4 de Março de 1999, Consorzio per la tutela del formaggio Gorgonzola, C-87/97, Colect., p. I-1301, n.° 16, e de 7 de Setembro de 2004, Trojani, C-456/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 38).

 Quanto à interpretação do artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva

26     Os Governos irlandês e português sustentam que a actividade da CI está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva, uma vez que consiste em oferecer serviços directamente ligados à recreação. O lugar onde esta actividade se considera situada será por conseguinte o da execução material dos serviços, a saber, no processo principal, o território do Reino Unido.

27     O Governo do Reino Unido e as sociedades pertencentes ao grupo RAL alegam, pelo contrário, que as prestações de serviços referidas pela decisão de reenvio não estão abrangidas pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva. Observam, para este efeito, que o objectivo principal prosseguido pelo destinatário do serviço é o de obter um ganho financeiro e não o divertimento enquanto tal. As referidas sociedades acrescentam que a aplicação da disposição supramencionada implica, em todo o caso, uma actividade artística da parte do prestador de serviços. O facto de a utilização de uma máquina de jogos a dinheiro poder ter um aspecto recreativo, à semelhança da utilização de um telemóvel, não transforma a operação de prestação de serviços em causa num actividade recreativa na acepção do n.° 2, alínea c), primeiro travessão, do mesmo artigo.

28     A Comissão considera que o artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva pretende instituir um regime especial para determinadas prestações de serviços realizadas entre sujeitos passivos e cujo custo está incluído a jusante no preço dos bens e das prestações (v. acórdão Dudda, já referido, n.os 23 e 24). A seu ver, o processo principal diz contudo respeito ao fornecimento de serviços de máquinas de jogo a dinheiro ao consumidor final, de forma que só é aplicável o n.° 1 do referido artigo.

29     A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva, o lugar das prestações de serviços que têm por objecto actividades recreativas ou similares é o local onde estas prestações são materialmente executadas.

30     Quanto à questão de saber se prestações de serviços como as do processo principal constituem actividades recreativas ou similares, deve recordar-se que a CI coloca máquinas de jogo a dinheiro à disposição do público, contra remuneração, em salas de jogos especialmente preparadas para esse efeito.

31     No caso em apreço, o objectivo principal prosseguido pela actividade referida na decisão de reenvio é a recreação dos utilizadores de máquinas de jogo a dinheiro e não a concessão de um ganho financeiro aos mesmos. Como, aliás, foi indicado pelo advogado-geral no n.° 29 das suas conclusões, a incerteza quanto ao ganho financeiro constitui precisamente um elemento essencial da recreação procurada pelos utilizadores de máquinas de jogo a dinheiro.

32     As actividades recreativas ou similares, na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea c), primeiro travessão, da Sexta Directiva, não exigem uma prestação artística por parte do prestador de serviços. Com efeito, uma actividade – incluindo a colocação de máquinas à disposição –, em que o objectivo principal prosseguido pelo prestador de serviços é a recreação da sua clientela constitui uma das actividades recreativas ou similares na acepção desta disposição.

33     Como o advogado-geral observou igualmente no n.° 33 das suas conclusões, a aplicação da regra de conexão da disposição acima referida a uma situação como a do processo principal não pode ser afastada pelo facto de os destinatários dos serviços serem consumidores finais. Com efeito, o âmbito de aplicação desta disposição não está limitado às prestações de serviços entre sujeitos passivos. Além disso, importa declarar que a aplicação da referida regra de conexão a uma situação deste tipo não levanta qualquer dificuldade prática. Com efeito, o lugar onde as actividades em causa são executadas pode ser facilmente identificado. Finalmente, a aplicação de tal regra conduz a uma solução racional do ponto de vista fiscal uma vez que os serviços em causa estão sujeitos ao regime do IVA do Estado-Membro em cujo território estão estabelecidos os destinatários dos referidos serviços.

34     Consequentemente, há que responder ao órgão jurisdicional de reenvio que a prestação de serviços que consiste em permitir ao público utilizar, contra remuneração, máquinas de jogo a dinheiro instaladas em salas de jogos estabelecidas no território de um Estado-Membro deve ser considerada uma das actividades recreativas ou similares na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea c), primeiro travessão, da Sexta Directiva, de modo que o lugar dessa prestação de serviços é o local em que ela é materialmente executada.

 Quanto às despesas

35     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

A prestação de serviços que consiste em permitir ao público utilizar, contra remuneração, máquinas de jogo a dinheiro instaladas em salas de jogos estabelecidas no território de um Estado-Membro deve ser considerada uma das actividades recreativas ou similares na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea c), primeiro travessão, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, de modo que o lugar dessa prestação de serviços é o local em que ela é materialmente executada.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.