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Processo C-536/03

António Jorge L.da

contra

Fazenda Pública

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo

Supremo Tribunal Administrativo)

«IVA – Artigo 19.° da Sexta Directiva IVA – Dedução do imposto pago a montante – Actividade imobiliária – Bens e serviços utilizados simultaneamente em operações tributáveis e em operações isentas – Dedução pro rata»

Conclusões da advogada-geral C. Stix-Hackl apresentadas em 16 de Dezembro de 2004 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 26 de Maio de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Questões prejudiciais – Competência do Tribunal de Justiça – Limites – Identificação do objecto em questão

(Artigo 234.° CE)

2.     Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Dedução do imposto pago a montante – Sujeito passivo que efectua simultaneamente operações com direito à dedução e operações sem direito a dedução – Dedução pro rata – Cálculo – Valor das operações ainda não efectuadas – Exclusão

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 19.°)

1.     Embora o Tribunal de Justiça não tenha competência, nos termos do artigo 234.° CE, para aplicar uma norma comunitária a um caso concreto e, em consequência, para qualificar uma disposição de direito nacional à luz dessa norma, pode, no entanto, no âmbito da cooperação judiciária estabelecida por esse artigo, fornecer ao órgão jurisdicional nacional, a partir dos dados do processo, os elementos de interpretação que lhe possam ser úteis para a apreciação dos efeitos dessa disposição.

Todavia, mantém-se no âmbito dos poderes do Tribunal de Justiça, perante questões eventualmente formuladas de maneira inadequada ou que ultrapassem as funções que lhe são atribuídas pelo artigo 234.° CE, extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, e nomeadamente da fundamentação do acto de reenvio, os elementos de direito comunitário que requerem uma interpretação tendo em conta o objecto do litígio.

(cf. n.os 15, 16)

2.     O artigo 19.° da Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, relativo ao cálculo pro rata de dedução quando um sujeito passivo efectua simultaneamente operações com direito à dedução e operações sem direito à dedução, opõe-se a que seja incluído no denominador da fracção que permite esse cálculo o valor de obras em curso efectuadas por um sujeito passivo no exercício de uma actividade de construção civil sujeita ao imposto, quando esse valor não corresponda a transmissões de bens ou a prestações de serviços que já tenha efectuado ou que tenham sido objecto de facturação parcial e/ou que tenham dado lugar à cobrança de valores por conta.

Com efeito, é contrário ao sistema da Sexta Directiva admitir que a determinação do domínio da dedução possa ter em conta operações ainda não efectuadas e cuja realização futura pode não se concretizar, quando, nesse sistema, o facto gerador do imposto e, consequentemente, o direito a uma dedução dependem da realização efectiva de uma operação.

(cf. n.os 26, 27, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

26 de Maio de 2005 (*)

«IVA – Artigo 19.° da Sexta Directiva IVA – Dedução do imposto pago a montante – Actividade imobiliária – Bens e serviços utilizados simultaneamente em operações tributáveis e em operações isentas – Dedução pro rata»

No processo C-536/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por decisão de 26 de Novembro de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 22 de Dezembro de 2003, no processo:

António Jorge L.da

contra

Fazenda Pública,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), J. Makarczyk, P. Kūris e G. Arestis, juízes,

advogada-geral: C. Stix-Hackl,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações escritas apresentadas:

–       em representação da República Portuguesa, por L. Fernandes, na qualidade de agente,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e A. M. Alves Vieira, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral apresentadas na audiência de 16 de Dezembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação do artigo 19.° da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios − Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»), no que concerne à determinação do alcance do direito à dedução do imposto pago a montante no exercício da actividade de construção imobiliária.

2       O pedido foi apresentado no âmbito de um recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo da República Portuguesa, que opõe a sociedade António Jorge L.da às autoridades portuguesas quanto a um acto de liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») e juros compensatórios relativos aos anos de 1994 a 1997.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       O artigo 10.° da Sexta Directiva tem a seguinte redacção:

«1.      Para efeitos do disposto na presente directiva:

a)      Por facto gerador do imposto entende-se o facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto;

b)      Por exigibilidade do imposto entende-se o direito que o fisco pode fazer valer, nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.

2.      O facto gerador do imposto ocorre, e o imposto é exigível, no momento em que se efectuam a entrega do bem ou a prestação de serviços. […]

Todavia, em caso de pagamentos por conta antes da entrega de bens ou da prestação de serviços, o imposto torna-se exigível no momento da cobrança e em relação ao montante recebido.

[...]»

4       O artigo 17.° da Sexta Directiva, intitulado «Origem e âmbito do direito à dedução», prevê:

«1.      O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

[…]

5.      No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.°, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

[...]»

5       Este artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, permite também aos Estados-Membros autorizarem ou obrigarem os sujeitos passivos a aplicar critérios diferentes dos do artigo 19.°

6       O artigo 19.° da Sexta Directiva tem a seguinte redacção:

«Cálculo do pro rata de dedução

1.      O pro rata de dedução, previsto no n.° 5, primeiro parágrafo, do artigo 17.°, resultará de uma fracção que inclui:

–       no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 17.°;

–       no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução. Os Estados-Membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas em A, 1, a), do artigo 11.°

O pro rata é determinado numa base anual e fixado em percentagem arredondada para a unidade imediatamente superior.

2.      Em derrogação do disposto no n.° 1, no cálculo de pro rata de dedução, não se toma em consideração o montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na respectiva empresa. Não é igualmente tomado em consideração o montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras ou às operações referidas em B, d), do artigo 13.° quando se trate de operações acessórias. […]

[...]»

 Legislação nacional

7       O IVA é regido em Portugal pelo Código do IVA (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, a seguir «CIVA»), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 394-B/84, de 26 de Dezembro de 1984 (Diário da República, I série, n.° 297).

8       O artigo 23.° do CIVA tem a seguinte redacção:

«1 – Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução.

2 – Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.

3 – A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a)      Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b)      Quando a aplicação do processo referido no n.° 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 – A percentagem de dedução referida no n.° 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.° 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.

5 – No cálculo referido no número anterior não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.

[…]»

9       O Decreto-Lei n.° 241/86, de 20 de Agosto de 1986 (Diário da República, I série, n.° 190), completou posteriormente o regime contido no CIVA, no que respeita à actividade de transmissão de imóveis.

10     O artigo 5.° desse decreto-lei tem a seguinte redacção:

«1.      A dedução do imposto relativo a cada imóvel ou parte autónoma efectuar-se-á segundo o método da afectação real de todos os bens e serviços utilizados, de harmonia com o referido no n.° 2 do artigo 23.° do [CIVA].

2.      Sempre que a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos julgue inadequados os critérios de imputação utilizados na afectação real, fixará critérios diferentes, disso notificando o contribuinte, com indicação das razões que fundamentaram a decisão.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

11     A sociedade António Jorge L.da (a seguir «António Jorge»), com sede em Santarém (Portugal), recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Tributário de Primeira Instância de Santarém, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial do acto de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativos aos anos de 1994 a 1997.

12     Os factos, tal como estão expostos na decisão de primeira instância, são os seguintes:

«1.      A [...] [António Jorge] encontrava-se, nos anos de 1994 a 1997, colectada em IRC (regime geral) e enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal […].

2.      Ao abrigo da ordem de serviço n.° 9097 de 5.9.1996, a […] [António Jorge] foi sujeita a visita de fiscalização, diligência no fim da qual e com data de 26.6.1997, se produziu o relatório de exame à escrita junto [...] [aos] autos.

3.      Os serviços de Fiscalização Tributária do Distrito de Santarém, após tal exame à escrita […], concluíram, em sede de IVA:

−      pela existência de dificuldades para a detecção exacta do imposto indevidamente deduzido em matéria de "custos gerais", porquanto a [recorrente] procedia a dedução na totalidade, quando as suas aquisições se destinavam a um sector isento e a outro tributável;

−      [que] na aquisição de imobilizado, este é considerado afecto ao sector sujeito a IVA (dedutível), sendo que no final dos exercícios parte do valor das amortizações desse imobilizado era distribuído ou considerado em sector de actividade isento;

[…]

4.      Em face do apurado e descrito no ponto 3, o perito interveniente na indicada fiscalização procedeu à determinação do IVA que considerou […] haver [a António Jorge] deduzido indevidamente, por infracção ao disposto no art. 23.° do [CIVA] e com base em "documentos sem forma legal", bem como o imposto que não foi liquidado […].

[…]

8.      Nos anos de 1994 a 1997, […] a [António Jorge] efectuou prestações de serviços (empreitadas) que lhe conferiam direito à dedução do IVA suportado nas aquisições e operações sujeitas a sisa (construção para venda), que não permitiam tal dedução.

9.      Nesses mesmos anos, cerca de 50% do [seu] volume de negócios […] foram empreitadas de construção de imóveis para cooperativas de habitação e para autarquias, liquidando IVA a 5% e deduzindo a 17% (16% em 1994), enquanto em cerca de 20% do volume de negócios liquidou imposto a 17% (16% em 1994) e no restante tratou-se de operações sujeitas a sisa, isentas e sem direito a dedução de imposto.»

13     Em apoio do seu recurso no Supremo Tribunal Administrativo, a António Jorge suscitou a questão da interpretação do artigo 19.° da Sexta Directiva.

14     Nestas condições, aquele órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Em que sentido deve ser interpretado o art. 19.° da Sexta Directiva do Conselho de 17/5/77 (77/388/CEE)?

2)      O art. 23.°, n.° 4 do CIVA é compatível com o citado normativo, quando interpretado no sentido de que, sendo o sujeito passivo uma empresa que se dedica à actividade imobiliária, efectuando obras em dois sectores de actividade, sendo um a construção de edifícios para venda (isento de IVA) e outro o de empreitadas (sujeito a esse imposto), para calcular a percentagem de dedução de IVA ou pro rata suportado por aquele sujeito passivo na aquisição de bens e serviços afectos a ambas as actividades, deve considerar-se no denominador da fracção para o seu cálculo, para além do volume anual de negócios, o valor de obras em curso no final de cada ano e ainda não comercializadas e cujo valor não foi recebido total ou parcialmente?

3)      Ou no sentido de só abranger o volume de negócios?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à formulação das questões

15     Face à redacção das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, é necessário recordar que, embora o Tribunal de Justiça não tenha competência, nos termos do artigo 234.° CE, para aplicar uma norma comunitária a um caso concreto e, em consequência, para qualificar uma disposição de direito nacional à luz dessa norma, pode, no entanto, no âmbito da cooperação judiciária estabelecida por esse artigo, fornecer ao órgão jurisdicional nacional, a partir dos dados do processo, os elementos de interpretação que lhe possam ser úteis para a apreciação dos efeitos dessa disposição (v. acórdão de 20 de Abril de 1988, Bekaert, 204/87, Colect., p. 2029, n.° 5).

16     Todavia, mantém-se no âmbito dos poderes do Tribunal de Justiça, perante questões eventualmente formuladas de maneira inadequada ou que ultrapassem as funções que lhe são atribuídas pelo artigo 234.° CE, extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, e nomeadamente da fundamentação do acto de reenvio, os elementos de direito comunitário que requerem uma interpretação tendo em conta o objecto do litígio (v. acórdão de 17 de Junho de 1997, Codiesel, C-105/96, Colect., p. I-3465, n.° 13).

17     Resulta da fundamentação da decisão de reenvio que o Supremo Tribunal Administrativo pede ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 19.°, n.° 1, da Sexta Directiva, colocando, mais concretamente, a questão de saber se, «sendo o sujeito passivo uma empresa que se dedica à actividade imobiliária, efectuando obras em dois sectores de actividade, sendo um a construção de edifícios para venda (isento de IVA) e outro o de empreitadas (sujeito a esse imposto), para calcular a percentagem de dedução de IVA ou pro rata suportado por aquele sujeito passivo na aquisição de bens e serviços afectos a ambas as actividades, deve ou não considerar-se no denominador da fracção para o seu cálculo, para além do volume anual de negócios, o valor de obras em curso no final de cada ano e ainda não comercializadas e cujo valor não foi recebido total ou parcialmente».

18     O órgão jurisdicional de reenvio procura, portanto, saber se, para a aplicação do artigo 19.° da Sexta Directiva, mais particularmente para o cálculo da fracção que permite obter o pro rata de dedução previsto no artigo 17.° da mesma directiva, há ou não que incluir, no denominador, o valor das obras em curso no final de cada ano, que ainda não foram comercializadas e cujo valor não foi recebido, total ou parcialmente, pelo sujeito passivo.

 Observações apresentadas ao Tribunal

19     A Comissão das Comunidades Europeias e o Governo português afirmam que a interpretação de uma norma de direito interno que conduza à inclusão, no denominador da fracção que permite calcular o pro rata de dedução, do valor de obras em curso realizadas por um sujeito passivo no exercício de uma actividade de construção civil não é compatível com o artigo 19.° da Sexta Directiva quando essas obras não correspondam a transmissões de bens ou a prestações de serviços por ele já efectuadas ou a outras situações que determinem a existência do facto gerador ou a exigibilidade do imposto.

20     O Governo português precisa, entretanto, que a adopção pelas autoridades nacionais de um critério que permita apurar a dimensão da actividade da empresa, tendo em conta a variação do valor da produção ou o valor das obras em curso em função da sua afectação real, é possível nos termos do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, da referida directiva. A Comissão, por seu lado, alega a possibilidade de ajustamentos posteriores, nos termos do artigo 20.° da mesma directiva.

 Apreciação do Tribunal

21     A título liminar, importa recordar que, como o Tribunal de Justiça já declarou, o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (acórdãos de 8 de Junho de 2000, Midlank Bank, C-98/98, Colect., p. I-4177, n.° 19, e de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colect., p. I-1361, n.° 24).

22     Resulta da decisão de reenvio que a António Jorge efectua, no quadro da sua actividade económica, prestações de serviços correspondentes a empreitadas de construção civil sujeitas a IVA nos termos dos artigos 2.°, n.° 1, e 6.° da Sexta Directiva. Esta sociedade efectua também transmissões de bens imóveis que estão sujeitas a IVA nos termos dos artigos 2.°, n.° 1, e 5.° desta directiva, mas isentas nos termos do seu artigo 28.°, n.° 3, alínea b), e do anexo F, ponto 16.

23     Na medida em que não se trata de operações acessórias, referidas no artigo 19.°, n.° 2, segundo período, da Sexta Directiva, que não entram no cálculo do pro rata de dedução previsto no artigo 17.°, n.° 5, primeiro parágrafo, da mesma directiva, importa determinar que operações devem ser tidas em conta no cálculo deste pro rata.

24     O artigo 17.°, n.° 1, da Sexta Directiva prevê que o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. O artigo 10.°, n.° 2, da mesma directiva dispõe que tal acontece desde o momento em que a entrega de bens ou a prestação de serviços é efectuada (acórdão de 8 de Junho de 2000, Breitsohl, C-400/98, Colect., p. I-4321, n.° 36). Importa recordar que o artigo 10.°, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva define a exigibilidade do imposto como «o direito que o fisco pode fazer valer, nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto».

25     De onde resulta que, no sistema da Sexta Directiva, o factor gerador do imposto, a sua exigibilidade e a possibilidade de dedução estão ligados à realização efectiva da entrega ou da prestação de serviços, a não ser nos casos de pagamentos por conta, em que o imposto se torna exigível no momento da cobrança. O artigo 19.°, n.° 1, não contém qualquer menção que exclua a aplicação desta regra geral no cálculo do pro rata de dedução, e nada na redacção desta disposição leva a pensar que o sistema contém uma derrogação no que respeita ao facto de se tomarem em consideração, no denominador da fracção que permite o cálculo do pro rata, operações ainda não realizadas, além das que deram lugar a pagamentos por conta ou a facturação parcial dos trabalhos realizados.

26     Nesta perspectiva, é contrário a este sistema admitir que a determinação do domínio da dedução possa ter em conta operações ainda não efectuadas e cuja realização futura pode não se concretizar, quando o facto gerador do imposto e, consequentemente, o direito a uma dedução dependem da realização efectiva de uma operação. Ora, na medida em que não foram objecto de facturação pelo sujeito passivo, de facturação parcial ou de qualquer pagamento por conta, as obras em curso não constituem transmissões de bens ou prestações de serviços já efectuadas por este último, nem qualquer outra situação que consubstancie o facto gerador da exigibilidade do imposto. Não devem, portanto, ser incluídas no denominador da fracção referida no artigo 19.°, n.° 1, da Sexta Directiva, no cálculo do pro rata de dedução.

27     Importa, portanto, responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 19.°, n.° 1, da Sexta Directiva se opõe a que, no denominador da fracção que permite o cálculo do pro rata de dedução, seja incluído o valor de obras em curso efectuadas por um sujeito passivo no exercício de uma actividade de construção civil, quando esse valor não corresponda a transmissões de bens ou a prestações de serviços que já tenha efectuado, que tenham sido objecto de facturação parcial e/ou que tenham dado lugar à cobrança de valores por conta.

 Quanto às despesas

28     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 19.°, n.° 1, da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios − Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, opõe-se a que, no denominador da fracção que permite o cálculo do pro rata de dedução, seja incluído o valor de obras em curso efectuadas por um sujeito passivo no exercício de uma actividade de construção civil, quando esse valor não corresponda a transmissões de bens ou a prestações de serviços que já tenha efectuado, que tenham sido objecto de facturação parcial e/ou que tenham dado lugar à cobrança de valores por conta.

Assinaturas


* Língua do processo: português.