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Processo C-58/04

Antje Köhler

contra

Finanzamt Düsseldorf-Nord

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof)

«Sexta Directiva IVA – Lugar das operações tributáveis – Entrega de bens efectuada a bordo de um navio de cruzeiro – Transporte efectuado no interior da Comunidade – Isenção de tributação no caso de escala fora do território da Comunidade – Âmbito da isenção»

Conclusões do advogado-geral M. Poiares Maduro apresentadas em 7 de Abril de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 15 de Setembro de 2005 

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Entregas de bens – Determinação do lugar de conexão para efeitos fiscais – «Escala fora do território da Comunidade» na acepção da Sexta Directiva – Conceito – Paragens efectuadas em portos de países terceiros que permitem aos passageiros desembarcar do navio – Inclusão

[Directiva 77/388 do Conselho, artigo 8.°, n.° 1, alínea c)]

As paragens efectuadas por um navio nos portos de países terceiros durante as quais os passageiros podem desembarcar do navio, ainda que por um curto período, constituem «escalas fora da Comunidade» na acepção do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, na redacção dada pela Directiva 92/111, disposição essa que prevê, como lugar de conexão fiscal das entregas de bens efectuadas a bordo de um navio, avião ou comboio e durante a parte de um transporte de passageiros efectuada no interior da Comunidade, o lugar de partida do transporte quando essa parte do transporte seja efectuada sem escala fora da Comunidade entre o lugar de partida e o lugar de chegada do transporte.

(cf. n.° 27 e disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

15 de Setembro de 2005 (*)

«Sexta Directiva IVA – Lugar das operações tributáveis – Entrega de bens efectuada a bordo de um navio de cruzeiro – Transporte efectuado no interior da Comunidade – Isenção de tributação no caso de escala fora do território da Comunidade – Âmbito da isenção»

No processo C-58/04,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.º CE, submetido pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisão de 23 de Outubro de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de Fevereiro de 2004, no processo

Antje Köhler

contra

Finanzamt Düsseldorf-Nord,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, N. Colneric, K. Schiemann (relator), E. Juhász e E. Levits, juízes,

advogado-geral: M. Poiares Maduro,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e na sequência da audiência de 17 de Fevereiro de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação de A. Köhler, por G. Sinfield, solicitor, H.-W. Schneiders, Steuerberater, e C. Küppers, Rechtsanwalt,

–       em representação do Governo alemão, por C.-D. Quassowski, M. Lumma e W.-D. Plessing, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo grego, por V. Kyriazopoulos, S. Chala e I. Bakopoulos, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Triantafyllou e K. Gross, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 7 de Abril de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial versa sobre a interpretação da noção de «escala fora da Comunidade» na acepção do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Sexta do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na redacção dada pela do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992, que altera a Directiva 77/388 e introduz medidas de simplificação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (JO L 384, p. 47, a seguir «Sexta Directiva»).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A. Köhler ao Finanzamt (Direcção de Serviços Fiscais) relativamente à natureza tributável das vendas realizadas pela interessada na sua loja a bordo de um navio de cruzeiro.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       O artigo 8.º da Sexta Directiva prevê:

«1.      Por ‘lugar de entrega de um bem’ entende-se:

[…]

b)      Se o bem não for expedido nem transportado – o lugar onde se encontra o bem no momento da entrega.

c)      Se a entrega dos bens for efectuada a bordo de um navio, de um avião ou de um comboio, durante a parte de um transporte efectuada no território da Comunidade: o lugar de partida do transporte de passageiros.

Para efeitos da presente disposição, entende-se por:

–       parte de um transporte de passageiros efectuado no território da Comunidade, a parte de um transporte que é efectuada sem escala exterior à Comunidade entre o local de partida e o local de chegada do transporte de passageiros,

–       local de partida de um transporte de passageiros, o primeiro ponto previsto para o embarque dos passageiros no território da Comunidade, eventualmente após escala fora da Comunidade,

–       local de chegada de um transporte de passageiros, o último ponto previsto de desembarque no território da Comunidade dos passageiros que tiverem embarcado no território da Comunidade, eventualmente antes de uma escala fora do território da Comunidade.

[…]»

 Regulamentação nacional

4       Nos termos do § 1, n.º 1, ponto 1, primeiro período, da Lei do imposto sobre o volume de negócios de 1993 (Umsatzteuergesetz, a seguir «UStG»), estão sujeitas ao imposto sobre o volume de negócios as entregas e outras prestações realizadas a título oneroso por uma empresa no interior do país no âmbito da sua actividade empresarial.

5       O § 3, n.º 6, da UStG determina:

«Uma entrega de um bem considera-se efectuada no local onde o bem se encontre no momento da transferência do poder de disposição.»

6       O § 3e, n.º 1, da UStG prevê:

«Quando um bem que não se destine ao consumo in loco é entregue a bordo de um navio, de um avião ou de um comboio durante um transporte no território da Comunidade, entende-se como lugar da entrega o local de partida do respectivo meio de transporte no território da Comunidade.»

7       O § 3e, n.º 2, da UStG prevê:

«Entende-se por transporte efectuado no território da Comunidade, na acepção do n.º 1, o transporte ou a parte do transporte que é efectuado sem escala fora da Comunidade, entre o local de partida e o local de chegada do meio de transporte. Local de partida de um transporte de passageiros, na acepção desta lei, é o primeiro ponto previsto para o embarque de passageiros no território da Comunidade. Local de chegada de um transporte de passageiros, na acepção desta lei, é o último ponto previsto de desembarque de passageiros no território da Comunidade. A ida e volta são considerados transportes distintos.»

 O litígio no processo principal e a questão prejudicial

8       No decurso do exercício de 1994, A. Köhler tinha a exploração de uma boutique a bordo de um navio de cruzeiro que partia de Kiel, Bremerhaven ou Travemünde (cidades da Alemanha), com passagem por portos situados fora do território da Comunidade (Noruega, Estónia, Rússia e Marrocos), terminando em Kiel, Bremerhaven ou Génova (Itália). Estas viagens apenas podiam ser reservadas para o trajecto total do cruzeiro sem possibilidade de embarcar ou de desembarcar definitivamente durante o percurso. Contudo, estava previsto um desembarque de curta duração para escala de algumas horas ou de um dia, para visitas turísticas.

9       O Finanzamt decidiu considerar operações tributáveis as vendas realizadas na boutique de A. Köhler em razão dos locais de partida e chegada se situarem no território comunitário. A. Köhler interpôs recurso desta decisão para o Finanzgericht alegando que, devido às escalas efectuadas fora do território da Comunidade, as vendas em causa não deviam ser tributadas na Alemanha.

10     O Finanzgericht negou provimento ao recurso. Em seu entender, o facto de o transporte de passageiros ter sido interrompido, entre o ponto de embarque e o ponto de desembarque, por paragens fora do território da Comunidade não implica que as operações tivessem sido realizadas fora do território nacional. Além disso, apenas as paragens destinadas ao embarque de novos passageiros ou desembarque definitivo deveriam ser consideradas «escalas» na acepção do § 3 da UStG.

11     A. Köhler interpôs recurso de revista para o Bundesfinanzhof contestando tal interpretação.

12     Considerando que a interpretação da noção de «escala fora da Comunidade» é determinante para a decisão do litígio, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:

«As escalas de um navio em portos de países terceiros, durante as quais os passageiros apenas podem desembarcar por curtos períodos de tempo, por exemplo, para realizar visitas, não existindo a possibilidade de iniciar ou de terminar a viagem, constituem ‘escala[s] fora da Comunidade’ na acepção do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da [Sexta Directiva]?»

 Quanto à questão prejudicial

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

13     O Governo alemão propõe que seja dada resposta negativa à questão prejudicial. No seu entender, a noção de «escala» não deve ser interpretada de modo literal e estrito no sentido de ser aplicada ao passageiro individual que faz uma curta paragem em qualquer parte antes de prosseguir viagem.

14     A «escala» implica a possibilidade de os passageiros entrarem num meio de transporte ou saírem a fim de começar a viagem ou de a terminar. Qualificar de «escala» uma paragem na qual os passageiros não podem deixar o meio de transporte a não ser por um curto espaço de tempo colide com o sentido e objectivo da disposição em causa. Se se adoptar a definição da noção de «escala» proposta pela recorrente, a regra de conexão fixada no artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva e, portanto, a finalidade fiscal desta disposição (tributação das entregas a bordo durante transportes intracomunitários no território da Comunidade) poderiam facilmente ser contornadas. Bastaria escolher o meio de transporte e o trajecto de modo a permitir paragens no território de países terceiros, no decurso das quais os passageiros poderiam brevemente deixar o meio de transporte sem, no entanto, terem a possibilidade de terminar definitivamente a sua viagem.

15     A recorrente, a Comissão das Comunidades Europeias e o Governo grego consideram que há que responder afirmativamente à questão prejudicial.

16     A recorrente alega que a escala não implica necessariamente o embarque ou desembarque de um meio de transporte. Se fosse essa a intenção do legislador comunitário, ele teria expressamente utilizado as palavras «embarque» ou «desembarque» como faz para definir o «local de partida» e o «local de chegada». A noção de «escala» deve ser interpretada no sentido de uma paragem, de uma interrupção de viagem ou de um descanso.

17     A Comissão sustenta que a regra enunciada no artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva não é aplicável se entrar em conflito com o direito de países terceiros. A Comissão considera que as breves escalas fora da Comunidade têm como efeito interromper o carácter intracomunitário do transporte. Sempre que os passageiros tenham a possibilidade de efectuar num país terceiro compras normalmente tributadas, a competência do Estado-Membro do local de partida do transporte de passageiros deve, pois, ser interrompida por forma a não entrar em conflito com a aplicação territorial do direito fiscal do país terceiro.

18     No entender do Governo grego, ao efectuar uma escala intermédia num país terceiro ou num território que não faz parte, do ponto de vista fiscal, da Comunidade, o navio entra num país terceiro e volta. Por conseguinte, as mercadorias vendidas nas lojas desses navios devem beneficiar da isenção fiscal aplicada aos passageiros de países terceiros. Tal solução parte do princípio de que os passageiros têm a possibilidade de desembarcar, durante a escala, num país terceiro e aí comprar as mercadorias isentas de impostos, uma vez que as exportam independentemente da duração da sua estada nesse país e sem a obrigação de pôr termo à viagem.

 Resposta do Tribunal de Justiça

19     Não havendo uma definição precisa da noção de «escala» na Sexta Directiva, há que buscar a sua interpretação no contexto da economia e da finalidade do seu artigo 8.º, n.º 1, alínea c).

20     Este artigo insere-se nas disposições da Sexta Directiva consagradas à determinação do lugar das operações tributáveis e estabelece, em matéria de entrega de bens, no n.º 1, alínea b), uma regra geral segundo a qual, no caso de um bem não ser expedido ou transportado, o lugar de entrega é reputado ser o lugar em que o bem se encontra no momento da entrega.

21     O n.º 1, alínea c), do mesmo artigo contém uma derrogação a este princípio da territorialidade. Prevê que o lugar de entrega dos bens deve ser considerado o local de partida do transporte de passageiros no caso em que a entrega é efectuada a bordo de um navio, de um avião ou de um comboio, e durante a parte de um transporte de passageiros efectuada no interior da Comunidade.

22     Assim, o artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva visa determinar de modo uniforme o lugar de conexão fiscal das entregas de bens realizadas a bordo de um navio, avião ou comboio no âmbito de uma viagem que começa e termina no território da Comunidade e limita a tributação, durante a parte do transporte de passageiros efectuada no interior da Comunidade, ao lugar de partida do meio de transporte. Daí resulta um regime simplificado de tributação que evita, durante a viagem intracomunitária, a aplicação sucessiva de cada um dos regimes nacionais de IVA dos Estados-Membros atravessados e, portanto, conflitos de competências fiscais entre Estados-Membros.

23     Por outro lado, há que observar que o artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva prevê expressamente que será considerada «parte de um transporte de passageiros efectuado no território da Comunidade» a parte de um transporte efectuada sem escala fora da Comunidade, entre o lugar de partida e o lugar de chegada do transporte de passageiros.

24     Ao excluir assim, na hipótese de uma escala fora da Comunidade, a existência de uma «parte de um transporte de passageiros efectuado no território da Comunidade», o artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva visa, pois, também evitar riscos de conflitos de competências entre regimes fiscais de países terceiros que surgiriam no caso de entrega de bens durante uma interrupção de viagem intracomunitária constituída por uma escala fora do território da Comunidade.

25     A este respeito, importa recordar que, no que se refere à tributação das prestações de serviços a bordo de um navio, o Tribunal de Justiça já admitiu que a Sexta Directiva não se opõe a que os Estados-Membros alarguem o âmbito de aplicação da sua legislação fiscal para além do seu território desde que não invadam a área de competência dos outros Estados (acórdãos de 23 de Janeiro de 1986, Trans Tirreno Express, 283/84, Colect., p. 231, e de 13 de Março de 1990, Comissão/França,, Colect., p. I-691, n.º 18). Ora essas considerações são também válidas no contexto da tributação das entregas de bens.

26     À luz da economia e da finalidade do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva, há portanto que declarar que qualquer entrega de bens efectuada a bordo do navio durante uma escala fora da Comunidade se considera realizada fora do âmbito de aplicação da Sexta Directiva, sendo nesse caso o tratamento fiscal da entrega desses bens da competência fiscal do Estado do lugar da escala.

27     Perante todas as considerações precedentes, há que responder à questão colocada que as paragens efectuadas por um navio nos portos de países terceiros durante as quais os passageiros podem desembarcar do navio, ainda que por um curto período, constituem «escala[s] fora da Comunidade» na acepção do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva.

 Quanto às despesas

28     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

As paragens efectuadas por um navio nos portos de países terceiros durante as quais os passageiros podem desembarcar do navio, ainda que por um curto período, constituem «escala[s] fora da Comunidade» na acepção do artigo 8.º, n.º 1, alínea c) da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na redacção dada pela Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992, que altera a Directiva 77/388 e introduz medidas de simplificação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.