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Processo C-309/06

Marks & Spencer plc

contra

Commissioners of Customs & Excise

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela House of Lords)

«Fiscalidade – Sexta Directiva IVA – Isenção com reembolso dos impostos pagos na fase anterior – Tributação errada à taxa normal – Direito à taxa zero – Direito ao reembolso – Efeito directo – Princípios gerais do direito comunitário – Enriquecimento sem causa»

Sumário do acórdão

1.        Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Faculdade de os Estados-Membros manterem isenções com reembolso do imposto pago na fase anterior

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 28.°, n.° 2)

2.        Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Faculdade de os Estados-Membros manterem isenções com reembolso do imposto pago na fase anterior

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 28.°, n.° 2)

3.        Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Faculdade de os Estados-Membros manterem isenções com reembolso do imposto pago na fase anterior

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 28.°, n.° 2)

1.        Quando um Estado-Membro manteve na sua legislação nacional, ao abrigo do artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, quer antes quer após as alterações introduzidas nesta disposição pela Directiva 92/77, uma isenção com reembolso dos impostos pagos na fase anterior relativamente a certas entregas ou prestações específicas, um operador que efectue tais entregas ou prestações não pode invocar um direito, decorrente do direito comunitário e susceptível de ser invocado directamente, a que essas entregas ou essas prestações sejam sujeitas a IVA à taxa zero.

Ao autorizar os Estados-Membros a aplicar isenções com reembolso do imposto pago, o artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva prevê uma derrogação às disposições que regulam a taxa normal do imposto sobre o valor acrescentado. É, pois, correcto afirmar que estas isenções, ditas «tributações à taxa zero», são autorizadas ao abrigo do direito comunitário. Todavia, o direito comunitário não impõe aos Estados-Membros que mantenham tais isenções. Com efeito, do teor desta disposição, na sua versão inicial, resulta que as hipóteses de isenção em vigor em 31 de Dezembro de 1975 «podem ser mantidas», o que significa que depende exclusivamente da apreciação do Estado-Membro em causa manter ou não uma determinada legislação, que preencha, nomeadamente, as condições definidas no artigo 17.°, último travessão, da Segunda Directiva 67/228, revogada, segundo as quais as isenções com reembolso do imposto pago só podiam ser instituídas por razões de interesse social bem definidas e em benefício dos consumidores finais.

(cf. n.os 22-23, 28, disp. 1)

2.        Quando um Estado-Membro manteve na sua legislação interna, ao abrigo do artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, quer antes quer depois da sua alteração pela Directiva 92/77, uma isenção com reembolso do imposto pago a montante em relação a certas entregas ou prestações específicas, mas tiver interpretado erradamente a sua legislação nacional, daí resultando que certas entregas ou prestações de serviços que deviam ter beneficiado da isenção com reembolso do imposto pago a montante, segundo a sua legislação interna, foram sujeitas a tributação à taxa normal, os princípios gerais do direito comunitário, incluindo o da neutralidade fiscal, aplicam-se de forma a conferir ao operador económico que efectue tais entregas ou prestações o direito de obter a restituição das quantias que lhe foram erradamente cobradas relativamente a estas mesmas entregas ou prestações.

Com efeito, a manutenção de isenções ou de taxas reduzidas de imposto sobre o valor acrescentado inferiores à taxa mínima prevista pela Sexta Directiva só é admissível se não violar, nomeadamente, o princípio da neutralidade fiscal inerente ao referido sistema. Os princípios que regem o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, incluindo o da neutralidade fiscal, aplicam-se mesmo no caso previsto no artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva e, nessa eventualidade, podem ser invocados por um sujeito passivo contra uma disposição nacional, ou de aplicação desta, que viole estes princípios. A este propósito, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados por um Estado-Membro em violação das regras do direito comunitário é a consequência e o complemento dos direitos directamente conferidos aos particulares pelo direito comunitário. Este princípio aplica-se igualmente aos impostos cobrados em violação de legislação nacional autorizada, nos termos do artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva.

(cf. n.os 33-36, disp. 2)

3.        Embora os princípios da igualdade de tratamento e da neutralidade fiscal sejam aplicáveis, em princípio, numa situação em que um Estado-Membro sujeitou erradamente a imposto certas entregas ou prestações de serviços que deviam ter beneficiado de uma isenção que o referido Estado-Membro manteve na sua legislação, nos termos do artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, e em que o operador económico em causa requer a restituição dos montantes indevidamente pagos, a violação dos referidos princípios não resulta apenas de a recusa de reembolso se ter fundamentado no enriquecimento sem causa do sujeito passivo em questão.

Em contrapartida, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se a que o enriquecimento sem causa seja oposto apenas a sujeitos passivos como os «payment traders» (sujeitos passivos para os quais, num determinado período contabilístico, o montante do imposto pago a jusante excede o pago a montante) e não a sujeitos passivos como os «repayment traders» (sujeitos passivos cuja situação é contrária à anterior), desde que estes sujeitos passivos tenham comercializado mercadorias semelhantes, o que compete ao órgão jurisdicional nacional apurar.

Além disso, o princípio geral da igualdade de tratamento, cuja violação se pode caracterizar, em matéria fiscal, por discriminações que afectam operadores económicos que não são forçosamente concorrentes mas que se encontram numa situação comparável relativamente a outros aspectos, opõe-se a uma discriminação entre os «payment traders» e os «repayment traders», a qual não é objectivamente justificada.

Esta conclusão não é afectada pela prova de que o operador económico a quem foi recusado o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado indevidamente cobrado não sofreu um prejuízo ou uma desvantagem financeira.

Por último, compete ao órgão jurisdicional nacional extrair as eventuais consequências para o passado da violação do princípio da igualdade de tratamento acima referida, segundo as regras relativas aos efeitos no tempo do direito nacional aplicável, no respeito do direito comunitário, designadamente do princípio da igualdade de tratamento e do princípio por força do qual deve certificar-se de que as medidas de ressarcimento que concede não são contrárias ao direito comunitário.

(cf. n.os 54, 57, 64, disp. 3-5)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

10 de Abril de 2008 (*)

«Fiscalidade – Sexta Directiva IVA – Isenção com reembolso dos impostos pagos na fase anterior – Tributação errada à taxa normal – Direito à taxa zero – Direito ao reembolso – Efeito directo – Princípios gerais do direito comunitário – Enriquecimento sem causa»

No processo C-309/06,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela House of Lords (Reino Unido), por decisão de 12 de Julho de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de Julho de 2006, no processo

Marks & Spencer plc

contra

Commissioners of Customs & Excise,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, U. Lõhmus, J. Klučka, P. Lindh e A. Arabadjiev (relator), juízes,

advogada-geral: J. Kokott,

secretário: J. Swedenborg, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Outubro de 2007,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 13 de Dezembro de 2007,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Marks & Spencer plc, por D. Milne, QC, A. Hitchmough, barrister, D. Waelbroeck, avocat, e D. Slater, solicitor,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por Z. Bryanston-Cross, na qualidade de agente, assistida por K. Lasok, QC, e P. Mantle, barrister,

–        em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por G. Clohessy, SC, e N. O’Hanlon, BL,

–        em representação do Governo cipriota, por E. Simeonidou, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e M. Afonso, na qualidade de agentes,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»), na sua redacção inicial, bem como deste mesmo artigo 28.°, n.° 2, alínea a), na redacção resultante da Directiva 92/77/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992 (JO L 316, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Marks & Spencer plc (a seguir «Marks & Spencer») e os Commissioners of Customs & Excise (a seguir «Commissioners»), a propósito do indeferimento por estes últimos do pedido de reembolso apresentado pela Marks & Spencer relativamente a imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») pago erradamente.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3        O artigo 12.°, n.° 1, da Sexta Directiva enuncia que o IVA é devido, em princípio, «à taxa em vigor no momento em que o facto gerador ocorre».

4        O artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva dispunha, na sua redacção inicial:

«As taxas reduzidas e as isenções com reembolso dos impostos pagos no estádio anterior em vigor em 31 de Dezembro de 1975 e que correspondam aos critérios mencionados no último travessão do artigo 17.° da Segunda Directiva do Conselho, de 11 de Abril de 1967, podem ser mantidas até data a fixar pelo Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, a qual, porém, não pode ser posterior à supressão da tributação na importação e do desagravamento na exportação em relação às trocas comerciais entre os Estados-Membros. Os Estados-Membros adoptarão as medidas exigidas para assegurar a declaração pelos sujeitos passivos dos elementos necessários à determinação dos recursos próprios relativos a tais operações.

O Conselho procederá, de cinco em cinco anos, com base num relatório da Comissão, a um reexame das taxas reduzidas e das isenções atrás mencionadas e, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, adoptará, quando necessário, as medidas exigidas para assegurar a sua supressão progressiva.»

5        Na redacção resultante da Directiva 92/77, este artigo 28.°, n.° 2, alínea a), enuncia:

«[…]

a)      Poder-se-ão manter as isenções com reembolso do imposto pago no estádio anterior e as taxas reduzidas inferiores à taxa mínima estabelecida no n.° 3 do artigo 12.° em matéria de taxas reduzidas que se encontrem em vigor em 1 de Janeiro de 1991, estejam em conformidade com o direito comunitário e preencham as condições definidas no último travessão do artigo 17.° da Segunda Directiva do Conselho, de 11 de Abril de 1967.

Os Estados-Membros adoptarão as medidas necessárias para assegurar a determinação dos recursos próprios relativos a essas operações.

[…]»

 Legislação nacional

6        A Lei de 1994 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (Value Added Tax Act 1994, a seguir «VAT Act 1994») impõe, como regra geral, o princípio da aplicação, no Reino Unido, de uma taxa zero de IVA ao fornecimento de bens alimentares. A section 30 do VAT Act 1994, intitulada «Tributação à taxa zero», remete para o anexo 8 desta lei, que tem o mesmo título, o qual, na segunda parte, precisa, sob a rubrica «Grupo 1 – Alimentação», «Produtos objecto de excepção», n.° 2, que a aplicação do IVA à taxa zero é excluída no que diz respeito aos produtos de confeitaria, salvo os bolos e os biscoitos, sujeitos a tributação à taxa zero, com excepção dos biscoitos cobertos, no todo ou em parte, de chocolate, os quais são tributados à taxa normal.

7        A section 80 do VAT Act 1994 tinha, no período em causa no processo principal, a seguinte redacção:

«(1)      Quando uma pessoa tiver pago (antes ou depois da entrada em vigor desta lei) um determinado montante aos Commissioners a título de IVA que não era devido, os Commissioners estão obrigados a devolver-lhe esse montante.

(2)      Os Commissioners apenas são obrigados a reembolsar o montante devido por força da presente section com base num pedido apresentado para esse efeito.

(3)      Um pedido nos termos desta section poderá ser recusado com o fundamento de que o reembolso conduzirá ao enriquecimento sem causa do requerente.

[…]»

8        A section 80 do VAT Act 1994 foi modificada pela section 3 da segunda Lei de Finanças de 2005 [Finance (n.° 2) Act 2005], a qual, no que diz respeito à excepção do enriquecimento sem causa, introduziu alterações importantes a esta section 80. Em particular, na subsection (3) supramencionada, substituiu o termo «reembolso» (repayment) pelo termo «creditar» (crediting).

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        Desde a instituição do IVA no Reino Unido, em 1973, os Commissioners, que têm a seu cargo a cobrança deste imposto, consideraram que os «teacakes» cobertos de chocolate comercializados pela Marks & Spencer eram biscoitos e não bolos e que, por esse motivo, deviam estar sujeitos à taxa normal do IVA e não à taxa zero. Entre os meses de Abril de 1973 e Outubro de 1994, a Marks & Spencer pagou, assim, um imposto que não era devido.

10      Por carta de 30 de Setembro de 1994, os Commissioners reconheceram o seu erro, concluindo que os «teacakes» deviam, na realidade, ser considerados bolos, sujeitos como tal a IVA à taxa zero, erro com base no qual a Marks & Spencer apresentou, em 8 de Fevereiro de 1995, um pedido de reembolso no montante de 3,5 milhões de GBP. Esse pedido apenas foi deferido quanto a 10% do seu montante (350 000 GBP), uma vez que os Commissioners consideraram que a cadeia de lojas em causa tinha repercutido 90% do IVA por ela pago nos seus clientes. Os Commissionners, por conseguinte, opuseram à Marks & Spencer a excepção de enriquecimento sem causa, prevista na section 80(3) do VAT Act 1994. Além disso, aplicaram as regras da prescrição (novas e retroactivas), por força das quais não eram obrigados a reembolsar um montante que lhes tinha sido pago mais de três anos antes da apresentação do pedido de reembolso. Em 4 de Abril de 1997, por conseguinte, foi finalmente pago à Marks & Spencer o montante de 88 440 GBP.

11      Na sequência da rejeição do seu recurso administrativo, a Marks & Spencer recorreu para o VAT and Duties Tribunal, que, por acórdão de 22 de Abril de 1998, confirmou a tese dos Commissioners. A Marks & Spencer interpôs recurso para a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Crown Office), que, mais uma vez, rejeitou o seu pedido, por decisão de 21 de Dezembro de 1998. A Marks & Spencer recorreu desta decisão para a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division), a qual, no que diz respeito ao pedido de reembolso relativo aos «teacakes», julgou novamente improcedente o pedido da Marks & Spencer. No entanto, no que diz respeito a outro aspecto do litígio (relativo à tributação de vales de compra vendidos pela Marks & Spencer), este último órgão jurisdicional, por decisão de 14 de Dezembro de 1999, apresentou uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, relativa à compatibilidade da prescrição retroactiva de três anos (v. n.° 10 do presente acórdão) com os princípios da efectividade do direito comunitário e da protecção da confiança legítima. Esta questão visava designadamente saber se um particular podia invocar directamente direitos ao abrigo de uma directiva após a sua correcta transposição para direito nacional, no caso de o Estado-Membro não respeitar o alcance da directiva.

12      Através do acórdão de 11 de Julho de 2002, Marks & Spencer (C-62/02, Colect., p. I-6325), o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da efectividade e o princípio da protecção da confiança legítima se opunham a uma legislação nacional como a legislação do Reino Unido em causa.

13      Tendo em conta os fundamentos aduzidos pelo Tribunal de Justiça no que respeita à incompatibilidade da legislação que institui retroactivamente um prazo de prescrição com os princípios do direito comunitário supramencionados, os Commissioners, a fim de tratar de modo idêntico a totalidade dos pedidos apresentados com base na section 80 do VAT Act 1994, deferiram, por sua própria iniciativa, o pedido da Marks & Spencer requerendo que a prescrição não fosse aplicada ao seu pedido de reembolso e, consequentemente, restituíram os montantes pedidos, no limite de 10% para além do qual consideram existir enriquecimento sem causa.

14      Perante a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division), a Marks & Spencer, com fundamento directo no direito comunitário, manteve as suas pretensões relativamente aos montantes alegadamente constitutivos de enriquecimento sem causa. Por decisão de 21 de Outubro de 2003, este órgão jurisdicional indeferiu o pedido apresentado pela Marks & Spencer, a qual recorreu então para a House of Lords.

15      A House of Lords decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Quando, nos termos do artigo 28.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva […] (quer antes quer depois da sua alteração, em 1992, pela Directiva 92/77[…]), um Estado-Membro manteve na sua legislação interna respeitante ao IVA uma isenção com reembolso do imposto pago a montante em relação a certos tipos de entregas de bens ou prestações de serviços, um [operador económico] que efectue esse tipo de prestações ou entregas [poderá invocar] um direito, [baseado] directamente [no direito comunitário, de ser] sujeito à taxa zero?

2)      No caso de a resposta à [primeira] questão [...] ser negativa, quando, nos termos do artigo 28.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva [...] (quer antes quer depois da sua alteração, em 1992, pela Directiva 92/77[...]), um Estado-Membro manteve na sua legislação interna respeitante ao IVA uma isenção com reembolso do imposto pago a montante em relação a certos tipos de entregas ou prestações mas [tiver interpretado] erradamente a sua legislação interna, daí resultando que certas entregas ou prestações [de serviços] que gozam de isenção com reembolso do imposto pago a montante segundo a sua legislação interna foram sujeitas a tributação à taxa normal, serão aplicáveis os princípios gerais do direito comunitário, incluindo o princípio da neutralidade fiscal, de modo a atribuir ao [operador económico] que efectue tais entregas ou prestações um direito à devolução das quantias [que lhe foram] erradamente cobradas?

3)      No caso de a resposta à [primeira] questão [...] ou à [segunda] questão [...] ser afirmativa, serão, em princípio, aplicáveis os princípios do direito comunitário da igualdade de tratamento e da neutralidade fiscal, com a consequência de que tais princípios [seriam] violados se ao [operador económico] em causa não [fosse] devolvida a totalidade da quantia erradamente tributada sobre as entregas ou prestações por ele efectuadas sempre que:

–        o [operador económico beneficiasse] de enriquecimento sem causa [no caso de] lhe ser devolvida a totalidade da quantia;

–        a legislação interna [previsse] que o imposto pago em excesso não pode ser devolvido sempre que tal devolução conduza ao enriquecimento sem causa do [operador económico]; mas

–        a legislação nacional não [contivesse] uma disposição idêntica à referida [no precedente travessão], aplicável aos pedidos de devolução apresentados por ‘credores de imposto’? (um ‘credor de imposto’ é um sujeito passivo que, num determinado período contabilístico, não [paga] IVA às autoridades nacionais competentes, recebendo, porém, destas um pagamento porque, durante aquele período, o montante do IVA que tem direito a deduzir excede o montante do IVA devido pelas entregas ou prestações por ele efectuadas.)

4.      A resposta à [terceira] questão [...] depende [da existência ou não de prova de] que a diferença de tratamento entre os [operadores] que pedem a devolução do imposto pago em excesso a jusante e os [operadores] que pedem a devolução de quantias adicionais através da dedução do IVA pago a montante (resultantes da liquidação em excesso do IVA a jusante) causou [um] prejuízo [...] ou [uma] desvantagem [financeira] aos primeiros e, se assim for, de que modo?

5)      Se, na situação descrita na [terceira] questão [...], os princípios de direito comunitário da igualdade de tratamento e da [neutralidade] fiscal se aplicarem e, em consequência, estiverem a ser violados, o direito comunitário exige ou permite que um órgão jurisdicional nacional [ponha cobro à] diferença de tratamento, dando provimento ao pedido de um [operador económico] no sentido de obter a devolução do imposto pago em excesso de tal modo que para ele daí resulte um enriquecimento sem causa, ou exige ou permite a um órgão jurisdicional nacional que conceda uma qualquer outra forma de compensação (e, se assim for, qual)?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão, relativa à existência de um direito, baseado no direito comunitário, a que uma determinada operação seja tributada a IVA à taxa zero

 Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

16      A Marks & Spencer considera que o direito a que uma dada operação seja submetida a IVA à taxa zero se constitui tanto ao abrigo do artigo 12.°, n.° 1, da Sexta Directiva, cujo teor é, em sua opinião, claro, preciso e incondicional, como do princípio da igualdade de tratamento. A derrogação de que o Reino Unido beneficia, tanto nos termos do artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva, na sua versão inicial, como do referido artigo 28.°, n.° 2, alínea a), na redacção resultante da Directiva 92/77, não exclui a situação do âmbito de aplicação do direito comunitário, como esta própria disposição prevê.

17      O Governo do Reino Unido e a Irlanda consideram, pelo contrário, que do direito comunitário não decorre, para um operador económico, um direito com efeito directo a uma isenção com reembolso do IVA pago numa fase anterior. O direito a que essas operações sejam tributadas à taxa zero de imposto apenas decorre, pois, do direito nacional.

18      O Governo cipriota precisa que o erro cometido pelos Commissioners é relativo à aplicação de disposições de direito nacional, ainda que a Sexta Directiva permita a manutenção destas últimas.

19      A Comissão, sem responder directamente à questão colocada, que considera não pertinente, sublinha que a Administração Fiscal do Reino Unido interpretou de forma errada a legislação nacional, mas não violou qualquer obrigação prevista pela Sexta Directiva.

 Resposta do Tribunal de Justiça

20      A primeira questão, no essencial, tem em vista saber se um operador económico pode invocar directamente, com base no direito comunitário, o direito de pagar imposto à taxa zero, quando esta taxa resulte de disposições de direito nacional.

21      Em primeiro lugar, importa salientar que a referida questão tem uma relação directa com os factos submetidos ao órgão jurisdicional de reenvio e responde a uma necessidade objectiva para a solução do litígio no processo principal (v., neste sentido, acórdãos de 17 de Maio de 1994, Corsica Ferries, C-18/93, Colect., p. I-1783, n.° 14, e de 22 de Novembro de 2005, Mangold, C-144/04, Colect., p. I-9981, n.° 34). A objecção da Comissão, relativa à falta de pertinência da primeira questão deve, por conseguinte, ser afastada, uma vez que o Tribunal de Justiça é competente para decidir a referida questão.

22      Em segundo lugar, há que recordar que, ao autorizar os Estados-Membros a aplicar isenções com reembolso do imposto pago, o artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva prevê uma derrogação às disposições que regulam a taxa normal do IVA (acórdão de 6 de Julho de 2006, Talacre Beach Caravan Sales, C-251/05, Colect., p. I-6269, n.° 17). É, pois, correcto afirmar que estas isenções, ditas «tributações à taxa zero», são autorizadas ao abrigo do direito comunitário.

23      Todavia, o direito comunitário não impõe aos Estados-Membros que mantenham tais isenções. Com efeito, do teor desta disposição, na sua versão inicial, resulta que as hipóteses de isenção em vigor em 31 de Dezembro de 1975 «podem ser mantidas», o que significa que depende exclusivamente da apreciação do Estado-Membro em causa manter ou não uma determinada legislação, que preencha, nomeadamente, as condições definidas no artigo 17.°, último travessão, da Segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO 1967, 71, p. 1303; EE 09 F1 p. 6), entretanto revogada, segundo as quais as isenções com reembolso do imposto pago só podiam ser instituídas por razões de interesse social bem definidas e em benefício dos consumidores finais.

24      O artigo 28.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva é, assim, equiparável a uma cláusula de «stand still», destinada a evitar situações sociais difíceis que possam decorrer da supressão de benefícios previstos pelo legislador nacional, mas não retomados na Sexta Directiva (acórdão Talacre Beach Caravan Sales, já referido, n.° 22). Esta manutenção facultativa do statu quo ante é, por conseguinte, simplesmente enquadrada pela Sexta Directiva. Assim, é ao abrigo de uma legislação nacional que não constitui uma medida de transposição da Sexta Directiva (v., por analogia, acórdão de 13 de Julho de 2000, Idéal tourisme, C-36/99, Colect., p. I-6049, n.° 38), mas a manutenção de uma isenção autorizada por esta última, tendo em consideração as finalidades sociais que a legislação do Reino Unido prossegue não fazendo o consumidor final suportar o IVA sobre os produtos de alimentação corrente, que a Marks & Spencer pode pedir a isenção com reembolso do imposto pago na fase anterior.

25      A Marks & Spencer não pode utilmente invocar o artigo 12.°, n.° 1, da Sexta Directiva. Com efeito, há que assinalar que esta disposição, que precisa que a taxa aplicável é a taxa em vigor no momento em que o facto gerador do IVA ocorre, se destina a impedir o legislador nacional, em caso de modificação da taxa aplicável a um dado produto, como confirma o artigo 12.°, n.° 2, da Sexta Directiva, de aplicar a uma dada operação uma taxa diferente da que está em vigor no momento em que ocorre o facto gerador do IVA que onerou esta operação.

26      Por consequência, a razão de ser desta disposição é claramente regular a questão da determinação no tempo da aplicação de uma dada taxa de IVA.

27      A hipótese em causa no processo principal, no qual os Commissioners constataram um erro quanto à questão de saber se um determinado produto devia beneficiar de uma isenção com reembolso do imposto pago, é completamente diferente, uma vez que não se trata de uma modificação da taxa no tempo, mas de saber se um produto estava ou não abrangido pelo âmbito de aplicação de uma isenção com reembolso do imposto pago, autorizada nos termos do artigo 28.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva.

28      Por conseguinte, há que responder à primeira questão que, quando um Estado-Membro manteve na sua legislação nacional, ao abrigo do artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva, quer antes quer após as alterações introduzidas nesta disposição pela Directiva 92/77, uma isenção com reembolso dos impostos pagos na fase anterior relativamente a certas entregas ou prestações específicas, um operador que efectue tais entregas ou prestações não pode invocar um direito, decorrente do direito comunitário e susceptível de ser invocado directamente, a que essas entregas ou essas prestações sejam sujeitas a IVA à taxa zero.

 Quanto à segunda questão, relativa à existência de um direito, decorrente dos princípios gerais do direito comunitário, ao reembolso do IVA pago erradamente

 Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

29      Segundo a Marks & Spencer, os princípios gerais do direito comunitário, incluindo o da neutralidade fiscal, aplicam-se de tal forma que constituem fundamento do direito ao reembolso, a seu favor, do IVA indevidamente cobrado, uma vez que a totalidade do sistema do IVA permanece, por definição, dentro do âmbito de aplicação do direito comunitário, mesmo no caso previsto no artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva, tanto na sua redacção inicial como na resultante da Directiva 92/77.

30      O Governo do Reino Unido, a Irlanda e o Governo cipriota sublinham que os montantes em causa no processo principal não foram cobrados em violação de qualquer disposição do direito comunitário com efeito directo ou que atribua um direito. Trata-se de uma questão estritamente de direito nacional e, consequentemente, não há lugar à aplicação dos princípios gerais de direito comunitário. A Irlanda acrescenta que, se o princípio da neutralidade fiscal fosse aplicável no caso concreto como fundamento do direito ao reembolso, haveria que fazer dele beneficiar o consumidor final, que suportou o encargo do IVA.

31      A Comissão recorda que, quando aplicam o IVA, as autoridades nacionais competentes devem conformar-se com os princípios fundamentais que estão na base do sistema comum do IVA, designadamente o princípio da neutralidade. Esta obrigação é-lhes imposta quando reembolsam o excedente de imposto. No entanto, a Comissão não se pronuncia directamente sobre a segunda questão.

 Resposta do Tribunal de Justiça

32      A segunda questão visa, no essencial, saber se um operador económico tem o direito, ao abrigo dos princípios gerais do direito comunitário, designadamente do princípio da neutralidade fiscal, de pedir o reembolso do IVA indevidamente cobrado, quando a taxa que devia ter sido aplicada resulta do direito nacional.

33      Sublinhe-se, em primeiro lugar, que os próprios termos do artigo 28.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva, na redacção resultante da Directiva 92/77, indicam que as legislações nacionais cuja manutenção é autorizada devem estar «em conformidade com o direito comunitário» e preencher as condições definidas no último travessão do artigo 17.° da Directiva 67/228. Embora o aditamento relativo à «conformidade com o direito comunitário» tenha sido feito apenas em 1992, uma tal exigência, inerente ao bom funcionamento e à interpretação uniforme do sistema comum do IVA, é válida para a totalidade do período de tributação errada em causa no processo principal. Como o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de recordar, a manutenção de isenções ou de taxas reduzidas de IVA inferiores à taxa mínima prevista pela Sexta Directiva só é admissível se não violar, nomeadamente, o princípio da neutralidade fiscal inerente ao referido sistema (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Setembro de 1999, Gregg, C-216/97, Colect., p. I-4947, n.° 19, e de 3 de Maio de 2001, Comissão/França, C-481/98, Colect., p. I-3369, n.° 21).

34      Daqui resulta, por conseguinte, que os princípios que regem o sistema comum do IVA, incluindo o da neutralidade fiscal, se aplicam mesmo no caso previsto no artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva e, nessa eventualidade, podem ser invocados por um sujeito passivo contra uma disposição nacional, ou de aplicação desta, que viole estes princípios.

35      No que respeita mais especificamente ao direito ao reembolso, importa recordar que, como resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados por um Estado-Membro em violação das regras do direito comunitário é a consequência e o complemento dos direitos directamente conferidos aos particulares pelo direito comunitário (v., designadamente, neste sentido, acórdão Marks & Spencer, já referido, n.° 30 e jurisprudência aí referida). Este princípio aplica-se igualmente aos impostos cobrados em violação de legislação nacional autorizada, nos termos do artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva.

36      Por este motivo, há que responder à segunda questão que, quando um Estado-Membro manteve na sua legislação interna, ao abrigo do artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva, quer antes quer depois da sua alteração pela Directiva 92/77, uma isenção com reembolso do imposto pago a montante em relação a certas entregas ou prestações específicas, mas tiver interpretado erradamente a sua legislação nacional, daí resultando que certas entregas ou prestações de serviços que deviam ter beneficiado da isenção com reembolso do imposto pago a montante, segundo a sua legislação interna, foram sujeitas a tributação à taxa normal, os princípios gerais do direito comunitário, incluindo o da neutralidade fiscal, aplicam-se de forma a conferir ao operador económico que efectue tais entregas ou prestações o direito de obter a restituição das quantias que lhe foram erradamente cobradas relativamente a estas mesmas entregas ou prestações.

 Quanto à terceira, quarta e quinta questões, relativas aos eventuais limites do direito a reembolso baseado nos princípios da igualdade de tratamento e da neutralidade fiscal

 Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

37      Segundo a Marks & Spencer, a aplicação do princípio do enriquecimento sem causa aos «payment traders» (sujeitos passivos para os quais, num determinado período contabilístico, o montante do imposto pago a jusante excede o pago a montante) e não aos «repayment traders» (sujeitos passivos cuja situação é contrária à anterior) constitui uma violação dos princípios da igualdade de tratamento e da neutralidade fiscal. Nesta medida, não é necessário provar que o «payment trader» sofreu um prejuízo ou uma desvantagem financeira. Por último, compete a cada Estado-Membro, no respeito do direito comunitário, o qual não se opõe à excepção do enriquecimento sem causa, mas também não a impõe, definir a forma de pôr cobro às diferenças de tratamento julgadas contrárias aos princípios supramencionados.

38      Na opinião do Governo do Reino Unido, há que responder negativamente à terceira a quinta questões prejudiciais.

39      A Irlanda e o Governo cipriota, tendo em conta a resposta negativa que, na sua opinião, deve ser dada à primeira e segunda questões, não consideraram necessário responder às questões seguintes.

40      A Comissão indica que o direito comunitário autoriza a recusa de reembolso com fundamento em enriquecimento sem causa, desde que se prove que, na realidade, o mesmo se verifica. Além disso, tal recusa deve ser fiscalmente neutra e não criar uma discriminação entre os operadores económicos.

 Resposta do Tribunal de Justiça

–       Observações preliminares

41      Importa recordar que o direito comunitário não se opõe a que um sistema jurídico nacional recuse a restituição de impostos indevidamente cobrados em condições susceptíveis de implicar um enriquecimento sem causa dos contribuintes (acórdãos de 24 de Março de 1988, Comissão/Itália, 104/86, Colect., p. 1799, n.° 6; de 9 de Fevereiro de 1999, Dilexport, C-343/96, Colect., p. I-579, n.° 47; e de 21 de Setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, Colect., p. I-7145, n.° 31). No entanto, para ser conforme com o direito comunitário, o princípio da proibição do enriquecimento sem causa deve ser aplicado respeitando princípios como o princípio da igualdade de tratamento.

42      Além disso, há que recordar que, no caso de um imposto ter sido indevidamente cobrado à luz do direito comunitário, se se provar que foi repercutida apenas uma parte do imposto, as autoridades nacionais são obrigadas a restituir o montante não repercutido (acórdão de 14 de Janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.os 27 e 28). Cumpre, no entanto, assinalar que, mesmo na hipótese de o imposto ter sido completamente integrado no preço praticado, o sujeito passivo pode sofrer um prejuízo associado à diminuição do volume das suas vendas (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Comateb e o., n.os 29 e 30, e Michaïlidis, n.os 34 e 35).

43      Por conseguinte, só é possível demonstrar a existência e a medida do enriquecimento sem causa que o reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito comunitário causa a um sujeito passivo após uma análise económica que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes (v., designadamente, acórdão de 2 de Outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, Colect., p. I-11365, n.os 94 a 100).

44      Assim, cabe ao juiz nacional verificar se a apreciação a que os Commissioners procederam corresponde à análise descrita no número precedente do presente acórdão.

–       Quanto à terceira questão

45      No essencial, pergunta-se ao Tribunal de Justiça se os princípios do direito comunitário da neutralidade fiscal e da igualdade de tratamento são violados na hipótese de um operador económico não ser reembolsado do montante de IVA indevidamente cobrado pelas autoridades fiscais, pelo facto de este reembolso implicar um enriquecimento sem causa a seu favor, uma vez que este motivo de recusa de reembolso não está previsto na legislação nacional quando o operador económico se encontra, antes do reembolso, na posição de credor face às autoridades fiscais.

46      Há que analisar se, no âmbito de uma recusa parcial de reembolso como a que está em causa no processo principal, o princípio da neutralidade fiscal e o princípio geral do direito comunitário da igualdade de tratamento foram ou não violados pelo tratamento diferente reservado aos «payment traders» e aos «repayment traders».

47      Em primeiro lugar, quanto ao princípio da neutralidade fiscal, importa recordar que este princípio, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA (v., designadamente, acórdão de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, Colect., p. I-6973, n.° 59), se opõe, em especial, a que mercadorias semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (acórdãos de 11 de Junho de 1998, Fischer, C-283/95, Colect., p. I-3369, n.os 21 e 27, e Comissão/França, já referido, n.° 22). Daqui resulta que os referidos produtos devem ser submetidos a uma taxa uniforme (v., neste sentido, acórdão Comissão/França, já referido, n.° 22).

48      Consequentemente, na hipótese de um erro na taxa do imposto afectar vários sujeitos passivos e de o reembolso das importâncias cobradas devido a esse erro depender, pelo menos parcialmente, de os sujeitos passivos estarem inicialmente numa posição de credores ou de devedores face ao Tesouro, relativamente ao IVA, os sujeitos passivos são, na realidade, submetidos a uma tributação efectiva diferente, idêntica à que poderia ter resultado da aplicação de diferentes taxas de IVA a mercadorias semelhantes. Tal disparidade é, por conseguinte, contrária ao princípio da neutralidade fiscal, desde que os sujeitos passivos tenham comercializado mercadorias semelhantes, o que incumbe ao juiz nacional verificar.

49      Em segundo lugar, cumpre recordar que o princípio da neutralidade fiscal constitui a tradução, em matéria de IVA, do princípio da igualdade de tratamento (acórdão de 8 de Junho de 2006, L.u.P., C-106/05, Colect., p. I-5123, n.° 48 e jurisprudência aí referida). No entanto, enquanto a violação do princípio da neutralidade fiscal apenas pode ser considerada entre operadores económicos concorrentes, como foi recordado no n.° 47 do presente acórdão, a violação do princípio geral da igualdade de tratamento pode ser caracterizada, em matéria fiscal, por outros tipos de discriminações afectando operadores económicos que não são forçosamente concorrentes, mas que se encontram todavia numa situação comparável noutros aspectos.

50      O princípio geral da igualdade de tratamento é, assim, aplicável numa situação em que operadores económicos são todos detentores de um crédito de IVA, procuram obter o reembolso junto das autoridades fiscais e os seus pedidos de reembolso são tratados de forma diferente, independentemente das relações de concorrência que possam existir entre si. Há, assim, que analisar se o referido princípio se opõe, enquanto tal, a uma disposição como a section 80 do VAT Act 1994.

51      A este respeito, importa recordar que o princípio geral da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente, a menos que uma diferenciação se justifique objectivamente (acórdãos de 25 de Novembro de 1986, Klensch e o., 201/85 e 202/85, Colect., p. 3477, n.° 9, e Ideal tourisme, já referido, n.° 35).

52      O Tribunal de Justiça é levado a concluir que, numa legislação nacional como a aplicável no processo principal, a diferença de tratamento dos operadores económicos no que diz respeito ao conceito de enriquecimento sem causa em função da sua posição inicial, de credores ou devedores, em matéria de IVA, face ao Tesouro, não é objectivamente justificada. Com efeito, a circunstância de um operador económico beneficiar de um enriquecimento sem causa é independente da posição do referido operador face às autoridades fiscais antes do reembolso do IVA, uma vez que o enriquecimento sem causa, quando se constitui, decorre do próprio reembolso e não da posição prévia de credor ou de devedor face ao fisco.

53      Esta análise é confirmada, se necessário, pela modificação da legislação do Reino Unido efectuada na sequência da notificação para cumprir dirigida pela Comissão a este Estado-Membro no início do processo por incumprimento. Nos termos da section 3 da segunda Lei de Finanças de 2005, referida no n.° 8 do presente acórdão, de facto já não é operada uma distinção com base na posição do sujeito passivo face ao Tesouro.

54      Há, por este motivo, que responder à terceira questão que, embora os princípios da igualdade de tratamento e da neutralidade fiscal sejam aplicáveis, em princípio, a um processo como o processo principal, a sua violação não resulta apenas de uma recusa de reembolso se ter fundamentado no enriquecimento sem causa do sujeito passivo em questão. Em contrapartida, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se a que o enriquecimento sem causa seja oposto apenas a sujeitos passivos como os «payment traders» e não a sujeitos passivos como os «repayment traders», desde que estes sujeitos passivos tenham comercializado mercadorias semelhantes. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se é isto que se passa no referido processo. Além disso, o princípio geral da igualdade de tratamento, cuja violação se pode caracterizar, em matéria fiscal, por discriminações que afectam operadores económicos que não são forçosamente concorrentes, mas que se encontram numa situação comparável relativamente a outros aspectos, opõe-se a uma discriminação entre os «payment traders» e os «repayment traders», a qual não é objectivamente justificada.

–       Quanto à quarta questão

55      Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, no essencial, se a resposta à terceira pergunta seria diferente no caso de se provar que o operador económico a quem foi recusado o reembolso com fundamento no enriquecimento sem causa resultante desse reembolso não sofreu um prejuízo ou uma desvantagem financeira.

56      A este respeito, importa referir, por um lado, que a inexistência de prejuízo ou de desvantagem financeira não é necessariamente o corolário da repercussão integral do IVA no consumidor final, uma vez que, mesmo nessa hipótese, como foi referido no n.° 42 do presente acórdão, o operador económico pode ter sofrido um prejuízo associado à diminuição do volume das suas vendas. Por outro lado, a violação do princípio da igualdade de tratamento, referida nos n.os 52 a 54 do presente acórdão, por uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, é constituída pela discriminação entre operadores económicos no que diz respeito ao seu direito ao reembolso do IVA indevidamente cobrado, discriminação essa que não depende da questão de saber se tais operadores económicos sofreram ou não, inequivocamente, um prejuízo ou uma desvantagem financeira.

57      Assim, há que responder à quarta questão que a resposta à terceira questão não é afectada pela prova de que o operador económico a quem foi recusado o reembolso do IVA indevidamente cobrado não sofreu um prejuízo ou uma desvantagem financeira.

–       Quanto à quinta questão

58      Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, no essencial, se o direito comunitário exige ou autoriza o órgão jurisdicional nacional a reparar a violação do princípio da igualdade de tratamento referida nos n.os 52 a 54 do presente acórdão ordenando o reembolso integral do imposto indevidamente cobrado ao operador económico vítima dessa violação, mesmo que tal reembolso provoque o enriquecimento sem causa do referido operador, ou se exige ou permite outra compensação para a referida violação do princípio da igualdade de tratamento.

59      A este respeito, cumpre recordar que, segundo jurisprudência assente, na falta de regulamentação comunitária, é à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro que compete designar os órgãos jurisdicionais competentes e regulamentar as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a assegurar a plena protecção dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito comunitário (v. acórdãos de 16 de Dezembro de 1976, Rewe-Zentralfinanz e Rewe-Zentral, 33/76, Colect., p. 813, n.° 5, e de 30 de Setembro de 2003, Köbler, C-224/01, Colect., p. I-10239, n.° 46).

60      Compete, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio extrair as eventuais consequências para o passado da violação do princípio da igualdade de tratamento referida nos n.os 52 a 54 do presente acórdão.

61      Todavia, incumbe ao Tribunal de Justiça indicar certos critérios ou princípios do direito comunitário que devem ser respeitados no exercício dessa apreciação.

62      Nessa apreciação, o juiz de reenvio deve respeitar o direito comunitário, designadamente o princípio da igualdade de tratamento, conforme foi recordado no n.° 51 do presente acórdão. O órgão jurisdicional nacional deve, em princípio, ordenar o reembolso integral do IVA devido ao operador económico vítima de uma discriminação, com vista a obviar à violação do princípio geral da igualdade de tratamento, a menos que, ao abrigo do direito nacional, haja outras formas de sanar essa violação.

63      A este respeito, como salientou a advogada-geral no n.° 74 das suas conclusões, importa sublinhar que o juiz nacional é obrigado a não aplicar qualquer disposição nacional discriminatória, não tendo de pedir ou aguardar a sua revogação prévia pelo legislador, e a aplicar aos membros do grupo desfavorecido o mesmo regime de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada.

64      Por conseguinte, há que responder à quinta questão que compete ao órgão jurisdicional de reenvio extrair as eventuais consequências para o passado da violação do princípio da igualdade de tratamento referida nos n.os 52 a 54 do presente acórdão, segundo as regras relativas aos efeitos no tempo do direito nacional aplicável no processo principal, no respeito do direito comunitário, designadamente do princípio da igualdade de tratamento e do princípio por força do qual deve certificar-se de que as medidas de ressarcimento que concede não são contrárias ao direito comunitário.

 Quanto às despesas

65      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      Quando um Estado-Membro manteve na sua legislação nacional, ao abrigo do artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, quer antes quer após as alterações introduzidas nesta disposição pela Directiva 92/77/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, uma isenção com reembolso dos impostos pagos na fase anterior relativamente a certas entregas ou prestações específicas, um operador que efectue tais entregas ou prestações não pode invocar um direito, decorrente do direito comunitário e susceptível de ser invocado directamente, a que essas entregas ou essas prestações sejam sujeitas a IVA à taxa zero.

2)      Quando um Estado-Membro manteve na sua legislação interna, ao abrigo do artigo 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/388, quer antes quer depois da sua alteração pela Directiva 92/77, uma isenção com reembolso do imposto pago a montante em relação a certas entregas ou prestações específicas, mas tiver interpretado erradamente a sua legislação nacional, daí resultando que certas entregas ou prestações de serviços que deviam ter beneficiado da isenção com reembolso do imposto pago a montante, segundo a sua legislação interna, foram sujeitas a tributação à taxa normal, os princípios gerais do direito comunitário, incluindo o da neutralidade fiscal, aplicam-se de forma a conferir ao operador económico que efectue tais entregas ou prestações o direito de obter a restituição das quantias que lhe foram erradamente cobradas relativamente a estas mesmas entregas ou prestações.

3)      Embora os princípios da igualdade de tratamento e da neutralidade fiscal sejam aplicáveis, em princípio, a um processo como o processo principal, a sua violação não resulta apenas de uma recusa de reembolso se ter fundamentado no enriquecimento sem causa do sujeito passivo em questão. Em contrapartida, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se a que o enriquecimento sem causa seja oposto apenas a sujeitos passivos como os «payment traders» e não a sujeitos passivos como os «repayment traders», desde que estes sujeitos passivos tenham comercializado mercadorias semelhantes. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se é isto que se passa no referido processo. Além disso, o princípio geral da igualdade de tratamento, cuja violação se pode caracterizar, em matéria fiscal, por discriminações que afectam operadores económicos que não são forçosamente concorrentes mas que se encontram numa situação comparável relativamente a outros aspectos, opõe-se a uma discriminação entre os «payment traders» e os «repayment traders», a qual não é objectivamente justificada.

4)      A resposta à terceira questão não é afectada pela prova de que o operador económico a quem foi recusado o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado indevidamente cobrado não sofreu um prejuízo ou uma desvantagem financeira.

5)      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio extrair as eventuais consequências para o passado da violação do princípio da igualdade de tratamento referida no n.° 3 da parte decisória do presente acórdão, segundo as regras relativas aos efeitos no tempo do direito nacional aplicável no processo principal, no respeito do direito comunitário, designadamente do princípio da igualdade de tratamento e do princípio por força do qual deve certificar-se de que as medidas de ressarcimento que concede não são contrárias ao direito comunitário.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.