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Processo C-2/08

Amministrazione dell’Economia e delle Finanze

e

Agenzia delle Entrate

contra

Fallimento Olimpiclub Srl

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione)

«IVA – Primado do direito comunitário – Disposição do direito nacional que consagra o princípio da autoridade do caso julgado»

Sumário do acórdão

Direito comunitário – Efeito directo – Primado – Disposição do direito nacional que consagra o princípio da autoridade do caso julgado


O direito comunitário não obriga um órgão jurisdicional nacional a deixar de aplicar as regras processuais internas que conferem autoridade de caso julgado a uma decisão, mesmo que isso permita obviar a uma violação do direito comunitário pela decisão em causa. As modalidades de aplicação do princípio da autoridade do caso julgado, que fazem parte da ordem jurídica interna dos Estados-Membros ao abrigo do princípio da autonomia processual destes últimos, não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem serem concebidas de forma a tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade).

A este respeito, a interpretação do princípio da autoridade do caso julgado segundo a qual, em litígios em matéria fiscal, o caso julgado em determinado processo, quando tenha por objecto um ponto fundamental comum a outros processos, possui força vinculativa relativamente a esse ponto, mesmo que as constatações então efectuadas se refiram a um período de tributação diferente, não é compatível com o princípio da efectividade. A referida interpretação não só impede que se ponha em causa uma decisão judicial transitada em julgado, mesmo que esta decisão comporte uma violação do direito comunitário, como impede igualmente que se ponha em causa, quando de uma fiscalização judicial de outra decisão da autoridade fiscal competente respeitante ao mesmo contribuinte ou sujeito passivo, mas referente a outro exercício fiscal, qualquer conclusão relativamente a um ponto fundamental comum contida numa decisão judicial transitada em julgado. Tal aplicação do princípio da autoridade do caso julgado teria como consequência que, na hipótese de a decisão judicial que se tornou definitiva se basear numa interpretação das normas comunitárias relativas a práticas abusivas em matéria de imposto sobre o valor acrescentado contrária ao direito comunitário, a aplicação incorrecta dessas normas reproduzir-se-ia em cada novo exercício fiscal, sem ser possível corrigir essa interpretação errada. Obstáculos desta envergadura à aplicação efectiva das normas comunitárias em matéria de imposto sobre o valor acrescentado não podem ser razoavelmente justificados pelo princípio da segurança jurídica e devem, portanto, ser considerados contrários ao princípio da efectividade.

Consequentemente, o direito comunitário opõe-se à aplicação, nessas circunstâncias, de uma disposição de direito nacional que consagra o princípio da autoridade do caso julgado num litígio relativo ao imposto sobre o valor acrescentado respeitante a um ano fiscal em relação ao qual ainda não foi proferida uma decisão judicial definitiva, caso tal disposição obste a que o órgão jurisdicional nacional que deve decidir desse litígio tenha em conta as normas de direito comunitário em matéria de práticas abusivas relacionadas com o referido imposto.

(cf. n.os 23, 24, 26, 29 a 32 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

3 de Setembro de 2009 (*)

«IVA – Primado do direito comunitário – Disposição do direito nacional que consagra o princípio da autoridade do caso julgado»

No processo C-2/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Corte suprema di cassazione (Itália), por decisão de 10 de Outubro de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Janeiro de 2008, no processo

Amministrazione dell’Economia e delle Finanze,

Agenzia delle Entrate

contra

Fallimento Olimpiclub Srl,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, K. Schiemann (relator), P. Kūris, L. Bay Larsen e C. Toader, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de Janeiro de 2009,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Fallimento Olimpiclub Srl, por G. Tinelli, avvocato,

–        em representação do Governo italiano, por I. Bruni, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili e W. Ferrante, avvocati dello Stato,

–        em representação do Governo eslovaco, por B. Ricziová, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa e M. Afonso, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 24 de Março de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a aplicação do princípio da autoridade do caso julgado num contencioso em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe a Fallimento Olimpiclub Srl (Olimpiclub Srl, sociedade em liquidação, a seguir «Olimpiclub») à Amministrazione dell’Economia e delle Finanze (Administração da Economia e das Finanças italiana, a seguir «Administração Fiscal»), a respeito de quatro avisos de rectificação de liquidação do IVA dirigidos à Olimpiclub, relativos aos anos fiscais de 1988 a 1991.

 Legislação nacional

3        O artigo 2909.° do Código Civil italiano (Codice civile), intitulado «Autoridade do caso julgado», prevê o seguinte:

«As conclusões constantes de sentenças transitadas em julgado produzem efeitos entre as partes, os seus herdeiros ou os seus sucessores.»

4        Este artigo foi interpretado pela Corte suprema di cassazione, no seu acórdão n.° 13916/06, nos seguintes termos:

«[...] quando dois processos opondo as mesmas partes tenham por objecto a mesma relação jurídica e um deles tenha culminado numa decisão judicial transitada em julgado, as conclusões tiradas nessa decisão relativamente a essa situação jurídica ou à solução de questões de facto ou de direito relativas a um ponto fundamental comum aos dois processos, formando assim a premissa lógica indispensável ao dispositivo da decisão, opõem-se ao reexame dessa mesma questão de direito, dada como assente a partir daí, mesmo que o processo posterior prossiga finalidades diferentes das que constituíram o objecto e o ‘petitum’ do primeiro».

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

5        A Olimpiclub, sociedade de responsabilidade limitada, que tem por objecto social a construção e a gestão de infra-estruturas desportivas, é proprietária de um complexo desportivo instalado num terreno público pertencente ao Estado italiano. Em 27 de Dezembro de 1985, celebrou com a Associazione Polisportiva Olimpiclub (a seguir «Associazione»), associação sem fins lucrativos cujos sócios fundadores eram, na quase totalidade, igualmente detentores de participações sociais na Olimpiclub, um contrato que permitia à Associazione utilizar todos os equipamentos do referido complexo desportivo (a seguir «contrato de comodato»). Em contrapartida, a Associazione assumiu o encargo, em primeiro lugar, de pagar uma renda ao Estado italiano (montante a pagar pela licença de utilização do terreno), em segundo lugar, de pagar anualmente 5 000 000 ITL a título de reembolso das despesas fixas anuais e, em terceiro lugar, de transferir para a Olimpiclub todas as receitas brutas da Associazione, constituídas pelo montante total das quotas anuais dos seus membros.

6        Em 1992, a Administração Fiscal procedeu a investigações a respeito desse contrato de comodato e chegou à conclusão de que, na realidade, as partes no referido contrato tinham, mediante um acto formalmente lícito, prosseguido exclusivamente o objectivo de contornar a aplicação da legislação, a fim de obterem um benefício fiscal. Assim, a Olimpiclub terá transferido para uma associação sem fins lucrativos todos os encargos administrativos e de gestão do complexo desportivo em causa, arrecadando ao mesmo tempo as receitas realizadas por esta associação, sob a forma de quotas pagas pelos respectivos membros, as quais, a este título, não estavam sujeitas a IVA. Por conseguinte, uma vez que considerou que as partes não lhe podiam opor a celebração de um contrato de comodato, a Administração Fiscal imputou à Olimpiclub a totalidade das receitas brutas realizadas pela Associazione durante os anos objecto do controlo fiscal e, em consequência, através de quatro avisos de rectificação, corrigiu as declarações de IVA apresentadas pela Olimpiclub relativamente aos anos fiscais de 1988 a 1991.

7        A Olimpiclub interpôs recurso destes avisos para a Commissione tributaria provinciale di primo grado di Roma (Comissão Fiscal Provincial de Primeira Instância de Roma), a qual lhe deu provimento por entender que a Administração Fiscal tinha menosprezado erradamente os efeitos jurídicos do contrato de comodato, uma vez que não fez prova da existência de um acordo fraudulento.

8        A Administração Fiscal interpôs recurso dessa decisão para a Commissione tributaria regionale del Lazio (Comissão Fiscal Regional do Lazio), que a confirmou. Segundo esse órgão jurisdicional, a Administração Fiscal não tinha demonstrado a existência de um intuito fraudulento das duas partes que celebraram o contrato de comodato, podendo as razões subjacentes à celebração desse contrato ter legitimamente a ver com o carácter não económico da gestão directa de uma actividade essencialmente desportiva por parte de uma sociedade comercial.

9        A Administração Fiscal interpôs recurso de cassação desta última decisão para o órgão jurisdicional de reenvio. Uma vez que, entretanto, a Olimpiclub foi declarada insolvente, coube ao administrador da insolvência comparecer em juízo, no processo de cassação, na qualidade de recorrido.

10      No quadro desse processo, o administrador da insolvência invocou duas decisões da Commissione tributaria regionale del Lazio, transitadas em julgado, que tinham por objecto avisos de rectificação de IVA estabelecidos na sequência do mesmo controlo fiscal a que a Olimpiclub havia sido sujeita, mas respeitantes a anos fiscais diferentes, a saber, as decisões n.os 138/43/00 e 67/01/03, relativas, respectivamente, aos anos fiscais de 1992 e 1987.

11      Segundo o administrador, embora essas decisões fossem relativas a períodos de tributação diferentes, as conclusões delas constantes bem como a solução preconizada são vinculativas para o processo principal, por força do artigo 2909.° do Código Civil italiano, que consagra o princípio da autoridade do caso julgado.

12      Resulta da decisão de reenvio que, em matéria tributária, ao interpretarem o artigo 2909.° do Código Civil italiano, os órgãos jurisdicionais italianos ficaram muito tempo apegados ao princípio da fragmentação dos casos julgados, com base no qual cada ano fiscal conserva a respectiva autonomia relativamente aos outros anos e implica o estabelecimento, entre o contribuinte e o fisco, de uma relação jurídica distinta das dos anos fiscais anteriores e posteriores, pelo que, sempre que litígios relativos a diferentes anos do mesmo imposto (ainda que respeitantes a questões análogas) sejam objecto de decisões distintas, cada litígio mantém a sua autonomia e a decisão que lhe põe termo não reveste autoridade de caso julgado em relação aos litígios relativos a outros anos fiscais.

13      Todavia, ainda segundo o administrador, esta posição foi recentemente modificada, nomeadamente, em razão do abandono do princípio da fragmentação dos casos julgados. Doravante, a solução decorrente de uma decisão num dado litígio, quando as conclusões dela constantes tenham por objecto questões semelhantes, pode ser utilmente invocada noutro litígio, mesmo que a referida decisão respeite a um período de tributação diferente do que está em causa no processo em que é invocada.

14      Dado que as duas decisões mencionadas no n.° 10 do presente acórdão concluíram pela existência de razões económicas válidas, susceptíveis de justificar a celebração do contrato de comodato entre a Associazione e a Olimpiclub, sendo portanto favoráveis a esta última, a recorrida no processo principal sustentou que o recurso de cassação deve ser declarado inadmissível na medida em que se destina a obter uma nova decisão sobre as mesmas questões de direito e de facto.

15      É à luz destes elementos que o órgão jurisdicional de reenvio se considera vinculado pelas referidas decisões, que comprovam de forma definitiva o carácter real, lícito e não fraudulento do contrato de comodato. Todavia, sublinha que esta circunstância poderia ter como consequência ser-lhe impossível examinar o processo principal à luz da regulamentação comunitária e da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de IVA, nomeadamente do acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax e o. (C-255/02, Colect., p. I-1609), e eventualmente concluir pela existência de um abuso de direito.

16      O órgão jurisdicional de reenvio tem particularmente em consideração o acórdão de 18 de Julho de 2007, Lucchini (C-119/05, Colect., p. I-6199), no qual o Tribunal de Justiça declarou que o direito comunitário se opõe à aplicação de uma disposição de direito nacional como o artigo 2909.° do Código Civil italiano, que consagra o princípio da autoridade do caso julgado, quando esta aplicação obste à recuperação de um auxílio de Estado concedido em violação do direito comunitário. Alega que este acórdão parece ilustrar uma certa tendência da jurisprudência do Tribunal de Justiça para relativizar o valor do princípio da autoridade do caso julgado e exigir o afastamento desse princípio, a fim de respeitar o primado das disposições do direito comunitário e evitar um conflito com estas. O órgão jurisdicional de reenvio refere, a este respeito, os acórdãos de 1 de Junho de 1999, Eco Swiss (C-126/97, Colect., p. I-3055), de 28 de Junho de 2001, Larsy (C-118/00, Colect., p. I-5063), de 7 de Janeiro de 2004, Wells (C-201/02, Colect., p. I-723), bem como de 13 de Janeiro de 2004, Kühne & Heitz (C-453/00, Colect., p. I-837).

17      Uma vez que a cobrança de IVA desempenha um papel importante na constituição dos recursos próprios da Comunidade Europeia, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a questão de saber se a jurisprudência do Tribunal de Justiça exige o não reconhecimento do carácter vinculativo de uma decisão nacional que tenha adquirido autoridade de caso julgado por força do direito interno. No processo principal, a aplicação do artigo 2909.° do Código Civil italiano pode impedir a plena implementação do princípio do combate ao abuso de direito, elaborado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de IVA como instrumento destinado a garantir a plena aplicação do sistema comunitário de IVA, evocando o órgão jurisdicional de reenvio, a este respeito, o acórdão Halifax e o., já referido.

18      Foi nestas circunstâncias que a Corte suprema di cassazione decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«O direito comunitário opõe-se à aplicação de uma disposição do direito nacional, como a prevista no artigo 2909.° do Código Civil italiano, [que estabelece] o princípio da autoridade do caso julgado, quando essa aplicação consagre um resultado incompatível com o direito comunitário, impedindo a sua aplicação [igualmente] em sectores distintos dos auxílios de Estado (v. acórdão […] Lucchini [já referido]), designadamente em matéria de IVA e de abuso de direito cometido com o objectivo de obter indevidamente [economias] fiscais, [atendendo], em especial, [ao] critério de direito nacional, conforme interpretado pela jurisprudência da Corte [suprema] di cassazione, segundo o qual, nos litígios em matéria tributária, o caso julgado […], sempre que [tiver por objecto] uma questão fundamental comum a outros processos, [é vinculativo], mesmo que se reporte a um período fiscal diferente?»

 Quanto à questão prejudicial

19      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o direito comunitário se opõe à aplicação de uma disposição de direito nacional, como o artigo 2909.° do Código Civil italiano, num litígio sobre o IVA respeitante a um ano fiscal relativamente ao qual ainda não foi proferida uma decisão judicial definitiva, na hipótese de tal disposição obstar a que o órgão jurisdicional tenha em conta normas de direito comunitário em matéria de práticas abusivas relacionadas com o referido imposto.

20      A título preliminar, importa sublinhar que, para responder a esta questão, é irrelevante que o órgão jurisdicional de reenvio não tenha exposto de forma detalhada as razões pelas quais se pode duvidar do carácter real, lícito e não fraudulento do contrato de comodato em causa.

21      A Olimpiclub invocou o princípio da autoridade do caso julgado, tal como interpretado na ordem jurídica italiana e descrito no n.° 13 do presente acórdão, para sustentar que a conclusão segundo a qual o contrato de comodato tem carácter real, lícito e não fraudulento, contida nas decisões anteriores relativas a períodos de tributação diferentes, é vinculativa e definitiva.

22      A este respeito, deve recordar-se a importância que reveste, tanto na ordem jurídica comunitária como nas ordens jurídicas nacionais, o princípio da autoridade do caso julgado. Com efeito, para garantir a estabilidade do direito e das relações jurídicas assim como uma boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de decorridos os prazos previstos para tais recursos já não possam ser postas em causa (acórdãos de 30 de Setembro de 2003, Köbler, C-224/01, Colect., p. I-10239, n.° 38, e de 16 de Março de 2006, Kapferer, C-234/04, Colect., p. I-2585, n.° 20).

23      Consequentemente, o direito comunitário não obriga um órgão jurisdicional nacional a deixar de aplicar as regras processuais internas que conferem autoridade de caso julgado a uma decisão, mesmo que isso permita obviar a uma violação do direito comunitário pela decisão em causa (v. acórdão Kapferer, já referido, n.° 21).

24      Na falta de regulamentação comunitária na matéria, as modalidades de aplicação do princípio da autoridade do caso julgado fazem parte da ordem jurídica interna dos Estados-Membros ao abrigo do princípio da autonomia processual destes últimos. Todavia, essas modalidades não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebidas de forma a tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v., neste sentido, acórdão Kapferer, já referido, n.° 22).

25      O acórdão Lucchini, já referido, não é susceptível de pôr em causa a análise precedente. Com efeito, esse acórdão dizia respeito a uma situação muito especial em que se discutiam os princípios que regulam a repartição das competências entre os Estados-Membros e a Comunidade em matéria de auxílios de Estado, uma vez que a Comissão das Comunidades Europeias dispõe de uma competência exclusiva para apreciar a compatibilidade de uma medida nacional de auxílios de Estado com o mercado comum (v., neste sentido, acórdão Lucchini, já referido, n.os 52 e 62). O presente processo não suscita tais questões de repartição de competências.

26      No caso vertente, coloca-se, em particular, a questão de saber se é compatível com o princípio da efectividade a interpretação do princípio da autoridade do caso julgado referida pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual, em litígios em matéria fiscal, o caso julgado em determinado processo, quando tenha por objecto um ponto fundamental comum a outros processos, possui força vinculativa relativamente a esse ponto, mesmo que as constatações então efectuadas se refiram a um período de tributação diferente.

27      A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito comunitário deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na tramitação deste e nas suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspectiva, há que tomar em consideração, se necessário, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a protecção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a correcta tramitação do processo (acórdão de 14 de Dezembro de 1995, Peterbroeck, C-312/93, Colect., p. I-4599, n.° 14).

28      Por conseguinte, há que examinar em particular se a interpretação acima indicada do artigo 2909.° do Código Civil italiano pode ser justificada tendo em vista a salvaguarda do princípio da segurança jurídica, atendendo às consequências daí decorrentes para a aplicação do direito comunitário.

29      A este respeito, há que constatar, como faz, de resto, o próprio órgão jurisdicional de reenvio, que a referida interpretação não só impede que se ponha em causa uma decisão judicial transitada em julgado, mesmo que esta decisão comporte uma violação do direito comunitário, mas impede igualmente que se ponha em causa, quando de uma fiscalização judicial de outra decisão da autoridade fiscal competente respeitante ao mesmo contribuinte ou sujeito passivo, mas referente a outro exercício fiscal, qualquer conclusão relativamente a um ponto fundamental comum contida numa decisão judicial transitada em julgado.

30      Assim, tal aplicação do princípio da autoridade do caso julgado teria como consequência que, na hipótese de a decisão judicial que se tornou definitiva se basear numa interpretação das normas comunitárias relativas a práticas abusivas em matéria de IVA contrária ao direito comunitário, a aplicação incorrecta dessas normas reproduzir-se-ia em cada novo exercício fiscal, sem ser possível corrigir essa interpretação errada.

31      Nestas condições, deve concluir-se que obstáculos desta envergadura à aplicação efectiva das normas comunitárias em matéria de IVA não podem ser razoavelmente justificados pelo princípio da segurança jurídica e devem, portanto, ser considerados contrários ao princípio da efectividade.

32      Consequentemente, há que responder à questão submetida que, em circunstâncias como as do processo principal, o direito comunitário se opõe à aplicação de uma disposição de direito nacional, como o artigo 2909.° do Código Civil italiano, num litígio relativo ao IVA respeitante a um ano fiscal em relação ao qual ainda não foi proferida uma decisão judicial definitiva, caso tal disposição obste a que o órgão jurisdicional nacional que deve decidir desse litígio tenha em conta as normas de direito comunitário em matéria de práticas abusivas relacionadas com o referido imposto.

 Quanto às despesas

33      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

Em circunstâncias como as do processo principal, o direito comunitário opõe-se à aplicação de uma disposição de direito nacional, como o artigo 2909.° do Código Civil italiano (Codice civile), num litígio relativo ao imposto sobre o valor acrescentado respeitante a um ano fiscal em relação ao qual ainda não foi proferida uma decisão judicial definitiva, caso tal disposição obste a que o órgão jurisdicional nacional que deve decidir desse litígio tenha em conta as normas de direito comunitário em matéria de práticas abusivas relacionadas com o referido imposto.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.