Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

References to this case

Share

Highlight in text

Go

Processo C-489/09

Vandoorne NV

contra

Belgische Staat

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hof van Beroep te Gent)

«Sexta Directiva IVA – Artigos 11.°, C, n.° 1, e 27.°, n.os 1 e 5 – Matéria colectável – Medidas de simplificação – Tabacos manufacturados – Selos fiscais – Cobrança única do IVA na fonte – Fornecedor intermédio – Não pagamento total ou parcial do preço – Não restituição do IVA»

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Base de tributação – Medidas nacionais derrogatórias

(Directiva 77/388 do Conselho, artigos 11.°, C, n.° 1 e 27.°, n.os 1 e 5)

Os artigos 11.°, C, n.° 1, e 27.°, n.os 1 e 5, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, conforme alterada pela Directiva 2004/7/CE do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que, ao prever, a fim de simplificar a cobrança do imposto sobre o valor acrescentado e de lutar contra a fraude ou a evasão fiscal no que se refere aos tabacos manufacturados, a cobrança deste imposto, mediante selos fiscais, de uma só vez e na fonte, ao fabricante ou ao importador desses produtos, exclui o direito de os fornecedores intermédios que intervêm posteriormente na cadeia de entregas sucessivas obterem a restituição do imposto sobre o valor acrescentado no caso de não pagamento do preço dos referidos produtos pelo adquirente.

Com efeito, o artigo 27.°, n.° 1, da Sexta Directiva apenas se opõe a medidas que possam influir de modo não insignificante no montante do imposto devido no estádio do consumo final. Ora, ainda que, em certas circunstâncias, como a perda dos produtos, a sua venda com prejuízo ou a sua venda irregular a um preço diferente do preço de venda a retalho indicado nos selos fiscais, o fabricante ou o importador, no âmbito do regime como o que está em causa no processo principal, possa ser obrigado a pagar um montante de IVA superior ao que teria resultado da aplicação do sistema harmonizado do direito comum de cobrança do IVA, a mera eventualidade de que essas circunstâncias ocorram não é, porém, suficiente para considerar que esse regime possa influir de modo não insignificante no montante do imposto devido no estádio do consumo final. Com efeito, uma medida de simplificação implica, por natureza, uma abordagem mais global que a da regra que substitui, e não corresponde necessariamente à situação exacta de cada sujeito passivo.

Além disso, não estando os fornecedores intermédios obrigados ao pagamento do IVA sobre as entregas de tabacos manufacturados, também não podem pedir a sua restituição, por força do artigo 11.°, C, n.° 1, da Sexta Directiva, no caso de não pagamento do preço dessas entregas pelo adquirente. A este respeito, é irrelevante a circunstância de o montante de IVA pago na fonte pelo fabricante ou pelo importador, mediante selos fiscais, estar incluído, do ponto de vista económico, no preço das entregas efectuadas a estes fornecedores. Com efeito, tal circunstância não põe de modo algum em causa o facto de os referidos fornecedores não estarem vinculados a nenhuma dívida fiscal à luz das disposições relativas ao IVA.

Por outro lado, no âmbito de um regime de cobrança simplificada do IVA, estando o montante do IVA pago pelo fabricante ou pelo importador, mediante selos fiscais, ligado não à contrapartida realmente recebida por cada fornecedor mas ao preço dos produtos na fase do consumo final, a perda, por um fornecedor intermédio do seu crédito relativamente ao seu cliente não implica nenhuma redução da matéria colectável.

Por último, permitir a um fornecedor intermédio, no âmbito de tal regime de simplificação do imposto sobre o valor acrescentado, obter a restituição de um montante de IVA, ou mesmo a sua totalidade, sempre que o adquirente não paga o preço das entregas, criaria o risco quer de complicar significativamente a cobrança do IVA quer favorecer os abusos e as fraudes, quando a simplificação da cobrança do IVA e a prevenção de tais abusos e fraudes constituem, precisamente, os objectivos prosseguidos por este regime, em conformidade com o artigo 27.°, n.° 1, da Sexta Directiva. Daí que a exclusão do direito à restituição do IVA a um fornecedor intermédio no caso de não pagamento do preço pelo adquirente de tabacos manufacturados, constitui uma consequência inerente a um regime que tem por objecto e por efeito, em conformidade com os critérios definidos no artigo 27.°, n.° 1, da Sexta Directiva, simplificar a cobrança do IVA e lutar contra a fraude ou a evasão fiscal no que se refere a esses produtos.

(cf. n.os 30-31, 38-40, 43, 45-46 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

27 de Janeiro de 2011 (*)

«Sexta Directiva IVA – Artigos 11.°, C, n.° 1, e 27.°, n.os 1 e 5 – Matéria colectável – Medidas de simplificação – Tabacos manufacturados – Selos fiscais – Cobrança única do IVA na fonte – Fornecedor intermédio – Não pagamento total ou parcial do preço – Não restituição do IVA»

No processo C-489/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Hof van Beroep te Gent (Bélgica), por decisão de 17 de Novembro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 30 de Novembro de 2009, no processo

Vandoorne NV

contra

Belgische Staat,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, U. Lõhmus, A. Ó Caoimh (relator) e P. Lindh, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: A. Calot Escobar,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Vandoorne NV, por D. Blommaert, advocaat,

–        em representação do Governo belga, por M. Jacobs e J.-C. Halleux, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por W. Roels e M. Afonso, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 11.°, C, n.° 1, e 27.°, n.os 1 e 5, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Directiva 2004/7/CE do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004 (JO L 27, p. 44, a seguir «Sexta Directiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Vandoorne NV (a seguir «Vandoorne») ao Belgische Staat (Estado belga), por este se ter recusado a restituir o imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») relativo a entregas de tabacos manufacturados feitas por aquela sociedade e que lhe não foram pagas pelo outro contraente.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        O artigo 2.° da Sexta Directiva dispõe:

«Estão sujeitas ao [IVA]:

1.      As entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

2.      As importações de bens.»

4        O artigo 5.°, n.° 1, desta directiva prevê:

«Por ‘entrega de um bem’ entende-se a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.»

5        Sob o título VII, com a epígrafe «Facto gerador e exigibilidade do imposto», o artigo 10.° da dita directiva está assim redigido:

«1.      Para efeitos do disposto na presente directiva:

a)      Por facto gerador do imposto entende-se o facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto;

b)      Por exigibilidade do imposto entende-se o direito que o fisco pode faz[e]r valer, nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.

2.      O facto gerador do imposto ocorre, e o imposto é exigível, no momento em que se efectuam a entrega do bem ou a prestação de serviços. […]»

6        O artigo 11.°, C, n.° 1, da Sexta Directiva, que figura no seu título VIII, com a epígrafe «Matéria colectável», dispõe:

«Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço, depois de efectuada a operação, a matéria colectável é reduzida em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

Todavia, no caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar este preceito.»

7        O artigo 27.° desta directiva, que figura no seu título XV, tem por epígrafe «Medidas de simplificação», e é do seguinte teor:

«1.      O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, pode autorizar os Estados-Membros a introduzirem medidas especiais derrogatórias da presente directiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais. As medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto não devem influir, a não ser de modo insignificante, sobre o montante do imposto devido no estádio de consumo final.

[…]

5.      Os Estados-Membros que, em 1 de Janeiro de 1977, apliquem medidas especiais do tipo das referidas no n.° 1 podem mantê-las, desde que as notifiquem à Comissão antes de 1 de Janeiro de 1978 e, quando se trate de medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto, desde que estejam em conformidade com o critério definido no n.° 1.»

8        A Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1), que se aplica aos tabacos manufacturados, prevê, no artigo 6.°, n.° 1, que o imposto especial de consumo é exigível no momento da introdução no consumo, ou seja, no momento da fabricação desses produtos ou da sua importação fora de um regime de suspensão.

9        O artigo 10.° da Directiva 95/59/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 1995, relativa aos impostos que incidem sobre o consumo de tabacos manufacturados, com excepção dos impostos sobre o volume de negócios (JO L 291, p. 40), está redigido como se segue:

«1.      As modalidades de cobrança do imposto especial de consumo serão harmonizadas no estádio final, o mais tardar. Durante as fases anteriores, o imposto especial de consumo será cobrado, em princípio, por meio de selo fiscal. Se os Estados-Membros cobrarem esse imposto por meio de selo fiscal, devem pôr esses selos à disposição dos fabricantes e comerciantes dos outros Estados-Membros. Se cobrarem o imposto especial de consumo de outra forma, os Estados-Membros velarão por que esse facto não crie qualquer obstáculo administrativo ou técnico que possa afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros.

2.      Os importadores e os fabricantes de tabacos manufacturados ficarão sujeitos ao regime previsto no n.° 1 no que se refere às modalidades de cobrança e de pagamento do imposto especial de consumo.»

 Regulamentação nacional

10      O artigo 77.°, § 1, ponto 7°, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (a seguir «código do IVA») está assim redigido:

«Sem prejuízo da aplicação do artigo 334.° da Lei-Programa de 27 de Dezembro de 2004, o imposto que incide sobre a entrega de bens, a prestação de serviços ou a aquisição intracomunitária de um bem é restituído até ao valor de:

[…]

7°      No caso da perda total ou parcial do crédito do preço.»

11      O artigo 58.°, § 1, do código do IVA dispõe:

«Em relação aos tabacos manufacturados que são importados, adquiridos na acepção do artigo 25ter ou produzidos na Bélgica, o imposto é cobrado em todos os casos em que, por força das disposições legais ou regulamentares relativas ao regime fiscal dos tabacos, deva ser pago o imposto especial de consumo belga. O imposto é calculado sobre o preço inscrito no selo fiscal ou, se não estiver definido nenhum preço, sobre a base tributável do imposto especial de consumo.

[…]

O imposto assim cobrado equivale ao imposto a que estão sujeitas as importações, as aquisições intracomunitárias e as entregas de tabacos manufacturados.

O Rei determina as modalidades de cobrança do imposto aplicável aos tabacos manufacturados e quais as pessoas obrigadas ao seu pagamento.»

12      O artigo 58.°, § 1, do código do IVA estava em vigor quando foi aprovada a Sexta Directiva. Em aplicação do artigo 27.°, n.° 5, desta, o Reino da Bélgica, em 19 de Dezembro de 1977, notificou esse artigo 58.° à Comissão. A notificação estava redigida do seguinte modo:

«B.      Pagamento do imposto numa fase prévia.

1.      Produtos de tabaco manufacturados

A fim de facilitar o controlo da cobrança do IVA neste sector, o imposto que é devido no acto da importação e da entrega de tabacos manufacturados é cobrado ao mesmo tempo que o imposto especial de consumo. No acto da compra dos selos fiscais pelo fabricante ou pelo importador, o IVA é, com efeito, pago sobre o preço a pagar pelo consumidor. Não há lugar à cobrança de IVA nos estádios subsequentes, mas não pode obviamente ser efectuada nenhuma dedução. Todas as vendas de tabacos manufacturados devem ser facturadas com o imposto incluído.»

13      O Decreto Real n.° 13, de 29 de Dezembro de 1992, relativo ao regime dos tabacos manufacturados em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (Belgisch Staatsblad, de 31 de Dezembro de 1992, p. 28086, a seguir «Decreto Real n.° 13»), dispõe:

«Artigo 1.°

O [IVA] que incide sobre os tabacos manufacturados, incluindo os sucedâneos do tabaco, importados para a Bélgica, adquiridos na Bélgica, na acepção do artigo 25ter do [código do IVA], ou produzidos na Bélgica, torna-se exigível no mesmo momento que o imposto especial de consumo.

O montante do imposto, calculado de acordo com o artigo 58.°, § 1, do [código do IVA], é pago pelo devedor do imposto especial de consumo ao serviço competente para a cobrança desse imposto.

[…]

Artigo 2.°

Em derrogação do estabelecido no artigo 5.°, pontos 8° e 9°, do Decreto Real n.° 1, relativo às regras para a liquidação do imposto sobre o valor acrescentado, sobre as entregas de tabacos manufacturados é facturado um preço que inclui o imposto. Além disso, da factura deve constar a menção: ‘Tabacos manufacturados: IVA cobrado na fonte e não dedutível’.»

14      O artigo 6.° da Lei de 10 de Junho de 1997 relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e ao controlo dos produtos sujeitos a imposto especial de consumo (Belgisch Staatsblad, de 1 de Agosto de 1997, p. 19836) prevê que o imposto especial de consumo é exigível no acto da introdução no consumo, ou seja, no momento da fabricação destes produtos ou da sua importação fora de um regime suspensivo.

15      O artigo 10bis da Lei de 3 de Abril de 1997 relativa ao regime fiscal dos tabacos manufacturados (Belgisch Staatsblad, de 16 de Maio de 1997, p. 12105) prevê que o imposto especial de consumo, o imposto de consumo especial e o IVA devem ser pagos no acto da entrega dos selos fiscais.

 O litígio no processo principal e a questão prejudicial

16      A Vandoorne está registada como sujeito passivo de IVA para a actividade económica que consiste no comércio por grosso de tabacos manufacturados. Nessa qualidade, intervém como intermediária na cadeia de comercialização destes produtos entre os fabricantes e/ou importadores, por um lado, e os revendedores e/ou retalhistas, por outro.

17      Resulta, a este propósito, do processo submetido ao Tribunal de Justiça que os tabacos manufacturados fornecidos à Vandoorne para efeitos do exercício das suas actividades têm já selos fiscais apostos pelos seus fornecedores enquanto fabricantes ou importadores destes produtos, por força do artigo 58.°, § 1, do código do IVA e das disposições do Decreto Real n.° 13.

18      É pacífico que, em conformidade com o artigo 2.° deste decreto real, as facturas relativas a esses fornecimentos efectuados à Vandoorne contêm a menção «Tabacos manufacturados: IVA cobrado na fonte e não dedutível» e, portanto, não discriminam o IVA. As entregas desses mesmos produtos feitas pela Vandoorne aos seus clientes contêm a mesma menção e, por conseguinte, também não discriminam o IVA.

19      Na sua declaração de IVA relativa ao primeiro trimestre de 2006, a Vandoorne requereu à Administração Fiscal a restituição do IVA relativo às entregas de tabacos manufacturados à Capitol BVBA (a seguir «Capitol»), na sequência da perda definitiva do crédito relativo a essas entregas após a insolvência desta sociedade em 14 de Março de 2005.

20      Este pedido foi indeferido pela Administração Fiscal, com a justificação de que não tinha sido imputado IVA nestas entregas, tendo o IVA relativo aos produtos em causa sido pago pelo fabricante juntamente com o imposto especial de consumo, a título de cobrança única, por força do artigo 58.°, § 1, do código do IVA.

21      Por sentença de 8 de Outubro de 2008, o Rechtbank van eerste aanleg te Brugge negou também provimento ao pedido da Vandoorne.

22      Em recurso, o Hof van Beroep te Gent constata, à semelhança do Belgische Staat, que, no caso, por aplicação do artigo 58.°, § 1, do código do IVA e das disposições do Decreto Real n.° 13, não foi cobrado nenhum montante, a título do IVA, durante a fase comercial controvertida que ocorreu entre a Vandoorne e a Capitol, uma vez que o IVA foi cobrado integralmente na fonte, ao fabricante ou ao importador, ao mesmo tempo que o imposto especial de consumo, e que as entregas feitas à primeira destas sociedades vinham acompanhadas de uma factura que não mencionava o IVA como componente distinta do preço, de modo que esta não procedeu à dedução do IVA. Também a factura entregue pela Vandoorne à Capitol não discriminava o IVA, indicando que este tinha sido pago na fonte e não era dedutível. Ora, o artigo 77.°, § 1, do código do IVA apenas prevê a possibilidade de «restituição» do IVA «que tinha onerado a entrega de bens».

23      Este órgão jurisdicional pergunta, contudo, se a aplicação da medida de simplificação prevista no artigo 27.° da Sexta Directiva pode ter como consequência privar um fornecedor intermédio do direito à restituição do IVA, uma vez que este está compreendido no preço por ele pago. Com efeito, embora o sistema implique que, a partir do momento em que os selos fiscais sejam apostos pelo fabricante ou pelo importador, o IVA perca a sua identidade, não se pode negar que, em cada fase comercial posterior, o montante deste imposto é integralmente pago, sem que o sujeito passivo possa proceder à sua dedução. Ora, quando um fornecedor intermédio perde o crédito que detinha sobre o seu cliente, não pode receber o montante de IVA correspondente, mesmo tendo pago esse mesmo montante de IVA ao seu próprio fornecedor.

24      Nestas condições, o Hof van Beroep te Gent decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A legislação belga, em especial o artigo 58.°, § 1, conjugado com o artigo 77.°, § 1, ponto 7°, do [código do IVA], é compatível com o artigo 27.° da Sexta Directiva [...], que permite aos Estados-Membros tomar medidas de simplificação, e/ou com o artigo 11.°, C, n.° 1, da mesma directiva, que permite a consagração do direito ao reembolso [do IVA] em caso de não pagamento, total ou parcial, na medida em que [...] simplifica a cobrança do IVA sobre as entregas de tabacos manufacturados, estabelecendo uma cobrança única na fonte e [...] não concede o direito ao reembolso do IVA devido à perda total ou parcial do preço aos sujeitos passivos que se encontram nos ‘elos intermédios’ da ‘cadeia’ e suportaram o IVA sobre os tabacos manufacturados?»

 Quanto à questão prejudicial

25      A título preliminar, importa lembrar que não compete ao Tribunal de Justiça, no quadro do procedimento previsto no artigo 267.° TFUE, pronunciar-se sobre a compatibilidade das disposições nacionais com o direito da União. O Tribunal de Justiça é todavia competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação baseados no direito comunitário, que possam permitir-lhe apreciar esta compatibilidade para o julgamento da causa que lhe é submetida (v., designadamente, acórdãos de 5 de Julho de 2007, Fendt Italiana, C-145/06 e C-146/06, Colect., p. I-5869, n.° 30, e de 9 de Março de 2010, ERG e o., C-379/08 e C-380/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25).

26      Destarte, há que entender a questão colocada no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, ao Tribunal de Justiça se os artigos 11.°, C, n.° 1, e 27.°, n.os 1 e 5, da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que, ao prever a cobrança do IVA, através de selos fiscais, de uma só vez e na fonte, junto do fabricante ou do importador de tabacos manufacturados, exclui o direito de os fornecedores intermédios que intervêm posteriormente na cadeia de entregas sucessivas obterem a restituição do IVA no caso de não pagamento do preço desses produtos pelo adquirente.

27      A este respeito, importa lembrar que as medidas nacionais derrogatórias referidas no artigo 27.°, n.os 1 e 5, da Sexta Directiva, permitidas «para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais», devem ser interpretadas estritamente e só podem derrogar o respeito das regras de determinação da matéria colectável do IVA previstas no artigo 11.° da dita directiva, dentro dos limites estritamente necessários à prossecução desse objectivo (v. acórdãos de 10 de Abril de 1984, Comissão/Bélgica, 324/82, Recueil, p. 1861, n.° 29, e de 29 de Maio de 1997, Skripalle, C-63/96, Colect., p. I-2847, n.° 24). Além disso, devem ser necessárias e adequadas à realização do objectivo específico que prosseguem e afectar o menos possível os objectivos e os princípios da Sexta Directiva (acórdãos de 19 de Setembro de 2000, Ampafrance e Sanofi, C-177/99 e C-181/99, Colect., p. I-7013, n.° 60, e de 29 de Abril de 2004, Sudholz, C-17/01, Colect., p. I-4243, n.° 46).

28      No caso, afigura-se que, à semelhança do regime neerlandês em causa no processo que deu lugar ao acórdão de 15 de Junho de 2006, Heintz van Landewijck (C-494/04, Colect., p. I-5381, n.os 24, 44, 54 e 62), o regime derrogatório que figura na regulamentação nacional em causa no processo principal e que permite a cobrança do IVA mediante selos fiscais tem por objectivo e por efeito prevenir as fraudes e os abusos e simplificar a cobrança do imposto, que é efectuada, por força desse regime derrogatório, numa única etapa da cadeia de comercialização dos produtos, ao prever que o IVA é cobrado ao mesmo tempo que o imposto especial de consumo, antes da ocorrência do facto gerador do imposto nos termos do artigo 10.° da Sexta Directiva. Este regime é, assim, relativo ao momento da exigibilidade deste último, de modo a que coincida com o momento de cobrança do imposto especial de consumo (v. acórdão de 14 de Julho de 2005, British American Tobacco e Newman Shipping, C-435/03, Colect., p. I-7077, n.os 45 e 46).

29      Por outro lado, é pacífico que, à semelhança também do regime neerlandês em causa no processo que deu lugar ao acórdão Heintz van Landewijck, já referido (n.° 55), este regime, como resulta do artigo 58.°, § 1, do código do IVA e do conteúdo da notificação feita pelo Reino da Bélgica por força do artigo 27.°, n.° 5, da Sexta Directiva, reproduzida no n.° 12 do presente acórdão, faz depender o montante do IVA do preço dos produtos no estádio do seu consumo final, sendo o referido montante determinado com base no preço de retalho a pagar pelo consumidor.

30      A este respeito, importa lembrar que o artigo 27.°, n.° 1, da Sexta Directiva apenas se opõe a medidas que possam influir de modo não insignificante no montante do imposto devido no estádio do consumo final (v. acórdãos de 12 de Julho de 1988, Direct Cosmetics e Laughtons Photographs, 138/86 e 139/86, Colect., p. 3937, n.° 52, e Heintz van Landewijck, já referido, n.° 57).

31      Ora, ainda que, em certas circunstâncias, como a perda dos produtos, a sua venda com prejuízo ou a sua venda irregular a um preço diferente do preço de venda a retalho indicado nos selos fiscais, o fabricante ou o importador, no âmbito de um regime como o que está em causa no processo principal, possa ser obrigado a pagar um montante de IVA superior ao que teria resultado da aplicação do sistema harmonizado do direito comum de cobrança do IVA, a mera eventualidade de que essas circunstâncias ocorram não é, porém, suficiente para considerar que esse regime possa influir de modo não insignificante no montante do imposto devido no estádio do consumo final (v., neste sentido, acórdão Heintz van Landewijck, já referido, n.os 56 a 58). Com efeito, uma medida de simplificação implica, por natureza, uma abordagem mais global que a da regra que substitui, e não corresponde necessariamente à situação exacta de cada sujeito passivo (acórdão Sudholz, já referido, n.° 62).

32      Daí resulta que um regime como o que está em causa no processo principal não desrespeita os critérios definidos no artigo 27.°, n.° 1, da Sexta Directiva e, pelas mesmas razões, não excede o necessário para simplificar a cobrança do IVA e lutar contra a fraude ou a evasão fiscal (v., neste sentido, acórdão Heintz van Landewijck, já referido, n.os 58 e 59).

33      Nas suas observações escritas apresentadas no presente processo, a Vandoorne alega, no entanto, que este regime é contrário aos artigos 11.°, C, n.° 1, e 27.°, n.os 1 e 5, da Sexta Directiva, uma vez que exclui o direito à restituição do IVA no caso de não pagamento do preço. Com efeito, ao permitir aos Estados-Membros instituir um regime de cobrança única do IVA na fonte, por derrogação à regra geral que prevê a cobrança do IVA em cada fase da cadeia económica, o artigo 27.° da Sexta Directiva autorizaria unicamente medidas nacionais de simplificação da cobrança do IVA destinadas a evitar a fraude ou a evasão fiscal. Sendo qualquer excepção de interpretação estrita, essa derrogação não pode ter efeito nenhum sobre outras regras relativas ao IVA, como as que regulam a restituição deste imposto. Por outro lado, a perda de crédito que sofreu no caso causar-lhe-ia exactamente o mesmo prejuízo que o sofrido por um sujeito passivo normal, a que se aplica o regime de IVA fraccionado, uma vez que, no âmbito do regime derrogatório em causa, cada elo intermédio suporta o IVA compreendido no preço pago ao seu fornecedor de tabacos manufacturados.

34      Esta argumentação não pode ser acolhida.

35      Com efeito, como resulta do n.° 28 do presente acórdão, é pacífico que, no âmbito de um regime como o que está em causa no processo principal, o IVA relativo aos tabacos manufacturados é cobrado, mediante selos fiscais, de uma só vez e antecipadamente, na fonte, junto do único fabricante ou importador desses produtos, ao mesmo tempo que a cobrança dos direitos especiais de consumo, antes de ocorrer o facto gerador do imposto a título do artigo 10.° da Sexta Directiva.

36      Daí que os fornecedores intermédios, como a Vandoorne no processo principal, que actuam posteriormente ao fabricante ou ao importador na cadeia de entregas sucessivas destes produtos, por um lado, não devem, nas entregas que lhes são efectuadas pelo seu próprio fornecedor, pagar nenhum valor de IVA a montante, susceptível de dar direito à dedução imediata e total deste imposto a título do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva e, por outro, não são devedores de nenhum montante de IVA a jusante, a título do artigo 10.°, n.° 2, da dita directiva, quando fazem entregas ao adquirente dos referidos produtos.

37      Assim, numa situação como a que está em causa no processo principal, é indiscutível que, como já foi salientado no n.° 18 do presente acórdão, as facturas relativas a estas diferentes entregas, em conformidade com o artigo 2.° do Decreto Real n.° 13, reproduzido no n.° 13 do presente acórdão, não discriminam o IVA, mas indicam um preço que inclui o montante de IVA pago pelo fabricante ou pelo importador e contêm a menção «Tabacos manufacturados: IVA cobrado na fonte e não dedutível».

38      Nestas condições, não estando os fornecedores intermédios obrigados ao pagamento do IVA sobre as entregas de tabacos manufacturados, também não podem pedir a sua restituição, por força do artigo 11.°, C, n.° 1, da Sexta Directiva, no caso de não pagamento do preço dessas entregas pelo adquirente.

39      A este respeito, é irrelevante a circunstância de o montante de IVA pago na fonte pelo fabricante ou pelo importador, mediante selos fiscais, estar incluído, do ponto de vista económico, no preço das entregas efectuadas a estes fornecedores. Com efeito, tal circunstância não põe de modo algum em causa o facto de os referidos fornecedores não estarem vinculados a nenhuma dívida fiscal à luz das disposições relativas ao IVA.

40      Por outro lado, no âmbito de um regime de cobrança simplificada do IVA, como o que está em causa no processo principal, estando o montante do IVA pago pelo fabricante ou pelo importador, mediante selos fiscais, ligado não à contrapartida realmente recebida por cada fornecedor mas, como já foi constatado no n.° 29 do presente acórdão, ao preço dos produtos na fase do consumo final, a perda, por um fornecedor intermédio como o que está em causa no processo principal, do seu crédito relativamente ao seu cliente não implica nenhuma redução da matéria colectável.

41      Nestas condições, há que concluir que a restituição de um montante de IVA a um tal fornecedor intermédio, no caso de não pagamento do preço pelo adquirente das entregas de tabacos manufacturados, influiria de modo não negligenciável, contrariamente ao que exige o artigo 27.°, n.° 1, da Sexta Directiva, no montante do imposto devido na fase do consumo final e, portanto, nas receitas fiscais do Estado-Membro cobradas nesta fase. E seria tanto mais assim se o pedido de restituição do IVA devesse incidir sobre a totalidade do montante pago pelo fabricante ou pelo importador de tabacos manufacturados, uma vez que o imposto pago antecipadamente por estes onera, na sua totalidade, o preço facturado por cada fornecedor intermédio ao seu cliente.

42      Ora, é provável que, como a Comissão indicou nas suas observações, estes produtos, atendendo à sua natureza, possam ainda ser vendidos aos consumidores finais, designadamente, num processo como o que está em causa no processo principal, pelo representante do adquirente declarado insolvente. Assim, não estaria excluído que, contrariamente ao princípio previsto pelo sistema comum do IVA, os referidos produtos sejam consumidos sem que uma parte, ou mesmo a totalidade, do imposto devido tenha sido paga ao fisco.

43      Além disso, importa realçar que o facto de permitir a um fornecedor intermédio, no âmbito de tal regime, obter a restituição de um montante de IVA, ou mesmo a sua totalidade, sempre que o adquirente, alegando designadamente a sua insolvabilidade, não paga o preço das entregas, criaria o risco quer de complicar significativamente a cobrança do IVA quer, como os Governo belga e checo alegaram nas suas observações, favorecer os abusos e as fraudes, quando a simplificação da cobrança do IVA e a prevenção de tais abusos e fraudes constituem, precisamente, os objectivos prosseguidos por este regime, em conformidade com o artigo 27.°, n.° 1, da Sexta Directiva (v., por analogia, acórdãos Heintz van Landewijck, já referido, n.os 43, 62 e 65, e de 13 de Dezembro de 2007, BATIG, C-374/06, Colect., p. I-11271, n.° 39).

44      Ora, o mercado dos cigarros é, tal como o Tribunal de Justiça já salientou, particularmente propício ao desenvolvimento de um comércio ilegal [v. acórdãos de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C-491/01, Colect., p. I-11453, n.° 87, de 29 de Abril de 2004, British American Tobacco, C-222/01, Colect., p. I-4683, n.° 72, e acórdão BATIG, já referido, n.° 34].

45      Daí que a exclusão do direito à restituição do IVA a um fornecedor intermédio, como a Vandoorne, no caso de não pagamento do preço pelo adquirente de tabacos manufacturados, constitui uma consequência inerente a um regime como o que está em causa no processo principal, que tem por objecto e por efeito, em conformidade com os critérios definidos no artigo 27.°, n.° 1, da Sexta Directiva, simplificar a cobrança do IVA e lutar contra a fraude ou a evasão fiscal no que se refere a esses produtos.

46      Por conseguinte, é de responder à questão colocada que os artigos 11.°, C, n.° 1, e 27.°, n.os 1 e 5, da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que, ao prever, a fim de simplificar a cobrança do IVA e de lutar contra a fraude ou a evasão fiscal no que se refere aos tabacos manufacturados, a cobrança deste imposto, mediante selos fiscais, de uma só vez e na fonte, ao fabricante ou ao importador desses produtos, exclui o direito de os fornecedores intermédios que intervêm posteriormente na cadeia de entregas sucessivas obterem a restituição do IVA no caso de não pagamento do preço dos referidos produtos pelo adquirente.

 Quanto às despesas

47      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

Os artigos 11.°, C, n.° 1, e 27.°, n.os 1 e 5, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, conforme alterada pela Directiva 2004/7/CE do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que, ao prever, a fim de simplificar a cobrança do imposto sobre o valor acrescentado e de lutar contra a fraude ou a evasão fiscal no que se refere aos tabacos manufacturados, a cobrança deste imposto, mediante selos fiscais, de uma só vez e na fonte, ao fabricante ou ao importador desses produtos, exclui o direito de os fornecedores intermédios que intervêm posteriormente na cadeia de entregas sucessivas obterem a restituição do imposto sobre o valor acrescentado no caso de não pagamento do preço dos referidos produtos pelo adquirente.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.