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Processo C-504/10

Tanoarch s.r.o.

contra

Daňové riaditeľstvo Slovenskej republiky

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Najvyšší súd Slovenskej republiky)

«Fiscalidade – IVA – Direito a dedução – Cessão de uma quota de direitos sobre uma invenção, detidos por várias empresas, a uma empresa titular do direito de utilizar a referida invenção na sua totalidade – Prática abusiva»

Sumário do acórdão

1.        Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Dedução do imposto pago a montante

(Directiva 2006/112 do Conselho, artigos 9.°, n.° 1, e 168.°)

2.        Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Dedução do imposto pago a montante – Limitação do direito à dedução

(Directiva 2006/112 do Conselho, artigo 168.°)

1.        Um sujeito passivo pode, em princípio, invocar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago ou devido a montante sobre uma prestação de serviços, efectuada a título oneroso, quando o direito nacional aplicável permitir a cessão de uma quota da compropriedade de uma invenção que atribui um direito sobre essa invenção.

O conceito de actividade económica engloba, com efeito, qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços. Os conceitos de entrega de bens e de prestação de serviços têm todos um carácter objectivo e aplicam-se independentemente dos objectivos e dos resultados das operações em causa. Assim, a cessão de uma quota da compropriedade de uma invenção, apesar do facto de a patente desta invenção não ter sido registada, pode, em princípio, constituir uma actividade económica sujeita a imposto sobre o valor acrescentado. Daqui resulta que essa transacção pode dar origem ao direito a dedução do imposto pago ou devido a montante.

A questão de saber se a cessão em causa foi efectuada com o único objectivo de obter uma vantagem fiscal é irrelevante para determinar se a mesma constitui uma prestação de serviços e uma actividade económica na acepção das disposições pertinentes da Directiva 2006/112, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.

(cf. n.os 45-48, disp. 1)

2.        A verificação da existência de uma prática abusiva em matéria de imposto sobre o valor acrescentado supõe, por um lado, que as operações em causa, apesar da aplicação formal dos requisitos previstos nas disposições pertinentes da directiva e da legislação nacional que a transpõem, tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seria contrária ao objectivo prosseguido por essas disposições e, por outro lado, que resulte de um conjunto de elementos objectivos que a finalidade essencial das operações em causa se limita à obtenção dessa vantagem fiscal.

No que se refere ao tratamento fiscal de uma operação de cessão de uma quota da compropriedade de uma invenção que confere um direito sobre a mesma, compete ao órgão jurisdicional nacional verificar, tendo em conta o conjunto das circunstâncias factuais que caracterizam a prestação de serviços em causa, a existência ou inexistência de um abuso de direito relativamente ao direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante.

(cf. n.os 52, 54, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

27 de Outubro de 2011 (*)

«Fiscalidade – IVA – Direito a dedução – Cessão de uma quota de direitos sobre uma invenção, detidos por várias empresas, a uma empresa titular do direito de utilizar a referida invenção na sua totalidade – Prática abusiva»

No processo C-504/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Najvyšší súd Slovenskej republiky (Eslováquia), por decisão de 28 de Setembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 21 de Outubro de 2010, no processo

Tanoarch s. r. o.

contra

Daňové riaditeľstvo Slovenskej republiky,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), exercendo funções de presidente da Sétima Secção, E. Juhász e D. Švaby, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Setembro de 2011,

vista a decisão tomada de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, a seguir «directiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Tanoarch s. r. o. (a seguir «Tanoarch») à Daňové riaditel’stvo Slovenskej republiky a propósito do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») relativo à cessão de uma quota da compropriedade de uma invenção cuja patente ainda não foi registada.

 Direito da União

3        O artigo 2.°, n.° 1, da directiva dispõe que estão sujeitas ao IVA, designadamente, as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

4        O artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta directiva prevê:

«Entende-se por ‘actividade económica’ qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência.»

5        Segundo o artigo 24.°, n.° 1, da directiva, entende-se por prestação de serviços qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.

6        O artigo 25.° da directiva enuncia:

«Uma prestação de serviços pode consistir, designadamente, numa das seguintes operações:

a)      A cessão de um bem incorpóreo representado ou não por um título;

b)      A obrigação de não fazer ou de tolerar um acto ou uma situação;

c)      A execução de um serviço em virtude de acto das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei.»

7        O artigo 62.° da directiva prevê que, para efeitos da directiva, se entende por «facto gerador do imposto» o facto mediante o qual são preenchidos os requisitos legais necessários à exigibilidade do imposto.

8        Em conformidade com o artigo 63.° da directiva, o facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efectuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.

9        Segundo o artigo 167.° da directiva, o direito a dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

10      Nos termos do artigo 168.° da directiva:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[...]»

 Direito nacional

11      Nos termos do artigo 49.°, n.° 1, da Lei n.° 222/2004 do IVA, na sua versão aplicável ao processo principal (a seguir «lei do IVA»), o direito do sujeito passivo de deduzir o imposto sobre o bem ou o serviço constitui-se no momento em que o imposto se torna exigível para esse bem ou esse serviço.

12      Nos termos do artigo 49.°, n.° 2, da referida lei, o sujeito passivo pode deduzir do imposto de que é devedor o imposto que onera os bens e os serviços que utiliza para as necessidades da sua actividade económica enquanto sujeito passivo, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 e 7 do referido artigo. O sujeito passivo pode deduzir o imposto se este último lhe for aplicado por um outro sujeito passivo na Eslováquia sobre bens ou serviços que sejam ou devam ser prestados ao sujeito passivo.

13      Nos termos do artigo 51.°, n.° 1, alínea a), da lei do IVA, o sujeito passivo pode invocar o seu direito a dedução em aplicação do artigo 49.° desta lei se dispuser da factura do sujeito passivo no momento da dedução do imposto em aplicação do artigo 49.°, n.° 2, da referida lei.

14      O artigo 10.° da Lei n.° 435/2001 de patentes, na sua versão aplicável ao processo principal (a seguir «lei de patentes»), prevê:

«1.      O direito sobre a invenção, incluindo o direito de apresentar um pedido, pertence ao inventor.

2.      O inventor é aquele que criou a invenção mediante a sua própria actividade criadora.

3.      Os co-inventores são titulares de um direito sobre a invenção na medida em que contribuíram para a criação da invenção. Salvo convenção em contrário entre os co-inventores ou decisão em contrário do tribunal, a quota dos co-inventores na criação da invenção é tida por igual.»

15      O artigo 12.° desta lei prevê:

«1.      O direito sobre a invenção pertence igualmente aos sucessores [...]

2.      O direito sobre a invenção é transmitido a uma pessoa diferente nos casos definidos pela regulamentação especial.

3.      Para ser válido, o contrato de cessão do direito sobre a invenção deve ser celebrado por escrito.

4.      A cessão ou a transmissão do direito sobre a invenção que ocorra após a apresentação de um pedido é acompanhada da cessão ou da transmissão dos direitos que decorrem do pedido. Todavia, a cessão ou a transmissão dos direitos que decorrem do pedido só produz efeitos em relação a terceiros a partir da data de registo dos pedidos dos pedidos de patentes, salvo nos casos em que os terceiros tinham conhecimento da cessão ou da transmissão, ou deviam, no contexto, ter conhecimento.»

16      As relações entre os comproprietários de uma patente são definidas no artigo 20.°, n.os 1 a 3, da referida lei como se segue:

«1.      Salvo disposição em contrário da presente lei, as disposições da regulamentação especial aplicam-se às relações entre os comproprietários de uma patente.

2.      A quota da compropriedade de uma patente decorre do alcance do direito sobre a invenção pertencente a cada co-inventor na qualidade de proprietário da patente, ou na qualidade de beneficiário do proprietário da patente.

3.      Cada comproprietário pode usar a invenção que é objecto da patente, não podendo, contudo, conceder a um terceiro o direito de usar a invenção, salvo convenção em contrário entre os comproprietários.»

17      Nos termos do artigo 37.°, n.os 1 e 5, da lei de patentes, o pedido pode ser apresentado pela pessoa ou pessoas titulares de um direito sobre a invenção. O pedido deve conter os dados sobre a identificação do inventor ou dos co-inventores e o documento relativo aos direitos sobre a invenção, caso o requerente não seja o inventor.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      Em 26 de Fevereiro de 2007, várias pessoas singulares e colectivas, nomeadamente a Tanoarch e a VARS Slovakia s. r. o. (a seguir «VARS»), duas sociedades cuja sede social se situa em Banská Bystrica (Eslováquia), apresentaram no Instituto da Propriedade Industrial da República Eslovaca um pedido de patente denominado «Método de preparação de um produto à base de talco com elevado grau de pureza».

19      Em 5 de Julho de 2007, a Tanoarch e a VARS celebraram um contrato de cessão de compropriedade industrial. Nos termos desse contrato, para a celebração do qual as duas partes estavam representadas pela mesma pessoas singular, J. Kovanda, a VARS cedia à Tanoarch 50% da sua quota da compropriedade sobre a patente ainda não registada.

20      O contrato estipulava que o preço da cessão da quota da compropriedade dos direitos sobre a invenção era fixado, com base numa perícia, em 258 milhões de SKK e, com base numa determinação complementar de valor, num montante total de 774 milhões de SKK. O preço para a cessão da metade dos direitos da compropriedade foi, por conseguinte, em aplicação do referido contrato, fixado em 387 milhões de SKK sem IVA. Nos termos do contrato, a cessão dos direitos sobre a invenção ficou prevista por um preço que devia ser pago em numerário ou em espécie caso as partes contratantes não acordassem de maneira diferente.

21      Com base numa factura datada de 5 de Julho de 2007, a Tanoarch entregou, em 27 de Agosto de 2007, uma declaração de IVA para o período de tributação de Julho do ano de 2007. Nessa declaração fiscal, declarou-se um montante de cerca de 73 530 000 SKK a título de IVA dedutível sobre a factura emitida pela VARS sobre a cessão da quota da compropriedade. A referida sociedade não pagou, para esse montante, o imposto devido a montante. Esta última sociedade foi dissolvida sem liquidação no decorrer do ano de 2008.

22      Além disso, a Tanoarch efectuou uma dedução do IVA respeitante a outras facturas relativas à cessão dos direitos sobre a invenção emitidas pela VARS para os períodos de tributação entre o mês de Agosto e o mês de Setembro do ano de 2007.

23      Nestas condições, o Daňový úrad (repartição de finanças) de Banská Bystrica, na qualidade de Administração Fiscal competente, procedeu a um controlo na Tanoarch para averiguar da justeza do pedido de dedução do IVA. Posteriormente, por decisão de 24 de Junho de 2008, a referida repartição de finanças recusou proceder à dedução indicada na declaração fiscal da Tanoarch.

24      A referida sociedade reclamou desta decisão. Por decisão de 23 de Outubro de 2008, a Daňové riaditeľstvo Slovenskej republiky (Direcção-Geral dos Impostos da República Eslovaca), na qualidade de órgão administrativo competente para conhecer desta reclamação, indeferiu o pedido da Tanoarch e confirmou a decisão da repartição de finanças.

25      No âmbito do controlo fiscal efectuado, verificou-se que cinco das sociedades que apresentaram o pedido de patente, de que faziam parte a Tanoarch e a VARS, se encontravam sedeadas na mesma morada em Banská Bystrica. Além disso, a mesma pessoa, a saber, J. Kovanda, estava nomeada como gerente dessas sociedades.

26      A Tanoarch interpôs, a seguir, em 13 de Janeiro de 2009, recurso para o Krajský súd (tribunal regional) de Banská Bystrica a fim de obter a anulação desta decisão de 23 de Outubro de 2008. Por acórdão de 1 de Abril de 2009, o referido órgão jurisdicional negou provimento ao recurso.

27      A Tanoarch interpôs, por conseguinte, recurso para o Najvyšší súd Slovenskej republiky (Tribunal Supremo da República Eslovaca).

28      O Najvyšší súd Slovenskej republiky manifesta dúvidas sobre a questão de saber se as disposições da lei do IVA e da lei de patentes, segundo as quais os rendimentos da invenção estão limitados aos rendimentos da exploração da invenção, são conformes com as disposições da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»). O Najvyšší súd Slovenskej republiky decidiu, por conseguinte, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com o artigo 2.°, n.° 1, da [Sexta Directiva] uma disposição segundo a qual o sujeito passivo pode deduzir do imposto de que é devedor o imposto sobre os bens e serviços que utiliza para o exercício da sua actividade empresarial enquanto sujeito passivo, se o imposto lhe for aplicado por outro sujeito passivo, no território nacional, para bens e serviços que [lhe] são ou [lhe devem ser] fornecidos, no caso de a recorrente, enquanto co-requerente do registo de uma invenção, para a qual ainda não foi concedida uma patente, já ser titular ex lege do direito de utilizar autonomamente o serviço adquirido [se se tratar de] uma invenção que é objecto de uma patente na sua totalidade?

2)      Pode interpretar-se a Sexta Directiva no sentido de que o direito ex lege já existente do sujeito passivo de utilizar autonomamente a patente implica a impossibilidade jurídica de utilizar o serviço para o fornecimento de bens e serviços na qualidade de sujeito passivo e que, desse modo, se verifica o esgotamento jurídico do serviço adquirido?

3)      O facto de, numa situação como a que é objecto do processo principal, a invenção ainda não estar registada como patente e de apenas se transmitirem quotas tem incidência na configuração de um abuso do direito do sujeito passivo de deduzir o IVA pago a montante, de acordo com o acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2006, [Halifax e o. (C-255/03, Colect., p. I-1609])?»

 Quanto ao pedido de decisão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

29      A recorrida no processo principal e o Governo eslovaco invocam a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial, uma vez que este não indica com suficiente clareza o objecto do pedido de interpretação e as razões pelas quais esse pedido é dirigido ao Tribunal de Justiça nem contém todas as circunstâncias factuais pertinentes.

30      Por outro lado, sustentam que o órgão jurisdicional de reenvio não precisa como teria sido possível utilizar o serviço prestado no processo principal para efeitos das prestações tributadas. Também não explica em que consiste a actividade da Tanoarch nem se esta sociedade exerce realmente uma actividade económica.

31      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, a quem o litígio é submetido e que devem assumir a responsabilidade da decisão judicial a proferir, apreciar, tendo em conta as particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para estar em condições de proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça. Por conseguinte, quando as questões submetidas tenham por objecto a interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça deve, em princípio, proferir uma decisão (v. acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C-379/98, Colect., p. I-2099, n.° 38; de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital, C-390/99, Colect., p. I-607, n.° 18; e de 27 de Fevereiro de 2003, Adolf Truley, C-373/00, Colect., p. I-1931, n.° 21).

32      Resulta igualmente dessa jurisprudência que a recusa de proferir uma decisão sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional apenas é possível quando for manifesto que a interpretação pedida do direito da União não tem relação alguma com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (v. acórdãos, já referidos, PreussenElektra, n.° 39; Canal Satélite Digital, n.° 19; e Adolf Truley, n.° 22).

33      Ora, no processo principal, não se afigura de maneira manifesta que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional se insiram numa dessas hipóteses.

34      Com efeito, a decisão de reenvio apresenta de modo detalhado o quadro factual do litígio e as regras de direito nacional susceptíveis de serem aplicadas, bem como as interrogações suscitadas acerca da interpretação das disposições da directiva relativas ao direito a dedução, inclusive a jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria.

35      Quanto às considerações formuladas relativas à natureza da actividade da recorrente no processo principal, basta notar que não compete ao Tribunal de Justiça, mas ao órgão jurisdicional de reenvio, pronunciar-se a este respeito, por se tratar de uma determinação de natureza factual.

36      Assim, deve o presente pedido de decisão prejudicial ser declarado admissível.

 Quanto ao mérito

 Quanto à primeira e segunda questões

37      Com a primeira e segunda questões, às quais importa responder em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se um sujeito passivo pode invocar o direito a dedução do IVA pago ou devido a montante sobre uma prestação de serviços, efectuada a título oneroso, que consiste na cessão de uma quota da compropriedade que confere um direito sobre uma invenção em circunstâncias caracterizadas, nomeadamente, pelo facto de o referido direito ser detido por várias pessoas, de que fazem parte o cedente e o adquirente deste.

38      A título liminar, importa precisar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio evoque, nas suas questões, a Sexta Directiva, resulta da decisão de reenvio que os factos em causa no processo principal ocorreram após 1 de Janeiro de 2007, ou seja, depois da entrada em vigor da Directiva 2006/112 que revogou e substituiu a Sexta Directiva. Nestas condições, há que fazer referência às disposições da Directiva 2006/112.

39      As interrogações do juiz de reenvio referem-se ao alcance dos direitos de um co-inventor e, assim, à questão de saber se esses direitos podem ser objecto de uma transacção comercial sujeita a IVA. Coloca-se, igualmente, a questão da incidência do facto de a invenção em causa no processo principal não ter sido objecto de registo de patente.

40      Para responder a essas questões, há que recordar que o regime de dedução estabelecido na directiva visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. Assim, o sistema comum do IVA procura garantir a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados destas, na condição de as referidas actividades estarem, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (v. acórdãos de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colect., p. I-1361, n.° 24; de 8 de Fevereiro de 2007, Investrand, C-435/05, Colect., p. I-1315, n.° 22; e de 29 de Outubro de 2009, NCC Construction Danmark, C-174/08, Colect., p. I-10567, n.° 27).

41      O direito a dedução constitui, assim, enquanto parte integrante do mecanismo do IVA, um princípio fundamental inerente ao sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado (v. acórdãos de 8 de Janeiro de 2002, Metropol e Stadler, C-409/99, Colect., p. I-81, n.° 42; de 26 de Maio de 2005, Kretztechnik, C-465/03, Colect., p. I-4357, n.° 33; e de 15 de Abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland, C-538/08 e C-33/09, Colect., p. I-3129, n.° 37).

42      O sujeito passivo pode, por conseguinte, aspirar à dedução integral do IVA que onerou os bens e os serviços adquiridos para o exercício das suas actividades tributáveis (v. acórdão NCC Construction Danmark, já referido, n.° 39).

43      Relativamente ao processo principal, resulta dos autos que a Tanoarch adquiriu uma quota da compropriedade de uma invenção. No que respeita às consequências jurídicas decorrentes dessa aquisição, importa recordar que, no âmbito do processo previsto no artigo 267.° TFUE, as funções do Tribunal de Justiça e as do órgão jurisdicional de reenvio estão claramente separadas e é exclusivamente a este último que compete interpretar a legislação nacional (v. acórdão de 17 de Julho de 2008, Corporación Dermoestética, C-500/06, Colect., p. I-5785, n.° 21). Por conseguinte, no referido processo, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar-se quanto à questão de saber se a legislação nacional aplicável permite que um co-inventor ceda a sua quota da compropriedade da invenção.

44      Em contrapartida, o Tribunal de Justiça pode fornecer indicações ao órgão jurisdicional de reenvio relativas às consequências da referida aquisição em matéria de IVA, na hipótese de a cessão da quota da compropriedade dever ser considerada conforme com as disposições do direito interno.

45      Quanto à realidade económica dessa mesma aquisição, importa recordar que, em conformidade com o artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da directiva, o conceito de actividade económica engloba, entre outros, qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços. Os conceitos de entrega de bens e de prestação de serviços têm todos um carácter objectivo e aplicam-se independentemente dos objectivos e dos resultados das operações em causa (v. acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, University of Huddersfield, C-223/03, Colect., p. I-1751, n.° 48).

46      Assim, a cessão de uma quota da compropriedade de uma invenção, apesar do facto de a patente desta invenção não ter sido registada, pode, em princípio, constituir uma actividade económica sujeita a IVA. Daqui resulta que essa transacção pode dar origem ao direito a dedução do IVA pago ou devido a montante.

47      No que diz respeito às intenções prosseguidas pelos operadores em questão, importa acrescentar que a questão de saber se a cessão em causa no processo principal foi efectuada com o único objectivo de obter uma vantagem fiscal é irrelevante para determinar se a mesma constitui uma prestação de serviços e uma actividade económica na acepção das disposições pertinentes da directiva (v. acórdão University of Huddersfield, já referido, n.° 51).

48      Importa, por conseguinte, responder à primeira e segunda questões submetidas que um sujeito passivo pode, em princípio, invocar o direito a dedução do IVA pago ou devido a montante sobre uma prestação de serviços, efectuada a título oneroso, quando o direito nacional aplicável permitir a cessão de uma quota da compropriedade de uma invenção que atribui um direito sobre essa invenção.

 Quanto à terceira questão

49      Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura, no essencial, saber se, por força de várias circunstâncias especiais, a existência de um abuso relativamente ao direito a dedução do IVA pago a montante pode ser demonstrada.

50      A fim de responder a esta questão, importa recordar que a luta contra a fraude, evasão fiscal e eventuais abusos é um objectivo reconhecido e incentivado pela directiva (v. acórdãos Halifax e o., já referido, n.° 71, e de 29 de Abril de 2004, Gemeente Leusden e Holin Groep, C-487/01 e C-7/02, Colect., p. I-5337, n.° 76).

51      O princípio da proibição do abuso de direito conduz, assim, a proibir as montagens puramente artificiais, desprovidas de realidade económica, efectuadas com o único fim de obter uma vantagem fiscal (v. acórdão de 22 de Maio de 2008, Ampliscientifica e Amplifin, C-162/07, Colect., p. I-4019, n.° 28).

52      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 74 e 75 do acórdão Halifax e o., já referido, que a verificação da existência de uma prática abusiva em matéria de IVA supõe, por um lado, que as operações em causa, apesar da aplicação formal dos requisitos previstos nas disposições pertinentes da directiva e da legislação nacional que a transpõem, tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seria contrária ao objectivo prosseguido por essas disposições e, por outro lado, que resulte de um conjunto de elementos objectivos que a finalidade essencial das operações em causa se limita à obtenção dessa vantagem fiscal.

53      Quanto ao processo principal, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar o conjunto das circunstâncias pertinentes do processo para determinar se, à luz da jurisprudência acima recordada, para efeitos de IVA, uma transacção como a que está em causa no processo principal pode ser considerada uma prática abusiva. As referidas circunstâncias caracterizam-se, nomeadamente, pelo facto de a invenção em causa não ter ainda sido objecto de registo de patente, de o direito ligado à dita invenção ser detido por várias pessoas, maioritariamente sedeadas na mesma morada e representadas pela mesma pessoa singular, de o IVA devido a montante não ter sido pago e de a sociedade que cedeu a quota da compropriedade ter sido dissolvida sem liquidação.

54      Nestas condições, há que responder à terceira questão submetida que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta o conjunto das circunstâncias factuais que caracterizam a prestação de serviços em causa no processo principal, a existência ou inexistência de um abuso de direito relativamente ao direito a dedução do IVA pago a montante.

 Quanto às despesas

55      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

1)      Um sujeito passivo pode, em princípio, invocar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago ou devido a montante sobre uma prestação de serviços, efectuada a título oneroso, quando o direito nacional aplicável permitir a cessão de uma quota da compropriedade de uma invenção que atribui um direito sobre essa invenção.

2)      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta o conjunto das circunstâncias factuais que caracterizam a prestação de serviços em causa no processo principal, a existência ou inexistência de um abuso de direito relativamente ao direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante.

Assinaturas


** Língua do processo: eslovaco.