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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

28 de fevereiro de 2013 (*)

«Livre circulação de capitais — Imposto sobre o rendimento — Rendimentos de capital — Convenção para evitar a dupla tributação — Dividendos distribuídos por sociedades estabelecidas em Estados-Membros e em Estados terceiros — Determinação do limite de imputação da retenção efetuada no estrangeiro no imposto sobre o rendimento nacional — Não consideração das despesas pessoais e das despesas ligadas ao estilo de vida — Justificação»

No processo C-168/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisão de 9 de fevereiro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 6 de abril de 2011, no processo

Manfred Beker,

Christa Beker

contra

Finanzamt Heilbronn,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Rosas (relator), exercendo funções de presidente da Segunda Secção, U. Lõhmus, A. Ó Caoimh, A. Arabadjiev e C. G. Fernlund, juízes,

advogado-geral: P. Mengozzi,

secretário: K. Sztranc-Sławiczek, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 26 de abril de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de M. Beker e de C. Beker, por M. Beker, Rechtsanwalt,

¾        em representação do Finanzamt Heilbronn, por W. Steinacher e M. Ritter von Rittershain, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo francês, por J.-S. Pilczer, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo sueco, por A. Falk, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e W. Mölls, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 12 de julho de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 63.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. Beker e C. Beker ao Finanzamt Heilbronn, a propósito da determinação, no âmbito da aplicação de convenções bilaterais para evitar a dupla tributação, do limite de imputação da retenção na fonte efetuada no estrangeiro no imposto sobre o rendimento devido, segundo a taxa, a título de rendimentos tributáveis de maneira ilimitada.

 Quadro jurídico

 Convenções para evitar a dupla tributação

3        A questão de saber se a República Federal da Alemanha está autorizada a cobrar impostos sobre os rendimentos de origem estrangeira e, caso o seja, se importa ter em conta a este respeito a retenção na fonte efetuada no estrangeiro é regulada, no que respeita ao litígio no processo principal, pelas convenções para evitar a dupla tributação celebradas entre a República Federal da Alemanha e a República Francesa (Convenção de 21 de julho de 1959, conforme alterada), o Grão-Ducado do Luxemburgo (Convenção de 23 de agosto de 1958, conforme alterada), o Reino dos Países Baixos (Convenção de 16 de junho de 1959), a Confederação Suíça (Convenção de 11 de agosto de 1971), os Estados Unidos da América (Convenção de 29 de agosto de 1989, conforme alterada) e o Japão (Convenção de 22 de abril de 1966).

4        Quando um contribuinte, tributado na totalidade dos seus rendimentos na Alemanha, obtém rendimentos de capital noutro Estado, este último Estado efetua uma retenção na fonte por força destas convenções para evitar a dupla tributação. O imposto cobrado na fonte em conformidade com as referidas convenções é imputável no imposto sobre o rendimento devido na Alemanha. Tratando-se das modalidades desta imputação, as convenções celebradas pela República Federal da Alemanha com a República Francesa, a Confederação Suíça, os Estados Unidos da América e o Japão remetem para o direito fiscal alemão.

 Direito alemão

5        Por força do § 1 da Lei relativa ao imposto sobre o rendimento (Einkommensteuergesetz), na sua versão resultante da Lei tributária anual de 2007 (Jahressteuergesetz 2007), de 13 de dezembro de 2006 (BGBl. 2006 I, p. 2878, a seguir «EStG»), aplicável ao ano de 2007, as pessoas singulares que residam na Alemanha são tributadas nesse Estado-Membro sobre a totalidade dos seus rendimentos.

6        O § 2 da EStG dispõe:

«(1)       São sujeitos ao imposto sobre o rendimento:

[...]

5.       os rendimentos de capital;

[...]

que o contribuinte obtém enquanto está sujeito à tributação da totalidade dos seus rendimentos ou como rendimentos obtidos no território nacional enquanto está sujeito à tributação parcial dos seus rendimentos. A categoria a que pertencem os diferentes rendimentos é determinada em conformidade com os §§ 13 a 24.

(2)       Os rendimentos são:

1.      o lucro no caso da agricultura e da silvicultura, das atividades industriais, comerciais e artesanais bem como do trabalho independente (§§ 4 a 7k);

2.      o excedente das receitas sobre as despesas profissionais no caso de outras categorias de rendimentos (§§ 8 a 9a).

(3)      A soma dos rendimentos [Summe der Einkünfte], após a dedução do abatimento proporcional para pessoas idosas em situação de reforma [Altersentlastungsbetrag], do montante da isenção fiscal para o progenitor de uma família monoparental e da dedução prevista no § 13, n.° 3, constitui o montante total dos rendimentos [Gesamtbetrag der Einkünfte].

(4)      O montante total dos rendimentos, após dedução das despesas especiais e dos encargos extraordinários, constitui o rendimento [Einkommen].

(5)      O rendimento, após a dedução dos montantes isentos referidos no § 32, n.° 6, e dos outros montantes que devem ser deduzidos do rendimento, constitui o rendimento tributável [zu versteuerndes Einkommen]; este constitui a base de tributação do imposto sobre o rendimento segundo a taxa aplicável. Se outras leis se referirem ao conceito de rendimento tributável, para efeitos dessas leis, devem ser deduzidos ao rendimento em todos os casos do § 32 os montantes isentos previstos no § 32, n.° 6 [...]»

7        O § 34c, n.° 1, da EStG enuncia:

«No caso dos sujeitos passivos tributados na totalidade dos seus rendimentos, cujos rendimentos de origem estrangeira estejam sujeitos, no Estado de origem dos referidos rendimentos, a um imposto correspondente ao imposto sobre o rendimento alemão, o imposto estrangeiro liquidado e pago e ao qual tenha sido deduzido o montante de um direito a redução é imputado no imposto sobre o rendimento alemão devido pelos rendimentos provenientes deste Estado. O imposto sobre o rendimento alemão aplicável a estes rendimentos estrangeiros deve ser calculado de modo a que o imposto sobre o rendimento alemão devido pelo rendimento tributável [zu versteuerndes Einkommen], incluindo os rendimentos de origem estrangeira em conformidade com os §§ 32a, 32b, 32c, 34 e 34b, seja repartido na proporção da relação existente entre estes rendimentos de origem estrangeira e a soma dos rendimentos [Summe der Einkünfte]. O cálculo dos rendimentos de origem estrangeira não deve ter em conta os rendimentos de origem estrangeira que não são, no seu Estado de origem, tributados nos termos do direito aplicável […]. Os impostos estrangeiros só são imputáveis na medida em que incidem sobre os rendimentos recebidos durante o período fiscal.»

8        O § 34c, n.° 2, da EStG prevê:

«Em vez de ser imputado (n.° 1), o imposto estrangeiro, a pedido prévio, deve ser deduzido aquando da determinação dos rendimentos, na medida em que incida sobre rendimentos de origem estrangeira que não estão isentos de imposto.»

 Matéria de facto na origem do litígio no processo principal e questão prejudicial

9        Enquanto cônjuges, os recorrentes no processo principal foram objeto, na Alemanha, de uma tributação conjunta para efeitos do imposto sobre o rendimento. A este respeito, foram tributados na totalidade dos seus rendimentos mundiais. No exercício fiscal controvertido, a saber, o de 2007, receberam, além dos seus rendimentos de origem alemã, rendimentos de capital provenientes das suas participações minoritárias em diferentes sociedades de capitais com sede noutros Estados-Membros, designadamente na República Francesa, no Grão-Ducado do Luxemburgo e no Reino dos Países Baixos, ou em Estados terceiros, a saber, na Confederação Suíça, nos Estados Unidos da América e no Japão. A título destas participações, os referidos recorrentes receberam dividendos num montante global de 24 111,29 euros que deram lugar ao pagamento, nos diferentes Estados de origem destes, de impostos estrangeiros de um montante total de 2 853,02 euros.

10      Por força das convenções para evitar a dupla tributação celebradas entre a República Federal da Alemanha e os Estados de origem destes dividendos, esse Estado-Membro pode, enquanto Estado de residência dos recorrentes no processo principal, cobrar um imposto sobre os dividendos de origem estrangeira. A fim de evitar uma dupla tributação jurídica destes dividendos, a retenção na fonte efetuada no estrangeiro é imputada no imposto sobre o rendimento devido segundo a taxa, até ao montante do imposto alemão que incida sobre os rendimentos em causa.

11      O § 34c, n.° 1, segundo período, da EStG (a seguir «regulamentação controvertida») prevê uma imputação limitada da retenção na fonte efetuada no estrangeiro no imposto sobre o rendimento devido, segundo a taxa, a título dos rendimentos tributáveis na sua totalidade. Este limite é calculado através da multiplicação do montante de imposto devido segundo a taxa pela relação entre os rendimentos de origem estrangeira e a soma total dos rendimentos. No entanto, esta última soma não tem em conta as despesas especiais e os encargos extraordinários enquanto despesas ligadas ao estilo de vida ou à situação pessoal, ao passo que as referidas despesas são tidas em conta no cálculo do imposto sobre o rendimento devido segundo a taxa.

12      O montante do imposto sobre o rendimento que incide sobre os rendimentos de origem estrangeira (limite de imputação do imposto estrangeiro) é assim calculado, em conformidade com a regulamentação controvertida, através da multiplicação do montante de imposto sobre o rendimento devido segundo a taxa pela relação (fração) entre o montante dos rendimentos de origem estrangeira e a soma total dos rendimentos do contribuinte do seguinte modo:

13      No caso em apreço, o Finanzamt Heilbronn calculou que o limite de imputação das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro ascendia a 1 282 euros, pelo que imputou essa soma no imposto sobre o rendimento devido, segundo a taxa, pelos recorrentes no processo principal.

14      Os recorrentes no processo principal pediram, perante o Finanzgericht Baden-Württemberg, a alteração do aviso de liquidação que lhes foi enviado e uma redução do seu imposto sobre o rendimento do exercício controvertido num montante de 1 200 euros, por as autoridades alemãs se terem baseado, para o cálculo do limite de imputação, na soma dos rendimentos antes de terem em conta deduções gerais correspondentes às despesas especiais e aos encargos extraordinários, como as despesas ligadas ao estilo de vida ou à situação pessoal ou familiar.

15      Tendo a ação intentada contra este aviso de liquidação sido julgada improcedente, os recorrentes no processo principal interpuseram um recurso de «Revision» no Bundesfinanzhof.

16      Por ter dúvidas quanto à compatibilidade do método de cálculo do limite de imputação, previsto pela regulamentação controvertida, com o direito da União, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo [63.° TFUE] opõe-se à legislação de um Estado-Membro nos termos da qual — em conformidade com convenções bilaterais destinadas a evitar a dupla tributação —, no caso de contribuintes tributados pela totalidade do seu rendimento cujos rendimentos com origem no estrangeiro estão sujeitos no Estado do qual provêm a um imposto correspondente ao imposto nacional sobre o rendimento, o imposto estrangeiro é imputado no imposto nacional sobre o rendimento que incide sobre os rendimentos provenientes desse Estado, de modo que o imposto nacional sobre o rendimento resultante da fixação do rendimento tributável — incluindo os rendimentos com origem no estrangeiro — é repartido na proporção da relação existente entre esses rendimentos estrangeiros e a soma dos rendimentos obtidos, sem tomar, assim, em consideração as despesas especiais e os encargos extraordinários como as despesas com a vida privada e os resultantes de circunstâncias da situação pessoal e familiar?»

 Quanto à questão prejudicial

17      Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro nos termos da qual, no quadro de um regime que visa limitar a dupla tributação, quando contribuintes tributados pela totalidade do seu rendimento pagam sobre rendimentos com origem no estrangeiro, no Estado de origem dos referidos rendimentos, um imposto correspondente ao imposto sobre o rendimento cobrado pelo referido Estado-Membro, a imputação do referido imposto estrangeiro no montante do imposto sobre o rendimento nesse Estado-Membro é feita através da multiplicação do montante do imposto devido pelos rendimentos tributáveis no mesmo Estado-Membro pela relação existente entre esses rendimentos de origem estrangeira e a soma dos rendimentos, não tomando esta última em consideração as despesas especiais e os encargos extraordinários como as despesas ligadas ao estilo de vida e as resultantes de circunstâncias da situação pessoal e familiar.

 Observação preliminar

18      Os recorrentes no processo principal alegam que a decisão de reenvio se afasta do objeto do pedido que é relativo à imputação da retenção na fonte efetuada no estrangeiro no imposto sobre o rendimento alemão na medida em que este aumenta em razão da tomada em consideração de rendimentos de origem estrangeira. A decisão de reenvio não reproduz a integralidade do pedido destes, dado que não refere os abatimentos e as reduções da taxa da primeira tranche de tributação de que beneficiam todos os contribuintes, mas apenas «as despesas especiais e os encargos extraordinários como as despesas com a vida privada e os resultantes de circunstâncias da situação pessoal e familiar». Se o Tribunal de Justiça se limitar a responder afirmativamente à questão submetida a título prejudicial e se o processo prosseguir dentro deste quadro limitado, o cálculo da parte que representam os rendimentos de origem estrangeira não se referirá, em conformidade com a abordagem adotada pelo Finanzamt Heilbronn, à soma dos rendimentos, mas ao montante calculado do rendimento tributável.

19      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, as questões relativas à interpretação do direito da União colocadas pelo juiz nacional no âmbito regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. A recusa do Tribunal de Justiça de conhecer de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação que se pede para o direito da União não tem qualquer relação com a realidade ou o objeto da lide principal, quando a questão for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (v., designadamente, acórdãos de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C-188/10 e C-189/10, Colet., p. I-5667, n.° 27, e de 28 de fevereiro de 2012, Inter-Environnement Wallonie e Terre wallonne, C-41/11, n.° 35).

20      Ora, no caso em apreço, não se afigura de maneira manifesta que a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio se insira numa dessas hipóteses. Ao invés, importa assinalar que, como resulta do n.° 20 das conclusões do advogado-geral, o órgão jurisdicional de reenvio indica, na parte final da decisão de reenvio, que o pedido que lhe foi apresentado pelos recorrentes no processo principal apenas visa expressamente a diferença obtida pela dedução das despesas ligadas ao estilo de vida fiscalmente dedutíveis no âmbito da determinação do limite de imputação e que, por força das normas processuais nacionais, não lhe é permitido decidir ultra petita.

21      Nestas condições, também não há que reformular a questão prejudicial.

 Quanto à liberdade em causa

22      Os interessados que apresentaram observações perante o Tribunal de Justiça estão de acordo em considerar que a liberdade em causa no litígio no processo principal é a livre circulação de capitais, consagrada no artigo 63.° TFUE.

23      A este respeito, importa recordar que o tratamento fiscal dos dividendos pode estar abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 49.° TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento, e do artigo 63.° TFUE, relativo à livre circulação de capitais (acórdãos de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.° 33, e de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-35/11, n.° 89).

24      Quanto à questão de saber se uma legislação nacional está abrangida por uma ou outra das liberdades de circulação, resulta de jurisprudência bem assente que se deve ter em conta o objeto da legislação em causa (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 90 e jurisprudência referida).

25      Uma legislação nacional que apenas é aplicável às participações que permitem exercer uma influência certa sobre as decisões duma sociedade e determinar as respetivas atividades está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 49.° TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 91 e jurisprudência referida).

26      Em contrapartida, disposições nacionais aplicáveis a participações efetuadas com a única finalidade de realizar uma aplicação financeira, sem intenção de influenciar a gestão e o controlo da empresa, devem ser examinadas exclusivamente à luz da livre circulação de capitais (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 92 e jurisprudência referida).

27      No caso em apreço, a regulamentação controvertida aplica-se qualquer que seja o montante da participação detida numa sociedade. Na medida em que esta regulamentação se refere a dividendos com origem num Estado-Membro, o objeto da dita regulamentação não permite, por conseguinte, determinar se a mesma está abrangida, de forma preponderante, pelo âmbito de aplicação do artigo 49.° TFUE ou do artigo 63.° TFUE (v., neste sentido, acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 93).

28      Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça tem em conta os elementos factuais do caso concreto para determinar se a situação visada pelo litígio no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação de uma ou outra das referidas disposições (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 94 e jurisprudência referida).

29      No caso em apreço, importa concluir que o litígio no processo principal diz respeito à tributação, na Alemanha, de dividendos recebidos por pessoas singulares que residem nesse Estado-Membro, provenientes de participações que estas detêm em sociedades de capitais com sede seja noutro Estado-Membro seja num Estado terceiro, e que são inferiores a 10% do capital destas últimas sociedades. Ora, participações dessa importância não conferem a possibilidade de exercer uma influência certa nas decisões das sociedades em causa e de determinar as respetivas atividades.

30      O Tribunal de Justiça já decidiu igualmente que uma legislação nacional relativa ao tratamento fiscal de dividendos de um país terceiro, que não se aplique exclusivamente às situações em que a sociedade-mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que procede à distribuição dos dividendos, deve ser apreciada à luz do artigo 63.° TFUE (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 99).

31      Resulta do exposto que uma regulamentação, como a regulamentação controvertida, deve ser examinada exclusivamente à luz da livre circulação de capitais, consagrada no artigo 63.° TFUE e à qual a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio se refere.

 Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

32      Importa recordar que, por força de jurisprudência assente, na falta de medidas de unificação ou de harmonização adotadas pela União Europeia, os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar os critérios de tributação dos rendimentos e do património, com vista a eliminar, eventualmente por via convencional, a dupla tributação. Neste contexto, os Estados-Membros são livres de fixar, no âmbito de convenções bilaterais destinadas a evitar a dupla tributação, os fatores de conexão para efeitos da repartição da competência fiscal (v., designadamente, acórdãos de 21 de setembro de 1999, Saint-Gobain ZN, C-307/97, Colet., p. I-6161, n.° 57; de 12 de dezembro de 2002, de Groot, C-385/00, Colet., p. I-11819, n.° 93; de 19 de janeiro de 2006, Bouanich, C-265/04, Colet., p. I-923, n.° 49; e de 16 de outubro de 2008, Renneberg, C-527/06, Colet., p. I-7735, n.° 48).

33      Contudo, esta repartição da competência fiscal não permite aos Estados-Membros aplicarem medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado FUE (acórdão Renneberg, já referido, n.° 50).

34      Com efeito, no que se refere ao exercício do poder de tributação assim repartido no âmbito de convenções bilaterais destinadas a evitar a dupla tributação, os Estados-Membros são obrigados a respeitar as regras da União (acórdãos, já referidos, de Groot, n.° 94, e Renneberg, n.° 51).

35      Resulta igualmente de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Festersen, C-370/05, Colet., p. I-1129, n.° 24; de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. I-11531, n.° 40; e Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, já referido, n.° 50).

36      No caso em apreço, importa assinalar que o método de cálculo do limite de imputação da retenção na fonte efetuada no estrangeiro, previsto pela regulamentação controvertida, não tem plenamente em conta as despesas ligadas ao estilo de vida e as resultantes de circunstâncias da situação pessoal e familiar do contribuinte.

37      Com efeito, o montante do referido limite de imputação é determinado, em conformidade com a regulamentação controvertida, em aplicação de uma fórmula que multiplica o imposto sobre o rendimento devido segundo a taxa, que constitui o imposto que o contribuinte deveria ter pagado se todos os seus rendimentos tivessem sido obtidos na Alemanha, pela fração composta, no numerador, pelo montante dos rendimentos de origem estrangeira e, no denominador, pela soma dos rendimentos.

38      O rendimento tributável total, com base no qual é calculado o imposto sobre o rendimento devido segundo a taxa que constitui a primeira parte desta fórmula, é determinado aplicando-se à soma dos rendimentos, qualquer que seja o lugar em que estes sejam recebidos, todas as deduções admitidas pela regulamentação alemã, designadamente as despesas ligadas ao estilo de vida e as resultantes de circunstâncias da situação pessoal e familiar do contribuinte. Em contrapartida, as referidas despesas não são deduzidas da soma dos rendimentos que figura no denominador da fração que constitui a segunda parte da referida fórmula.

39      A este respeito, há que salientar desde logo que a utilização, no denominador da fração que figura na segunda parte da mesma fórmula, da soma dos rendimentos em vez do rendimento tributável tem como consequência reduzir o valor do limite de imputação de que o contribuinte pode beneficiar.

40      Como assinalou o advogado-geral nos n.os 34 e 35 das suas conclusões, a lógica que parece inspirar a regulamentação controvertida é, aparentemente, a de que o contribuinte residente beneficia inteiramente das deduções de tipo pessoal quando todos os seus rendimentos tiverem sido recebidos na Alemanha, ao passo que tal não ocorre quando uma parte desses rendimentos tiver sido recebida no estrangeiro.

41      Com efeito, de forma comparável à regulamentação em causa no acórdão de Groot, já referido, embora uma regulamentação de um Estado-Membro, como a regulamentação controvertida, tenha certamente em consideração as deduções correspondentes às despesas especiais e aos encargos extraordinários como as despesas ligadas ao estilo de vida e as resultantes de circunstâncias da situação pessoal e familiar para calcular o montante teórico do imposto que incide sobre a totalidade dos rendimentos dos contribuintes, uma tal regulamentação leva, contudo, na prática, a que aos contribuintes residentes do referido Estado-Membro que receberam no estrangeiro uma parte dos seus rendimentos só sejam reconhecidas as deduções correspondentes às referidas despesas especiais e aos encargos extraordinários até ao montante dos seus rendimentos recebidos no seu Estado-Membro de residência.

42      Uma quota-parte das referidas deduções não é assim tida em conta por este último Estado-Membro para o cálculo do imposto sobre o rendimento destes contribuintes.

43      Ora, resulta designadamente do n.° 90 do acórdão de Groot, já referido, que é ao Estado de residência que cabe, em princípio, atribuir ao contribuinte a totalidade dos benefícios fiscais inerentes à sua situação pessoal e familiar, dado que esse Estado é o mais bem colocado para apreciar a capacidade contributiva pessoal do sujeito passivo, na medida em que este tem os seus interesses pessoais e patrimoniais aí centralizados.

44      Resulta igualmente do referido acórdão que a obrigação de tomar em conta a situação pessoal e familiar só incumbe ao Estado-Membro de origem dos rendimentos quando o sujeito passivo obtém a quase totalidade ou a totalidade dos seus rendimentos tributáveis neste último e não aufere rendimentos significativos no seu Estado de residência, pelo que este não está em condições de lhe conceder os benefícios resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar (v., neste sentido, acórdão de Groot, já referido, n.° 89).

45      Os princípios enunciados nesse acórdão parecem ser transponíveis para o caso em apreço, ainda que o referido acórdão seja relativo à livre circulação de trabalhadores e os factos em causa no litígio que está na origem daquele apresentem certas diferenças em relação à situação dos recorrentes no processo principal.

46      Importa observar, à semelhança do advogado-geral no n.° 44 das suas conclusões, que não é relevante a este respeito o facto de, com vista à redução da dupla tributação, a regulamentação em causa no acórdão de Groot, já referido, prever, ao contrário da regulamentação controvertida, um sistema de isenção, e não de imputação.

47      Com efeito, os dados sobre os quais o Tribunal de Justiça, no referido acórdão, concentrou a sua análise eram constituídos pela fórmula usada pela regulamentação em causa para o cálculo do montante da isenção a conceder ao contribuinte residente a título de rendimentos recebidos e tributados nos diferentes Estados de emprego deste último, bem como pelo efeito concreto desta fórmula. Ora, este efeito era, como no presente processo principal, o de que o contribuinte apenas beneficiava das deduções ligadas à sua situação familiar e pessoal pelo pro rata dos rendimentos que tinha auferido no seu Estado-Membro de residência (v., neste sentido, acórdão de Groot, já referido, n.° 91).

48      A este respeito, importa acrescentar que o método utilizado pela regulamentação em causa nesse acórdão com vista a limitar a dupla tributação parece ser uma variante do método da isenção, concebido de modo a corresponder, na prática, a um sistema de imputação (v., neste sentido, acórdão de Groot, já referido, n.os 21 a 23).

49      Por último, não pode ser acolhido o argumento do Governo alemão segundo o qual, no essencial, a regulamentação controvertida não é contrária à livre circulação de capitais na medida em que a totalidade das deduções de natureza pessoal e familiar foi tida em conta no cálculo do montante do imposto sobre o rendimento devido segundo a taxa, que constitui a primeira parte da fórmula utilizada para fins de determinar o limite de imputação da retenção na fonte efetuada no estrangeiro.

50      Com efeito, importa assinalar que a regulamentação em causa no acórdão de Groot, já referido, implicava, também, uma tomada em consideração das deduções ligadas à situação familiar e pessoal do contribuinte na fase do cálculo teórico do imposto que incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, a qual constituía a primeira parte da fórmula prevista pela referida regulamentação para calcular o montante da isenção a conceder ao contribuinte. Ora, de forma análoga ao que prevê a regulamentação controvertida, a aplicação da fração que constitui a segunda parte da referida fórmula levava todavia a que o contribuinte apenas beneficiasse das deduções ligadas à sua situação familiar e pessoal pelo pro rata dos rendimentos auferidos no seu Estado-Membro de residência.

51      Resulta das considerações precedentes que, numa situação como a que está em causa no processo principal, os contribuintes residentes de um Estado-Membro que tenham recebido uma parte dos seus rendimentos no estrangeiro são desfavorecidos em relação aos contribuintes residentes do mesmo Estado-Membro que tenham recebido neste a totalidade dos seus rendimentos e que beneficiam consequentemente da totalidade das deduções correspondentes às despesas especiais e aos encargos extraordinários como as despesas ligadas ao estilo de vida e as resultantes de circunstâncias da situação pessoal e familiar.

52      Portanto, uma tal diferença de tratamento é suscetível de dissuadir pessoas tributadas a título principal com o imposto num Estado-Membro de investir os seus capitais em sociedades que têm a sua sede num outro Estado-Membro ou num Estado terceiro.

53      Por conseguinte, uma regulamentação de um Estado-Membro como a regulamentação controvertida constitui uma restrição à livre circulação de capitais na aceção do artigo 63.° TFUE.

 Quanto à justificação da restrição à livre circulação de capitais

54      A título subsidiário, o Governo alemão invoca, a fim de justificar a restrição à livre circulação de capitais, considerações relativas à preservação da repartição do poder fiscal entre os Estados-Membros.

55      Para fins da imputação da retenção na fonte efetuada no estrangeiro, este princípio implica que só é possível deduzir despesas ou custos quando eles estão diretamente ligados a receitas fiscais submetidas ao poder fiscal de um Estado-Membro por força da repartição das competências entre Estados prevista pelas convenções para evitar a dupla tributação. O Estado de residência não é, portanto, obrigado a compensar os inconvenientes ligados à não tomada em conta da situação pessoal do contribuinte, quando da tributação dos rendimentos de origem estrangeira no Estado de origem destes últimos.

56      Embora a preservação da repartição do poder fiscal entre os Estados-Membros seja certamente suscetível de constituir uma razão imperiosa de interesse geral que permite justificar uma restrição ao exercício de uma liberdade de circulação na União, há que assinalar que uma tal justificação foi contudo posta de parte pelo Tribunal de Justiça no acórdão de Groot, já referido, no qual estava em causa uma regulamentação comparável à regulamentação controvertida. Com efeito, como observou o advogado-geral no n.° 51 das suas conclusões, resulta dos n.os 98 a 101 do referido acórdão que tal justificação não pode ser invocada pelo Estado de residência de um contribuinte para se subtrair à responsabilidade, que, em princípio, recai sobre esse Estado, de conceder as deduções pessoais e familiares a que o contribuinte tem direito, a menos que, de forma voluntária ou em resultado de acordos internacionais específicos, os Estados nos quais foi recebida uma parte do rendimento, por sua vez, concedam essas deduções.

57      Em qualquer caso, uma justificação relativa à necessidade de salvaguardar a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros pode ser aceite, designadamente, quando o regime em causa tenha por objetivo evitar comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado-Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades exercidas no seu território (v., neste sentido, acórdãos de 29 de março de 2007, Rewe Zentralfinanz, C-347/04, Colet., p. I-2647, n.° 42; de 18 de julho de 2007, Oy AA, C-231/05, Colet., p. I-6373, n.° 54; e de 21 de janeiro de 2010, SGI, C-311/08, Colet., p. I-487, n.° 60).

58      Ora, no caso em apreço, o facto de a República Federal de Alemanha reconhecer integralmente o benefício das deduções de tipo pessoal e familiar aos recorrentes no processo principal não compromete este direito. O referido Estado-Membro não renuncia a uma parte da sua competência fiscal a favor de outros Estados-Membros. Os rendimentos recebidos na Alemanha pelos recorrentes no processo principal não são menos tributados do que se constituíssem os únicos rendimentos recebidos pelos interessados e do que se estes não tivessem recebido rendimentos de origem estrangeira.

59      A este respeito, há que salientar que, segundo o Governo alemão, no essencial, na medida em que as deduções de tipo pessoal e familiar não apresentem nenhuma ligação com elementos determinados do rendimento, estas pesam sobre o rendimento global e devem assim ser afetadas de forma homogénea ao rendimento total do contribuinte, de origem interna e estrangeira, de forma a que o seu reconhecimento se possa limitar a uma fração proporcional à parte dos rendimentos recebidos na Alemanha desse rendimento total.

60      Ora, resulta da jurisprudência referida no n.° 44 do presente acórdão que essas deduções devem, em princípio, ser integralmente tidas em conta pelo Estado de residência. Por conseguinte, devem, em princípio, como assinalou o advogado-geral no n.° 54 das suas conclusões, ser efetuadas na sua totalidade sobre a parte do rendimento do contribuinte recebida neste último Estado.

61      Por último, importa igualmente sublinhar que a regulamentação alemã prevê a possibilidade de optar por um sistema que não seja a imputação no imposto alemão da retenção na fonte efetuada no estrangeiro, a saber, a dedução da tributação estrangeira da base tributável.

62      Mesmo admitindo que tal sistema seja compatível com o direito da União, resulta contudo da jurisprudência que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode permanecer incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.° 162, e de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, Colet., p. I-2323, n.° 53). A este respeito, a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.

63      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro nos termos da qual, no quadro de um regime que visa limitar a dupla tributação, quando contribuintes tributados pela totalidade do seu rendimento pagam sobre rendimentos com origem no estrangeiro, no Estado de origem dos referidos rendimentos, um imposto correspondente ao imposto sobre o rendimento cobrado pelo referido Estado-Membro, a imputação do dito imposto estrangeiro no montante do imposto sobre o rendimento nesse Estado-Membro é feita através da multiplicação do montante do imposto devido pelos rendimentos tributáveis no mesmo Estado-Membro, que compreendem os rendimentos com origem no estrangeiro, pela relação existente entre esses rendimentos de origem estrangeira e a soma dos rendimentos, não tomando esta soma em consideração as despesas especiais e os encargos extraordinários como as despesas ligadas ao estilo de vida e as resultantes de circunstâncias da situação pessoal e familiar.

 Quanto às despesas

64      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro nos termos da qual, no quadro de um regime que visa limitar a dupla tributação, quando contribuintes tributados pela totalidade do seu rendimento pagam sobre rendimentos com origem no estrangeiro, no Estado de origem dos referidos rendimentos, um imposto correspondente ao imposto sobre o rendimento cobrado pelo referido Estado-Membro, a imputação do dito imposto estrangeiro no montante do imposto sobre o rendimento nesse Estado-Membro é feita através da multiplicação do montante do imposto devido pelos rendimentos tributáveis no mesmo Estado-Membro, que compreendem os rendimentos com origem no estrangeiro, pela relação existente entre esses rendimentos de origem estrangeira e a soma dos rendimentos, não tomando esta soma em consideração as despesas especiais e os encargos extraordinários como as despesas ligadas ao estilo de vida e as resultantes de circunstâncias da situação pessoal e familiar.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.