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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

28 de junho de 2012 (*)

«Livre circulação dos trabalhadores — Artigo 45.° TFUE — Regulamento (CEE) n.° 1612/68 — Artigo 7.°, n.° 4 — Princípio da não discriminação — Complemento de salário pago aos trabalhadores colocados num regime de trabalho a tempo parcial antes da sua passagem à reforma — Trabalhadores fronteiriços sujeitos ao imposto sobre o rendimento no Estado-Membro de residência — Tomada em consideração fictícia do imposto sobre o salário do Estado-Membro de emprego»

No processo C-172/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Arbeitsgericht Ludwigshafen am Rhein (Alemanha), por decisão de 4 de abril de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de abril de 2011, no processo

Georges Erny

contra

Daimler AG – Werk Wörth,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues (relator), presidente de secção, U. Lõhmus, A. Rosas, A. Arabadjiev e C. G. Fernlund, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 28 de março de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de G. Erny, por G. Turek, Rechtsanwalt,

¾        em representação da Daimler AG – Werk Wörth, por U. Baeck e N. Kramer, Rechtsanwälte,

¾        em representação da Comissão Europeia, por G. Rozet e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 45.° TFUE e 7.°, n.° 4, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe G. Erny, cidadão francês residente em França e que trabalha na Alemanha, ao seu empregador, Daimler AG – Werk Wörth (a seguir «Daimler»), a respeito do cálculo de um complemento de salário (a seguir «complemento») que lhe é devido no âmbito de um regime dito de «pré-reforma progressiva».

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68 dispõe:

«1.      O trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode, no território de outros Estados-Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

[...]

4.       São nulas todas e quaisquer cláusulas de convenção coletiva ou individual ou de qualquer outra regulamentação coletiva respeitantes ao acesso ao emprego, ao emprego, à remuneração e às outras condições de trabalho e de despedimento, na medida em que prevejam ou autorizem condições discriminatórias relativamente aos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros.»

4        O Regulamento n.° 1612/68 foi revogado e substituído, com efeitos a partir de 16 de junho de 2011, pelo Regulamento (UE) n.° 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO L 141, p. 1).

 Direito nacional

 Lei sobre a pré-reforma progressiva

5        O § 1 da Lei sobre a pré-reforma progressiva (Altersteilzeitgesetz) dispõe:

«1.      A pré-reforma progressiva destina-se a facilitar aos trabalhadores mais velhos a passagem progressiva da vida ativa para a reforma.

2.      O Bundesanstalt für Arbeit (Instituto de Emprego Federal) apoia, através de prestações previstas nesta lei, o trabalho a tempo parcial dos trabalhadores mais velhos que, o mais tardar a partir de 31 de dezembro de 2009, reduzam o seu horário de trabalho quando completados os 55 anos e permitam, desse modo, o recrutamento de trabalhadores que, caso contrário, ficariam no desemprego.»

6        Na sua versão em vigor até 30 de junho de 2004, o § 3, n.° 1, ponto 1, alínea a), da referida lei enunciava:

«O direito à prestação prevista no § 4 [reembolso dos complementos no limite do montante legal pelo Instituto de Emprego Federal] pressupõe que:

1.      o empregador, com base numa convenção coletiva, […] num acordo de empresa ou numa convenção celebrada com o trabalhador,

a)      tenha aumentado o salário correspondente ao período de pré-reforma progressiva em, pelo menos, 20%, devendo o novo salário, contudo, reportar-se a pelo menos 70% do salário anterior […] (montante líquido de base na aceção do § 6, n.° 1), feitas as deduções legais suportadas habitualmente pelos trabalhadores. [...]»

7        Nos termos do § 15, primeira frase, da mesma lei:

«O Bundesministerium für Arbeit und Soziales (Ministério Federal do Trabalho e dos Assuntos Sociais) pode definir, por via regulamentar, os montantes líquidos de base previstos no § 3, n.° 1, ponto 1, alínea a), da presente lei na sua versão em vigor até 30 de junho de 2004. [...]»

 Regulamento relativo ao salário líquido de base

8        Com base na habilitação conferida pelo § 15 da Lei sobre a pré-reforma progressiva, o Ministro federal competente adotou o Regulamento relativo ao salário líquido de base (Mindestnettobetrags-Verordnung), cuja versão aplicável no processo principal é a que resulta do Regulamento de 19 de dezembro de 2007 (BGB1. 2007 I, p. 3040).

9        Como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, o referido regulamento inclui um quadro com os salários brutos arredondados para o montante em euros seguinte divisível por cinco e atribui-lhes, em função dos escalões do imposto sobre o salário, montantes líquidos de base. O imposto sobre o rendimento (sem ter em conta os abatimentos fiscais de caráter individual) e a contribuição social de solidariedade serão deduzidos desses montantes em conformidade com o escalão de imposto. No que diz respeito à segurança social, é deduzida uma taxa fixa de 21% limitada pelo valor máximo mensal que serve de base ao cálculo das contribuições para o regime de pensões. Os montantes líquidos de base assim calculados são indicados no quadro, no valor de 70%.

 Convenção coletiva relativa à pré-reforma progressiva

10      O § 7 da convenção coletiva relativa à pré-reforma progressiva (Tarifvertrag zur Altersteilzeit), celebrada em 23 de novembro de 2004 entre a associação da indústria metalúrgica e eletrónica do Palatinado e a direção regional do sindicato da indústria metalúrgica (a seguir «convenção coletiva»), estipula:

«Em conformidade com a versão em vigor do § 3, n.° 1, ponto 1, alínea a), da Lei sobre a pré-reforma progressiva, o trabalhador recebe um complemento de pré-reforma progressiva juntamente com o seu salário. No entanto, este complemento deve ser calculado de modo a que o salário líquido mensal seja, pelo menos, de 82% do salário bruto mensal anterior […] feitas as deduções legais suportadas habitualmente pelos trabalhadores.»

 Acordo geral de empresa

11      Foi concluído, em 24 de julho de 2000, no seio da sociedade DaimlerChrysler AG (atual Daimler), um acordo geral de empresa (Gesamtbetriebsvereinbarung) relativo ao recurso ao regime da pré-reforma progressiva (a seguir «acordo geral»), que fez passar o complemento de 82% a 85%.

12      O ponto 8.3 deste acordo enuncia:

«O complemento deve ser calculado de modo a que o trabalhador receba, durante a fase de trabalho, pelo menos, 85% do salário anterior (como definido no ponto 8.2.2), feitas as deduções legais suportadas habitualmente pelos trabalhadores, e, durante a fase de dispensa do trabalho, pelo menos, 85% do salário anterior (como definido no ponto 8.2.3), feitas as deduções legais suportadas habitualmente pelos trabalhadores.»

 Convenção de pré-reforma progressiva

13      A convenção de pré-reforma progressiva celebrada entre as partes (Altersteilzeitvertrag der Parteien) inclui um § 5, intitulado «Prestações suplementares do empregador», cujo n.° 1 estipula: 

«Nos termos do [acordo geral], a remuneração mensal líquida durante a pré-reforma progressiva é fixada em 85% da remuneração mensal líquida fixa a tempo completo (base: Regulamento relativo ao salário líquido de base atualmente em vigor). Além da remuneração líquida definida no § 4, o trabalhador receberá, por conseguinte, mensalmente um complemento de pré-reforma progressiva.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      G. Erny é um trabalhador fronteiriço na aceção da convenção celebrada entre a República Francesa e a República Federal da Alemanha com vista a evitar a dupla tributação. Os rendimentos que aufere na Alemanha são sujeitos a tributação em França, após dedução das contribuições para a segurança social pagas na Alemanha. Na medida em que a taxa de imposto sobre os salários é mais baixa em França do que na Alemanha, um trabalhador como G. Erny tem um rendimento líquido superior ao de um trabalhador equivalente residente na Alemanha.

15      Em 17 de novembro de 2006, as partes no processo principal celebraram uma convenção de pré-reforma progressiva por força da qual o contrato de trabalho inicial a tempo inteiro de G. Erny passaria, a partir de 1 de setembro de 2007, a contrato de trabalho a tempo parcial.

16      No termos dessa convenção, a relação de trabalho entre as partes terminará, o mais tardar, em 31 de agosto de 2012. Durante o período de pré-reforma progressiva, G. Erny recebe, para além da remuneração a tempo parcial, o complemento. Em conformidade com o § 5 da referida convenção, a remuneração mensal líquida a tempo parcial «é fixada em 85% da remuneração mensal líquida fixa a tempo completo (base: Regulamento relativo ao salário líquido de base na sua versão em vigor)».

17      Como referido no n.° 9 do presente acórdão, o Regulamento relativo ao salário líquido de base inclui um quadro que associa aos salários brutos o que se convencionou chamar montantes líquidos de base escalonados em função dos escalões de tributação alemães. O imposto alemão sobre os salários (excluídos os abatimentos fiscais de caráter individual), a contribuição para a segurança social e uma taxa fixa de 21% a título das contribuições para o regime de pensões são deduzidos do salário bruto em função do escalão de tributação. O salário líquido assim obtido é indicado no quadro, no valor de 70%, enquanto montante líquido de base. 

18      Em conformidade com a Lei relativa ao imposto sobre o rendimento (Einkommensteuergesetz), os complementos pagos aos trabalhadores sujeitos a tributação na Alemanha estão isentos de imposto e também não estão, portanto, sujeitos a contribuições para a segurança social alemã, ainda que o complemento seja tido em conta para determinar a taxa de imposto aplicável.

19      Quanto à determinação do montante do complemento, a Daimler definiu, num primeiro momento, enquanto base de cálculo, um salário fictício equivalente a 85% da remuneração mensal líquida fixa paga por um trabalho a tempo inteiro. Para esse efeito, determina, a partir do salário bruto que o G. Erny receberia se não estivesse na pré-reforma, um salário fixo líquido de 70% recorrendo ao quadro de montantes líquidos de base e fixa em seguida esse salário em 85%. No processo principal, para estabelecer as correspondências no referido quadro, o empregador baseou-se, de modo fictício, no escalão de imposto alemão III (trabalhador casado).

20      Num segundo momento, o empregador define um «salário líquido individual de pré-reforma progressiva» para o trabalhador em causa. No caso dos trabalhadores sujeitos a imposto na Alemanha, deduziu para esse efeito os impostos e as contribuições para a segurança social efetivamente devidos da remuneração relativa à pré-reforma (igual a 50% do salário bruto auferido antes da pré-reforma). No que diz respeito aos trabalhadores fronteiriços, deduziu as contribuições para a segurança social efetivamente devidas e, a título fictício, o imposto alemão sobre o salário. Este último montante corresponde ao imposto sobre os salários que um trabalhador sujeito a imposto na Alemanha e que possui as mesmas características individuais que o trabalhador fronteiriço (salário bruto, situação familiar) devia pagar.

21      Por último, o complemento corresponde à diferença entre o salário fictício equivalente a 85% da remuneração mensal líquida fixa para um emprego a tempo inteiro e o salário líquido individual da pré-reforma progressiva.

22      A Daimler considera que o seu método de cálculo permite estabelecer uma base de cálculo uniforme para todos os trabalhadores em pré-reforma progressiva. O montante individual de imposto não é tido em conta relativamente a nenhum trabalhador, sendo aplicado apenas o imposto fixo sobre os salários, e nenhum trabalhador, mesmo sujeito a tributação na Alemanha, recebe exatamente 85% do montante líquido do salário que recebia anteriormente. O recurso à determinação de um montante fixo destina-se, antes de mais, a avaliar a carga fiscal total, a economizar despesas de natureza administrativa e a simplificar o procedimento. Contrariamente ao em causa no processo que deu origem ao acórdão de 16 de setembro de 2004, Merida (C-400/02, Colet., p. I-8471), o complemento não tem função compensatória e a Daimler tão-pouco se comprometeu a pagar um salário líquido garantido relativamente ao qual suportaria no todo ou em parte os correspondentes impostos e inerentes contribuições para a segurança social.

23      G. Erny alega, contrariamente à Daimler, que o complemento está sujeito a imposto sobre o rendimento em França e que a dupla tributação de facto resultante do método de cálculo controvertido cria uma discriminação, na medida em que situações diferentes são tratadas da mesma maneira.

24      Consequentemente, G. Erny propôs uma ação no órgão jurisdicional de reenvio no sentido de obter do seu empregador o pagamento de um complemento mais elevado do que aquele que recebe e cujo montante calcula como se segue.

25      Num primeiro momento, define o salário fictício equivalente a 85% deduzindo do seu último salário bruto correspondente a um emprego a tempo inteiro a taxa fixa de 21% a título das contribuições para a segurança social, mas não, a título fictício, o imposto sobre os salários alemão, em conformidade com o quadro dos montantes líquidos de base constante do Regulamento relativo ao salário líquido de base. Em seguida, determina o montante correspondente a 85% do resultado assim obtido. Num segundo momento, calcula o salário líquido individual de pré-reforma progressiva deduzindo da sua remuneração de pré-reforma progressiva, que é igual a metade do salário bruto de um emprego a tempo inteiro, os encargos sociais efetivamente devidos, mas sem deduzir, a título fictício, o imposto sobre os salários alemão. Por força deste método de cálculo, a diferença entre o complemento que a Daimler paga a G. Erny e o montante que resultaria do referido método de cálculo representa uma perda de 424,40 euros por mês.

26      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que os trabalhadores fronteiriços sujeitos a imposto em França recebem um montante bastante inferior a 85% do rendimento líquido que recebiam antes do início da pré-reforma progressiva, enquanto os trabalhadores sujeitos a tributação na Alemanha recebem um montante que corresponde a 85% do seu rendimento líquido anterior. Esta situação explica-se, principalmente, pelo facto de as taxas de imposto alemãs serem mais elevadas do que as taxas de imposto em França. Por outro lado, não é de excluir que pessoas na situação de G. Erny tenham também de pagar imposto sobre o complemento em França.

27      Nestas condições, o Arbeitsgericht Ludwigshafen am Rhein decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Uma cláusula contida [numa convenção individual sobre a pré-reforma progressiva], nos termos da qual – como está previsto no § 5, ponto 1, da referida convenção, celebrada entre as partes – o complemento acordado também deve ser calculado relativamente aos trabalhadores fronteiriços provenientes de França com base no Regulamento relativo ao salário líquido de base, viola o artigo 45.° TFUE, tal como é concretizado pelo artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento [n.° 1612/68]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

Tendo em conta o disposto no artigo 45.° TFUE, tal como concretizado pelo artigo 7.°, n.° 4, do [Regulamento n.° 1612/68], as cláusulas correspondentes contidas em regulamentações coletivas, como é o caso do ponto 8.3 do [acordo geral] e o § 7 da [convenção coletiva], devem ser interpretadas no sentido de que, no caso dos trabalhadores fronteiriços, o cálculo do complemento não deve ser efetuado segundo [o quadro] do regulamento alemão sobre o salário líquido de base?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

28      A Daimler sustenta que o órgão jurisdicional de reenvio não tem dúvidas sobre o alcance do direito da União, mas apenas pretende que o Tribunal de Justiça o ajude a interpretar tanto a legislação alemã pertinente como o acordo geral e a convenção coletiva. Ora, o Tribunal de Justiça só é competente para se pronunciar sobre a interpretação e validade do direito da União, de modo que o pedido de decisão prejudicial deveria ser declarado inadmissível.

29      Esta argumentação deve ser rejeitada.

30      Na verdade, no âmbito do artigo 267.° TFUE, o Tribunal de Justiça não se pode pronunciar sobre a interpretação de cláusulas contratuais ou disposições legislativas nacionais nem sobre a conformidade de tais disposições com o direito da União (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 11 de março de 2010, Attanasio Group, C-384/08, Colet., p. I-2055, n.° 16 e jurisprudência aí referida).

31      Todavia, como o órgão jurisdicional de reenvio salientou expressamente, o pedido de decisão prejudicial diz respeito à «interpretação do direito da União» e, mais precisamente, aos artigos 45.° TFUE e 7.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1612/68.

32      Segundo jurisprudência assente, incumbe ao Tribunal de Justiça limitar o seu exame às disposições do direito da União, delas fornecendo uma interpretação que seja útil ao órgão jurisdicional de reenvio, ao qual cabe apreciar a conformidade das disposições legislativas nacionais e das cláusulas contratuais com o referido direito (acórdão Attanasio Group, já referido, n.° 19).

33      Com esta ressalva, importa responder às questões prejudiciais.

 Quanto ao mérito

34      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 45.° TFUE e 7.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1612/68 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a cláusulas de convenções coletivas e individuais segundo as quais um complemento como o que está em causa no processo principal, pago pelo empregador no âmbito de um regime da pré-reforma progressiva, deve ser calculado de modo a que o imposto sobre os salários devido pelo trabalhador no Estado-Membro de emprego seja deduzido de maneira fictícia no momento da determinação da base de cálculo desse complemento, quando, em conformidade com uma convenção fiscal destinada a evitar a dupla tributação, os ordenados, salários e remunerações análogos pagos aos trabalhadores não residentes no Estado-Membro de emprego são tributáveis no respetivo Estado-Membro de residência. Em caso de resposta afirmativa a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber quais são as consequências para o cálculo do complemento devido a esses trabalhadores.

35      O artigo 45.°, n.° 2, TFUE proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

36      A proibição da discriminação enunciada na referida disposição impõe-se não só à ação das autoridades públicas mas também a todas as convenções destinadas a regular de modo coletivo o trabalho assalariado, bem como os contratos entre particulares (v., designadamente, acórdão de 17 de julho de 2008, Raccanelli, C-94/07, Colet., p. I-5939, n.° 45 e jurisprudência aí referida).

37      Por outro lado, o artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1612/68, que explicita e põe em prática certos direitos que decorrem do artigo 45.° TFUE (acórdão Merida, já referido, n.° 19), dispõe que são nulas todas e quaisquer cláusulas de convenção coletiva respeitantes, nomeadamente, à remuneração e às outras condições de trabalho e de despedimento, na medida em que prevejam ou autorizem condições discriminatórias relativamente aos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros.

38      Uma prestação como o complemento, que é paga como suplemento de remuneração concedida aos trabalhadores colocados em regime de pré-reforma progressiva, está incontestavelmente abrangida, enquanto elemento da remuneração, pelo âmbito de aplicação material das disposições referidas no número anterior, independentemente da circunstância de, por força da Lei sobre a pré-reforma progressiva, o financiamento do complemento ser, em parte, assegurado por fundos públicos sob a forma de reembolso ao empregador. Um trabalhador fronteiriço na situação de G. Erny pode invocar o benefício dessas disposições relativamente a um subsídio dessa natureza (v., neste sentido, designadamente, acórdão Merida, já referido, n.° 20).

39      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a regra da igualdade de tratamento, inscrita tanto no artigo 45.° TFUE como no artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68, proíbe não apenas as discriminações ostensivas, em razão da nacionalidade, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, aplicando outros critérios de distinção, conduzam na prática ao mesmo resultado (v., designadamente, acórdão de 23 de maio de 1996, O’Flynn, C-237/94, Colet., p. I-2617, n.° 17).

40      O princípio da não discriminação impõe não apenas que situações idênticas não sejam tratadas de modo diferente mas igualmente que situações diferentes não sejam tratadas de igual maneira (v., designadamente, acórdão Merida, já referido, n.° 22).

41      A menos que seja objetivamente justificada e proporcionada ao objetivo prosseguido, uma disposição de direito nacional ou uma cláusula convencional deve ser considerada indiretamente discriminatória quando seja suscetível, pela sua própria natureza, de afetar mais os trabalhadores migrantes do que os trabalhadores nacionais e, consequentemente, cria o risco de desfavorecer mais particularmente os primeiros (v., designadamente, acórdão Merida, já referido, n.° 23). Para que uma medida possa ser qualificada de indiretamente discriminatória, não é necessário que tenha o efeito de favorecer todos os nacionais ou de apenas desfavorecer os nacionais dos outros Estados-Membros, com exclusão dos nacionais (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 14 de junho de 2012, Comissão/Países Baixos, C-542/09, n.° 38)

42      No caso vertente, o facto de se ter ficticiamente em conta o imposto sobre o salário alemão afeta desfavoravelmente a situação dos trabalhadores fronteiriços, na medida em que a dedução fictícia desse imposto na determinação da base de cálculo do complemento prejudica as pessoas que, como G. Erny, residem e são contribuintes fiscais num Estado-Membro diferente da República Federal da Alemanha relativamente aos trabalhadores que residem e são contribuintes fiscais neste último Estado.

43      Com efeito, segundo o apurado pelo órgão jurisdicional de reenvio, quando o complemento é calculado com base no Regulamento relativo ao salário líquido de base, os trabalhadores em regime de pré-reforma progressiva, sujeitos a imposto na Alemanha, recebem um montante que corresponde aproximadamente a 85% do rendimento líquido que auferiam anteriormente a título do seu último emprego a tempo inteiro. Isto deve-se ao facto de, como este regulamento se baseia nos escalões e nas especificidades do imposto alemão sobre o salário, a situação fiscal em que esses trabalhadores se encontravam antes de terem entrado no regime de pré-reforma progressiva ser tida em conta e repercutida no método de cálculo.

44      Em contrapartida, no que diz respeito aos trabalhadores fronteiriços, o montante recebido é bastante inferior a 85% do rendimento líquido que recebiam anteriormente. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, isto explica-se, principalmente, pelo facto de o quadro que consta do referido regulamento integrar as taxas do imposto sobre o salário alemão, aplicáveis quando da entrada em vigor deste regulamento, e de essas taxas serem mais elevadas do que as taxas de imposto equivalentes em França. O método de cálculo do complemento baseia-se, portanto, numa situação fiscal «fictícia» que não tem nenhuma relação com o rendimento que esses trabalhadores fronteiriços auferiam anteriormente ao abrigo do último emprego que exerceram a tempo inteiro.

45      Consequentemente, no caso dos trabalhadores fronteiriços, a aplicação fictícia da taxa do imposto alemão sobre os salários impede que o montante pago corresponda aproximadamente a 85% da remuneração líquida recebida anteriormente por um emprego a tempo inteiro, ao invés do que, em geral, ocorre com os trabalhadores residentes na Alemanha.

46      Além disso, como salientou G. Erny, sem que a Daimler o tenha contestado na audiência no Tribunal de Justiça, o complemento pago aos trabalhadores fronteiriços como G. Erny está sujeito a imposto em França.

47      Para justificar a aplicação desse método de cálculo aos trabalhadores fronteiriços, a Daimler invoca as dificuldades administrativas que resultariam da aplicação de diferentes métodos de cálculo em função da residência do interessado, bem como as consequências financeiras decorrentes do facto de não se ter em conta o imposto sobre os salários alemão.

48      Ora, essas justificações, baseadas no aumento dos encargos financeiros e de eventuais dificuldades administrativas, não podem ser acolhidas. Com efeito, essas razões não podem, em qualquer caso, justificar o desrespeito das obrigações decorrentes da proibição de discriminação com base na nacionalidade enunciada no artigo 45.° TFUE (v., neste sentido, acórdão Merida, já referido, n.° 30), não tendo a natureza pública ou privada da regulamentação em causa qualquer incidência no alcance ou no conteúdo das referidas justificações (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C-415/93, Colet., p. I-4921, n.° 86).

49      A Daimler invoca, além disso, a autonomia de que devem beneficiar os parceiros sociais na fixação das condições de trabalho.

50      Todavia, embora decorra, nomeadamente, do artigo 152.°, primeiro parágrafo, TFUE que a União Europeia respeita a autonomia dos parceiros sociais, não deixa de ser verdade que, como enunciado no artigo 28.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o direito dos trabalhadores e das entidades patronais, ou das respetivas organizações, de negociar e de celebrar convenções coletivas aos níveis apropriados deve ser exercido em conformidade com o direito da União (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C-447/09, Colet., p. I-8003, n.° 47) e, portanto, com o princípio da não discriminação.

51      Por último, é irrelevante a circunstância de os trabalhadores que se encontram na situação de G. Erny terem sido previamente informados do método de cálculo do complemento pelo seu empregador e de que poderiam ter renunciado ao benefício do regime de pré-reforma progressiva. A proibição de discriminação enunciada no artigo 45.° TFUE impõe-se, como foi salientado no n.° 36 do presente acórdão, a todas as convenções destinadas a regular, de forma coletiva, o trabalho assalariado e os contratos celebrados entre particulares.

52      Em conformidade com o artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1612/68, são nulas as cláusulas de convenção coletiva ou individual que consagrem uma discriminação direta ou indireta baseada na nacionalidade.

53      Nem o artigo 45.° TFUE nem as disposições do Regulamento n.° 1612/68 impõem aos Estados-Membros ou a um empregador privado como a Daimler uma medida específica em caso de violação da proibição de discriminação. Essas disposições deixam-lhes a liberdade de escolher entre as diferentes soluções adequadas à realização do objetivo dessas disposições respetivas, em função das diferentes situações que possam ocorrer (acórdão Raccanelli, já referido, n.° 50).

54      Nestas condições, importa responder às questões submetidas que os artigos 45.° TFUE e 7.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1612/68 se opõem a cláusulas de convenções coletivas e individuais segundo as quais um complemento como o que está em causa no processo principal, que é pago pelo empregador no âmbito de um regime de pré-reforma progressiva, deve ser calculado de modo a que o imposto sobre os salários devido no Estado-Membro de emprego seja deduzido de maneira fictícia no momento da determinação da base de cálculo desse complemento, quando, em conformidade com uma convenção fiscal destinada a evitar a dupla tributação, os ordenados, salários e remunerações análogos pagos aos trabalhadores não residentes no Estado-Membro de emprego são tributáveis no Estado-Membro de residência destes. Em conformidade com o referido artigo 7.°, n.° 4, essas cláusulas são nulas. O artigo 45.° TFUE e as disposições do Regulamento n.° 1612/68 deixam aos Estados-Membros ou aos parceiros sociais a liberdade de escolher entre as diferentes soluções adequadas à realização do objetivo dessas disposições.

 Quanto às despesas

55      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

Os artigos 45.° TFUE e 7.°, n.° 4, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, opõem-se a cláusulas de convenções coletivas e individuais segundo as quais um complemento como o que está em causa no processo principal, que é pago pelo empregador no âmbito de um regime de pré-reforma progressiva, deve ser calculado de modo a que o imposto sobre os salários devido no Estado-Membro de emprego seja deduzido de maneira fictícia no momento da determinação da base de cálculo desse complemento, quando, em conformidade com uma convenção fiscal destinada a evitar a dupla tributação, os ordenados, salários e remunerações análogos pagos aos trabalhadores não residentes no Estado-Membro de emprego são tributáveis no Estado-Membro de residência destes. Em conformidade com o referido artigo 7.°, n.° 4, essas cláusulas são nulas. O artigo 45.° TFUE e as disposições do Regulamento n.° 1612/68 deixam aos Estados-Membros ou aos parceiros sociais a liberdade de escolher entre as diferentes soluções adequadas à realização do objetivo dessas disposições.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.