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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

21 de fevereiro de 2013 (*)

«Seguro direto de vida — Imposto anual sobre operações de seguros — Diretiva 2002/83/CE — Artigos 1.°, n.° 1, alínea g), e 50.° — Conceito de ‘Estado-Membro do compromisso’ — Empresa de seguros estabelecida nos Países Baixos — Tomador que celebrou um contrato de seguro nos Países Baixos e que transferiu a sua residência habitual para a Bélgica posteriormente à celebração do contrato — Livre prestação de serviços»

No processo C-243/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Rechtbank van eerste aanleg te Brussel (Bélgica), por decisão de 6 de maio de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 20 de maio de 2011, no processo

RVS Levensverzekeringen NV

contra

Belgische Staat,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet, M. Ilešič, E. Levits (relator) e J.-J. Kasel, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 14 de junho de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da RVS Levensverzekeringen NV, por S. Lodewijckx e A. Claes, advocaten,

¾        em representação do Governo belga, por M. Jacobs e J. C. Halleux, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo estónio, por M. Linntam, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por N. Yerrell, K.-P. Wojcik e F. Wilman, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 6 de setembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 1.°, n.° 1, alínea g), e 50.° da Diretiva 2002/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de novembro de 2002, relativa aos seguros de vida (JO L 345, p. 1), e dos artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a RVS Levensverzekeringen NV (a seguir «RVS») e o Belgische Staat, a propósito do pagamento do imposto anual sobre os contratos de seguro de vida.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Diretiva 2002/83 foi revogada com efeitos a partir de 1 de novembro de 2012 pela Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (JO L 335 p. 1). Não obstante, a Diretiva 2002/83 é aplicável ao litígio principal.

4        O considerando 3 da Diretiva 2002/83 é do seguinte teor:

«É necessário concluir o mercado interno no setor do seguro direto de vida, no duplo aspeto da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços nos Estados-Membros, a fim de facilitar às empresas de seguros com sede na Comunidade a assunção de compromissos no interior da Comunidade e permitir aos segurados o recurso não apenas a seguradoras estabelecidas nos seus países mas também a seguradoras com sede na Comunidade e estabelecidas noutros Estados-Membros.»

5        O considerando 13 da referida diretiva prevê:

«Por razões práticas, convém definir a prestação de serviços tendo em conta, por um lado, a localização do estabelecimento do segurador e, por outro, o local do compromisso. Convém, portanto, adotar também uma definição de compromisso. […]»

6        O considerando 55 da Diretiva 2002/83 estabelece o seguinte:

«Enquanto determinados Estados-Membros não sujeitam as operações de seguro a nenhuma forma de tributação indireta, a maioria aplica-lhes impostos específicos e outras formas de contribuições. Nos Estados-Membros em que esses impostos e contribuições são cobrados, a sua estrutura e taxa divergem sensivelmente. Convém evitar que as diferenças existentes venham a traduzir-se em distorções de concorrência no domínio da prestação de serviços de seguro entre os Estados-Membros. Enquanto não se proceder a uma harmonização posterior, a aplicação do regime fiscal e de outras formas de contribuições previstas pelo Estado-Membro em que o compromisso é assumido é suscetível de colmatar este inconveniente, competindo aos Estados-Membros estabelecer as regras destinadas a garantir a cobrança desses impostos e contribuições.»

7        O artigo 1.°, n.° 1, da referida diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

[...]

d)      Compromisso, um compromisso que se concretize numa das formas de seguros ou de operações previstas no artigo 2.°;

[...]

g)      Estado-Membro do compromisso, o Estado-Membro em que o tomador reside habitualmente ou, quando se trate de pessoa coletiva, o Estado-Membro em que está situado o estabelecimento da pessoa coletiva a que o contrato diz respeito;

h)      Estado-Membro de prestação de serviços, o Estado-Membro do compromisso, se o compromisso for assumido por um estabelecimento ou uma sucursal situados noutro Estado-Membro;

[...]»

8        Nos termos do artigo 32.° da mesma diretiva:

«1.      Aos contratos relativos às atividades referidas na presente diretiva aplica-se a lei do Estado-Membro do compromisso. Todavia, sempre que a legislação desse Estado o permita, as partes podem optar pela lei de outro país.

2.      Sempre que o tomador seja uma pessoa singular e resida habitualmente num Estado-Membro diferente do da sua nacionalidade, as partes podem optar pela lei do Estado-Membro da nacionalidade do tomador.

[…]»

9        O artigo 36.° da Diretiva 2002/83, sob a epígrafe «Informação ao tomador», prevê:

«1.      Antes da celebração do contrato de seguro, devem ser comunicadas ao tomador pelo menos as informações enunciadas no ponto A do anexo III.

2.      Enquanto vigorar o contrato, o tomador deve ser informado de todas as alterações às informações enunciadas no ponto B do anexo III.

[…]»

10      O artigo 41.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Livre prestação de serviços: notificação prévia do Estado-Membro de origem», é do seguinte teor:

«Qualquer empresa de seguros que pretenda realizar pela primeira vez, num ou mais Estados-Membros, as suas atividades em regime de livre prestação de serviços deve informar previamente as autoridades competentes do Estado-Membro de origem, indicando a natureza dos riscos que se propõe cobrir.»

11      Inserido no título IV, sob a epígrafe «Disposições relativas ao direito de estabelecimento e à livre prestação de serviços», o artigo 50.° da Diretiva 2002/83, sob a epígrafe «Imposto sobre os prémios», prevê:

«1.      Sem prejuízo de uma posterior harmonização, qualquer contrato de seguro só pode ser sujeito aos mesmos impostos indiretos e taxas parafiscais que oneram os prémios de seguro no Estado-Membro do compromisso [...]

2.      A lei aplicável ao contrato por força do artigo 32.° não tem incidência sobre o regime fiscal aplicável.

3.      Sem prejuízo de uma harmonização posterior, cada Estado-Membro aplica às empresas de seguros que assumam compromissos no seu território as suas disposições nacionais relativas às medidas destinadas a garantir a cobrança dos impostos indiretos e das taxas parafiscais devidos por força do n.° 1.»

 Direito belga

12      O artigo 173.° do Código de Direitos e Impostos Diversos (code des droits et taxes divers, a seguir «CDTD») dispõe:

«As operações de seguro estão sujeitas a um imposto anual, quando o risco estiver situado na Bélgica.

Considera-se que o risco da operação de seguro se situa na Bélgica, quando o tomador do seguro tem aí a sua residência habitual ou, se for uma pessoa coletiva, quando o estabelecimento desta pessoa coletiva a que o contrato diz respeito se situe no território belga.

[…]

Entende-se por estabelecimento, no sentido do segundo parágrafo, o estabelecimento principal da pessoa coletiva e qualquer outra presença permanente dessa pessoa coletiva, seja de que forma for.»

13      O artigo 175.°, n.° 3, do CDTD estabelece o seguinte:

«O imposto é reduzido para 1,10% nas operações de seguros de vida, mesmo que estejam ligadas a um fundo de investimento, e nas constituições de rendas vitalícias ou temporárias, quando são estipuladas por pessoas singulares.

O conceito de seguro de vida designa os seguros de pessoas, com caráter forfetário, para os quais a ocorrência do evento assegurado dependa exclusivamente da duração da vida humana.»

14      O artigo 176.°, n.° 1, do CDTD prevê que o imposto exigível é calculado sobre o montante total dos prémios de seguro, das contribuições pessoais e das contribuições patronais, acrescidos das despesas a pagar ou a suportar no decurso do ano fiscal, seja pelos tomadores seja pelos filiados e os seus empregadores.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      A RVS é uma companhia de seguros neerlandesa que não tem na Bélgica nenhum estabelecimento principal, nenhuma agência, sucursal, representante nem sede de operações. A RVS celebrou contratos de seguro de vida com um certo número de pessoas que, à data da assinatura do contrato de seguro, residiam nos Países Baixos, mas que, posteriormente, emigraram para a Bélgica.

16      A RVS e a Administração Fiscal belga estão em litígio a respeito da questão de saber se o imposto anual de 1,10% sobre as operações de seguros efetuadas por pessoas singulares, que foi instituído a partir de 1 de janeiro de 2006, deve igualmente ser pago sobre os contratos de seguro de vida celebrados com uma seguradora estabelecida nos Países Baixos, que não tem estabelecimento na Bélgica, quando, à data da assinatura do contrato de seguro, o tomador residia nos Países Baixos, mas emigrou posteriormente para a Bélgica.

17      Após ter consultado o Belgische Staat, a RVS apresentou, em 29 de janeiro de 2009, «sob reserva», uma declaração para efeitos do imposto anual sobre as operações de seguros correspondente aos anos fiscais de 2006 e 2007, na qual indicou, respetivamente, prémios de seguro no montante de 801 178 euros, para o ano de 2006, e de 702 636 euros, para o ano de 2007. A Administração Fiscal belga aplicou-lhe um imposto de 8 813 euros, para o exercício de 2006, e de 7 729 euros, para o exercício de 2007, que a RVS pagou em 4 de fevereiro de 2009, sempre sob reserva.

18      Entendendo que não devia pagar o referido imposto, a RVS apresentou pedidos de reembolso à Administração Fiscal, em 16 de junho de 2009, que esta rejeitou, por decisão de 1 de setembro de 2009, por considerar que eram infundados.

19      Em 30 de abril de 2010, a RVS interpôs no órgão jurisdicional de reenvio recurso desta decisão de 1 de setembro de 2009.

20      Perante o referido órgão jurisdicional, as partes no litígio principal discutem a interpretação dos artigos 1.°, n.° 1, alínea g), e 50.° da Diretiva 2002/83, em particular a questão de saber se o lugar de residência habitual do tomador deve ser determinado à data de assunção do compromisso ou à data do pagamento do prémio de seguro.

21      Nestas condições, o Rechtbank van eerste aanleg te Brussel decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 50.° da Diretiva 2002/83 [...] opõe-se a um regime nacional como o previsto nos artigos 173.° e 175.°, n.° 3, do [CDTD], que prevê a sujeição das operações de seguro (incluindo os seguros de vida) a um imposto anual, quando o risco estiver situado na Bélgica, ou seja se o tomador residir habitualmente na Bélgica, ou, quando se trate de pessoa coletiva, se o estabelecimento dessa pessoa coletiva a que o contrato diz respeito se situar na Bélgica, sem que seja tida em conta a residência do tomador no momento da celebração do contrato?

2)      Os princípios comunitários da abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e serviços entre os Estados-Membros consagrados nos artigos 49.° [TFUE] e 56.° [TFUE] opõem-se a [um regime] nacional como [o] previst[o] nos artigos 173.° e 175.°, n.° 3, do [CDTD], que prevê a sujeição das operações de seguro (incluindo os seguros de vida) a um imposto anual, quando o risco estiver situado na Bélgica, nomeadamente se o tomador residir habitualmente na Bélgica, ou, quando se trate de pessoa coletiva, se o estabelecimento dessa pessoa coletiva a que o contrato diz respeito se situar na Bélgica, sem que seja tida em conta a residência do tomador no momento da celebração do contrato?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

22      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 50.° da Diretiva 2002/83 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro cobre um imposto indireto sobre os prémios de seguro de vida pagos por tomadores que sejam pessoas singulares com residência habitual nesse Estado-Membro, quando os contratos de seguro em causa tenham sido celebrados noutro Estado-Membro, onde os referidos tomadores tinham a sua residência habitual, à data da celebração.

23      Segundo jurisprudência assente, para interpretar uma disposição do direito da União, deve ter-se em conta não só os termos desta mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (v., designadamente, acórdãos de 17 de novembro de 1983, Merck, 292/82, Recueil, p. 3781, n.° 12; de 14 de junho de 2001, Kvaerner, C-191/99, Colet., p. I-4447, n.° 30; de 1 de março de 2007, Schouten, C-34/05, Colet., p. I-1687, n.° 25; e de 19 de julho de 2012, ebookers.com Deutschland, C-112/11, n.° 12).

24      Decorre do considerando 3 da Diretiva 2002/83 que esta foi adotada tendo em conta a necessidade de concluir o mercado interno no setor do seguro direto de vida, no duplo aspeto da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços nos Estados-Membros, a fim de facilitar às empresas de seguros com sede na União a assunção de compromissos no interior desta e permitir aos segurados o recurso não apenas a seguradoras estabelecidas nos seus Estados-Membros mas também a seguradoras com sede na União e estabelecidas noutros Estados-Membros.

25      Dado que a tributação indireta das operações de seguros de vida não foi, até agora, objeto de harmonização a nível da União, tal como se declara igualmente no considerando 55 da Diretiva 2002/83, alguns Estados-Membros não sujeitam as operações de seguro a nenhuma forma de tributação indireta, ao passo que outros lhes aplicam impostos específicos e outras formas de contribuições, cuja estrutura e taxa divergem sensivelmente.

26      Decorre do mesmo considerando que, ao adotar a Diretiva 2002/83, o legislador da União procurou evitar que as diferenças existentes se venham a traduzir em distorções de concorrência no domínio da prestação de serviços de seguro entre os Estados-Membros e considerou que, enquanto não se proceder a uma harmonização, a aplicação do regime fiscal e de outras formas de contribuições previstas pelo Estado-Membro onde o compromisso é assumido é suscetível de remediar este inconveniente.

27      Logo, o artigo 50.° da Diretiva 2002/83, inserido no seu título IV, que inclui as disposições relativas ao direito de estabelecimento e à livre prestação de serviços, prevê, no n.° 1, que, sem prejuízo de posterior harmonização, qualquer contrato de seguro só pode ser sujeito aos mesmos impostos indiretos e taxas parafiscais que oneram os prémios de seguro no Estado-Membro do compromisso. O Estado-Membro do compromisso é definido, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, alínea g), desta diretiva, como o Estado-Membro onde o tomador reside habitualmente, quando o tomador é uma pessoa singular.

28      A este respeito, a RVS e o Governo estónio afirmam, no essencial, que o artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83, lido em conjugação com o artigo 1.°, n.° 1, alínea g), desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que o Estado-Membro do compromisso é o Estado-Membro onde o tomador reside habitualmente à data da celebração do contrato de seguro de vida e que o referido Estado-Membro do compromisso continua a ser o mesmo quando o tomador se muda para outro Estado-Membro, mantendo o seu contrato de seguro. Defendem, assim, para esta situação, uma interpretação do conceito de «Estado-Membro do compromisso», que qualificam de «estática».

29      Ao invés, os Governos belga e austríaco e a Comissão Europeia entendem que o Estado-Membro do compromisso é determinado à data do pagamento do prémio de seguro, que é sujeito a tributação. Estes Governos e a Comissão defendem uma interpretação do referido conceito, que qualificam de «dinâmica».

30      Antes de mais, importa salientar, a este respeito, que o artigo 1.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva 2002/83, do qual consta a definição de «Estado-Membro do compromisso» no sentido desta diretiva, não define a data em que deve ser determinada a residência habitual do tomador e também não precisa se as alterações efetivas do lugar da residência habitual do tomador do seguro durante a vigência do contrato de seguro de vida podem afetar a definição do Estado-Membro do compromisso.

31      Do mesmo modo, o artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83 não especifica que importa ter em conta a residência habitual do tomador à data da celebração do contrato de seguro, nem fixa uma outra data única pertinente para determinar o Estado-Membro competente para sujeitar o contrato de seguro aos impostos indiretos e às taxas parafiscais durante toda a vigência do contrato, embora o tomador possa ter mudado a sua residência habitual durante a vigência do contrato.

32      Com efeito, a análise da letra do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83, lido em conjugação com o artigo 1.°, n.° 1, alínea g), desta diretiva, conduz necessariamente à conclusão de que a residência habitual do tomador constitui o critério pertinente para determinar o Estado-Membro competente para sujeitar um contrato de seguro aos impostos indiretos e às taxas parafiscais que oneram os prémios de seguro.

33      Ora, como a Comissão assinala, a justo título, a residência habitual do tomador é, por natureza, um critério que é suscetível de mudar, em especial, durante a vigência de um contrato a longo prazo, como o contrato de seguro de vida.

34      Por conseguinte, a escolha de tal critério e o facto de a letra do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83 não fazer referência à residência habitual do tomador à data da celebração do contrato de seguro nem a outra data única pertinente favorecem a interpretação dita «dinâmica» da referida disposição.

35      Por outro lado, no que toca à economia geral da Diretiva 2002/83, importa constatar, antes de mais, que decorre da análise do artigo 50.°, n.° 3, da referida diretiva que o Estado-Membro competente para tributar aplica as suas disposições nacionais relativas às medidas destinadas a garantir a cobrança dos impostos indiretos e das taxas em questão. Todavia, esta disposição não permite apurar de que maneira será determinado esse Estado-Membro competente.

36      Com efeito, contrariamente ao que sustenta a RVS, a utilização, em algumas versões linguísticas da referida disposição, como as versões francesa e neerlandesa, dos termos «empresas de seguros que assumam compromissos no seu território», para designar as empresas às quais o Estado-Membro competente aplica as ditas medidas, não permite concluir que a competência fiscal é determinada à data da assinatura do contrato de seguro.

37      Além da circunstância de que, como a advogada-geral assinalou, no n.° 40 das suas conclusões, a formulação utilizada nas referidas versões pode ser objeto de interpretações diferentes, na medida em que se pode referir quer à assinatura do contrato de seguro quer ao lugar onde se situam os compromissos, outras versões linguísticas, como a versão inglesa, opõem-se à leitura proposta pela RVS. Com efeito, esta versão, na qual são claramente designadas as empresas que cobrem compromissos num dado Estado-Membro, não comporta nenhuma referência à celebração ou à assinatura do contrato de seguro.

38      Em segundo lugar, no que respeita ao artigo 32.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83, invocado pela RVS e pelo Governo estónio, que prevê que a lei aplicável aos contratos relativos às atividades visadas por esta diretiva é a lei do Estado-Membro do compromisso, importa constatar que, ainda que seja efetivamente possível interpretar esta disposição no sentido de que o direito aplicável se mantém quando o tomador muda a sua residência habitual, isto não significa que o artigo 50.°, n.° 1, da referida diretiva deva ser interpretado da mesma maneira.

39      Por um lado, como assinalei no n.° 30 do presente acórdão, a definição de «Estado-Membro do compromisso», tal como consta do artigo 1.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva 2002/83, não especifica qual é a data adequada para determinar a residência habitual do tomador. Por conseguinte, como a advogada-geral assinalou no n.° 43 das suas conclusões, na medida em que a data pertinente não faz parte da definição de «Estado-Membro do compromisso», este conceito pode ser definido de maneira diferente consoante a disposição em que é utilizado.

40      Por outro lado, o artigo 50.°, n.° 2, da Diretiva 2002/83 prevê que a lei aplicável em virtude do artigo 32.° desta diretiva não tem incidência no regime fiscal aplicável, o que demonstra, como a advogada-geral frisou no n.° 45 das suas conclusões, a independência da lei e do regime fiscal aplicáveis.

41      Em terceiro lugar, o Governo estónio alega que o artigo 41.° da Diretiva 2002/83, que prevê que qualquer empresa de seguros que pretenda exercer, pela primeira vez, num ou mais Estados-Membros, as suas atividades em regime de livre prestação de serviços deve informar previamente as autoridades de controlo do Estado-Membro de origem, indicando a natureza dos riscos e dos compromissos que se propõe cobrir, se opõe à interpretação dita «dinâmica» do conceito de «Estado-Membro do compromisso». Com efeito, se, para determinar a residência habitual do tomador, fosse necessário atender à data do pagamento do prémio de seguro, poderia suceder que a empresa de seguros exercesse a sua atividade num Estado-Membro distinto do Estado-Membro de origem, no quadro da livre prestação de serviços, sem estar consciente disso e sem ter informado as autoridades de controlo.

42      Note-se, a este respeito, que, numa situação como a que é objeto do litígio principal, o facto de a residência habitual do tomador ter sido mudada para um Estado-Membro diferente daquele onde está estabelecida a empresa de seguros com a qual foi celebrado o contrato de seguro de vida pode levar a que essa situação seja abrangida pelo âmbito de aplicação das disposições relativas à livre prestação de serviços, independentemente do regime fiscal aplicável ao contrato em questão. Com efeito, para que possam ser invocadas as disposições do Tratado FUE relativas à livre prestação de serviços, basta que se prestem serviços a nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdão de 28 de outubro de 1999, Vestergaard, C-55/98, Colet., p. I-7641, n.° 18).

43      A Diretiva 2002/83 prevê, igualmente, no seu artigo 1.°, n.° 1, alínea h), que o Estado-Membro de prestação de serviços é definido como o Estado-Membro do compromisso, se o compromisso for assumido por uma empresa de seguros situada noutro Estado-Membro. Decorre do considerando 13 desta diretiva que, por razões práticas, a prestação de serviços é definida tendo em conta, por um lado, a localização do estabelecimento do segurador e, por outro, o local do compromisso.

44      A resposta à questão de saber em que medida as obrigações que decorrem do artigo 41.° da Diretiva 2002/83 se aplicam a uma empresa de seguros que celebrou um contrato com um tomador cuja residência habitual, por ter mudado durante a vigência do contrato, se situa num Estado-Membro distinto do Estado-Membro onde está estabelecida a referida empresa resulta da interpretação do referido artigo 41.°, lido em conjugação com as disposições invocadas no número precedente, mas não afeta a determinação do Estado-Membro competente para tributar no sentido do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83.

45      Em quarto lugar, importa constatar que a circunstância de que o tomador do seguro deve ser informado, em conformidade com o ponto A do anexo III da Diretiva 2002/83, o qual é referido no artigo 36.°, n.° 1, desta diretiva, sobre o regime fiscal aplicável ao tipo de apólice antes da celebração do contrato de seguro, mas não tem de ser informado sobre o referido regime durante a vigência do contrato de seguro, como resulta do ponto B do anexo III da Diretiva 2002/83, ao qual se refere o seu artigo 36.°, n.° 2, não significa que não possa ser acolhida a interpretação dita «dinâmica» do artigo 50.°, n.° 1, da referida diretiva.

46      Com efeito, é pacífico que, na falta de harmonização a nível da União, um Estado-Membro pode, a qualquer momento, introduzir ou abolir um imposto indireto sobre operações de seguros, ou modificar a taxa ou a base de tributação. Ora, o artigo 36.°, n.° 2, da Diretiva 2002/83 e o ponto B do anexo III desta também não preveem que o tomador deva ser informado no caso de ocorrer tal modificação a nível do regime fiscal de um mesmo Estado. Assim, mesmo realizando uma interpretação dita «estática» do artigo 50.°, n.° 1, da referida diretiva, o tomador pode encontrar-se numa situação em que o regime fiscal inicialmente aplicável ao contrato de seguro seja modificado de maneira substancial, sem que a empresa de seguros seja obrigada a comunicar-lhe as modificações.

47      Por conseguinte, importa constatar que o teor do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83 e a sua interpretação conjugada com outras disposições desta diretiva permitem interpretar este artigo das duas maneiras e que importa determinar o alcance desta, tendo em conta, principalmente, os objetivos prosseguidos pela referida disposição e pela Diretiva 2002/83 no seu conjunto.

48      Ao estabelecer que qualquer contrato de seguro só pode ser sujeito aos mesmos impostos indiretos e taxas parafiscais que oneram os prémios de seguro no Estado-Membro do compromisso, o artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83 tem por finalidade atribuir a um único Estado-Membro a competência para tributar os prémios de seguro de vida, de modo a eliminar a dupla tributação destes.

49      Embora decorra da jurisprudência do Tribunal de Justiça que essa competência deve ser atribuída, na medida do possível, com base num critério material e objetivo (v., neste sentido, acórdão Kvaerner, já referido, n.° 52), nada indica que a atribuição de competência efetuada segundo esse critério deva permanecer inalterada por toda a duração do contrato.

50      O critério escolhido na Diretiva 2002/83 implica que a competência de um Estado-Membro para cobrar os impostos indiretos e as taxas parafiscais que oneram os prémios de seguro depende da existência de uma ligação entre o território desse Estado-Membro e o tomador, constituído pela residência habitual deste último.

51      Uma interpretação dita «estática» do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83 teria como consequência privilegiar uma ligação que existia à data da assinatura do contrato de seguro, em detrimento de uma ligação atual existente à data do pagamento dos prémios de seguro.

52      Ora, segundo indicam quer a RVS quer o Governo belga, no que respeita aos impostos indiretos que oneram os prémios de seguro, o facto gerador da tributação não é a celebração do contrato de seguro, mas sim o pagamento dos prémios de seguro.

53      Daqui resulta que o Estado-Membro competente para tributar os prémios de seguro deveria ser o Estado-Membro com cujo território o tomador mantenha uma ligação, à data do pagamento desses prémios, sob a forma de residência habitual, e que deve ser escolhida a interpretação dita «dinâmica» do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83.

54      Esta conclusão não é posta em causa pela necessidade de determinar a residência habitual do tomador, para cada pagamento de prémio de seguro.

55      Com efeito, mesmo no caso de interpretação contrária, segundo a qual a residência habitual do tomador é determinada, de uma vez por todas, à data da assinatura do contrato de seguro, seria necessário averiguar, após cada mudança da residência habitual do tomador para outro Estado-Membro, qual era, à data do pagamento do prémio de seguro, a residência habitual do tomador à data da celebração do contrato de seguro.

56      Ora, tratando-se de contratos a longo prazo, como são muitas vezes os contratos de seguro de vida, a apresentação de provas relativas à residência habitual do tomador à data da celebração do contrato de seguro pode revelar-se mais difícil do que a apresentação de provas relativas à situação atual desse tomador.

57      Importa igualmente examinar o artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83, à luz do seu objetivo, que consiste em evitar que as diferenças existentes entre os regimes fiscais em vigor nos diferentes Estados-Membros impliquem distorções da concorrência nos serviços de seguro entre os Estados-Membros.

58      Ao associar à residência habitual do tomador a competência para tributar os prémios de seguro, a Diretiva 2002/83 visa garantir que a oferta de contratos de seguro de vida acessível a um tomador esteja sujeita a um mesmo regime fiscal, independentemente do Estado-Membro onde está estabelecida a empresa de seguros, e que, por conseguinte, a escolha do prestador de serviços de seguro de vida não seja influenciada por considerações relativas à tributação desses prémios. Deste modo, as empresas de seguros não são beneficiadas nem prejudicadas por uma fiscalidade mais ou menos favorável no seu Estado-Membro de origem e podem participar no jogo da concorrência em pé de igualdade com as empresas de seguros estabelecidas no Estado-Membro da residência habitual do tomador.

59      Ora, apenas a interpretação dita «dinâmica» do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83 permite garantir essa igualdade e evitar as distorções de concorrência, assegurando que seja aplicado o mesmo regime fiscal a um contrato em vigor e a um eventual novo contrato.

60      Como a advogada-geral sublinhou nos n.os 67 e 70 das suas conclusões, embora de natureza mais limitada que a concorrência entre as ofertas de novos contratos de seguro, existe também uma concorrência entre os contratos de seguro em vigor e os que poderiam ser potencialmente celebrados com outra empresa de seguros, tendo por objeto a mudança de empresa de seguros por um tomador. A possibilidade de conservar, após uma mudança de Estado-Membro da residência habitual, o benefício do regime aplicável no Estado-Membro onde o tomador tinha a sua residência habitual à data da celebração do contrato de seguro, mais vantajoso que o vigente no Estado-Membro onde se situa a sua nova residência habitual, é suscetível de dissuadir o tomador de mudar de empresa de seguros. Ora, realizando uma interpretação dita «dinâmica» do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83, não se verifica tal dissuasão relacionada com considerações fiscais.

61      Daqui decorre que os objetivos prosseguidos pelo artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83 permitem ter em conta a mudança da residência habitual do tomador do seguro.

62      Importa ainda verificar se essa interpretação é compatível com o objetivo geral da Diretiva 2002/83. Como foi recordado no n.° 24 do presente acórdão, a diretiva visa concluir o mercado interno no setor do seguro direto de vida, no duplo aspeto da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços nos Estados-Membros, a fim de facilitar às empresas de seguros com sede na União a assunção de compromissos no interior da União e permitir aos segurados o recurso não apenas a empresas estabelecidas nos seus Estados-Membros mas também a empresas com sede social na União e estabelecidas noutros Estados-Membros.

63      Na medida em que a questão da interpretação dita «estática» ou «dinâmica» do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83 se coloca quando o Estado-Membro da residência habitual do tomador à data da assinatura do contrato de seguro é distinto do Estado-Membro da residência habitual à data do pagamento do prémio de seguro e quando a empresa de seguros se situa ou se situava num Estado-Membro distinto do da residência habitual do tomador, há que examinar a interpretação desta disposição na perspetiva da livre prestação de serviços.

64      A este respeito, é certo que a alteração de regime fiscal aplicável ao contrato de seguro, devido ao facto de o tomador ter fixado a sua residência habitual num Estado-Membro distinto daquele onde está estabelecida a empresa de seguros com a qual celebrou o contrato, comporta um encargo suplementar para a empresa de seguros, na medida em que esta deve conhecer e aplicar regras fiscais diferentes, embora possa não ter escolhido prestar serviços de seguro no referido Estado-Membro.

65      No entanto, importa lembrar que, como foi assinalado no n.° 46 do presente acórdão, na falta de harmonização a nível da União, um Estado-Membro pode, a qualquer momento, introduzir ou abolir um imposto indireto sobre operações de seguros, ou modificar a taxa ou a base de tributação. Assim, mesmo realizando uma interpretação dita «estática» do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83, as empresas de seguro podem encontrar-se numa situação em que, sem ter mudado o Estado-Membro competente para tributar os prémios de seguro, as novas regras fiscais sejam aplicáveis aos prémios de seguro recebidos pelas referidas empresas.

66      Quanto ao argumento esgrimido pela RVS e pelo Governo estónio, relativo aos custos suplementares e às dificuldades administrativas decorrentes da necessidade de se informar sobre o Estado-Membro da residência habitual do tomador por toda a duração do contrato de seguro, bem como sobre o regime fiscal em vigor nesse Estado-Membro, importa assinalar, por um lado, que, nos contratos, está normalmente previsto que, em caso de mudança de residência, o tomador informará a sua seguradora, ou, em todo o caso, isto pode ser estipulado contratualmente. Por outro lado, a obrigação de se informar sobre a legislação em vigor existe tanto no âmbito de uma interpretação dita «estática» do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83 como no âmbito de uma interpretação dita «dinâmica» desta disposição. De resto, nas situações em que a prestação de seguro é efetuada no quadro da livre prestação de serviços, e em que tanto a empresa de seguros como o tomador abandonaram o Estado-Membro da prestação de serviços, a interpretação dita «estática» da referida disposição pode obrigar uma empresa de seguros a manter-se informada sobre o regime fiscal de um Estado-Membro com o qual nem a própria empresa de seguros nem o tomador já não têm ligação alguma.

67      Quanto ao risco, referido pelo Governo estónio, de rescisão do contrato de seguro no caso de o tomador se mudar para um Estado-Membro distinto daquele onde a sua residência habitual se situava à data da celebração do contrato, mesmo supondo que exista, decorre não diretamente da interpretação dita «dinâmica» do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83, mas de uma ação futura e hipotética da empresa de seguros e, por conseguinte, deve ser considerado demasiado aleatório e indireto, para afetar a interpretação desta disposição.

68      Logo, há que concluir que a interpretação dita «dinâmica» do artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83 permite alcançar melhor os objetivos da prevenção da dupla tributação e das distorções da concorrência, sendo ao mesmo tempo compatível com o objetivo geral desta diretiva, de completar o mercado interno no setor do seguro direto de vida, em particular no respeitante à livre prestação de serviços.

69      Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à primeira questão que o artigo 50.° da Diretiva 2002/83 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro cobre um imposto indireto aos prémios de seguro de vida pagos por tomadores que sejam pessoas singulares com residência habitual nesse Estado-Membro, quando os contratos de seguro em causa tenham sido celebrados noutro Estado-Membro onde esses tomadores tinham a sua residência habitual, à data da assinatura.

 Quanto à segunda questão

70      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não é necessário responder à segunda questão.

 Quanto às despesas

71      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 50.° da Diretiva 2002/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de novembro de 2002, relativa aos seguros de vida, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro cobre um imposto indireto aos prémios de seguro de vida pagos por tomadores que sejam pessoas singulares com residência habitual nesse Estado-Membro, quando os contratos de seguro em causa tenham sido celebrados noutro Estado-Membro onde esses tomadores tinham a sua residência habitual, à data da assinatura.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.