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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

31 de janeiro de 2013 (*)

«Fiscalidade — IVA — Diretiva 2006/112/CE — Princípio da neutralidade fiscal — Direito a dedução — Recusa — Artigo 203.° — Menção do IVA na fatura — Exigibilidade — Existência de uma operação tributável — Apreciação igual da situação do emitente da fatura e do seu destinatário — Obrigatoriedade»

No processo C-643/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Administrativen sad Varna (Bulgária), por decisão de 2 de dezembro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de dezembro de 2011, no processo

LVK — 56 EOOD

contra

Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts, G. Arestis, J. Malenovský e T. von Danwitz (relator), juízes,

advogado-geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da LVK — 56 EOOD, por P. Bakalova, advokat,

¾        em representação do Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite, por S. Zlateva, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo búlgaro, por T. Ivanov e D. Drambozova, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e D. Roussanov, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a LKV — 56 EOOD (a seguir «LVK») ao Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite (Diretor da Direção «Impugnação e Gestão das Execuções», da cidade de Varna, da Administração Central da Agência das Receitas Públicas), devido ao facto de o diretor não ter admitido o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), com a alegação de que a existência efetiva das operações a montante não ficou demonstrada.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        De acordo com o considerando 39 da Diretiva 2006/112, o «regime das deduções deverá ser harmonizado, uma vez que influencia os montantes efetivamente cobrados, devendo o cálculo do pro rata de dedução ser efetuado da mesma maneira em todos os Estados-Membros».

4        O artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da diretiva sujeita a IVA as entregas de bens e as prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

5        Nos termos do artigo 62.° desta diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

1)      ‘Facto gerador do imposto’, o facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto;

2)      ‘Exigibilidade do imposto’, o direito que o fisco pode fazer valer, nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.»

6        O artigo 63.° da Diretiva 2006/112 prevê que o facto gerador do IVA ocorre e o imposto se torna exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.

7        O artigo 73.° da diretiva prevê que, «[n]as entregas de bens e [nas] prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações».

8        Nos termos do artigo 167.° da referida diretiva, «[o] direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível».

9        O artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 prevê:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.»

10      O artigo 178.° da mesma diretiva dispõe:

«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

a)      Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.°, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida em conformidade com os artigos 220.° a 236.°, 238.°, 239.° e 240.°;

[...]»

11      Nos termos do artigo 179.°, primeiro parágrafo, da mesma diretiva, «[o] sujeito passivo efetua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.°».

12      O artigo 203.° da Diretiva 2006/112, incluído no título XI, com a epígrafe «Obrigações dos sujeitos passivos e de determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos», capítulo 1, com a epígrafe «Obrigação de pagamento», secção 1, com a epígrafe «Devedores do imposto ao fisco», dispõe:

«O IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura.»

13      O artigo 273.° da referida diretiva, que figura no mesmo título XI, capítulo 7, intitulado «Disposições diversas», enuncia:

«Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados-Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no capítulo 3.»

14      Nos termos do artigo 395.°, n.os 1 a 3, da mesma diretiva:

«1.      O Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, pode autorizar os Estados-Membros a introduzirem medidas especiais derrogatórias da presente diretiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais.

As medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto não podem influir, a não ser de modo insignificante, no montante global da receita fiscal do Estado-Membro cobrada na fase de consumo final.

2.      O Estado-Membro que pretenda introduzir a medida prevista no n.° 1 deve apresentar à Comissão um pedido nesse sentido, fornecendo-lhe todas as informações necessárias. Se a Comissão considerar que não dispõe de todas as informações necessárias, contacta o Estado-Membro em causa no prazo de dois meses a contar da receção do pedido, especificando as informações adicionais de que necessita.

Logo que a Comissão disponha de todos os elementos de apreciação que considere úteis, informa do facto o Estado-Membro requerente no prazo de um mês e transmite o pedido, na língua original, aos demais Estados-Membros.

3.      Nos três meses seguintes ao envio da informação a que se refere o segundo parágrafo do n.° 2, a Comissão deve apresentar ao Conselho uma proposta adequada ou, se o pedido de derrogação suscitar objeções da sua parte, uma comunicação expondo as referidas objeções.»

 Direito búlgaro

15      Nos termos do artigo 70.°, n.° 5, da Lei do imposto sobre o valor acrescentado (Zakon za danak varhu dobavenata stoynost, DV n.° 63, de 4 de agosto de 2006), na versão aplicável ao processo principal (a seguir «ZDDS»), «[n]ão se pode exercer o direito a dedução de IVA pago a montante, se o mesmo tiver sido indevidamente faturado».

16      Segundo o artigo 71.°, n.° 1, da ZDDS, o sujeito passivo exerce o seu direito de deduzir o crédito do imposto, quando possuir um documento fiscal conforme aos requisitos dos artigos 114.° e 115.°, em que o IVA esteja indicado de forma separada no tocante aos bens ou serviços fornecidos ao sujeito passivo.

17      O artigo 82.°, n.° 1, da ZDDS dispõe que «o imposto é devido pelo sujeito passivo registado na aceção da presente lei, o qual é o fornecedor ou o adquirente da entrega ou da prestação tributável».

18      Nos termos do artigo 85.° da ZDDS, o IVA é devido por qualquer pessoa que indique o imposto num documento fiscal dos mencionados no artigo 112.° da ZDDS, designadamente numa fatura.

19      Os n.os 1 e 2 do artigo 113.° da ZDDS dispõem:

«(1)      Todos os sujeitos passivos que realizam operações tributáveis devem emitir uma fatura pelo fornecimento do bem ou pela prestação do serviço por eles realizados ou, caso obtenham um pagamento antecipado, antes da realização dos mesmos, exceto nos casos em que a operação é realizada através de uma escritura pública, nos termos do artigo 117.°

(2)      A fatura deve ser emitida em, pelo menos, dois exemplares, um para o fornecedor ou prestador de serviços e outro para o adquirente ou destinatário.»

20      Segundo o artigo 115.°, n.° 1, da ZDDS, em caso de alteração do valor tributável ou de anulação de uma operação para a qual foi emitida uma fatura, o fornecedor ou prestador de serviços deve emitir uma nota de crédito ou de débito relativa à fatura.

21      O artigo 116.° da ZDDS prevê:

«(1)  Não se admitem retificações e aditamentos às faturas e às notas de débito ou de crédito relativas às faturas. Os documentos que contenham erros ou correções devem ser anulados e devem ser emitidos novos documentos.

[…]

(3)       Também se entende por documentos erradamente emitidos as faturas emitidas e as notas às mesmas nas quais tenha sido mencionado imposto, apesar de não haver imposto a mencionar.

(4)       Quando os documentos que contenham erros ou correções são reproduzidos nos livros do fornecedor ou prestador de serviços ou do adquirente ou destinatário, deve, com a anulação dos mesmos, ser elaborada uma ata para cada uma das partes, contendo as seguintes informações:

1.       o motivo da anulação;

2.       o número e a data do documento que é anulado;

3.       o número e a data do novo documento emitido;

4.       as assinaturas das pessoas que elaboraram a ata para cada uma das partes.

[...]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22      A LVK, que é uma empresa agrícola, deduziu, nos meses de setembro e outubro de 2007, o IVA pago a montante, resultante de diversas faturas relativas ao fornecimento de mercadorias e emitidas, respetivamente, pelas sociedades REYA — 96 OOD (a seguir «REYA») e SITI GRUP 76 DZZD (a seguir «SITI GRUP»), as quais, entretanto, deixaram de estar registadas como sujeitos passivos de IVA. Todas essas faturas foram pagas em numerário e contabilizadas pela LVK. É igualmente ponto assente que os fornecimentos correspondentes estão inscritos no diário de vendas dos referidos fornecedores.

23      A Administração Fiscal efetuou controlos cruzados junto dos fornecedores. Nesses controlos, exigiu a apresentação de vários documentos relativamente, designadamente, à origem das mercadorias fornecidas e à execução do fornecimento. Os fornecedores não responderam a esse pedido dentro do prazo que lhes foi fixado.

24      Em resposta ao pedido da Administração Fiscal no sentido de serem apresentadas provas da realização efetiva dos fornecimentos em causa, a LVK apresentou as guias de remessa, os certificados de pesagem e as guias de expedição, que, contudo, apresentavam irregularidades.

25      A Administração Fiscal concluiu que não se provou que as entregas faturadas tivessem sido efetuadas, de modo que o IVA tinha sido indevidamente mencionado nas faturas em causa. Dirigiu, portanto, à LKV o aviso retificativo de tributação de 20 de dezembro de 2010, que recusou a dedução do IVA resultante dessas faturas (a seguir «aviso retificativo litigioso»).

26      Após confirmação do aviso retificativo litigioso pelo Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite, por decisão de 18 de fevereiro de 2011, a LVK interpôs recurso para o Administrativen sad Varna, alegando que as faturas em causa correspondiam a fornecimentos efetivos de bens, pelo que a recusa do direito a dedução não tinha fundamento.

27      No decurso do processo principal, foram juntos aos autos dois avisos retificativos de tributação, dirigidos, respetivamente, à REYA e à SITI GRUP. Estes avisos foram emitidos antes do aviso retificativo litigioso e dizem respeito ao período em causa no processo principal. Resulta dos referidos avisos que a Administração Fiscal constatou que não havia que proceder à retificação da matéria coletável do IVA faturado nos fornecimentos realizados pela REYA e a SITI GRUP.

28      O tribunal de reenvio salienta que tem de apreciar se a existência do facto gerador do IVA a montante está realmente provada, dado que a Administração Fiscal baseou a sua recusa do direito a dedução no facto de os fornecedores da LVK não terem apresentado os documentos exigidos e de determinadas informações não terem sido fornecidas ou estarem mal indicadas nos documentos apresentados pela LKV, enquanto destinatária das entregas litigiosas. Para proceder a esta apreciação, o referido tribunal deseja saber, no plano do direito da União, qual a importância dos avisos retificativos de tributação dirigidos aos fornecedores da LVK e se deles é possível inferir que a Administração Fiscal reconheceu que as faturas em causa correspondiam a operações tributáveis realmente efetuadas.

29      Nestas condições, o Administrativen sad Varna decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      O artigo 203.° da Diretiva [2006/112] abrange todos os casos em que o IVA é faturado indevidamente, incluindo aqueles em que a fatura na qual o IVA é indicado foi emitida sem que se tenha verificado o facto gerador do imposto? Em caso de resposta afirmativa a esta questão: os artigos 203.° e 273.° da Diretiva 2006/112 exigem que os Estados-Membros prevejam expressamente que o IVA indicado numa fatura, relativamente à qual não foi efetuada qualquer operação, é devido, ou é suficiente a transposição da regra geral da diretiva, segundo a qual o IVA é devido por todas as pessoas que indiquem esse imposto numa fatura?

2)      Os artigos 73.°, 179.° e 203.° da Diretiva 2006/112 exigem, tendo em conta o considerando 39 da Diretiva 2006/112 e a fim de assegurar a exatidão das deduções, que, quando o IVA tenha sido indicado numa fatura sem que se tenha verificado o facto gerador do imposto, os serviços de cobrança de receitas procedam a uma retificação do valor tributável e do imposto faturado?

3)      As medidas especiais previstas no artigo 395.° da Diretiva 2006/112 podem consistir numa prática fiscal como a que está em causa no processo principal, segundo a qual, para efeitos do controlo das deduções, os serviços de cobrança de receitas apenas examinam as deduções executadas, ao passo que o imposto sobre as operações efetuadas se considera devido de forma incondicional, por ter sido indicado numa fatura? Em caso de resposta afirmativa a esta questão: o artigo 203.° da Diretiva 2006/112 permite — e se sim, em que hipóteses — que, relativamente a uma mesma operação, seja cobrado IVA, uma vez, ao fornecedor ou prestador de serviços, por ter indicado o imposto numa fatura, e, uma segunda vez, ao adquirente do fornecimento ou ao destinatário do serviço, por lhe ser negado o direito à dedução?

4)      Uma prática fiscal como a que está em causa no processo principal — segundo a qual o direito à dedução é negado ao adquirente de um fornecimento tributável ou ao destinatário de um serviço tributável por ‘falta de prova da realização da operação’, sem que sejam tidas em consideração as constatações já efetuadas de que o imposto se tornou exigível em relação ao fornecedor ou ao prestador de serviços e de que o imposto é por ele devido, não tendo a liquidação adicional de imposto em causa sido alterada até ao momento da apreciação da constituição do direito à dedução, nem tendo surgido ou sido determinada qualquer razão para a alterar de acordo com a via prevista pelo Estado — viola a proibição de cumulação do IVA e é contrária aos princípios da segurança jurídica, da igualdade de tratamento e da neutralidade fiscal?

5)      Os artigos 167.° e 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 permitem que o direito à dedução seja negado ao adquirente de uma entrega tributável ou ao destinatário de um serviço tributável que preencha todas as condições previstas pelo artigo 178.° da diretiva, após a liquidação adicional de imposto notificada ao fornecedor ou ao prestador de serviços ter adquirido caráter definitivo, e não se proceda a qualquer retificação do IVA faturado por esta operação devido à ‘não ocorrência do facto gerador do imposto’, mas se reconheça a exigibilidade do imposto, que deve ser tido em consideração na determinação do resultado do período de tributação em causa? Para a resposta a esta questão, é relevante o facto de, durante a inspeção fiscal, o fornecedor ou o prestador de serviços não terem apresentado quaisquer documentos contabilísticos e de o resultado relativo a este período ter sido determinado com base unicamente nos dados constantes das declarações de IVA e dos registos de aquisições e de vendas?

6)      Em função da resposta às questões precedentes: os artigos 167.° e 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que a neutralidade do IVA exige, em condições análogas às do processo principal, que o sujeito passivo possa deduzir o imposto faturado nessas operações?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e à segunda questão

30      Com a primeira e a segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 203.° da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que o IVA mencionado numa fatura por uma pessoa é por ela devido independentemente da existência efetiva de uma operação tributável e se do simples facto de a Administração Fiscal não ter corrigido, num aviso retificativo dirigido ao emitente da fatura, o IVA por ele declarado se pode deduzir que a Administração Fiscal reconheceu que essa fatura correspondia a uma operação tributável efetiva.

31      Em primeiro lugar, há que salientar que, embora visando a existência de uma dívida fiscal do emitente da fatura, a referida questão foi colocada no quadro de um litígio entre a Administração Fiscal e o destinatário das faturas litigiosas. Esse litígio diz respeito ao direito de este destinatário deduzir o IVA mencionado nas faturas apresentadas, recusado com a alegação de que tais faturas não correspondiam a entregas tributáveis efetivas, o que o sujeito passivo contesta.

32      No quadro do referido litígio, em que o emitente das faturas litigiosas não é parte, as obrigações do emitente para com a Administração Fiscal só têm importância indiretamente, na medida em que um aviso retificativo que lhe foi dirigido foi apresentado como meio de prova da existência efetiva das operações tributáveis.

33      A respeito da disposição que precedeu o artigo 203.° da Diretiva 2006/112, ou seja, o artigo 21.°, n.° 1, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Diretiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de dezembro de 1991 (JO L 376, p. 1), o Tribunal de Justiça declarou que, segundo esta disposição, qualquer pessoa que mencione o IVA numa fatura ou documento equivalente fica devedor desse imposto. Em particular, essas pessoas são devedoras do IVA mencionado numa fatura, independentemente da obrigação de a pagarem em virtude de uma operação sujeita a IVA (v. acórdão de 18 de junho de 2009, Stadeco, C-566/07, Colet., p. I-5295, n.° 26 e jurisprudência referida).

34      É verdade que, em conformidade com os artigos 167.° e 63.° da Diretiva 2006/112, o direito de deduzir o IVA faturado, regra geral, está ligado à realização efetiva de uma operação tributável (v. acórdão de 26 de maio de 2005, António Jorge, C-536/03, Colet., p. I-4463, n.os 24 e 25) e o exercício desse direito não se aplica ao IVA que é devido, nos termos do artigo 203.° desta diretiva, apenas por estar mencionado na fatura (v., nomeadamente, acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Genius, C-342/87, Colet., p. 4227, n.os 13 e 19, e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C-35/05, Colet., p. I-2425, n.° 23).

35      Contudo, o risco de perda de receitas fiscais não fica, em princípio, completamente eliminado, enquanto o destinatário de uma fatura na qual o IVA foi indevidamente mencionado a puder utilizar para esse exercício, em conformidade com o artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 (v., neste sentido, acórdão Stadeco, já referido, n.° 29).

36      Nestas circunstâncias, a obrigação consagrada no artigo 203.° desta diretiva visa eliminar o risco de perda de receitas fiscais que pode resultar do direito a dedução previsto nos artigos 167.° e seguintes da mesma diretiva (v. acórdão Stadeco, já referido, n.° 28).

37      Tendo em conta este objetivo, a referida obrigação é limitada pela possibilidade, que os Estados-Membros podem consagrar nas suas ordens jurídicas, de se corrigir o imposto indevidamente faturado, desde que o emitente da fatura demonstre estar de boa-fé ou quando, em tempo útil, tiver eliminado completamente o risco de perda de receitas fiscais (v., neste sentido, acórdão Genius, já referido, n.° 18; e acórdãos de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, Colet., p. I-6973, n.os 56 a 61 e 63, e de 6 de novembro de 2003, Karageorgou e o., C-78/02 a C-80/02, Colet., p. I-13295, n.° 50).

38      Tendo em conta, por um lado, a referida possibilidade de correção e, por outro, o risco de a fatura que menciona indevidamente o IVA ser utilizada para efeitos do exercício do direito a dedução, a obrigação prevista no artigo 203.° da Diretiva 2006/112 não pode ser entendida como conferindo caráter de sanção à obrigação de pagamento.

39      Além disso, resulta do que precede que, se o emitente de uma fatura não invocar uma das situações que permitem a correção do IVA indevidamente faturado, indicadas no n.° 37 do presente acórdão, a Administração Fiscal não está obrigada, no quadro de uma inspeção fiscal realizada ao emitente, a verificar se o IVA faturado e declarado corresponde a operações tributáveis efetivamente realizadas por esse emitente.

40      Ora, não existindo essa obrigação de verificação, não se poderia inferir do simples facto de a Administração Fiscal não ter corrigido o IVA declarado pelo emitente da fatura que a mesma Administração reconheceu que as faturas por ele emitidas correspondiam a operações tributáveis efetivas.

41      Contudo, o direito da União não exclui que a Administração competente proceda ao controlo da existência das operações faturadas por um sujeito passivo, regularizando, se for caso disso, a dívida fiscal resultante das declarações efetuadas pelo sujeito passivo. O resultado desse controlo constitui, como a declaração e o pagamento do IVA faturado pelo emitente da fatura, um elemento a ter em conta, pelo juiz nacional, ao apreciar a existência de uma operação tributável que confere o direito a dedução pelo destinatário de uma fatura, num caso concreto.

42      Face às considerações que precedem, há que responder à primeira e à segunda questão que o artigo 203.° da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que:

¾        o IVA mencionado numa fatura por uma pessoa é por ela devido, independentemente da existência efetiva de uma operação tributável;

¾        do simples facto de a Administração Fiscal não ter corrigido, num aviso retificativo de tributação dirigido ao emitente da fatura, o IVA por ele declarado não se pode inferir que a Administração Fiscal reconheceu que a referida fatura correspondia a uma operação tributável efetiva.

 Quanto à primeira parte da terceira questão

43      Tendo em conta a resposta dada à primeira e à segunda questão, não há que responder à primeira parte da terceira questão.

 Quanto à segunda parte da terceira questão e à quarta, quinta e sexta questões

44      Com a segunda parte da terceira questão e a quarta, quinta e sexta questões, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que os artigos 167.° e 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 e os princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento se opõem a que ao destinatário de uma fatura seja negado o direito de deduzir o IVA pago a montante, quando, no próprio aviso retificativo de tributação dirigido ao emitente dessa fatura, o IVA declarado pelo emitente não foi corrigido.

45      É assim colocada a questão de saber se o direito da União exige que a existência efetiva de uma entrega de um bem ou de uma prestação de serviços seja apreciada da mesma maneira quando se trata do emitente da fatura e quando se trata do destinatário dessa mesma fatura.

46      No que se refere ao tratamento do IVA indevidamente faturado por não existir uma operação tributável, decorre da Diretiva 2006/112 que os dois operadores envolvidos não são necessariamente tratados da mesma maneira, se o emitente da fatura não tiver corrigido a fatura, como resulta dos n.os 33 a 37 do presente acórdão.

47      Com efeito, por um lado, o emitente da fatura é devedor do IVA nela mencionado, ainda que não exista operação tributável, em conformidade com a regra do artigo 203.° da Diretiva 2006/112. Por outro lado, o exercício do direito a dedução pelo destinatário de uma fatura está limitado ao imposto que corresponde a operações sujeitas a IVA, em conformidade com os artigos 63.° e 167.° da mesma diretiva.

48      Nesta situação, a observância do princípio da neutralidade fiscal é assegurada pela faculdade conferida aos Estados-Membros, já recordada no n.° 37 do presente acórdão, de se corrigir o imposto indevidamente faturado, desde que o emitente da fatura demonstre estar de boa-fé ou quando, em tempo útil, tiver eliminado completamente o risco de perda de receitas fiscais.

49      Tendo presentes as interrogações suscitadas na decisão de reenvio, cumpre precisar que o exercício dessa faculdade não deve ser impossibilitado pelas autoridades fiscais, através da organização sistemática de controlos por forma a que seja primeiro dirigido um aviso retificativo de tributação a um emitente de uma fatura, tornando-se esse aviso eventualmente definitivo, antes de o destinatário da fatura ser sujeito a controlo. Do mesmo modo, essa faculdade não poderia ser excluída pelo simples facto de, no momento da correção, o emitente da fatura ter deixado de estar registado como sujeito passivo do IVA.

50      Daqui resulta que os artigos 167.° e 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 e o princípio da neutralidade fiscal não se opõem à recusa de dedução, pelo destinatário da fatura, do IVA pago a montante, por não ter existido uma operação tributável, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o IVA declarado pelo mesmo emitente não tiver sido corrigido.

51      Quanto ao princípio da segurança jurídica, há que recordar que este princípio, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, para que os interessados se possam orientar nas situações e relações jurídicas abrangidas pela ordem jurídica da União (v. acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão, C-81/10 P, Colet., p. I-12899, n.° 100 e jurisprudência referida).

52      No tocante às regras fiscais aplicáveis em circunstâncias como as do processo principal, não há nenhum indício que permita presumir que o interessado não estivesse em condições de se orientar utilmente no que se refere à aplicação dessas regras.

53      Assim, o princípio da segurança jurídica também não se opõe à recusa, aqui em litígio, de dedução do IVA pago a montante, nas condições indicadas no n.° 50 do presente acórdão.

54      O mesmo se diga do princípio da igualdade de tratamento.

55      O princípio geral da igualdade de tratamento, de que o princípio da neutralidade fiscal constitui a tradução em matéria de IVA (v. acórdãos de 10 de abril de 2008, Marks & Spencer, C-309/06, Colet., p. I-2283, n.° 49; de 29 de outubro de 2009, NCC Construction Danmark, C-174/08, Colet., p. I-10567, n.os 41 e 44; e de 10 de novembro de 2011, The Rank Group, C-259/10 e C-260/10, Colet., p. I-10947, n.° 61), exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente, a não ser que o tratamento diferente seja objetivamente justificado (v. acórdãos, já referidos, Marks & Spencer, n.° 51, e NCC Construction Danmark, n.° 44; e acórdão de 9 de junho de 2011, Campsa Estaciones de Servicio, C-285/10, Colet,. p. I-5059, n.° 29).

56      Contudo, como salientado nos n.os 33 a 37 e 46 e 47 do presente acórdão, decorre das disposições da Diretiva 2006/112 que o emitente e o destinatário de uma fatura relativa a uma entrega que, na realidade, não foi efetuada não se encontram numa situação comparável.

57      Ora, tal como resulta da decisão de reenvio, no processo principal, a Administração Fiscal inferiu a inexistência de uma entrega tributável do facto de o fornecedor não ter apresentado os documentos exigidos numa inspeção fiscal. Esta conclusão foi contestada pela recorrente, pelo que cabe ao tribunal nacional verificá-la, fazendo, em conformidade com as regras de prova do direito nacional, uma apreciação global de todos os elementos e circunstâncias de facto do processo principal (v., por analogia, acórdãos de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, n.° 53, e de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C-285/11, n.° 32).

58      A este respeito, importa recordar que a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pela Diretiva 2006/112, e os sujeitos passivos não podem, fraudulenta ou abusivamente, aproveitar-se das normas do direito da União (v., nomeadamente, acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C-255/02, Colet., p. I-1609, n.os 68 e 71, e de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11, n.° 41; e acórdão Bonik, já referido, n.os 35 e 36).

59      Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução se se demonstrar, face a elementos objetivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p. I-6161, n.° 55; e acórdãos, já referidos, Mahagében e Dávid, n.° 42, e Bonik, n.° 37).

60      Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução previsto pela Diretiva 2006/112 sancionar com a recusa desse direito um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.os 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.os 45, 46 e 60, Mahagében e Dávid, n.° 47, e Bonik, n.° 41).

61      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 61 a 65 do acórdão Mahagében e Dávid, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a esse respeito.

62      Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, não existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por que a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.° 60 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em princípio, não lhe incumbem.

63      No que toca ao processo principal, há no entanto que ter em conta que, segundo a decisão de reenvio, os documentos apresentados pelo destinatário das faturas litigiosas, que também estavam viciados por irregularidades, são elementos a ter em consideração na apreciação global a efetuar pelo tribunal nacional.

64      Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à segunda parte da terceira questão e à quarta, quinta e sexta questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que os artigos 167.° e 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 e os princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento não se opõem a que o direito a dedução do IVA pago a montante seja recusado ao destinatário de uma fatura, por inexistência de uma operação tributável efetiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o IVA declarado pelo mesmo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efetivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objetivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que não lhe incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha a obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao IVA, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

65      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 203.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que:

¾        o imposto sobre o valor acrescentado mencionado numa fatura por uma pessoa é por ela devido, independentemente da existência efetiva de uma operação tributável;

¾        do simples facto de a Administração Fiscal não ter corrigido, num aviso retificativo de tributação dirigido ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado por ele declarado não se pode inferir que a Administração Fiscal reconheceu que a referida fatura correspondia a uma operação tributável efetiva.

2)      O direito da União deve ser interpretado no sentido de que os artigos 167.° e 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 e os princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento não se opõem a que o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma fatura, por inexistência de uma operação tributável efetiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado declarado pelo mesmo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efetivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objetivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que não lhe incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha a obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

Assinaturas


* Língua do processo: búlgaro.