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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

13 de junho de 2013 (*)

«Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 9.°, n.° 1 — Conceito de ‘sujeito passivo’ — Pessoa singular — Prestação de serviços tributável — Prestação ocasional — Falta de nexo com uma atividade profissional registada e sujeita a IVA — Agente judiciário independente»

No processo C-62/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Administrativen sad — Varna (Bulgária), por decisão de 1 de fevereiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de fevereiro de 2012, no processo

Galin Kostov

contra

Direktor na Direktsia «Obzhalvane I upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Berger, A. Borg Barthet (relator), E. Levits e J.-J. Kasel, juízes,

advogado-geral: M. Wathelet,

secretário: A. Calot Escobar,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação do Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite, por S. Zlateva,

—        em representação do Governo búlgaro, por E. Petranova e T. Ivanov, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo romeno, por R.-H. Radu, na qualidade de agente, assistido por R.-I. Munteanu e I. Bara, assessoras,

—        em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e V. Savov, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 28 de fevereiro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do conceito de sujeito passivo do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») no regime da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre G. Kostov e o Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite (Diretor da Direção «Recursos e Gestão da Execução», da cidade de Varna, da Administração Central da Agência Nacional das Receitas Públicas, a seguir «Direktor»), a respeito de um aviso de liquidação referente a transações ligadas a um contrato de mandato.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do artigo 2.° da Diretiva IVA:

«1.      Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a)      As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[…]

c)      As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[…]»

4        O artigo 9.° da Diretiva IVA prevê o seguinte:

«1.      Entende-se por ‘sujeito passivo’ qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende-se por ‘atividade económica’ qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência.

2.      Para além das pessoas referidas no n.° 1, é considerada sujeito passivo qualquer pessoa que proceda a título ocasional à entrega de um meio de transporte novo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território de um Estado-Membro mas no território da Comunidade.»

5        A Diretiva IVA dispõe, no artigo 12.°, n.° 1:

«Os Estados-Membros podem considerar sujeito passivo qualquer pessoa que realize, a título ocasional, uma operação relacionada com as atividades referidas no segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 9.° e, designadamente, uma das seguintes operações:

a)      Entrega de um edifício ou de parte de um edifício e do terreno da sua implantação, efetuada antes da primeira ocupação;

b)      Entrega de um terreno para construção.»

6        O artigo 14.° desta diretiva prevê:

«1.      Entende-se por ‘entrega de bens’ a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.

2.      Para além da operação referida no n.° 1, são consideradas entregas de bens as seguintes operações:

[…]

c)      A transmissão de um bem efetuada nos termos de um contrato de comissão de compra ou de venda.

[...]»

 Direito búlgaro

7        O Administrativen sad — Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária) baseia-se nas seguintes disposições da Lei relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (Zakon za danak varhu dobavenata stoynost, a seguir «ZDDS»).

8        Nos termos do artigo 2.° da ZDDS:

«Estão sujeitas ao [IVA]:

1.      as entregas de bens e as prestações de serviços efetuadas a título oneroso;

[…]»

9        Nos termos do artigo 3.° da ZDDS:

«(1)      É considerado sujeito passivo qualquer pessoa que exerça uma atividade económica de modo independente, seja qual for a finalidade ou o resultado dessa atividade.

(2)      Atividade económica independente é a atividade dos fabricantes, dos comerciantes e dos prestadores de serviços, incluindo nos domínios das atividades extrativas e agrícolas, bem como o exercício de uma profissão liberal, incluindo a profissão de agente judiciário privado e de notário. É igualmente considerada atividade económica independente toda a atividade exercida regularmente ou a título profissional, mediante remuneração, incluindo a exploração de um património material ou imaterial com a finalidade de dele retirar rendimentos regulares. [...]»

10      O artigo 6.°, n.° 2, ponto 4, da ZDDS qualifica a entrega de bens como «a colocação de um bem à disposição efetiva de uma pessoa que age em seu nome e por conta de outrem».

11      Segundo o artigo 8.° da ZDDS, um serviço é, na aceção desta lei, tudo o que tem valor e se distingue de um bem, do dinheiro em circulação e das divisas estrangeiras, utilizados como meio de pagamento.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      G. Kostov exerce na Bulgária a profissão de agente judiciário privado, a título independente. Está registado para efeitos de IVA nos termos do artigo 96.°, n.° 1, da ZDDS.

13      Em 13 de novembro de 2008, G. Kostov celebrou um contrato de mandato (a seguir «contrato») com a Bon Marin AD (a seguir «Bon Marin»). Nos termos deste contrato, G. Kostov comprometeu-se, na qualidade de mandatário da Bon Marin, a apresentar propostas no âmbito de três processos de venda em leilão de três imóveis parcialmente edificados, detidos sob o regime da propriedade privada do Estado, geridos pelo Ministério da Defesa, e que ocupam uma área de cerca de 40 000 m2. Também se obrigou, no caso de os imóveis lhe serem adjudicados, a transferir o título de propriedade dos mesmos para a Bon Marin.

14      A mandante, a Bon Marin, comprometeu-se a assegurar os meios financeiros necessários para as aquisições previstas pelo contrato, a adquirir os títulos de propriedade dos bens obtidos por G. Kostov em execução do seu mandato e a pagar-lhe a remuneração convencionada de 50 000 levs búlgaros (BGN) (cerca de 25 500 euros).

15      Esta remuneração foi paga no próprio dia da assinatura do contrato, que previa, aliás, que esta remuneração caberia a G. Kostov, mesmo no caso de as propostas não serem aceites.

16      Em maio de 2009, G. Kostov obteve do Estado os títulos de propriedade dos imóveis previstos no contrato.

17      Em 30 de junho de 2009, com o acordo do mandatário, a Bon Marin cedeu à Bleyk Siy Kepital EOOD a totalidade dos direitos e obrigações decorrentes do contrato.

18      O litígio em matéria de IVA teve origem num aviso de cobrança retificativo, emitido pela inspeção tributária competente da cidade de Varna. Segundo este aviso, G. Kostov recebeu a sua remuneração de 50 000 BGN como contrapartida de uma prestação de serviços tributável na aceção do artigo 12.° da ZDDS, realizou-a na qualidade de sujeito passivo do IVA e, portanto, devia liquidar o referido imposto sobre este montante.

19      No seguimento de um recurso administrativo, o aviso de cobrança retificativo foi confirmado pelo Direktor.

20      G. Kostov interpôs recurso contra o referido aviso do Direktor, alegando que a sua prestação de serviços foi realizada a título ocasional e não estava relacionada com a sua atividade económica independente de agente judiciário privado, a única atividade para a qual estava registado para efeitos de IVA.

21      Nestas circunstâncias, o Administrativen sad — Varna decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve considerar-se que uma pessoa singular que está registada para efeitos de IVA devido à atividade que exerce como agente judiciário privado é um sujeito passivo, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva [IVA], que, por força do artigo 193.° da Diretiva [IVA], está obrigado a pagar IVA relativamente a uma prestação de serviços ocasional que não está relacionada com a sua atividade de agente judiciário privado?»

 Quanto à questão prejudicial

22      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa sujeita a IVA pelas suas atividades de agente judiciário independente deve ser considerada «sujeito passivo» para qualquer outra atividade económica exercida a título ocasional.

 Observação preliminar

23      Para responder a esta questão, importa desde logo salientar que, enquanto o órgão jurisdicional de reenvio, o Direktor e os Governos búlgaro e romeno raciocinam com base num contrato de mandato e numa prestação de serviços efectuada pelo mandatário, a Comissão Europeia entende que, no processo principal, está em jogo um contrato de comissão na aceção do artigo 14.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva IVA e que, por conseguinte, o presente processo se refere a uma entrega de bens.

24      A este propósito, importa recordar que não incumbe ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a interpretação e a aplicabilidade de disposições nacionais ou determinar os factos pertinentes para a resolução do litígio no processo principal.

25      Com efeito, incumbe ao Tribunal de Justiça ter em conta, no quadro da repartição das competências entre os tribunais comunitários e nacionais, o contexto factual e regulamentar no qual se insere a questão prejudicial, tal como definida pela decisão de reenvio (v. acórdãos de 13 de novembro de 2003, Neri, C-153/02, Colet., p. I-13555, n.os 34 e 35, e de 29 de abril de 2004, Orfanopoulos e Oliveri, C-482/01 e C-493/01, Colet., p. I-5257, n.° 42).

26      Nestas condições, há que constatar que o órgão jurisdicional de reenvio, na sua decisão de reenvio, qualificou o contrato de «contrato de mandato». Por conseguinte as considerações que se seguem pressupõem a existência de um contrato de mandato e, portanto, a prestação de serviços.

 Quanto ao mérito

27      Antes de mais, importa lembrar que, por força do artigo 9.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, «[se entende] por ‘sujeito passivo’ qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade». Por outro lado, de acordo com o segundo parágrafo dessa mesma disposição, entende-se por atividade económica, no essencial, «qualquer» atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços.

28      Seguidamente, embora seja verdade que pode resultar de uma interpretação a contrario do artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva IVA que uma pessoa que só a título ocasional realize uma operação geralmente efetuada por um produtor, um comerciante ou um prestador de serviços não deve, em princípio, ser considerada «sujeito passivo» na aceção desta diretiva, não decorre no entanto necessariamente desta disposição que um sujeito passivo, que atua num determinado domínio de atividade, que efetua ocasionalmente uma operação noutro domínio de atividades não é devedor do IVA sobre esta operação.

29      Pelo contrário, importa recordar, tal como decorre do considerando 5 da Diretiva IVA, que «um sistema de IVA atinge o maior grau de simplicidade e de neutralidade se o imposto for cobrado da forma mais geral possível». Além disso, o considerando 13 desta diretiva sublinha que, «[a] fim de garantir uma maior neutralidade do imposto, deverá ser precisada a noção de sujeito passivo de modo a permitir que os Estados-Membros nela incluam as pessoas que efetuem operações a título ocasional».

30      Nestas condições, deve interpretar-se o artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva IVA no sentido de que só visa as pessoas que não estejam sujeitas ao IVA pelas suas atividades económicas principais. Ao invés, relativamente a um sujeito passivo do IVA, como G. Kostov, não estaria em conformidade, nomeadamente, com o objetivo de uma cobrança simples e tão geral quanto possível do IVA interpretar o artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA no sentido de que o conceito de «atividade económica» que figura nesta disposição não engloba uma atividade que, embora só exercida ocasionalmente, cabe na definição geral deste conceito, que figura na primeira parte da referida disposição, e é exercida por um sujeito passivo que exerce igualmente, a título permanente, uma outra atividade económica para efeitos da Diretiva IVA.

31      Face ao que antecede, há que responder à questão colocada que o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa singular já sujeita a IVA pela sua atividade de agente judiciário independente deve ser considerada «sujeito passivo» para qualquer outra atividade económica exercida a título ocasional, desde que essa atividade constitua uma atividade na aceção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.

 Quanto às despesas

32      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa singular já sujeita a imposto sobre o valor acrescentado pela sua atividade de agente judiciário independente deve ser considerada «sujeito passivo» para qualquer outra atividade económica exercida a título ocasional, desde que essa atividade constitua uma atividade na aceção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112.

Assinaturas


* Língua do processo: búlgaro.