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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de dezembro de 2013 (*)

«Proteção jurisdicional — Princípio da efetividade — Princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima — Repetição do indevido — Meios processuais — Lei nacional — Redução retroativa e sem aviso prévio do prazo de prescrição dos meios processuais aplicáveis»

No processo C-362/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Supreme Court of the United Kingdom (Reino Unido), por decisão de 25 de julho de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 30 de julho de 2012, no processo

Test Claimants in the Franked Investment Income Group Litigation

contra

Commissioners of Inland Revenue,

Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. G. Fernlund (relator), A. Ó Caoimh, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado-geral: M. Wathelet,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 26 de junho de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação dos Test Claimants in the Franked Investment Income Group Litigation, por G. Aaronson, QC, assistido por P. Freund e P. Farmer, barristers, mandatado por S. Whitehead, solicitor,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por H. Walker, na qualidade de agente, assistida por D. Ewart, QC, e K. Bacon, barrister,

¾        em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e W. Mölls, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 5 de setembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos princípios da efetividade, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre os Test Claimants in the Franked Investment Income Group Litigation (a seguir «Test Claimants») e os Commissioners of Inland Revenue (a seguir «Commissioners») e os Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs, a propósito dos meios processuais em matéria de repetição do indevido à disposição dos contribuintes a respeito de impostos declarados incompatíveis com a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de capitais.

 Quadro jurídico

3        À data dos factos do processo principal, o direito inglês previa dois meios processuais baseados na «common law» em matéria de restituição de impostos sobre as sociedades cobrados em violação do direito da União.

4        O primeiro meio processual, reconhecido pela House of Lords no seu acórdão de 20 de julho de 1992, Woolwich Equitable Building Society/Inland Revenue Commissioners ([1993] AC 70, a seguir «ação Woolwich»), constitui uma ação de restituição do imposto cobrado ilegalmente.

5        Nos termos da section 5 da Lei da prescrição de 1980 (Limitation Act 1980, a seguir «Lei de 1980»), o prazo de prescrição dessa ação é de seis anos contados do respetivo facto gerador.

6        O segundo meio processual, reconhecido no acórdão da House of Lords de 29 de outubro de 1998, Kleinwort Benson/Lincoln City Council ([1999] 2 AC 349, a seguir «ação Kleinwort Benson»), permite o reembolso dos montantes pagos em consequência de um erro de direito.

7        Nos termos da section 32(1)(c) da Lei de 1980, o prazo de prescrição desse tipo de ação é de seis anos contados da data em que o demandante descobriu o erro de direito ou em que o poderia ter descoberto com uma diligência razoável.

8        A partir do final dos anos 90, certas disposições da legislação relativa à tributação das sociedades residentes no Reino Unido foram impugnadas à luz da sua compatibilidade com a liberdade de estabelecimento e com a livre circulação de capitais.

9        O Tribunal de Justiça foi assim chamado a decidir a título prejudicial no processo que deu origem ao acórdão de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o. (C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que certos aspetos do regime de pagamento antecipado do imposto sobre as sociedades («advance corporation tax», a seguir «ACT»), aplicado no Reino Unido no período de 1973 a 1999, eram incompatíveis com as referidas liberdades.

10      Foi no âmbito de processos posteriores relacionados com as mesmas disposições fiscais que a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, no acórdão de 18 de julho de 2003, Deutsche Morgan Grenfell/Inland Revenue Commissioners ([2003] 4 All ER 645), declarou, pela primeira vez, que a ação Kleinwort Benson podia ser invocada a favor da restituição de um imposto pago na sequência de um erro de direito. Até essa data, esse meio processual nunca tinha sido admitido contra a Administração Fiscal.

11      Assim, esse tribunal considerou que o prazo de prescrição aplicável a esse meio processual era o prazo previsto na section 32(1)(c) da Lei de 1980, isto é, seis anos contados da data em que o demandante descobriu o erro de direito ou em que o poderia ter descoberto com uma diligência razoável.

12      Em 8 de setembro de 2003, o Governo do Reino Unido anunciou uma proposta legislativa relativa às ações de restituição de impostos por pagamentos feitos em consequência de um erro de direito. Essa proposta deu origem à section 320 da Lei de Finanças de 2004, aprovada em 24 de junho de 2004 (Finance Act 2004, a seguir «section 320»).

13      A referida section 320 dispõe:

«A section 32(1)(c) [da Lei de] 1980 (alargamento do prazo de propositura de uma ação em caso de erro) não é aplicável em caso de erro de direito respeitante a matéria de tributação da competência dos Commissioners [...].

A presente disposição é aplicável às ações propostas a partir de 8 de setembro de 2003, inclusive.»

14      Por acórdão de 4 de fevereiro de 2005, a Court of Appeal (England & Wales) anulou o acórdão da High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, Deutsche Morgan Grenfell/Inland Revenue Commissioners, já referido. Esse acórdão da Court of Appeal foi, por sua vez, revogado pela House of Lords em 25 de outubro de 2006. Esta repristinou o acórdão da High Court e confirmou que, para reclamarem a restituição do imposto indevidamente pago, os contribuintes podiam recorrer à ação Woolwich, com base na cobrança de um imposto indevidamente exigido e sujeita a um prazo de prescrição de seis anos contados da data de pagamento do imposto, ou à ação Kleinwort Benson, com base num erro de direito e sujeita a um prazo de prescrição de seis anos contados da data em que o demandante descobriu o erro de direito ou em que o poderia ter descoberto com uma diligência razoável.

15      Na sequência do acórdão da House of Lords de 25 de outubro de 2006, já referido, o Governo do Reino Unido requereu que o Tribunal de Justiça reabrisse o processo que deu origem ao acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation (C-446/04, Colet., p. I-11753), para obter uma limitação dos efeitos desse acórdão no tempo. Em 6 de dezembro de 2006, o Tribunal de Justiça indeferiu esse requerimento.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      O pedido de decisão prejudicial inscreve-se no âmbito de uma ação coletiva proposta nos tribunais do Reino Unido pelos Test Claimants. Surge na sequência de dois pedidos anteriores que deram origem aos acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, e de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation (C-35/11), a respeito da possível incompatibilidade do tratamento fiscal dos dividendos pagos a sociedades-mãe estabelecidas no Reino Unido, por filiais não estabelecidas nesse Estado-Membro, com as liberdades fundamentais inscritas no Tratado FUE, nomeadamente a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.° TFUE, e a livre circulação de capitais prevista no artigo 63.° TFUE.

17      Os processos escolhidos pela Supreme Court of the United Kingdom como processos piloto para efeitos do presente pedido de decisão prejudicial respeitam a pedidos de restituição do ACT, indevidamente pago, apresentados pelos membros do grupo de sociedades Aegis (a seguir «Aegis»). São relativos a um pedido de restituição de pagamentos efetuados mais de seis anos antes de a Aegis ter proposto a ação.

18      Na sequência do acórdão Metallgesellschaft e o., já referido, e do acórdão da High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, Deutsche Morgan Grenfell/Inland Revenue Commissioners, já referido, a Aegis propôs, em 8 de setembro de 2003, uma ação de restituição com base na ação Kleinwort Benson, para reclamar os montantes do ACT indevidamente pagos no período de 1973 a 1999.

19      Por força da section 32(1)(c) da Lei de 1980, o prazo de prescrição aplicável a essa ação começou a correr no momento da descoberta do erro de direito na origem do pagamento do imposto, no caso, a data da prolação do acórdão Metallgesellschaft e o., já referido, isto é, 8 de março de 2001.

20      A section 320 teve o efeito de excluir a aplicação do prazo de prescrição mais longo previsto na section 32(1)(c) da Lei de 1980 aos processos de recuperação de quantias pagas no âmbito de um erro de direito, quando a ação tem por objeto uma questão fiscal da competência dos Commissioners. Essa section, aprovada em 24 de junho de 2004, entrou retroativamente em vigor em 8 de setembro de 2003, data que corresponde ao anúncio da proposta de aprovação dessa section e à propositura da ação da Aegis.

21      No seu recurso no tribunal de reenvio, a Aegis alega, no essencial, que resulta do acórdão de 11 de julho de 2002, Marks & Spencer (C-62/00, Colet., p. I-6325), que a section 320 é contrária aos princípios da efetividade, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima previstos no direito da União.

22      Segundo a Aegis, a violação desses princípios reside no facto de que a exclusão sem aviso prévio e retroativa da aplicação do prazo de prescrição da ação Kleinwort Benson às ações baseadas num erro de direito relacionado com uma questão fiscal da competência dos Commissioners, introduzida pela section 320, a privou da possibilidade de intentar uma ação que, no caso contrário, teria sido proposta dentro do prazo, assim dificultando excessivamente ou mesmo impossibilitando o exercício dos direitos que lhe são conferidos pelo direito da União.

23      Os Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs alegaram, no essencial, que o direito da União exige apenas a existência de um meio processual efetivo com vista a fazer valer os direitos conferidos pelo direito da União. Entendem que essa exigência é respeitada pela ação Woolwich. Desde que essa ação permaneça acessível, é indiferente que a section 320 tenha eliminado o prazo de prescrição mais longo aplicável a um meio processual nacional subsidiário, de forma a passar a estar em conformidade com o prazo de prescrição da ação Woolwich.

24      Tendo dúvidas quanto à compatibilidade da section 320 com o direito da União, a Supreme Court of the United Kingdom suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      No caso de, nos termos da legislação de um Estado-Membro, um contribuinte poder optar entre duas causas de pedir alternativas para reclamar o reembolso de impostos cobrados em violação dos artigos 49.° [TFUE] e 63.° TFUE e uma delas permitir beneficiar de um prazo de prescrição mais longo, é compatível com os princípios da efetividade, da segurança jurídica e da confiança legítima que um Estado-Membro adote legislação que prevê a redução desse prazo mais longo sem aviso e com efeitos retroativos à data do anúncio público da nova legislação proposta?

2)      É relevante, para a resposta à questão 1 que, no momento em que o contribuinte intentou a sua ação invocando a causa de pedir que lhe permitia beneficiar do prazo de prescrição mais longo, a admissibilidade de tal causa de pedir, nos termos do direito nacional, apenas tivesse sido reconhecida (i) recentemente e (ii) por um tribunal inferior e só mais tarde confirmada em definitivo pela autoridade judicial suprema?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

25      Com a sua primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, se, numa situação em que os contribuintes, de acordo com o direito nacional, podem optar entre dois meios processuais possíveis em matéria de restituição de um imposto cobrado em violação do direito da União, tendo um deles um prazo de prescrição mais longo, os princípios da efetividade, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima se opõem a uma lei nacional que reduz esse prazo de prescrição sem pré-aviso e de forma retroativa.

26      A esse respeito, o Governo do Reino Unido entende que o direito da União não exige meios processuais suplementares em matéria de restituição de imposto cobrado a mais, previstos no direito nacional, tomados isoladamente, que deem cumprimento ao princípio da efetividade. Em particular, entende que os princípios que resultam do acórdão Marks & Spencer, já referido, não são aplicáveis no processo principal. A exclusão da aplicação do prazo de prescrição da ação Kleinwort Benson às ações baseadas num erro de direito relacionado com uma questão fiscal em nada afetou o prazo de prescrição aplicável à ação Woolwich, que, só por si, dá cumprimento ao princípio da efetividade e à qual a Aegis tinha um direito não interrompido de recorrer para recuperar impostos cobrados em violação do direito da União.

27      O Governo do Reino Unido acrescenta que a possibilidade de recuperar impostos cobrados com base num erro de direito só passou a ser certa com o acórdão da House of Lords de 25 de outubro de 2006, já referido, isto é, depois de a Aegis ter proposto a ação. Nessa situação, as pessoas razoavelmente avisadas não podiam entender que recuperariam o valor cobrado em excesso, com base no prazo de prescrição mais longo aplicável à ação Kleinwort Benson. Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima não foram, portanto, violados.

28      A Comissão considera, em contrapartida, que há uma grande semelhança entre o processo principal e o processo que deu origem ao acórdão Marks & Spencer, já referido. Entende que, mesmo que a ação Woolwich, só por si, constitua um meio processual efetivo, isso não significa que a ação Kleinwort Benson possa ser eliminada sem pré-aviso e de forma retroativa.

29      Segundo a Comissão, mesmo que, à data dos factos do processo principal, a aplicação da ação Kleinwort Benson ao domínio fiscal pudesse dar origem a discussão, os contribuintes podiam razoavelmente considerar que o alcance dessa ação em caso de erro de direito era geral e, por conseguinte, igualmente aplicável em matéria fiscal. Assim, a section 320 é contrária ao princípio da efetividade e ainda aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. Para respeitar esses princípios, teria sido necessário prever um prazo razoável entre o anúncio da proposta de aprovação da section 320 e a sua entrada em vigor, de forma a permitir que os eventuais demandantes fizessem valer os seus direitos.

 Quanto ao princípio da efetividade

30      A título preliminar, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, o direito ao reembolso de impostos cobrados num Estado-Membro em violação do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos contribuintes pelas disposições do direito da União tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Por conseguinte, um Estado-Membro tem, em princípio, de reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União (v. acórdão de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail e o., C-591/10, n.° 24 e jurisprudência aí referida).

31      Na falta de regulamentação da União em matéria de restituição de impostos nacionais indevidamente cobrados, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro, por força do princípio da sua autonomia processual, designar os tribunais competentes e regular as formas processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos contribuintes pelo direito da União. Os Estados-Membros têm, porém, a responsabilidade de garantir, em todos os casos, uma proteção efetiva desses direitos (v. acórdão de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting-04, C-93/12, n.° 35 e jurisprudência aí referida).

32      Assim, as formas processuais das ações destinadas a garantir os direitos conferidos aos contribuintes pelo direito da União não podem ser menos favoráveis do que as das ações semelhantes de direito interno (princípio da equivalência), nem estruturadas de modo a impossibilitar na prática ou a dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (princípio da efetividade) (v., nomeadamente, acórdão de 18 de março de 2010, Alassini e o., C-317/08 a C-320/08, Colet., p. I-2213, n.° 48 e jurisprudência aí referida, e acórdão Agrokonsulting-04, já referido, n.° 36).

33      No que se refere a este último princípio, o Tribunal de Justiça reconheceu ser compatível com o direito da União a fixação de prazos razoáveis de atuação judicial, sob pena de preclusão, no interesse da segurança jurídica, que protege simultaneamente o contribuinte e a entidade administrativa em causa. Com efeito, esses prazos não são suscetíveis de, na prática, impossibilitarem ou dificultarem excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União. Contudo, para cumprir a sua função de garantir a segurança jurídica, um prazo de prescrição tem de ser fixado antecipadamente (acórdão Marks & Spencer, já referido, n.os 35 e 39 e jurisprudência aí referida).

34      Em matéria de restituição de impostos nacionais indevidamente cobrados, o Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que é razoável um prazo nacional de preclusão de três anos, que corre a partir da data do pagamento impugnado (v. acórdãos de 17 de novembro de 1998, Aprile, C-228/96, Colet., p. I-7141, n.° 19, e de 24 de setembro de 2002, Grundig Italiana, C-255/00, Colet., p. I-8003, n.° 34). Assim, um prazo de prescrição de seis anos, como o aplicado na ação Woolwich, que corre a partir da data do pagamento do imposto não devido, é, em si mesmo, razoável.

35      O princípio da efetividade também não proíbe de modo absoluto uma aplicação retroativa de um novo prazo de ação mais curto e, eventualmente, mais restritivo para os contribuintes do que o prazo anteriormente aplicado, na medida em que tal aplicação se refira a ações de restituição de impostos nacionais contrários ao direito da União, ainda não intentadas no momento da entrada em vigor do novo prazo, mas relativas a montantes pagos quando ainda era aplicável o prazo anterior (acórdão Grundig Italiana, já referido, n.° 35).

36      Com efeito, dado que as formas de restituição dos impostos nacionais indevidamente cobrados são do foro do direito nacional, a questão da possibilidade de uma aplicação retroativa dessas formas é também do foro desse direito, desde que essa eventual aplicação retroativa não comprometa o respeito do princípio da efetividade (acórdão Grundig Italiana, já referido, n.° 36).

37      Contudo, como o Tribunal de Justiça já decidiu no n.° 38 do acórdão Marks & Spencer, já referido, se o princípio da efetividade não se opõe a que uma legislação nacional reduza o prazo durante o qual pode ser pedido o reembolso de quantias pagas em violação do direito da União, é na condição não só de o novo prazo fixado apresentar um caráter razoável mas também de a nova legislação prever um regime transitório que permita aos destinatários disporem de um prazo suficiente, após a sua adoção, para poderem apresentar os pedidos de reembolso que tinham o direito de apresentar na vigência da lei anterior. Esse regime transitório é necessário quando a aplicação imediata a esses pedidos de um prazo de prescrição mais curto do que aquele que estava anteriormente em vigor tenha por efeito privar retroativamente do seu direito ao reembolso certas pessoas ou de lhes deixar um prazo demasiado curto para fazerem valer esse direito.

38      Daí resulta que o princípio da efetividade se opõe a uma lei nacional que reduza, retroativamente e sem regime transitório, o prazo para pedir o reembolso de quantias pagas em violação do direito da União (v., neste sentido, acórdão Marks & Spencer, já referido, n.° 47).

39      O facto de, no processo que deu origem ao acórdão Marks & Spencer, já referido, o contribuinte só dispor de um meio processual, ao passo que, no processo principal, o contribuinte dispõe de dois meios processuais, não pode, em circunstâncias como as apresentadas ao tribunal de reenvio, levar a um resultado diferente.

40      No caso, há que analisar os direitos conferidos aos contribuintes pelo seu direito nacional antes da aprovação da alteração legislativa em causa e as consequências dessa alteração para o exercício do direito à restituição que lhes é conferido pelo direito da União.

41      Resulta dos autos no Tribunal de Justiça que, até à aprovação da section 320, os contribuintes tinham a possibilidade de intentar ações baseadas num erro de direito, sob a forma de uma ação Kleinwort Benson, pedindo a restituição de impostos indevidamente pagos, durante um período de seis anos contados da descoberta do erro na origem do pagamento desse imposto. A aprovação dessa section teve a consequência de as privar dessa possibilidade, de forma retroativa e sem regime transitório, uma vez que esse preceito dispõe que o prazo mais longo para propor uma ação em caso de erro de direito não se aplica aos erros de direito relacionados com questões fiscais da competência dos Commissioners. Assim, o seu pedido de repetição do indevido só podia ter por objeto o período de 1997 a 1999.

42      Ora, embora o princípio da efetividade não se oponha a que uma lei nacional reduza o prazo em que pode ser pedida a repetição do indevido, e um prazo de prescrição de seis anos contados da data do pagamento de impostos indevidos, como resulta do n.° 34 do presente acórdão, seja, em si mesmo, razoável, também é necessário, de acordo com a jurisprudência acima referida no n.° 37 do presente acórdão, que a nova lei preveja um regime transitório que faculte aos contribuintes um prazo suficiente, depois da respetiva aprovação, que lhes permita apresentar os pedidos que podiam apresentar na vigência da lei anterior.

43      Uma lei nacional como a do processo principal, que tem o efeito de reduzir o prazo de propositura de ações de repetição do indevido, de seis anos, contados da descoberta do erro na origem do pagamento do imposto indevido, para seis anos, contados da data do seu pagamento, ao dispor que esse efeito se aplica imediatamente a todos os pedidos apresentados depois da data de aprovação dessa lei e aos pedidos apresentados entre essa data e uma data anterior, correspondente, no caso, à data do anúncio da proposta de aprovação dessa lei, que constitui a data da sua entrada em vigor, não respeita a exigência de um regime transitório. Essa lei impossibilita, na prática, o exercício de um direito ao reembolso de impostos indevidamente pagos, direito que os contribuintes tinham anteriormente. Daí resulta que uma lei nacional como a do processo principal deve ser considerada incompatível com o princípio da efetividade.

 Quanto aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima

44      Há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, o princípio da segurança jurídica, que tem por corolário o princípio da proteção da confiança legítima, exige que qualquer lei que dê origem a consequências desfavoráveis para particulares seja clara e precisa e que a sua aplicação seja previsível para os destinatários (v., nomeadamente, acórdão de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C-17/03, Colet., p. I-4983, n.° 80). Como referido no n.° 33 do presente acórdão, um prazo de prescrição deve ser fixado antecipadamente, para preencher a sua função de garantir a segurança jurídica.

45      O Tribunal de Justiça também já decidiu no sentido de que o princípio da proteção da confiança legítima se opõe a que uma alteração da lei nacional prive um contribuinte, com efeito retroativo, do direito, de que dispunha antes dessa alteração, de obter o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União (v., neste sentido, acórdão Marks & Spencer, já referido, n.° 46).

46      No caso, como resulta do n.° 41 do presente acórdão, antes da aprovação da section 320, os contribuintes, para pedirem o reembolso de impostos indevidamente pagos, podiam recorrer à ação Kleinwort Benson nos tribunais nacionais e esperar que esses tribunais decidissem a questão de saber se as suas ações eram ou não procedentes.

47      Ora, a aprovação da section 320 teve por consequência privá-los desse direito, de forma retroativa e sem regime transitório. Essa lei introduziu, assim, uma alteração que afetou negativamente a sua situação, sem que se pudessem ter preparado para isso.

48      Daí resulta que uma alteração legislativa como essa vai contra os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

49      Em face de todas estas considerações, há que responder à questão submetida que, numa situação em que os contribuintes, nos termos do direito nacional, podem optar entre dois meios processuais possíveis em matéria de restituição de um imposto cobrado em violação do direito da União, beneficiando um deles de um prazo de prescrição mais longo, os princípios da efetividade, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima opõem-se a que uma lei nacional reduza esse prazo de prescrição, sem aviso prévio e de forma retroativa.

 Quanto à segunda questão prejudicial

50      Com a segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, se o facto de, no momento em que o contribuinte propôs a ação, a possibilidade de utilizar o meio processual que previa o prazo de prescrição mais longo só recentemente ter sido reconhecida por um tribunal inferior e só mais tarde ter sido definitivamente confirmada pelo máximo órgão jurisdicional tem alguma influência na resposta dada à primeira questão.

51      Refira-se que essas circunstâncias não são relevantes. O que importa é que, como indica o tribunal de reenvio, à data dos factos no processo principal, os contribuintes dispusessem, ao abrigo do direito nacional, do direito de proporem uma ação de repetição do indevido, com base nesse meio processual.

52      Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o facto de, no momento em que o contribuinte propôs a ação, a possibilidade de utilizar o meio processual que previa o prazo de prescrição mais longo só recentemente ter sido reconhecida por um tribunal inferior e só mais tarde ter sido definitivamente confirmada pelo máximo órgão jurisdicional não tem nenhuma influência na resposta dada à primeira questão.

 Quanto às despesas

53      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      Numa situação em que os contribuintes, nos termos do direito nacional, podem optar entre dois meios processuais possíveis em matéria de restituição de um imposto cobrado em violação do direito da União, beneficiando um deles de um prazo de prescrição mais longo, os princípios da efetividade, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima opõem-se a que uma lei nacional reduza esse prazo de prescrição, sem aviso prévio e de forma retroativa.

2)      O facto de, no momento em que o contribuinte propôs a ação, a possibilidade de utilizar o meio processual que previa o prazo de prescrição mais longo só recentemente ter sido reconhecida por um tribunal inferior e só mais tarde ter sido definitivamente confirmada pelo máximo órgão jurisdicional não tem nenhuma influência na resposta dada à primeira questão.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.