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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

16 de outubro de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 44.° — Conceito de ‘estabelecimento estável’ do destinatário de uma prestação de serviços — Lugar onde se considera que as prestações de serviços são efetuadas a sujeitos passivos — Operação intracomunitária»

No processo C-605/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Polónia), por decisão de 25 de outubro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de dezembro de 2012, no processo

Welmory sp. z o.o.

contra

Dyrektor Izby Skarbowej w Gdańsku,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund (relator), juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de março de 2014,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação de Welmory sp. z o.o., por M. Gorazda, adwokat,

—        em representação do Dyrektor Izby Skarbowej w Gdańsku, por T. Tratkiewicz e J. Kaute, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e A. Kramarczyk, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo cipriota, por K. Kleanthous e E. Symeonidou, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo do Reino Unido, por L. Christie, na qualidade de agente, assistido por O. Thomas, barrister,

—        em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann, L. Lozano Palacios e R. Lyal, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 15 de maio de 2014,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 44.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (JO L 44, p. 11, a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi submetido no âmbito de um litígio que opõe a Welmory sp. z o.o., com sede na Polónia (a seguir «sociedade polaca») ao Dyrektor Izby Skarbowej w Gdańsku (diretor da Direção de Finanças de Gdańsk, a seguir «Dyrektor»), acerca do lugar de tributação em imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») de serviços prestados por esta sociedade a uma sociedade com sede da sua atividade económica noutro Estado-Membro.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Diretiva IVA, em conformidade com os seus artigos 411.° e 413.°, revogou e substituiu, desde 1 de janeiro de 2007, a legislação da União Europeia em matéria de IVA, designadamente a Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, a seguir «Sexta Diretiva»). O artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Diretiva, sob a epígrafe «Prestações de serviços», tinha a seguinte redação:

«Por ‘lugar da prestação de serviços’ entende-se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua atividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual.»

4        Até 31 de dezembro de 2009, o artigo 43.° da Diretiva 2006/112, que figurava no capítulo 3 da mesma, intitulado «Lugar das prestações de serviços», previa:

«O lugar da prestação de serviços é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica ou dispõe de um estabelecimento estável a partir do qual é efetuada a prestação de serviços ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar onde tem domicílio ou residência habitual.»

5        A Diretiva 2008/8 substituiu, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2010, os artigos 43.° a 59.°, que faziam parte do referido capítulo da Diretiva 2006/112.

6        O artigo 44.° da Diretiva IVA dispõe:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o sujeito passivo destinatário tem domicílio ou residência habitual.»

7        O considerando 4 do Regulamento de Execução (UE) n.° 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112 (JO L 77, p. 1, a seguir «Regulamento de Execução»), aplicável desde 1 de julho de 2011, refere:

«O objetivo do presente regulamento consiste em assegurar a aplicação uniforme do atual sistema de IVA, estabelecendo disposições de aplicação da Diretiva 2006/112/CE, nomeadamente no que respeita aos sujeitos passivos, às entregas de bens e prestações de serviços e ao lugar das operações tributáveis. […]»

8        O considerando 14 do Regulamento de Execução refere:

«A fim de garantir a aplicação uniforme das regras relativas ao lugar onde são efetuadas as operações tributáveis, importa clarificar conceitos como o de sede da atividade económica, estabelecimento estável, domicílio ou residência habitual. Tendo embora em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça [da União Europeia], a utilização de critérios tanto quanto possível claros e objetivos deverá facilitar a aplicação prática destes conceitos.»

9        O artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento de Execução tem a seguinte redação:

«Para a aplicação do artigo 44.° da Diretiva [IVA], entende-se por ‘estabelecimento estável’ qualquer estabelecimento, diferente da sede da atividade económica […] caracterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permitam receber e utilizar os serviços que são prestados para as necessidades próprias desse estabelecimento.»

 Direito polaco

10      A Lei relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (Ustawa o podatku od towarów i usług), de 11 de março de 2004 (Dz. U. n.° 54, posição 535), na redação em vigor entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2011 (a seguir «lei do IVA»), é aplicável ao processo principal.

11      O artigo 19.°, n.os 1 e 4, da lei do IVA dispõe:

«1.      A obrigação tributária constitui-se no momento da entrega do bem ou da prestação do serviço, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 a 21, e nos artigos 14.°, n.° 6, 20.° e 21.°, n.° 1.

[…]

4.      Nos casos em que o fornecimento do bem ou a prestação do serviço devem ser comprovados por uma fatura, a obrigação tributária constitui-se com a emissão da fatura e, o mais tardar, sete dias a contar da data da entrega da mercadoria ou da prestação do serviço.»

12      Nos termos do artigo 28.°b, n.os 1 e 2, da mesma lei:

«1.      O lugar da prestação do serviço, no caso de prestação de serviços a um sujeito passivo, é o lugar onde o sujeito passivo destinatário do serviço tem a sua sede ou o seu domicílio, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 a 4, e nos artigos 28.°e, 28.°f, n.° 1, 28.°g, n.° 1, 28.°i, 28.°j e 28.°n.

2.      Nos casos em que são prestados serviços a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente do da sua sede ou domicílio, o lugar da prestação do serviço é o desse estabelecimento estável.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

13      A Welmory LTD, com sede em Nicósia (Chipre, a seguir «sociedade cipriota»), organiza leilões numa plataforma comercial online. Para o efeito, vende lotes de «bids» (licitações), ou seja, títulos que conferem o direito de apresentar uma oferta para a aquisição de um bem em leilão, oferecendo um preço mais elevado do que o último preço oferecido.

14      Resulta dos elementos a que o Tribunal de Justiça teve acesso que a sociedade cipriota celebrou, em 2 de abril de 2009, um contrato de colaboração com a sociedade polaca, nos termos do qual a primeira se comprometeu a prestar à segunda um serviço de disponibilização de um sítio Internet de leilões sob o nome de domínio www.za10groszy.pl, incluindo igualmente a prestação de serviços relacionados, respeitantes, por um lado, à locação dos servidores indispensáveis ao funcionamento do sítio Internet, e, por outro, à apresentação dos produtos leiloados. A sociedade polaca, por sua vez, comprometia-se principalmente a vender bens nesse sítio Internet.

15      O processo de venda é o seguinte. Em primeiro lugar, o cliente compra um determinado número de «bids» à sociedade cipriota no sítio de vendas online. Em seguida, esses «bids» conferem ao cliente o direito de participar na venda dos bens levados a leilão pela sociedade polaca nesse mesmo sítio e de apresentar uma oferta para a aquisição de um desses bens. Diversamente do sistema de leilões clássico, para licitar, o cliente não pode limitar-se a comprometer-se a pagar um montante em dinheiro mais elevado do que a última proposta, devendo antes, para o efeito, também «adquirir» «bids». Por último, o bem é adjudicado ao cliente que, através dos seus «bids», tenha oferecido o preço mais elevado para o adquirir.

16      Resulta igualmente dos elementos a que o Tribunal de Justiça teve acesso que a fonte de rendimento da sociedade polaca provém, por um lado, do preço de venda obtido no âmbito dos leilões online, e, por outro, de uma remuneração recebida da sociedade cipriota, correspondente a uma parte do produto da venda dos «bids» utilizados pelos clientes na Polónia para fazerem uma licitação.

17      Em 19 de abril de 2010, a sociedade cipriota adquiriu 100% do capital social da sociedade polaca.

18      No período anterior a essa aquisição, entre janeiro e abril de 2010, a sociedade polaca emitiu quatro faturas relativas a prestações de serviços efetuadas à sociedade cipriota (publicidade, serviços, prestação de informações e tratamento de dados).

19      Considerando que esses serviços tinham sido prestados na sede social da sociedade cipriota e que, consequentemente, deviam estar sujeitos a IVA em Chipre, a sociedade polaca, apesar de indicar que este imposto devia ser pago pelo adquirente dos serviços, não faturou IVA.

20      No entanto, o Dyrektor considerou que se tratava de prestações de serviços efetuadas a um estabelecimento estável da sociedade cipriota no território polaco e que, em consequência, os mesmos deviam ser tributados na Polónia à taxa normal de 22%, nos termos do artigo 28.°b, n.° 2, da Lei do IVA.

21      A sociedade polaca intentou uma ação de anulação da decisão do Dyrektor no Wojewódzki Sąd Administracyjny w Gdańsku (Tribunal Administrativo da Voivodia de Gdańsk), alegando que um operador independente exercendo uma atividade autónoma, que tenha a qualidade de sujeito passivo de IVA, não pode constituir um estabelecimento estável de outro sujeito passivo.

22      O Wojewódzki Sąd Administracyjny w Gdańsku julgou a ação improcedente, atendendo designadamente à especificidade dos serviços prestados pela sociedade cipriota no território polaco. Entendeu que esta sociedade não necessitava de aí possuir recursos materiais e humanos permanentes, no sentido clássico do termo, nem de utilizar diretamente edifícios localizados nesse território ou de aí contratar pessoal para se considerar que dispunha de um estabelecimento estável no território polaco.

23      O Wojewódzki Sąd Administracyjny w Gdańsku considerou que as atividades destas duas sociedades formavam um todo indissociável do ponto de vista económico, dado que o objetivo subjacente a todas as suas atividades só é alcançado na Polónia graças à cooperação entre ambas.

24      Em apoio da sua decisão, o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Gdańsku considerou que a sociedade cipriota utilizava no território polaco os recursos técnicos e humanos da sociedade polaca, de tal modo que esta última devia ser tratada como um estabelecimento estável da sociedade cipriota na Polónia. Por conseguinte, entendeu que as prestações de serviços eram efetuadas pela sociedade polaca à sociedade cipriota no estabelecimento estável desta última na Polónia, sendo, portanto, tributáveis no território deste Estado-Membro.

25      A sociedade polaca interpôs recurso de anulação da sentença do Wojewódzki Sąd Administracyjny w Gdańsku para o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo).

26      Tendo em conta a especificidade do processo que lhe foi submetido, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se o artigo 44.° da Diretiva IVA pode ser interpretado no sentido de que o lugar de tributação das prestações de serviços é na Polónia quando os serviços são prestados por uma sociedade polaca a outra sociedade com sede em Chipre, quando as duas sociedades são independentes uma da outra em termos de capital e na medida em que a sociedade cipriota exerce a sua atividade económica utilizando a infraestrutura da sociedade polaca.

27      O órgão jurisdicional de reenvio observa que a jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto ao conceito de estabelecimento estável respeita a situações jurídicas e factuais diferentes da situação em causa no processo que lhe foi submetido.

28      Esta última respeita a uma situação em que, na época dos factos, as duas sociedades eram independentes uma da outra. Além disso, a jurisprudência do Tribunal de Justiça é relativa a uma situação em que o lugar do estabelecimento estável é definido em relação ao prestador de serviços e, além disso, respeita à situação em que o estabelecimento estável é definido por referência às prestações de serviços efetuadas a um terceiro, isto é, o consumidor final.

29      Nestas condições, o Naczelny Sąd Administracyjny decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Para efeitos da tributação dos serviços prestados por uma sociedade [polaca], com sede na Polónia, à sociedade [cipriota], com sede noutro Estado-Membro da União Europeia, se a sociedade [cipriota] utilizar a infraestrutura da sociedade [polaca] para a sua atividade económica, o lugar onde está situado o estabelecimento estável, na aceção do artigo 44.° da [Diretiva IVA], é o lugar onde a sociedade [polaca] tem a sua sede?»

 Quanto à questão prejudicial

 Observações preliminares

30      Diversas partes no processo alegaram que a questão que se coloca no processo principal não consiste em saber se as prestações de serviços efetuadas pela sociedade polaca à sociedade cipriota são prestações de serviços efetuadas ao estabelecimento estável desta última na Polónia, mas em que país, Polónia ou Chipre, devem os «bids» vendidos pela sociedade cipriota aos clientes na Polónia estar sujeitos ao IVA.

31      O Governo polaco alega, além disso, que a base tributável dos bens vendidos em leilão pela sociedade polaca no sítio de venda online da sociedade cipriota pode não ter sido corretamente avaliada. Este governo pergunta-se se, em conformidade com o artigo 73.° da Diretiva IVA, a base tributável que a sociedade polaca devia ter declarado não deve ser composta, por um lado, pelo preço dos bens vendidos em leilão, e, por outro, pela remuneração obtida da sociedade cipriota, correspondente a uma parte do produto da venda dos «bids» que os clientes utilizam nos leilões, na Polónia.

32      Importa, no entanto, especificar que o objeto da questão prejudicial é relativo, em substância, ao lugar de tributação das prestações de serviços efetuadas pela sociedade polaca à sociedade cipriota, e, portanto, à interpretação do artigo 44.° da Diretiva IVA, e não ao lugar de tributação dos «bids» nem à determinação da base tributável dos bens vendidos em leilão pela sociedade polaca.

33      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este último e os órgãos jurisdicionais nacionais, conforme prevista no artigo 267.° TFUE, só o juiz nacional, que é chamado a conhecer do litígio e deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a proferir, é competente para apreciar, à luz das especificidades do caso que lhe foi submetido, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. A faculdade de determinar as questões a submeter ao Tribunal de Justiça é, portanto, atribuída unicamente ao juiz nacional, não podendo as partes no processo principal alterar o seu teor (v., designadamente, acórdão Danske Svineproducenter, C-316/10, EU:C:2011:863, n.° 32 e jurisprudência referida).

34      Por outro lado, uma alteração da substância das questões prejudiciais ou uma resposta a questões complementares mencionadas pelas partes seria incompatível com o dever do Tribunal de Justiça de assegurar aos governos dos Estados-Membros e às partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o disposto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, tendo em conta que, por força desta disposição, só as decisões de reenvio são notificadas às partes interessadas (v., neste sentido, acórdão Danske Svineproducenter, EU:C:2011:863, n.° 33 e jurisprudência referida).

35      Assim sendo, no presente processo, há que responder unicamente à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que é relativa à determinação do lugar de tributação das prestações de serviços efetuadas pela sociedade polaca à sociedade cipriota.

 Resposta do Tribunal de Justiça

36      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, em que condições se deve considerar que um primeiro sujeito passivo com a sede da sua atividade económica num Estado-Membro, que beneficie de serviços prestados por um segundo sujeito passivo estabelecido noutro Estado-Membro, dispõe, nesse outro Estado-Membro, de um «estabelecimento estável», na aceção do artigo 44.° da Diretiva IVA, com vista à determinação do lugar de tributação desses serviços.

37      A Diretiva IVA, à semelhança da Sexta Diretiva, que substituiu, contém um título V, dedicado ao lugar das operações tributáveis. O capítulo 3 desse título é relativo ao lugar das prestações de serviços e as secções 2 e 3 do mesmo capítulo estabelecem, respetivamente, as disposições gerais para a determinação do lugar de tributação dessas prestações e as disposições específicas relativas a prestações de serviços específicas.

38      Tal como o artigo 9.° da Sexta Diretiva, os artigos 44.° a 59.°-B da Diretiva IVA incluem regras que determinam o lugar de conexão fiscal. Assim, se o artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Diretiva estabelecia regras gerais neste domínio, tais regras estão igualmente previstas nos artigos 44.° e 45.° da Diretiva IVA. Do mesmo modo, os artigos 46.° a 59.°-B desta última diretiva indicam, à semelhança do artigo 9.°, n.os 2 e 3, da Sexta Diretiva, uma série de conexões específicas.

39      No entanto, o processo principal é relativo à interpretação do artigo 44.° da Diretiva IVA, segundo o qual o lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo é determinado já não em função do sujeito passivo prestador de serviços, mas do sujeito passivo destinatário dos mesmos.

40      Coloca-se, pois, a questão de saber se a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação do artigo 9, n.° 1, da Sexta Diretiva continua a ser pertinente, tendo em conta as alterações efetuadas nesta matéria pelo artigo 44.° da Diretiva IVA.

41      A esse propósito, cumpre recordar que, na interpretação de uma disposição do direito da União, importa atender não só aos termos desta mas também ao seu contexto e ao objetivo prosseguido pela regulamentação de que essa disposição faz parte (acórdão ADV Allround, C-218/10, EU:C:2012:35, n.° 26 e jurisprudência referida).

42      Em conformidade com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o objetivo das disposições que determinam o lugar de conexão fiscal das prestações de serviços é evitar, por um lado, conflitos de competência suscetíveis de conduzir a dupla tributação e, por outro, a não tributação de receitas (v., neste sentido, acórdão ADV Allround, EU:C:2012:35, n.° 27 e jurisprudência referida).

43      Cabe observar que a redação do artigo 44.° da Diretiva IVA é semelhante à do artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Diretiva. Além disso, tanto o artigo 44.° da Diretiva IVA como o artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Diretiva são disposições que determinam o lugar de conexão fiscal das prestações de serviços e prosseguem o mesmo objetivo, de tal modo que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação do artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Diretiva é, em princípio, transponível mutatis mutandis para efeitos da interpretação do artigo 44.° da Diretiva IVA.

44      Este entendimento é corroborado pelo Regulamento de Execução, que, nos termos do seu considerando 4, tem por objetivo assegurar a aplicação uniforme do sistema de IVA, estabelecendo disposições de aplicação da Diretiva IVA, nomeadamente no que respeita aos sujeitos passivos, às entregas de bens e prestações de serviços, e ao lugar das operações tributáveis.

45      Resulta do considerando 14 desse regulamento que a vontade do legislador da União foi clarificar certos conceitos necessários à determinação dos critérios relativos ao lugar das operações tributáveis, tomando em consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria.

46      Nesta medida, apesar de o referido regulamento não estar ainda em vigor à data dos factos no processo principal, cumpre todavia tê-lo em consideração.

47      Por conseguinte, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Diretiva e o Regulamento de Execução afiguram-se pertinentes para a resposta à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

48      A questão que se coloca no contexto do processo principal é a da definição do lugar das prestações de serviços efetuadas pela sociedade polaca à sociedade cipriota e, mais especificamente, da definição dos critérios destinados a determinar se esta última dispõe de um estabelecimento estável na Polónia.

49      Nos termos do artigo 44.° da Diretiva IVA, o lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o sujeito passivo destinatário tem domicílio ou residência habitual.

50      Neste contexto, importa recordar, como decorre do n.° 42 do presente acórdão, que uma disposição como o artigo 44.° da Diretiva IVA é uma norma que determina o lugar de tributação das prestações de serviços, designando o lugar de conexão fiscal, e, portanto, delimitando as competências dos Estados-Membros.

51      Com este objetivo, a referida disposição visa estabelecer uma repartição racional dos respetivos âmbitos de aplicação das legislações nacionais em matéria de IVA, determinando de maneira uniforme o lugar de conexão fiscal das prestações de serviços.

52      Assim sendo, importa, em primeiro lugar, determinar o ponto de conexão prioritário a fim de estabelecer o lugar das prestações de serviços e, em segundo lugar, especificar os critérios que devem estar reunidos para considerar que um sujeito passivo destinatário de serviços, como o que está em causa no processo principal, que tenha a sede num Estado-Membro, dispõe de um estabelecimento estável num Estado-Membro diferente do da sede.

 Lugar de conexão fiscal prioritário

53      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 9.° da Sexta Diretiva, o ponto de conexão mais útil e, portanto, prioritário para determinar o lugar das prestações de serviços, do ponto de vista fiscal, é o lugar onde o sujeito passivo estabeleceu a sede da sua atividade económica. A tomada em consideração de outro estabelecimento só tem interesse no caso de essa sede não levar a uma solução racional ou criar um conflito com outro Estado-Membro (v., designadamente, acórdãos Berkholz, 168/84, EU:C:1985:299, n.° 17; Faaborg-Gelting Linien, C-231/94, EU:C:1996:184, n.° 16, e ARO Lease, C-190/95, EU:C:1997:374, n.° 15).

54      Esta interpretação é igualmente válida no âmbito do artigo 44.° da Diretiva IVA.

55      Com efeito, tal como sob a égide da Sexta Diretiva, a sede da atividade económica enquanto ponto de conexão prioritário parece constituir um critério objetivo, simples e prático que oferece grande segurança jurídica, sendo mais fácil de verificar do que a existência, por exemplo, de um estabelecimento estável. Além disso, a presunção de que as prestações de serviços são efetuadas no local em que o sujeito passivo destinatário estabeleceu a sede da sua atividade económica permite evitar que tanto as autoridades competentes dos Estados-Membros como os prestadores de serviços efetuem investigações complicadas com vista à determinação do ponto de conexão fiscal.

56      Além disso, a sede da atividade económica é referida na primeira frase do artigo 44.° da Diretiva IVA, enquanto o estabelecimento estável só é referido na frase seguinte. Esta última, introduzida pela expressão «todavia» não pode ser entendida senão no sentido de que estabelece uma derrogação à regra geral prevista na frase anterior.

 Conceito de estabelecimento estável

57      Importa recordar, como resulta do n.° 39 do presente acórdão, que, no âmbito do artigo 44.° da Diretiva IVA, o lugar das prestações de serviços é determinado já não em função do sujeito passivo prestador de serviços, mas do sujeito passivo destinatário dos mesmos. Há pois que definir o conceito de estabelecimento estável em função do sujeito passivo destinatário.

58      Pode deduzir-se da jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria (v., designadamente, acórdão Planzer Luxembourg, C-73/06, EU:C:2007:397, n.° 54 e jurisprudência referida), em que se inspira diretamente a redação do artigo 11.° do Regulamento de Execução, que um estabelecimento estável se deve caraterizar por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permitam receber e utilizar os serviços que lhe são prestados para as necessidades específicas desse estabelecimento.

59      Assim, em circunstâncias como as relativas ao processo principal, para que se considere que dispõe de um estabelecimento estável, na aceção do artigo 44.° da Diretiva IVA, a sociedade cipriota deve dispor na Polónia pelo menos de uma estrutura caraterizada por um grau suficiente de permanência, apta, em termos de recursos humanos e técnicos, a permitir-lhe receber, na Polónia, os serviços que lhe são prestados pela sociedade polaca e a utilizá-los para efeitos da sua atividade económica, concretamente, a gestão do sistema de leilões eletrónicos em causa, bem como a emissão e a venda de «bids».

60      O facto de uma atividade económica, como a exercida pela sociedade cipriota em causa no processo principal, que consiste em gerir um sistema de leilões eletrónicos, incluindo, por um lado, a disponibilização de um sítio Internet de leilões à sociedade polaca, e, por outro, a emissão e a venda de «bids» aos clientes na Polónia, poder ser exercida sem necessitar de estrutura humana e material efetiva no território polaco não é determinante. Apesar da sua natureza específica, tal atividade económica necessita, pelo menos, de uma estrutura adequada, designadamente em termos de recursos humanos e técnicos, tais como um equipamento informático, servidores e programas informáticos adaptados.

61      Nas observações escritas e na audiência, a sociedade polaca alegou que a infraestrutura que disponibiliza à sociedade cipriota não permite que esta receba e utilize, para efeitos da sua atividade económica, os serviços que lhe são prestados pela referida sociedade polaca. Segundo esta última, os recursos humanos e técnicos para efeitos da atividade económica exercida pela sociedade cipriota, tais como os servidores informáticos, os programas informáticos, o serviço informático e o sistema para celebrar contratos com os consumidores e receber receitas destes, estão localizados fora do território polaco. Estas circunstâncias de facto não foram verificadas no âmbito do processo principal.

62      Ora, é da exclusiva competência do órgão jurisdicional nacional verificar tais elementos a fim de analisar se a sociedade cipriota dispõe, na Polónia, dos recursos humanos e técnicos necessários que lhe permitam receber prestações de serviços efetuadas pela sociedade polaca e utilizá-las para a gestão e manutenção do sítio Internet de leilões e para a emissão e comercialização dos «bids».

63      Se os elementos factuais alegados pela sociedade polaca se revelarem exatos, o órgão jurisdicional de reenvio será levado a concluir que a sociedade cipriota não dispõe de um estabelecimento estável na Polónia, não tendo a infraestrutura necessária que lhe permita receber prestações de serviços efetuadas pela sociedade polaca e utilizá-las para efeitos da sua atividade económica.

64      O facto de as atividades económicas das duas sociedades, vinculadas por um contrato de colaboração, constituírem um todo económico e de os seus resultados beneficiarem essencialmente consumidores na Polónia não é pertinente para determinar se a sociedade cipriota possui um estabelecimento estável na Polónia. Como salientaram, com justeza, a sociedade polaca, o Governo cipriota e a Comissão Europeia, importa efetivamente distinguir as prestações de serviços efetuadas pela sociedade polaca à sociedade cipriota das que esta última efetua aos consumidores na Polónia. Trata-se de prestações de serviços distintas que foram sujeitas a regimes de IVA diferentes.

65      Tendo em conta todas as observações precedentes, há que responder à questão prejudicial que se deve considerar que um primeiro sujeito passivo com a sede da sua atividade económica num Estado-Membro, que beneficie de serviços prestados por um segundo sujeito passivo estabelecido noutro Estado-Membro, dispõe, nesse outro Estado-Membro, de um «estabelecimento estável», na aceção do artigo 44.° da Diretiva IVA, com vista à determinação do lugar de tributação desses serviços, se esse estabelecimento se caraterizar por um grau suficiente de permanência e uma estrutura apta, em termos de recursos humanos e técnicos, a permitir-lhe receber prestações de serviços e a utilizá-las para efeitos da sua atividade económica, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

66      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

Deve considerar-se que um primeiro sujeito passivo com a sede da sua atividade económica num Estado-Membro, que beneficie de serviços prestados por um segundo sujeito passivo estabelecido noutro Estado-Membro, dispõe, nesse outro Estado-Membro, de um «estabelecimento estável», na aceção do artigo 44.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, com vista à determinação do lugar de tributação desses serviços, se esse estabelecimento se caraterizar por um grau suficiente de permanência e uma estrutura apta, em termos de recursos humanos e técnicos, a permitir-lhe receber prestações de serviços e a utilizá-las para efeitos da sua atividade económica, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


* Língua do processo: polaco.