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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

5 de março de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial — Impostos indiretos — Impostos especiais de consumo — Diretiva 2008/118/CE — Artigo 1.°, n.° 2 — Combustível líquido sujeito a impostos especiais de consumo — Imposto sobre as vendas a retalho — Conceito de ‘motivo específico’ — Afetação predeterminada — Organização dos transportes públicos na área urbana de uma cidade»

No processo C-553/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela Tallinna ringkonnakohus (Estónia), por decisão de 15 de outubro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de outubro de 2013, no processo

Tallinna Ettevõtlusamet

contra

Statoil Fuel & Retail Eesti AS,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas (relator) e C. G. Fernlund, juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Tallinna Ettevõtlusamet, por T. Pikamäe, advokaat,

–        em representação da Statoil Fuel & Retail Eesti AS, por C. Ginter e V. Puolakainen, advokaadid,

–        em representação do Governo grego, por I. Bakopoulos, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Grønfeldt e L. Naaber-Kivisoo, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Tallinna Ettevõtlusamet (sociedade de atividades empresariais de Taline, a seguir «Ettevõtlusamet») à Statoil Fuel & Retail Eesti AS (a seguir «Statoil»), a respeito do reembolso do imposto sobre as vendas pago por esta sociedade durante os anos de 2010 e 2011.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 1.° da Diretiva 2008/118 dispõe:

«1.      A presente diretiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos seguintes produtos, adiante designados ‘produtos sujeitos a impostos especiais de consumo’:

a)      Produtos energéticos e eletricidade, abrangidos pela Diretiva 2003/96/CE [do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO L 283, p. 51)];

[...]

2.      Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.

[...]»

4        O artigo 47.°, n.° 1, da Diretiva 2008/118 precisa, no seu primeiro parágrafo, que «[a] Diretiva 92/12/CEE [do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1)] é revogada com efeitos a partir de 1 de abril de 2010».

5        O artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 92/12 dispunha:

«Os produtos [sujeitos a impostos especiais de consumo] mencionados no n.° 1 podem ser sujeitos a outras imposições indiretas com finalidades específicas, desde que essas imposições respeitem as regras de tributação aplicáveis em matéria de impostos especiais de consumo ou de IVA para a determinação da base tributável, o cálculo, a exigibilidade e o controlo do imposto.»

 Direito estónio

6        Na versão aplicável ao litígio no processo principal, a Lei sobre os impostos locais (kohalike maksude seadus), de 21 de setembro de 1994, permitia às coletividades locais aplicar um imposto nas condições previstas no artigo 8.° Este artigo, sob a epígrafe «Imposto sobre as vendas», dispunha:

«(1)      O imposto sobre as vendas deve ser pago por empresários em nome individual e pessoas coletivas que possuam uma licença comercial ou para prestar serviços no território do município. O imposto sobre as vendas é pago, em função do local do estabelecimento, pelos comerciantes na aceção da lei sobre a atividade comercial [(kaubandustegevuse seadus), de 11 de fevereiro de 2004], inscritos no registo das atividades económicas e que exerçam a sua atividade nos setores do comércio a retalho, da restauração ou dos serviços.

(2)      O imposto sobre as vendas é cobrado sobre o valor dos bens ou dos serviços vendidos pelo sujeito passivo no território do município, incluído no seu preço de venda. Na aceção da presente lei, o preço de venda dos bens ou dos serviços é o valor tributável do volume de negócios tributável definido na lei sobre o volume de negócios, excluído o imposto sobre as vendas.

(3)      A taxa do imposto sobre as vendas é determinada pelo conselho municipal ou comunal, não podendo, no entanto, ultrapassar 1% do valor dos bens e dos serviços, nos termos do n.° 2, incluído no preço de venda.

[…]

(6)      A Administração municipal ou comunal pode conceder benefícios e isenções do imposto sobre as vendas, nos termos das condições e do procedimento fixado pelo conselho municipal ou comunal.»

7        O referido artigo 8.° foi revogado com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2012 e, depois dessa data, não foi previsto nenhum imposto sobre as vendas.

8        Em 17 de dezembro de 2009, o Tallinna Linnavolikogu (conselho municipal de Taline) aprovou o Regulamento n.° 45, relativo ao imposto de Taline sobre as vendas (müügimaks Tallinnas). Este regulamento foi modificado pelo Regulamento n.° 22 do Tallinna Linnavolikogu, de 8 de abril de 2010 (a seguir «Regulamento n.° 45»).

9        O artigo 1.° do Regulamento n.° 45, sob a epígrafe «Designação do imposto e matéria tributável», previa:

«(1)      Através do presente regulamento, é introduzido na cidade de Taline um imposto sobre as vendas.

(2)      O imposto sobre as vendas é cobrado sobre bens e serviços fornecidos por um sujeito passivo que cumpre os requisitos do artigo 2.° do regulamento, num estabelecimento situado na área urbana de Taline ou a partir desse estabelecimento, a pessoas singulares (com exceção dos empresários em nome individual, para as suas atividades empresariais) nos setores do comércio a retalho, da restauração e dos serviços.»

10      O artigo 2.° do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Sujeito passivo», dispunha:

«Estão sujeitos ao imposto os comerciantes na aceção da Lei [de 11 de fevereiro de 2004], relativa à atividade comercial, que cumpram os seguintes requisitos:

1)      O comerciante deve estar inscrito no registo das atividades económicas;

2)      O estabelecimento do comerciante deve estar situado na área urbana da cidade de Taline, de acordo com os dados constantes do registo das atividades económicas;

3)      O comerciante deve exercer a sua atividade nos setores do comércio a retalho, da restauração ou dos serviços.»

11      O artigo 4.° do Regulamento n.° 45 fixava a taxa do imposto sobre as vendas em 1% do valor tributável dos bens e dos serviços referidos no artigo 1.°, n.° 2, desse regulamento.

12      O artigo 5.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Isenções fiscais», dispunha:

«Não estão sujeitos ao imposto sobre as vendas os bens e os serviços da seguinte natureza:

1)      os bens e serviços vendidos por meio do comércio eletrónico;

2)      a energia elétrica e térmica vendida através da rede de distribuição, o gás natural e a água;

3)      os bens e serviços vendidos durante uma viagem de barco, aeronave, comboio ou autocarro, quando a viagem começar ou terminar fora da área urbana da cidade de Taline ou quando o barco, a aeronave, o comboio ou o autocarro, durante a viagem, estiverem fora da área urbana de Taline;

4)      qualquer medicamento, meio contracetivo, produto sanitário e de higiene, aparelhos médicos, bem como qualquer dispositivo médico que conste da lista elaborada pelo Regulamento n.° 63 do Ministro dos Assuntos Sociais, de 4 de dezembro de 2006 [...];

5)      pão sem adição de mel, ovos, queijo ou frutos [...];

6)      leite, natas, soro de manteiga, leite e natas coalhadas, iogurtes, kefir e outros leites e natas fermentados ou acidificados [...], exceto em pó, em granulado ou sob outras formas sólidas [...];

7)      preparações (homogeneizadas) em puré, destinadas a serem utilizadas como alimentos para crianças de tenra idade [...], leites especiais para bebés [...], preparações para a alimentação das crianças de tenra idade, acondicionadas para a venda a retalho, em pó ou no estado líquido [...] bem como alimentos para crianças de tenra idade que contenham leite ou produtos lácteos [...];

8)      fraldas para bebés [...];

9)      embarcações, iates e barcos com motor fora de bordo, de 4 a 12 metros de comprimento, sujeitos a controlo técnico.»

13      Além disso, o município de Taline anunciou por escrito que as vendas de cigarros estavam igualmente isentas do imposto sobre as vendas.

14      O artigo 13.° do Regulamento n.° 45 previa que este último era aplicável a partir de 1 de junho de 2010.

15      Em 22 de junho de 2010, o Tallinna Linnavolikogu aprovou o Regulamento n.° 39, que alterou o orçamento da cidade de Taline para o ano de 2010 e primeiro orçamento complementar (Tallinna linna 2010. aasta eelarve muutmine ja esimene lisaeelarve). Este regulamento entrou em vigor em 25 de junho de 2010 e modificou o Regulamento n.° 45, aditando-lhe o artigo 91, com a seguinte redação:

«O imposto sobre as vendas é cobrado para a organização, na área urbana da cidade de Taline, dos transportes públicos referidos no artigo 6.°, n.° 1, da Lei relativa à organização das coletividades locais [(kohaliku omavalitsuse korralduse seadus), de 2 de junho de 1993 (a seguir ‘lei relativa à organização das coletividades locais’)]. O produto do imposto sobre as vendas será destinado, de modo específico, à realização desse objetivo.»

16      Em 9 de setembro de 2010, o Tallinna Linnavolikogu aprovou o Regulamento n.° 46, relativo ao orçamento da cidade de Taline para o ano de 2011 (Tallinna Linna 2011. aasta eelarve). O artigo 10.° deste regulamento tinha a mesma redação que o referido artigo 91.

17      Em 15 de dezembro de 2011, o Tallinna Linnavolikogu aprovou o Regulamento n.° 43, que alterou o Regulamento n.° 45, precisando que o último período de tributação seria o quarto trimestre de 2011. Desde 31 de dezembro de 2011, deixou de haver imposto sobre as vendas na cidade de Taline, em conformidade com a modificação introduzida na Lei de 21 de setembro de 1994, relativa aos impostos locais.

18      O artigo 6.°, n.° 1, da lei relativa à organização das coletividades locais prevê:

«As coletividades locais têm por missão organizar, na área urbana da comuna ou da cidade, [...] os transportes públicos no interior da comuna ou da cidade, [...] se a realização dessa missão não for confiada a outrem.»

19      O artigo 3.°, n.° 2, ponto 2, da Lei relativa aos transportes públicos (ühistranspordi seadus), de 26 de janeiro de 2000, dispõe:

«(2)      o objetivo da conceção e da organização dos transportes públicos é:

[...]

2)      favorecer a utilização preferencial dos meios de transporte públicos relativamente às viaturas e a outros veículos privados, reduzindo assim os efeitos negativos dos transportes no ambiente e os prejuízos para a saúde daí resultantes, contribuindo simultaneamente para a prevenção dos acidentes rodoviários e dos engarrafamentos.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

20      Como resulta da decisão de reenvio, dentre as atividades da Statoil figura a venda a retalho de combustível líquido, produto sujeito a impostos especiais de consumo. Em 20 de julho de 2010, 20 de outubro de 2010 e 25 de janeiro de 2011, a Statoil declarou o volume de negócios que tinha realizado com a venda de bens e de serviços sujeitos ao imposto sobre as vendas, respetivamente, durante o mês de junho de 2010 e o terceiro e quarto trimestres do mesmo ano.

21      Respetivamente, em 22 de setembro de 2010, 26 de outubro de 2010 e 7 de fevereiro de 2011, a Statoil apresentou declarações retificativas, nas quais deduziu do seu volume de negócios declarado anteriormente o realizado com a venda de produtos sujeitos aos impostos especiais de consumo. Respetivamente, em 22 de setembro de 2010, 28 de outubro de 2010 e 9 de fevereiro de 2011, a Statoil apresentou pedidos de reembolso na Ettevõtlusamet.

22      Por decisões de 19 de outubro de 2010, 9 de novembro de 2010 e 4 de março de 2011, a Ettevõtlusamet indeferiu esses pedidos. Além disso, na última destas decisões, determinou que, em relação ao quarto trimestre de 2010, a Statoil era devedora de uma quantia adicional.

23      Em 19 de novembro de 2010, a Statoil interpôs um recurso no Tallinna halduskohus (tribunal administrativo de Taline), com o objetivo, em substância, de anular as decisões da Ettevõtlusamet de 19 de outubro e 9 de novembro de 2010 e de que fosse ordenado o reexame dos pedidos de reembolso de 22 de setembro e 28 de outubro de 2010, ou o reembolso imediato do excesso cobrado, indicado nos pedidos de reembolso. No seu recurso, a Statoil invocou especialmente o facto de o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 45 ser contrário ao direito da União, porque impunha o pagamento de um imposto de venda de bens e de serviços no setor do comércio a retalho, sem prever exceções para a venda de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo. Em 5 de abril de 2011, a Statoil interpôs nesse mesmo órgão jurisdicional um recurso similar contra a decisão da Ettevõtlusamet de 4 de março de 2011. O Tallinna halduskohus decidiu ordenar a apensação desses recursos.

24      Por decisão de 19 de outubro de 2011, o Tallinna halduskohus anulou as três referidas decisões da Ettevõtlusamet e ordenou a esta última que procedesse ao reexame dos pedidos de reembolso em causa. Em apoio da sua decisão, o Tallinna halduskohus invocou, em substância, o facto de o imposto sobre as vendas não poder ser considerado um motivo específico na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118.

25      A Ettevõtlusamet interpôs um recurso de apelação no órgão jurisdicional de reenvio, alegando especialmente que o imposto sobre as vendas é cobrado com um objetivo concreto, ou seja, a promoção dos transportes públicos e a consequente redução da densidade do tráfego rodoviário e dos seus efeitos negativos no ambiente; que a cidade de Taline utiliza o produto desse imposto para aumentar a qualidade dos transportes públicos; e que o referido imposto tem por objetivo quer a penalização do consumo de certos bens e serviços suscetíveis de ocasionar custos sociais ou efeitos externos negativos quer o financiamento dos serviços de interesse geral.

26      No recurso de apelação, a Statoil concluiu que devia ser negado provimento ao recurso, sustentando, em especial, que a finalidade prevista na regulamentação aplicável é a organização dos transportes públicos, e não a sua promoção como a Ettevõtlusamet invoca.

27      A Tallinna ringkonnakohus (tribunal de apelação de Taline) considera que, para provar que o imposto cobrado sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo foi utilizado em conformidade com o motivo específico indicado, a Ettevõtlusamet tem unicamente de apresentar as provas que resultam do orçamento da cidade. Refere que, no caso concreto, não há razão que leve a pensar que os montantes resultantes do imposto sobre as vendas não foram utilizados em conformidade com esse motivo específico.

28      Por outro lado, o órgão jurisdicional nacional considera que os impostos que têm um motivo específico são habitualmente utilizados para penalizar o consumo de certos bens e serviços suscetíveis de ocasionar custos sociais ou efeitos externos negativos, como os efeitos nocivos para o ambiente, ou para financiar certos serviços de interesse geral, como a promoção do turismo, do desporto ou da cultura. Por conseguinte, este tipo de imposto é um meio utilizado pelas autoridades para influenciar o comportamento dos consumidores, incitando-os a evitar, pela aplicação de tais impostos a gastos condenáveis, a utilização de determinados bens.

29      No entanto, segundo a Tallinna ringkonnakohus, na data da decisão de reenvio, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não tinha dado uma resposta clara à questão de saber se um imposto indireto tem um motivo específico, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, sempre que seja cobrado para o financiamento de uma missão concreta que incumbe à coletividade local nos termos da lei e sempre que o financiamento desta missão seja também assegurado se esse imposto não for cobrado. A este respeito, o referido órgão jurisdicional nacional assinala que a totalidade das receitas cobradas, geradas pelo imposto sobre as vendas, foi destinada à organização dos transportes públicos, o que pode diminuir a poluição e aumentar o bem-estar geral.

30      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à legalidade da cobrança do referido imposto durante o período em que o motivo específico do mesmo imposto não estava expressamente previsto num ato jurídico, assinalando, a este respeito, que foi apenas durante o período de cobrança objeto do litígio, ou seja, a partir de 25 de junho de 2010, que o artigo 91 foi aditado ao Regulamento n.° 45.

31      Nestas circunstâncias, a Tallinna ringkonnakohus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O financiamento da gestão dos serviços de transportes públicos no território de uma autarquia local pode ser considerado [um motivo específico], na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva [2008/118], quando o cumprimento e o financiamento deste tipo de funções é parte integrante das obrigações dessa autarquia local?

2)      Em caso de resposta afirmativa a esta questão: o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva [2008/118] deve ser interpretado no sentido de que esta disposição é respeitada quando o direito nacional prevê um imposto indireto que é cobrado sobre a venda aos consumidores finais de um produto sujeito a impostos especiais de consumo e é utilizado exclusivamente para a gestão dos serviços de transportes públicos, quando esta gestão constitui uma obrigação da autarquia local credora do imposto que tem de ser cumprida independentemente da existência de um imposto indireto deste tipo, e o valor do financiamento da gestão não resulta, em última instância, automaticamente do montante do imposto cobrado devido ao facto de o valor do montante disponibilizado para a gestão dos serviços de transportes públicos estar fixado de forma precisa, pelo que, quando as receitas provenientes do imposto indireto forem mais elevadas o valor dos outros recursos financeiros públicos para a gestão dos serviços de transportes públicos é reduzido de forma correspondente, e, no caso oposto, i.e., caso a receita proveniente do imposto sobre as vendas seja mais reduzida, a autarquia local é obrigada a aumentar de forma correspondente os outros recursos financeiros disponibilizados para a gestão dos serviços de transportes públicos, sendo possível, caso as receitas fiscais divirjam do previsto, alterar o valor das despesas relativas à exploração da gestão dos serviços públicos de transportes através de uma alteração do orçamento dessa autarquia local?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão: o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva [2008/118] deve ser interpretado no sentido de que esta disposição é respeitada quando é cobrado adicionalmente um imposto indireto sobre um produto sujeito a um imposto especial de consumo cuja afetação é definida após a constituição da obrigação de pagamento deste imposto?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e segunda questões

32      Através da primeira e segunda questões prejudiciais, que convém examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional nacional pergunta, em substância, se o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que permite considerar que um imposto como o que está em causa no processo principal, na medida em que incide sobre as vendas a retalho de combustível líquido sujeito a impostos especiais de consumo, tem um motivo específico, na aceção dessa disposição, quando se destina a financiar a organização dos transportes públicos na área urbana da coletividade que aplica esse imposto, quando essa coletividade, independentemente da existência do referido imposto, tem a obrigação de executar e de financiar essa atividade e quando as receitas desse imposto foram utilizadas exclusivamente para a realização dessa atividade.

33      A título liminar, convém recordar que resulta da decisão de reenvio que o litígio no processo principal, que apenas diz respeito ao imposto sobre as vendas na medida em que este tenha incidido sobre as vendas a retalho de combustível líquido, assenta na premissa não contestada de que esse produto está abrangido pelo conceito de «produtos sujeitos a impostos especiais de consumo», na aceção do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2008/118. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar-se, eventualmente, sobre este aspeto. De qualquer forma, uma vez que compete ao Tribunal de Justiça pronunciar-se tendo em conta as considerações de facto e de direito expostas na decisão de reenvio (v. acórdãos B., C-306/09, EU:C:2010:626, n.° 47, e Kastrati, C-620/10, EU:C:2012:265, n.° 38), manterá, no caso em apreço, a mesma premissa para efeitos da sua análise.

34      Por outro lado, embora a Diretiva 2008/118, única aplicável ratione temporis no processo principal, tenha revogado e substituído a Diretiva 92/12 com efeitos a contar de 1 de abril de 2010, decorre dos textos do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118 e do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 92/12 que o teor destas disposições não é substancialmente diferente. Por conseguinte, há que deduzir que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a esta última disposição continua aplicável no que diz respeito ao artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118.

35      Segundo a interpretação conjugada dos n.os 1 e 2 do artigo 1.° desta última diretiva, os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo nos termos da referida diretiva podem ser objeto de uma imposição indireta diferente do imposto especial de consumo instituído por esta diretiva, se, por um lado, essa imposição for cobrada por um ou vários motivos específicos e se, por outro, respeitar as regras fiscais da União aplicáveis aos impostos especiais de consumo ou ao IVA para a determinação da base tributável, o cálculo, a exigibilidade e a fiscalização do imposto, dado que estas regras não incluem as disposições relativas às isenções.

36      Estas duas condições, que visam evitar que as imposições indiretas suplementares entravem indevidamente as trocas comerciais, são cumulativas, como decorre do próprio texto do artigo 1.°, n.° 2, da mesma diretiva (v., por analogia, acórdão Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.° 22 e jurisprudência referida).

37      No que respeita à primeira destas condições, única visada pelas questões colocadas, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um motivo específico, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, não é uma finalidade meramente orçamental (v., por analogia, acórdãos Comissão/França, C-434/97, EU:C:2000:98, n.° 19, e Transportes Jordi Besora, EU:C:2014:108, n.° 23 e jurisprudência referida).

38      No entanto, uma vez que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental, o simples facto de um imposto ter um objetivo orçamental não é suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico, na aceção da referida disposição (v., por analogia, acórdão Transportes Jordi Besora, EU:C:2014:108, n.° 27 e jurisprudência referida).

39      Por conseguinte, embora a afetação do produto de um imposto ao financiamento, pelas autoridades locais, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, essa afetação, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado-Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que qualquer Estado-Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas. Caso contrário, qualquer motivo poderia ser considerado específico, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado, instituído por esta diretiva, de todo o efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória como a do artigo 1.°, n.° 2, deve ser objeto de interpretação estrita (v., por analogia, acórdão Transportes Jordi Besora, EU:C:2014:108, n.os 28 e 29 e jurisprudência referida).

40      Por conseguinte, a existência de um motivo específico na aceção da referida disposição não pode ser estabelecida pela simples afetação das receitas do imposto considerado ao financiamento de despesas gerais que incumbem à coletividade pública num dado setor. Com efeito, no caso contrário, o alegado motivo específico não poderia ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental.

41      Para que a afetação predeterminada do produto de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na aceção da mesma disposição, é preciso que o imposto em causa tenha por objeto, por si mesmo, assegurar a realização do motivo específico invocado e que, portanto, exista um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e o referido motivo (v., neste sentido, acórdão Transportes Jordi Besora, EU:C:2014:108, n.° 30).

42      Na falta desse mecanismo de afetação predeterminada das receitas, um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado que tem um motivo específico, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo (v., neste sentido, acórdão Transportes Jordi Besora, EU:C:2014:108, n.° 32).

43      No caso em apreço, decorre da decisão de reenvio que as receitas do imposto sobre as vendas, que, aliás, incide sobre a maior parte dos bens e serviços vendidos aos consumidores finais na área urbana da cidade de Taline, foram afetadas, por esta cidade, ao financiamento do exercício da sua competência em matéria de organização dos transportes públicos na respetiva área urbana, competência que lhe foi atribuída pelo artigo 6.°, n.° 1, da lei relativa à organização das coletividades locais, e foram exclusivamente utilizadas para esse fim.

44      Embora esta circunstância possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.° 39 do presente acórdão, no entanto, é necessário declarar que essa afetação se refere a despesas gerais que incumbem à cidade de Taline, independentemente da existência do imposto em causa no processo principal. Ora, essas despesas gerais são suscetíveis de ser financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza. Por conseguinte o motivo específico invocado, ou seja, o financiamento da organização dos transportes públicos na cidade de Taline não pode ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental.

45      Além do mais, mesmo considerando provado, por um lado, que a alegação da Ettevõtlusamet e do Governo grego segundo a qual, em substância, o imposto sobre as vendas, na medida em que incide sobre os combustíveis líquidos sujeitos a impostos especiais de consumo, tem por objetivo, através de uma organização eficaz dos transportes públicos, a proteção do ambiente e da saúde pública, bem como, por outro lado, que não se trata de simples despesas gerais suscetíveis de serem financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza (v., neste sentido, a propósito de despesas de saúde em geral, acórdão Transportes Jordi Besora, EU:C:2014:108, n.° 31), importa assinalar que a legislação nacional em causa no processo principal não prevê nenhum mecanismo de afetação predeterminada das receitas desse imposto, na medida em que incide sobre combustíveis líquidos sujeitos a impostos especiais de consumo, a fins ambientais ou de saúde pública. A este respeito, não se pode considerar que a simples afetação das receitas em causa no processo principal à organização dos transportes públicos permita estabelecer um nexo direto, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.° 41 do presente acórdão, entre a utilização das receitas do referido imposto e essas finalidades ambientais e de saúde pública.

46      Além disso, não decorre dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, e, de resto, não foi sustentado nas observações escritas que lhe foram apresentadas, que o imposto sobre as vendas, na medida em que incide sobre os combustíveis líquidos sujeitos a impostos especiais de consumo, reúne os requisitos recordados no n.° 42 do presente acórdão, concretamente, que foi concebido, no que diz respeito à sua estrutura, de modo a dissuadir os contribuintes de utilizarem esses combustíveis ou a encorajá-los a adotar um comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente ou a saúde pública do que aquele que esses contribuintes adotariam se não houvesse esse imposto.

47      Resulta de todas as considerações expostas que há que responder à primeira e à segunda questão que o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não permite considerar que um imposto como o que está em causa no processo principal, na medida em que incide sobre as vendas a retalho de combustível líquido sujeito a impostos especiais de consumo, tem um motivo específico, na aceção dessa disposição, quando tenha por objetivo financiar a organização dos transportes públicos na área urbana da coletividade que aplica esse imposto e quando a referida coletividade, independentemente da existência desse imposto, esteja obrigada a executar e a financiar essa atividade, mesmo que as receitas desse imposto tenham sido utilizadas exclusivamente para a realização dessa atividade. Por conseguinte, a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que institui esse imposto sobre as vendas a retalho de combustível líquido sujeito a impostos especiais de consumo.

 Quanto à terceira questão

48      Atendendo à resposta dada à primeira e à segunda questão, não há que responder à terceira questão.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não permite considerar que um imposto como o que está em causa no processo principal, na medida em que incide sobre as vendas a retalho de combustível líquido sujeito a impostos especiais de consumo, tem um motivo específico, na aceção dessa disposição, quando tenha por objetivo financiar a organização dos transportes públicos na área urbana da coletividade que aplica esse imposto e quando a referida coletividade, independentemente da existência desse imposto, esteja obrigada a executar e a financiar essa atividade, mesmo que as receitas desse imposto tenham sido utilizadas exclusivamente para a realização dessa atividade. Por conseguinte, a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que institui esse imposto sobre as vendas a retalho de combustível líquido sujeito a impostos especiais de consumo.

Assinaturas


* Língua do processo: estónio.